Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4110/15.1T8BRR.E2
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
APENSO PARA FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE
LESÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
JUNTA MÉDICA
PROVA COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- O apenso para fixação da incapacidade destina-se à fixação da natureza e grau de incapacidade que afeta o sinistrado ou o alegado sinistrado.
II- Somente no processo principal é possível decidir sobre a existência dos elementos constitutivos da figura jurídica do acidente de trabalho, nomeadamente o nexo de causalidade entre o evento e a lesão, perturbação ou doença (elemento causal).
III- Se as declarações prestadas pela parte (alegado sinistrado) se revelarem isentas e credíveis e forem apoiadas ou reforçadas por outros meios de prova, igualmente isentos e credíveis, nada impede que o conjunto dos aludidos meios de prova fundamente a decisão factual sobre o nexo causal entre o evento e a lesão, tendo o tribunal justificado de forma clara e suficiente porque desconsiderou o relatório por junta médica que havia proposto a inexistência de nexo de causalidade. (sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado V... e entidades responsáveis L... Seguros, S.A. e B..., Lda., foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e, em consequência, declaro o evento ocorrido em 13 de Outubro de 2015 que vitimou V... como acidente de trabalho e, em conformidade, condeno:
- a L... SEGUROS, S.A. a pagar-lhe a quantia de €4.443,88(quatro mil quatrocentos e quarenta e três euros), a título de indemnização por incapacidades temporárias, a que acrescem €13,60 (treze euros e sessenta cêntimos) a título de despesas com deslocações e os juros de mora vencidos desde a data de vencimento das prestações em falta.
- a B..., LDA. a pagar-lhe a quantia de €917,16 (novecentos e dezassete euros e dezasseis cêntimos), a título de indemnização por incapacidades temporárias, a que acrescem os juros de mora vencidos desde a data de vencimento das prestações em falta (…)»
Não se conformando com o decidido, veio a seguradora arguir a nulidade da sentença e interpor recurso da mesma, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. A douta Sentença de que ora se recorre está ferida de nulidade, nos termos da alínea c) do nº1 do art. 615º do C.P.C., por o Mmº Juiz do Tribunal a quo, visto os fundamentos da douta sentença estão em clara oposição à resposta dada à matéria de facto, bem como, ao dar como provado o artº 4º da Base Instrutória está a ir contra a sentença proferida no Apenso A, onde julgou o A. curado sem desvalorização, criando uma ambiguidade que torna a decisão ininteligível, de acordo com a alínea c) do nº1 do art. 615º do C.P.C;
2. Considerou o Mmº Juiz do Tribunal a quo que após realização do exame por junta médica, por sentença proferida no Apenso A, por unanimidade dos senhores peritos médicos, inexiste nexo de causalidade entre o alegado acidente e a hérnia que padeceu o sinistrado e que face aos exames complementares de diagnóstico junto aos autos, não se afigura existir fundamento para divergir do parecer unânime dos senhores peritos médicos, considerando o sinistrado curado sem desvalorização;
3. Em cumprimento do douto Acórdão proferido por esta Douta Relação, o Mmº Juiz do Tribunal a quo na resposta à matéria de facto, desta feita, deu como não provado o artº 7º da Base Instrutória “Em 13 de Outubro de 2015 o A. já padecia de uma hérnia inguinal, com saco provado” e como provado o artº 4º “Do evento referido em 2º resultou uma hérnia abdominal”;
4. O artº 4º da Base Instrutória deveria ter tido uma resposta diferente daquela que foi dada pelo douto Tribunal a quo, uma vez que da prova produzida o mesmo resultou não provado;
5. A ora Recorrente não só fez prova que o A. já padecia de uma hérnia inguinal com saco formado, como tal facto ficou assente na decisão proferida do Apenso A;
6. No auto de exame por junta médica a fls…., os senhores peritos médicos consideraram que “Atendendo ao constante no cap. II, nº 2, as hérnias da parede abdominal só são consideradas acidente de trabalho quando consequência de traumatismo direto da parede abdominal, situação que não se verifica no caso vertente e, sob o ponto de vista médico legal, propõe-se a inexistência de nexo de causalidade entre o alegado acidente e as lesões ali eventualmente decorrentes.”;
7. O MMº Juíz do Tribunal a quo quanto a esta matéria coloca enfâse nas declarações de parte do A.;
