Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/22.7T8PTM.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DE ADVOGADO
JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
DOENÇA
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Tendo o Sr. Advogado dos AA sido acometido de doença, facto que comunicou ao Tribunal antes da hora marcada para a continuação da audiência, dando conta da sua incapacidade para se deslocar e, invocando justo impedimento, tendo requerido o adiamento do acto com esse fundamento, protestando juntar documento comprovativo, o qual deu entrada em juízo nesse mesmo dia, estamos perante ocorrência de um evento imprevisível - a situação de doença de que fora acometido - impeditivo, conforme comprovou, da sua deslocação ao tribunal, e que não lhe é naturalmente imputável.
II. Estando em causa a produção de alegações orais, tal tornava objectivamente muito difícil a sua substituição por outro causídico, que não assistira à produção da prova, revelando-se a situação verificada, nessa medida e em concreto, impeditiva da prática do acto.
III. Face ao teor da comunicação e não sendo exigível que o Il. Advogado revelasse a doença que o afligia, tendo para além do mais protestado juntar declaração médica, conforme veio a fazer nesse mesmo dia, encontrava-se suficientemente indiciada a situação de justo impedimento, a justificar o adiamento da audiência nos termos das disposições conjugadas dos artigos 140.º, n.ºs 1 e 2 e 603.º, n.º 1, do CPC.
IV. Decorre do que vem de se dizer que a realização da sessão da audiência final que teve lugar em 8 de Julho de 2022 sem a presença do Il Mandatário da recorrente que, deste modo, ficou impedida de produzir as alegações orais a que tinha direito, consubstancia preterição de formalidade essencial (omissão de acto processual), com valor de nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que as alegações visam, precisamente, conferir à parte uma oportunidade para influenciar o juiz no exame e decisão da causa.
V. A ocorrência da referida nulidade processual implica a anulação do processado a fim de a tramitação processual regressar ao momento anterior ao encerramento da audiência, de forma a ser dada à parte recorrente a possibilidade de, em sede de audiência final, proferir alegações orais, após o que deverá ser proferida nova sentença.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo 38/22.7T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 1


I- Relatório
(…), solteiro, maior, residente na Rua das (…), n.º 21, 1.º Esq.º, em (…), e (…), solteira, maior, a residir na Rua (…), lote 37, Bairro (…), em (…), instauraram contra (…) Portugal, Lda. a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento das quantias de € 4.166,65 (quatro mil, cento e sessenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, e de € 5.000,00, tendentes ao ressarcimento dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência do incumprimento, por banda da demandada, do contrato de prestação de serviços que com ela celebraram, com a finalidade de organizar a viagem que se propunham realizar por ocasião do aniversário da convidada de ambos, (…), que iria ter lugar no dia 4 de Julho, estando prevista a sua permanência durante uma semana num resort em Djerba, Tunísia, incluindo a aquisição das viagens aéreas directas, alojamento e aluguer de viaturas.

Citada, a Ré apresentou contestação, peça na qual refutou ter ocorrido incumprimento do contrato, alegando dever-se antes à conduta negligente dos próprios autores, que compareceram tardiamente no aeroporto, o facto de não lhes ter sido permitido embarcar para o destino escolhido, pelo que nenhuma indemnização lhes é devida.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, tendo os autos prosseguido com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

Teve lugar audiência final, com início no dia 3 de Junho de 2022, tendo ficado designada a data de 8 de Julho, pelas 13:30 horas, para a sua continuação, na qual teria apenas lugar a produção das alegações finais.
Em 05.07.2022, foi requerido pelo Mandatário da Apelante que a continuação da Audiência de Julgamento fosse realizada à distância, sem que o Tribunal se tivesse pronunciado sobre tal pretensão.
