Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANATÓNIO CONDESSO | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO DE PENAS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 10/26/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Uma vez que nos termos do a.u.j. 9/2016 “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”, não deve ser englobada na pena única a pena aplicada a uma crime cujos factos são posteriores ao trânsito em julgado da primeira condenação, ainda que sejam anteriores ao trânsito em julgado de uma segunda condenação cujos factos, por sua vez, estão numa relação de concurso com os factos daquela primeira condenação. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora
I- Relatório (…) veio recorrer do despacho que entendeu que a pena sofrida no âmbito do presente processo (41/18.1 PEFAR) não pode ser cumulada com as dos processos 57/13.4 PEFAR e 214/10.5 JAFAR já cumuladas entre si. Suscita a seguinte questão: - realização de um novo cúmulo jurídico ou a reformulação do cúmulo jurídico já realizado no âmbito do processo 57/13.4 PEFAR. O MP respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência. Nesta Relação, o Exº PGA emitiu parecer no mesmo sentido. * II- Fundamentação Despacho recorrido “Pese embora a posição assumida pelo Digno Magistrado do Ministério Público Magistrado do Ministério Público, não se poderá concordar com a mesma. Sendo certo que a condenação sofrida nestes autos foi cometida antes do trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n.º 57/13.4PEFAR, os factos pelos quais o arguido foi neste condenado encontravam-se numa situação de concurso com os factos pelos quais o arguido havia sido condenado no processo n.º214/10.5JAFAR. Tendo sido no 214/10 que ocorreu o primeiro trânsito em julgado, deveria ser esse o critério para determinar se existia cúmulo jurídico a realizar, o que foi efectivamente reconhecido no processo 57/13, onde, por ser o processo da última condenação, se realizou o cúmulo jurídico das penas aplicadas em ambos os processos. E os factos pelos quais foi condenado nos presentes autos, pese embora em concurso com as aplicadas no 57/13, são posteriores ao trânsito em julgado da condenação sofrida no 214/10. Assim, nos termos do art.º 77º e 78º do Código Penal, a pena sofrida nestes autos não pode ser cumulada com aquelas, nem aquele cúmulo reformulado, por que o foi correctamente, devendo ser cumprida de forma sucessiva”. * Apreciando Pugna o recorrente pela realização de um novo cúmulo jurídico ou a reformulação do cúmulo jurídico já realizado no âmbito do processo 57/13.4 PEFAR. Refere que “os presentes autos encontram-se numa situação de concurso com o processo n.º 57/13.4PEFAR, isto é a condenação sofrida no âmbito dos presentes autos foi cometida antes do trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 57/13.4PEFAR. O que faz com que estejamos perante um concurso de crimes nos termos do disposto no artigo 77.º e 78.º ambos do Código Penal. Não podendo de forma alguma o arguido, ora Recorrente ser prejudicado e não beneficiar de uma pena única porquanto foi realizado cúmulo jurídico no processo n.º 57/13.4PEFAR com o processo n.º 214/10.5JAFAR. Devendo sim ser realizado novo cúmulo jurídico em obediência aos supra mencionados preceitos legais e às regras da punição do concurso”. Mais acrescenta que “o despacho recorrido viola ainda os direitos, liberdades e garantias constantes da nossa Constituição e os princípios basilares do nosso direito penal e do nosso direito processual penal, nomeadamente os princípios da dignidade da pessoa humana, o do Estado de Direito, o da tipicidade, o da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 29.º, n.º 1 e 30.