8. O artigo 466º, nº 3 do Código de Processo Civil estabelece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”.;
9. Sucede que, as declarações de parte, por serem prestadas por quem tem interesse direto na causa, não podem ser utilizadas, por si só, para considerar determinado facto como provado;
10. Não pode o MMº Juíz vir proferir duas decisões no âmbito do mesmo processo, antagónicas no seu conjunto;
11. Por um lado, não pode no Apenso A vir proferir uma decisão em que refere não ter fundamento para divergir do parecer unânime dos senhores peritos médicos, até porque os mesmos vão ao encontro dos exames complementares de diagnóstico junto aos autos e, depois nos autos principais, tendo por base exatamente a mesma documentação clínica que tiveram acesso na perícia médica, vir já dizer que apreciando os meios de prova que se descriminaram com as regras da experiência comum e com a informação clínica referente à assistência prestada pelo Hospital Garcia de Orta, o Tribunal ficou convicto de que, na sequência do esforço realizado na sustentação do barril de 50 l., o A. sofreu uma lesão na parede abdominal suficiente à protrusão do intestino;
12. O julgador terá sempre de fundamentar a sua discordância perante uma perícia, na medida em que esta é realizada por técnicos com habilitações que o julgador, à partida, não tem;
13. No caso concreto, existiu um exame por Junta Médica que não foi posto em crise por nenhuma das partes, visto não ter sido requerido qualquer esclarecimento, faculdade que lhes assistia;
14. Acresce que, se o MMº Juíz do Tribunal a quo, após a produção de prova em Audiência de Discussão e Julgamento, ficou com dúvidas quanto ao resultado da Junta Médica, tinha o poder de ordenar uma nova junta médica, pedir esclarecimentos os senhores peritos médicos ou solicitar pareceres complementares a outras entidades. O que não fez!;
15. Cabe ao julgador analisar a perícia e se nada houver a apontar ao Auto, se este se encontra fundamentado (como, aliás, é o caso), se não se demonstra que este está tecnicamente incorreto, então caberá ao julgador “homologá-lo”, o que fez ao proferir a decisão no Apenso A.;
16. Resultou provado que o Autor, aqui Recorrido não sofreu em consequência do acidente dos autos uma hérnia abdominal, devendo passar a constar do elenco dos factos não provados o artº 4º da Base Instrutória e voltando a constar dos factos provados o artº 7º por corresponder à decisão proferida no Apenso A e, em consequência, absolver a ora Recorrente do pedido.»
Com o patrocínio do Ministério Público, contra-alegou o sinistrado, pugnando pela improcedência da nulidade e do recurso.
O Tribunal de 1.ª instância considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido ao Tribunal da Relação, foi mantido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.ª Consequências do que se vier a decidir nas anteriores questões.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos relevantes para a boa decisão da causa:
1. No dia 13 de Outubro de 2015, pelas 14:30 horas, o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da B..., Lda.. (alínea A) dos factos assentes);
2. Desempenhando funções de técnico de operações de logística (alínea B) dos factos assentes);
3. Nas instalações de um cliente da B..., Lda. Sitas na Quinta da ..., na (Almada) (alínea C) dos factos assentes);
4. Com o salário anual de €13.248,33 [(€615 x 14) + (€8 x 242) + €2.702,33)]. (alínea D) dos factos assentes);
5. No dia 13 de Outubro de 2015, a B..., Lda. tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para L... Seguros, S.A., por contrato titulado pela apólice n.º 64/693085, pela retribuição anual de €10.981,82 [(€615 x 14) + (€215,62 x 11)] (alínea E) dos factos assentes);
6. Em exame médico realizado em 06/04/2017 o A. foi considerado curado sem desvalorização, desde 12 de Maio de 2016 (alínea F) dos factos assentes);
7. As RR. não pagaram ao A. qualquer quantia a título de indemnização por incapacidade temporária (alínea G) dos factos assentes);
8. No dia 13 de Outubro de 2015, pelas 14:30 horas, o barril que o A. tentava levantar escorregou (resposta ao artigo 1.º da base instrutória);
9. Ao tentar segurá-lo o A. fez esforço (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).
10. E, sentiu uma dor (resposta ao artigo 3.º da base instrutória).
11. Do evento referido em 2.º resultou para o A. uma hérnia abdominal (resposta ao artigo 4.º da base instrutória)
12. Que lhe determinou um período de incapacidade temporária absoluta de 14/10/2015 a 12/05/2016 (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).