No dia 8 de Julho, pelas 12:34 horas, o Il. Mandatário da Ré fez entrar em juízo requerimento [Ref.ª 42813105] no qual, alegando motivo de força maior -doença- que o impedia de estar presente, requereu o adiamento da audiência, tendo declarado que se não opunha a que as alegações tivessem lugar por escrito, protestando juntar declaração médica comprovativa do alegado.
O assim requerido mereceu despacho, proferido na audiência, com o seguinte teor:
“Tendo em consideração que não foi alegado pelo Sr. Advogado um único fato concreto, nem foi alegada a impossibilidade de justificar (mediante apresentação da necessária prova documental – cfr. artigo 140.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) a factualidade (em todo o caso excessivamente genérica) que foi invocada pelo ora requerente, tal circunstancialismo:
a) obsta a que o Tribunal possa concluir pela existência de uma situação de justo impedimento, já que nada indicia que o Ilustre Mandatário da Ré esteja de forma manifesta e absolutamente impedido de comparecer em juízo;
b) e também não permite que se formule um juízo quanto à natureza súbita e à gravidade da situação de doença que genericamente foi alegada,
motivo pelo qual se indefere o requerido adiamento da presente diligência, não havendo igualmente que adequar a tramitação dos autos, de molde a permitir a apresentação de alegações (orais) por escrito, o que igualmente se indefere”.
Pelas 18:34h desse mesmo dia 8 de Julho deu entrada em juízo requerimento [Ref.ª 42819633], acompanhado de declaração médica, atestando a incapacidade do Sr. advogado ausente, “por motivo de doença aguda”, de exercer os seus deveres profissionais nesse dia e pelo período previsível de 3 dias.

Foi de seguida proferida pelo Tribunal sentença que, na parcial procedência do pedido, condenou a ré a pagar aos AA as “quantias de € 4.166,65 (quatro mil, cento e sessenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) e de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros), acrescidas de juros de mora, contados desde da citação da demandada, à taxa legal em vigor, atualmente de 4 % ao ano, até efetivo e integral pagamento; absolvendo a demandada do demais peticionado”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso e, tendo desenvolvido no corpo da alegação os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
I. A Apelante, não se conformando com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, vêm dela interpor o presente Recurso de Apelação assente, essencialmente, em dois pontos:
a. Nulidade da Sentença nos termos das alíneas c) e d) do número 1 do artigo 615.º do CPC;
b. Impugnação da matéria de facto – erro na apreciação da prova – artigo 662.º do CPC.
II. Desde logo, o Douto Tribunal proferiu a Sentença ora recorrida atendendo a todos os factos provados e não provados do caso sub judice, justificando a sua tomada de posição, com a qual não podemos concordar na íntegra. Concretamente, a convicção do Tribunal a quo quanto aos factos provados alicerçou-se única e exclusivamente nas declarações de parte dos Autores (…) e (…)!
III. A sentença incorre em erro quando refere que “o tribunal teve especialmente em consideração os documentos supramencionados, devidamente conjugados com o depoimento da testemunha (…) e com as declarações de parte do autor (…)”, na medida em que a (…), para além de não ser não testemunha, mas sim Autora nos presentes autos, nem sequer prestou declarações nessa qualidade, tendo sido prescindida conforme consta na ata de audiência final do dia 03.06.2022.
IV. Neste sentido, o Tribunal, ao alicerçar a sua convicção nas declarações da Autora (…), que nem sequer foi ouvida pelo Tribunal, incorreu num erro notório na fundamentação da sentença proferida, erro esse crasso que implica a nulidade da decisão o que desde já se requer.
V. Na audiência final que teve lugar no dia 03.06.2022, foi a testemunha da Ré (…) notificado para juntar aos autos comprovativo de email conforme Despacho que se transcreve:
“Por se tratar de documento que não se encontra junto aos autos, desde se notifica a testemunha (…) para diligenciar, caso logre obter tal documento, pela junção aos autos de reprodução do e-mail a que fez menção e por via do qual terá sido disponibilizado aos Autores o “link” que permitia o acesso ao formulário sanitário.”