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. O MP opõe-se a tal pretensão invocando que “o processo 214/10.5 JAFAR, cuja decisão foi proferida em 11-07-2014 e transitou em julgado em 08-02-2016, integrou o cúmulo jurídico realizado no processo 57/13.4 PEFAR E, de acordo com o disposto no nº1 do artigo 78º e nº1 do artigo 77º, ambos do Código Penal, perante uma pluralidade de crimes há lugar à realização de cúmulo jurídico das penas para aplicação de uma pena única, sempre e quando os factos praticados tenham ocorrido antes do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso. Tal não se verificando, uma vez que os factos imputados ao arguido nestes autos, já foram praticados após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo 214/10.5JAFAR, o qual integrou o cúmulo jurídico realizado no processo 57/13.4PEFAR. Deste modo, com o devido respeito, entende-se que não se pode proceder à realização do cúmulo jurídico nos termos solicitados em sede de recurso, não tendo, por isso, sido violados os artigos 77º e 78º, ambos do Código Penal”. Por seu turno a Mmª Juíza do Tribunal a quo sustentou o respectivo despacho afirmando que decisão diversa determinaria um cúmulo por arrastamento, o que é legalmente inadmissível (fls. 2 do presente recurso em separado). Importa, antes de mais, estabelecer com precisão os momentos determinantes relativamente a cada um dos 3 processos aqui em causa. - pr. 214/10.5 JAFAR (factos de 9-6-2010 a 9-8-2013, vários crimes de roubo, detenção arma proibida, consumo estupefacientes), pena de 7 anos de prisão, trânsito em julgado a 8-2-2016; - pr. 57/13.4 PEFAR (factos de 8-12-2013, crime tráfico de estupefacientes), pena de 4 anos e 6 meses de prisão, trânsito em julgado a 28-11-2018; Em Março de 2019 realizou-se o cúmulo jurídico relativamente às penas aplicadas nestes 2 processos sendo aplicada a pena única de 8 anos e 8 meses de prisão, decisão transitada em julgado a 10/Set./2019. - Finalmente, neste pr. 41/18.1 PEFAR (factos de 22-10-2018, crime tráfico de menor gravidade), pena de 3 anos e 6 meses de prisão, trânsito em julgado a 27-11-2020. E perante tais dados e a jurisprudência já há muito estabilizada sobre a matéria, máxime após o Ac. STJ 9-2016 Fix. Jur. Crime, in DR de 9-6-2016, resulta claro que o despacho se encontra correctamente elaborado, não sendo passível de qualquer tipo de censura. Em tal acórdão fixou-se a seguinte jurisprudência: “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”. Mais se acrescentando, por exemplo, o seguinte na respectiva fundamentação: “E por isso é que, no caso de conhecimento superveniente do concurso, os crimes não deixam de estar em concurso se cometidos depois da condenação que primeiro transitou, desde que sejam todos anteriores a esse trânsito. 4.2. Se agora nos debruçarmos sobre o nº 1 do art. 77º do CP, no que concretamente se refere aos pressupostos do concurso, já vimos que ele terá lugar “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles”. Como é evidente, a expressão “qualquer um deles” não quer dizer que se possa escolher discricionariamente um deles que tenha transitado, para apurar se os outros crimes foram praticados antes do trânsito do dito. Há que ver qual dos crimes transitou em primeiro lugar (que pode ser qualquer um deles), e é em relação a esse que se tem que aferir a anterioridade dos outros. Não fora assim, facilmente cairíamos em situações de cúmulo por arrastamento que a jurisprudência tem uniformemente rejeitado. Dir-se-á ainda, a concluir este ponto, que não é de excluir que no momento do conhecimento do concurso se depare com crimes, em concurso, e relativamente a um ou a alguns haja já condenações, se bem que não transitadas. Nesse caso, haverá que esperar pelo trânsito de todas elas para fazer o cúmulo”. Ou, por exemplo, no Ac. STJ de 25-10-2017, pr. 42/14.9SOLSB.L1.S1, rel. Maia Costa, assim sumariado: “I - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, existe concurso de crimes quando alguém comete vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado de uma condenação estabelece, pois, uma linha de fronteira entre os crimes cometidos antes e depois, excluindo do concurso estes últimos, que se encontram numa relação de sucessão com os primeiros. II - Nos termos da mesma disposição, a regra do cúmulo jurídico, ou seja, de aplicação de uma única pena a um conjunto de crimes é privativa do concurso de crimes, vigorando na sucessão de crimes a regra da acumulação material de penas. III - O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso, e não a data da decisão condenatória, conforme se decidiu no AFJ 9/16 deste STJ (publicado no DR, I-A, de 09-06-2016). IV - No caso de o conhecimento do concurso ser superveniente, ou seja, quando só após o trânsito em julgado se tem conhecimento da existência de condenações anteriores, aplicam-se as mesmas regras (art. 78.