13. O A. despendeu a quantia de €13,60 em deslocações a Tribunal e ao Gabinete Médico Legal (resposta ao artigo 6.º da base instrutória).
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IV. Nulidade da sentença
O apelante arguiu a nulidade da sentença, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.
Para tanto, alega que existe oposição entre a matéria de facto e os fundamentos da decisão, pois a resposta positiva dada ao artigo 4.º da base instrutória contraria a decisão proferida no Apenso A, onde se julgou o sinistrado curado sem desvalorização, criando uma ambiguidade que torna a decisão ininteligível.
Estipula-se na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do mencionado compêndio legal, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Na Constituição da República Portuguesa consagra-se, no artigo 205.º, a obrigação de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.
A fundamentação legalmente exigida visa dar a conhecer as razões de facto e de direito que o tribunal considerou e que originaram uma determinada conclusão que subjaz à decisão.
Daí que os fundamentos constituam as proposições em que assenta o silogismo da decisão.
Por isso, a sentença que enferma de vício lógico que a compromete é nula.
Todavia, este vício não é de frequente verificação. O mesmo só ocorre em situações em que se mostre claro que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto[2].
Dito de outro modo, para que se verifique tal vício tem de existir uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão tomada. Aqueles apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido diverso ou divergente.
Apreciemos o caso vertente.
Na sentença recorrida, mais precisamente no ponto IV desta peça processual, descrevem-se os factos considerados provados.
No âmbito destes factos, consta a resposta positiva dada ao artigo 4.º da base instrutória que corresponde ao ponto 11 dos factos assentes.
Ora, a circunstância de o tribunal a quo ter decidido que do evento referido no ponto 2 dos factos assentes resultou para o Autor uma hérnia abdominal em nada contraria a decisão de o ter considerado no Apenso A, curado sem desvalorização, desde 12 de maio de 2016.
O apenso para fixação da incapacidade para o trabalho[3] destina-se a fixar a natureza e o grau de incapacidade que afeta o (alegado) sinistrado.
A lesão ou sequela (hérnia abdominal) provocada pelo evento descrito no ponto 2, e que vem mencionada no ponto 11, pode ou não provocar incapacidades temporárias ou permanente, o que é questão distinta e que, por essa razão, não permitiria, à partida, existência de oposição.
Da análise da sentença, o que inferimos é que aos factos assentes o tribunal aplicou o direito, tendo concluindo pela verificação de um acidente de trabalho que vitimou o Autor, e cujas lesões sofridas, em consequência do evento, originaram incapacidades temporárias que, pelo quadro legal aplicado [que não foi impugnado], gera o direito ao recebimento de indemnização a satisfazer pelas entidades responsáveis. Na sequência, condenou as Rés a pagarem as indemnizações pelas incapacidades temporárias sofridas pelo sinistrado, na medida das respetivas responsabilidades.
Flui do referido que as premissas, factuais e jurídicas, estão perfeitamente de acordo com a decisão proferida, e que a circunstância de se ter considerado provado o facto que constituía o artigo 4.º da base instrutória não contraria a decisão proferida no apenso para fixação da incapacidade, inexistindo qualquer ambiguidade que torne a sentença recorrida ininteligível.
Em suma, improcede a arguida nulidade da sentença.
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V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Impugna o apelante a decisão sobre a matéria de facto relativamente à resposta dada aos artigos 4.º e 7.º da base instrutória.
No seu entender, o artigo 4.º deveria ter merecido uma resposta negativa e a factualidade descrita no artigo 7.º deveria ter sido considerada provada.