VI. E, na mesma audiência de julgamento, após declarações de parte do legal representante da Ré, foi proferido o seguinte Despacho:
“Sem prejuízo do supra determinado, fica igualmente o legal representante da Ré, notificado, para no prazo de 5 dias para facultar reprodução do email por via do qual terá sido disponibilizado aos Autores o link que permitia o acesso ao “formulário sanitário”.
Caso não lhe seja possível disponibilizar o referido documento (por ter sido eliminado), deverá, em alternativa, identificar a entidade que será detentora da cópia de segurança do respetivo email.”
VII. Dentro do prazo dado pela Meritíssima Juíza para o efeito, atenta a impossibilidade de juntar o documento requerido em virtude de o mesmo já ter sido automaticamente eliminado do servidor de email, foi requerido ao que tal solicitação só seria possível mediante Ofício do Tribunal à própria empresa prestadora do serviço de correio eletrónico, conforme foi requerido pela Apelante em 08.06.2022, requerimento com a Ref.ª n.º 10186581.
VIII. No entanto, ao contrário do que tinha sido despachado pela Meritíssima Juíza em sede de audiência de julgamento, requerido que oficiasse a entidade detentora das cópias de emails automaticamente eliminadas, o Tribunal nada disse ao requerimento apresentado.
IX. Em 09/06/2022,tendo sido a Apelante notificada do requerimento de resposta dos Autores com a Ref.ª 10188371, foi requerido o desentranhamento do respetivo requerimento, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“1. O Autor (…) foi pessoalmente notificado, pela Meritíssima Juíza, em sede de audiência de julgamento, que teve lugar no passado dia 03/06/2022;
2. Foi notificado para, em 5 dias, juntar cópia dos emails trocados entre Autores e Ré;
3. Ora, a audiência de julgamento teve lugar no dia 03/06/2022;
4. Tendo iniciado o prazo dos 5 dias em 04/06/2022;
5. Pelo que o 5.º dia (e último) foi a 08/06/2022;
6. Posto isto, o requerimento que deu entrada no dia 09/06/2022 (e respetivos documentos juntos), deram entrada nos autos após o prazo dos 5 dias;
7. Nestes termos, requer-se a V. Exa. o desentranhamento do requerimento de resposta V/Ref.ª 10188371,que deu entrada na plataforma eletrónica Citius no dia 09/06/2022.”
X. Além do mais, não obstante a extemporaneidade dos documentos juntos pelos Apelados, a Meritíssima Juíza decidiu aceitá-los e considerá-los na motivação da prova.
XI. Não se consegue, perante esta contextualização, perceber tal ambiguidade de critério que impossibilitou a Apelante de obter um documento que está na posse de uma terceira entidade com que a Ré tem um contrato de prestação de serviços de webmail.
XII. Sem prescindir, para continuação da presente audiência designou-se o dia 08 de julho de 2022, pelas 13h30m, para alegações.
XIII. Em 05.07.2022, foi requerido pelo Mandatário da Apelante que a continuação da Audiência de Julgamento fosse realizada à distância, através de videoconferência, tendo indicado o email para o efeito, considerando que apenas restavam as alegações finais, também aqui, uma vez mais, a Meritíssima Juíza remeteu-se ao silêncio.
XIV. No dia da continuação da audiência de julgamento, o Mandatário da Autora, por motivo de doença, requereu que lhe fosse relevada a falta e que a audiência fosse reagendada, nos termos e com os seguintes fundamentos:
XV. “(…), Advogado da (…) PORTUGAL, LDA., vem, em cumprimento do disposto nosartigos140.º e 603.º do Código de Processo Civil, requerer a V. Exa. que se digne a relevar-lhe a falta para a continuação da audiência de julgamento que havia sido designada para o dia 08.07.2022, às 13h30, por motivo de força maior (doença), devendo a continuação da audiência de julgamento ser adiada, dado o justo impedimento do advogado signatário para comparecer à mesma, não se opondo, no entanto, a que as alegações possam ser apresentadas por escrito.”