º, n.ºs 1 e 2, do CP), devendo o tribunal da última condenação proceder ao cúmulo jurídico das penas como se o conhecimento de todas elas fosse contemporâneo. V - Existem, porém, casos em que uma pena está em concurso simultaneamente com outras penas que, por sua vez, não estão numa relação de concurso entre si. Ou seja, há duas (ou mais) penas que entre si estão numa relação de sucessão, mas existe uma outra pena que está em concurso com qualquer daquelas. Terá essa “pena-charneira” a virtualidade de “arrastar” todas as penas para um único concurso, punido consequentemente com uma pena única? VI - A resposta da doutrina sempre foi no sentido de não admitir a figura do “cúmulo por arrastamento”. Já na jurisprudência persistiu durante vários anos a orientação oposta, sufragada aliás por este STJ. Contudo, desde há muitos anos que a jurisprudência deste Tribunal é unânime na rejeição do “cúmulo por arrastamento”. VII - Na verdade, não só seria absurdo que a prática de mais um crime servisse de expediente para a fusão num único concurso de um conjunto de penas que, não fora essa outra condenação, deveriam ser cumpridas em termos de sucessão, ou seja, em acumulação material, como a solução é contra legem, pois o art. 77.º, n.º 1, do CP claramente determina, como vimos, a impossibilidade de proceder a um único cúmulo quando haja uma decisão condenatória transitada a interromper uma sequência de crimes. Nesse caso, a pluralidade de crimes não constituirá um concurso, mas sim uma sucessão, eventualmente acrescendo a agravante qualificativa da reincidência, se se verificarem os pressupostos do art. 75.º, do CP. VIII - Doutra forma, ou seja, se todas as penas, fossem anteriores, fossem posteriores ao trânsito, entrassem num único concurso, beneficiaria o arguido injustamente do regime do cúmulo jurídico de penas, mais favorável obviamente do que o da acumulação material, um benefício que ele certamente não mereceria por ter desprezado a “solene advertência” para o condenado não cometer novos crimes, que a condenação transitada encerra. IX - Recapitulando: em caso de pluralidade de crimes, o trânsito da primeira condenação por qualquer deles impede a formação de um único concurso de crimes com os que foram praticados posteriormente a esse trânsito, pelo que há que proceder a dois cúmulos: um entre as penas anteriores ao trânsito da primeira condenação; outro referente às penas correspondentes a factos posteriores a esse trânsito. Essas duas penas conjuntas deverão ser cumpridas sucessivamente. X - No caso de haver crimes que estão em concurso simultaneamente com outros crimes que, por sua vez, não estão em concurso entre si, não é possível efectuar um único cúmulo. Haverá, sim, que proceder a dois cúmulos autónomos, que se acumulam materialmente”. Daí que a pretensão do recorrente tenha por força que improceder. Uma última reflexão para a afirmação puramente conclusiva e carecida de qualquer tipo de fundamentação do recorrente quando afirma que “o despacho recorrido viola ainda os direitos, liberdades e garantias constantes da nossa Constituição e os princípios basilares do nosso direito penal e do nosso direito processual penal, nomeadamente os princípios da dignidade da pessoa humana, o do Estado de Direito, o da tipicidade, o da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 29.º, n.º 1 e 30.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. Para além de se mostrar inviável qualquer tipo de análise acerca de tais proclamações meramente conclusivas e carecidas de adequada densidade jurídica, importa não perder de vista que o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre tais matérias, por exemplo, no Acórdão n.º 212/02, de 22 de Maio de 2002, entendendo que “a interpretação normativa atribuída ao artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, considerando como momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória, não ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito, da tipicidade, da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 29.º, n.º 1 e 30.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” * III- Decisão Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs. * Évora, 26/10/2021 António Condesso Ana Bacelar
|