Sustenta o apelante que a materialidade em causa deve ser decidida nos termos que refere, com fundamento no exame por junta médica realizado, que se deve sobrepor às declarações de parte do sinistrado.
É o seguinte o teor dos artigos que se mostram em causa:
Artigo 4.º
- Do evento referido em 2.º resultou para o A. uma hérnia abdominal?
Artigo 7.º
- Em 13 de Outubro de 2015 o A. já padecia de uma hérnia inguinal, com saco formado?
O artigo 4.º mereceu resposta positiva e o artigo 7.º resposta negativa, por parte do tribunal a quo.
Vejamos como a 1.ª instância motivou a sua convicção quanto à decisão sobre a matéria de facto assumida:
«O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente os depoimentos prestados pelo autor e pela testemunha B..., conjugados a informação clínica referente à assistência prestada pelo Hospital Garcia de Orta, tendo em conta as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
Ouvido à matéria dos autos, embora tenha interesse no desfecho da demanda, V..., revelando isenção e merecendo total credibilidade, esclareceu que, procedia, como habitualmente, à descarga de barris de chapa com capacidade de 50 l, no cliente da R. Quinta da Vitória, através da lateral do camião, tendo um espaço disponível de manobra de cerca de 1 metro. Retirou o barril da palete superior, deitou-o e segurou-o com ambos os braços para o colocar no chão. Quando puxou, o barril embateu no barril da palete inferior e foi contra si, ficando com ele ao colo, encostado à parede. Nesse momento sentiu uma forte dor do lado direito, que descia até aos pés. Foi chamada uma ambulância e aconselhado a sentar-se e não fazer esforços por suspeita de lesão na coluna, que não se confirmou nos exames realizados no Hospital Garcia de Orta, onde o médico lhe disse que tinha uma hérnia inguinal do lado direito por esforço físico brusco, à qual viria a ser operado em Março.
Mais, esclareceu que, até então, desconhecia a existência de problemas na zona abdominal na qual não tinha queixas, tendo ficado de baixa, desde então, porque o médico lhe disse que um esforço maior poderia levar a que o intestino ficasse preso na parede abdominal, situação que podia, em caso extremo, levar inclusive à morte, tendo sido operado e regressado ao serviço em Maio de 2016. Sendo que, voltou a ser operado em 2017, porque, após ter feito um esforço, sentiu algo a esticar e ficou com um hematoma.
(…)
Depoimento que foi, genericamente, corroborado por B..., ex-trabalhador da R. B..., Lda. que, nenhum interesse tendo no processo, de forma desinteressada, se limitou a relatar aquilo a que assistiu, esclareceu que, quando o sinistrado procedia à descarga de barris de 50 l, com um peso de 65 a 68 kg, de um lado da camião, gritou, tendo verificado que o mesmo estava encostado à parede com o barril em cima da barriga, queixando-se da zona abdominal, queixas que, até então não manifestava, e que os levaram a chamar uma ambulância.
Apreciando os meios de prova que se descriminaram com as regras da experiencia comum e com a informação clínica referente à assistência prestada pelo Hospital Garcia de Orta, não tendo as RR. demonstrado como lhes incumbia, que o sinistrado já padecia de hérnia inguinal, com saco formado, o Tribunal ficou convicto de que, na sequência do esforço realizado na sustentação do barril de 50 l, V... sofreu uma lesão na parede abdominal suficiente à protrusão do intestino, ficando de baixa, por receio de estrangulamento deste, até ter tido alta, após hernioplastia, em 12/05/2016 (artigos 1.º a 5.º).
É consabido, em termos clínicos, que as hérnias inguinais podem ser congénitas ou adquiridas. No primeiro caso, derivam da fraqueza congénita da região inguinal. No segundo, a fraqueza surge relacionada com a idade, atividade física intensa, tosse associada ao tabagismo, traumatismo ou cirurgia abdominal. E, que, mesmo quando assintomática, a saliência criada pela hérnia é visível ou palpável, não passando desapercebida.
Ora, se assim é, não havendo elementos clínicos que nos digam o contrário, tendo o sinistrado declarado que desconhecia a existência de problemas na zona abdominal, na qual não tinha queixas, não podemos deixar de admitir que o rompimento da parede abdominal se deveu ao esforço empenhado pelo mesmo na sustentação de um barril com cerca de 65 kg.
Conclusão que, salvo o devido respeito por opinião contrária, em nada melindra o laudo unanime da junta médica, porquanto, embora os peritos que a integraram tenham proposto a inexistência de nexo de causalidade, ficou suficientemente demostrada a existência de um “evento traumático” e o aparecimento subsequente de hérnia, com sintomas agudos.
Acresce que a TNI não exclui a possibilidade de, não existindo traumatismo direto da parede abdominal, a hérnia da parede abdominal ser considerada agravante de uma situação preexistente, mesmo que assintomática.
(…)
Destarte, apesar de não haver elementos clínicos que atestem a preexistência duma hérnia inguinal, com saco formado, face à prova produzida em audiência de julgamento e à informação clínica referente à assistência prestada pelo Hospital Garcia de Orta, não podia o Tribunal responder de forma diversa aos artigos da base instrutória.»
Do texto transcrito infere-se, imediatamente, que a resposta positiva dada ao artigo 4.º da base instrutória não se baseou exclusivamente nas declarações prestadas pelo autor, pois atendeu-se, igualmente, ao depoimento de B..., que, por ser testemunha presencial da ocorrência e sem qualquer interesse pessoal no processo, foi considerado relevante, e que corroborou o declarado pelo autor.
Acresce que o tribunal a quo atendeu, também, à informação clínica referente à assistência prestada ao autor pelo Hospital Garcia da Horta.
Pode ler-se na referida documentação que a hérnia inguinal detetada foi «provocada pelo esforço brusco».
Ora, não obstante concordemos com o apelante de que as declarações de parte, que não constituam confissão, e que são livremente apreciadas[4], devem ser analisadas e ponderadas com especial cautela, tendo sempre presente que constituem um depoimento interessado na procedência da ação, certo é que, no caso dos autos, as declarações prestadas pelo autor, que foram valoradas pelo tribunal a quo, tiveram o apoio ou reforço de outros meios probatórios, que conduziram a que se tivesse considerado verosímil a narrativa dos factos apresentada pelo autor.
Além disso, não obstante a prova pericial, nomeadamente o relatório de uma junta médica, constitua um meio probatório de extrema importância quanto à identificação das lesões sofridas e respetivo grau de incapacidade, em consequência dos conhecimentos técnicos e especiais detidos pelos senhores peritos e que o julgador, em princípio, não possui, tal meio de prova, nos termos prescritos pelo artigo 489.º do Código de Processo Civil, é livremente apreciado, nada impedindo que, desde que o justifique, o julgador se afaste do relatório pericial emitido.
E, no vertente caso, o tribunal fundamenta devidamente, de forma clara e suficiente, porque considerou demonstrada a factualidade descrita no artigo 4.º da base instrutória, merecendo-lhe o artigo 7.º da aludida base, resposta negativa.
Acrescenta-se que na decisão proferida no apenso A, o tribunal não deu como provado ou não provada a materialidade em questão, apenas o tendo feito na resposta à base instrutória.
Pelo exposto, e não tendo o apelante colocado em crise o conteúdo das declarações prestadas pelo autor, ou o depoimento apresentado pela testemunha supra identificada, bem como o conteúdo da informação clínica relativa à assistência hospitalar, e não se concluindo por qualquer insuficiência de prova que justifique a anulação da sentença para produção de prova adicional, nomeadamente pericial, consideramos que o fundamento invocada pelo apelante não permite alterar a resposta dada aos artigos 4.º e 7.º da base instrutória.
Ora, foi com base na visada alteração da matéria de facto, que o apelante concluiu que se deveria revogar a decisão recorrida, com a consequente absolvição do apelante do pedido.
Nesta conformidade, estando a questão suscitada totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão factual, que não se verificou, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida na subsunção dos factos ao direito, confirmando-se a consequente decisão condenatória.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Notifique.
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Évora, 30 de janeiro de 2020
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 141.

[3] Cfr. Artigo 118.º, alínea b), 132º e 138.º a 140.º, todos do Código de Processo do Trabalho.
[4] Cfr. Artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.