XVI. Nesse mesmo dia, juntou aos autos a declaração médica comprovativa da incapacidade para o trabalho.
XVII. Mais uma vez, também aqui, a Meritíssima Juíza, talvez por excesso de formalismo, incorreu num erro grosseiro, tendo iniciado a diligência e sido apresentadas alegações apenas pelos Apelados, sem a presença do Mandatário da Apelante.
XVIII. Ora, é sabido que o justo impedimento nem sequer exige que a parte interessada requeira o adiamento da diligência na medida em que o justo impedimento só por si, implica o seu adimento, nenhuma outra prova sendo necessária produzir.
XIX. Ao contrário do que é dito no Despacho, o Mandatário impedido cumpriu com o que lhe era devido, alegou o justo impedimento, justificou a sua impossibilidade para o trabalho por factos que não lhe são imputáveis, juntou declaração médica comprovativa da doença e requereu o adiamento da diligência.
XX. Cremos, portanto, que foi desconsiderada a prova que a Apelante ficou impedida de acarretar para os presentes autos que, na sua apreciação global, impunha uma decisão diversa, sendo a Sentença proferida manifestamente nula!
XXI. Além do mais, a convicção do Tribunal a quo quanto aos factos provados alicerçou-se única e exclusivamente nas declarações de parte do Autor (…)!
XXII. Sem prejuízo do erro notório ao alicerçar a sua convicção nas declarações da Autora (…), que nem sequer foi ouvida pelo Tribunal, incorreu num erro notório na fundamentação da sentença proferida, erro esse crasso que implica a nulidade da decisão o que desde se requer.
XXIII. Por outro lado, a Meritíssima Juíza desconsiderou por completo a testemunha da Apelante (…) e o depoimento do legal representante Ré (…) que esclareceram claramente que haviam atestado que o link referente ao formulário sanitário teria sido previamente disponibilizado aos Autores via e-mail, aquando da entrega da documentação de viagem.
XXIV. No entanto, uma vez mais, a Meritíssima Juíza refere na Douta Sentença que “sendo que o depoimento de parte do legal representante da ré (…) e do depoente (…), por serem ostensivamente parciais, e totalmente desresponsabilizantes, apenas tiveram préstimo probatório na parte em que foram corroborados, ou pelo testemunho de (…) e/ou pelas declarações de parte do autor (…).”
XXV. Ora, repita-se, a (…) é Autora nos presentes Autos e, além do mais, nem sequer foi ouvida por ter sido prescindido as suas declarações, pelo que não se percebe como pode o Tribunal fundamentar na íntegra a sentença com base nas declarações da (…), que nunca foi perdida nem achada nos presentes autos.
XXVI. De igual modo, não se percebe como pode a Sentença recorrida comprovar os danos morais decorrentes da factualidade quando a Autora (…) não foi ouvida nestes autos.
XXVII. A este respeito a Meritíssima Juíza de como provado que “os autores sofreram angústia, desespero, transtorno e tristeza por não terem conseguido realizar a viagem em causa”, quando nenhuma prova foi feita nesse sentido.
XXVIII. Deste modo, da factualidade dada como provada pela Meritíssima Juíza na Sentença recorrida, é MANIFESTAMENTE INSUFICIENTE.
XXIX. Por outro lado, existe uma manifesta contradição nos factos dados como provados que estão em total contradição com a fundamentação da sentença recorrida.
XXX. É que no ponto 6) dos factos provados é dito que “no dia 03 de julho, os autores foram informados, pela ré de que deveriam ir munidos de esferográficas para procederem ao preenchimento de uns formulários”, formulários esses que, ao contrário do que é dito na sentença, deveriam ser preenchidos pelos próprios passageiros.
XXXI. Além de toda a informação necessária ao voo ter sido previamente comunicada aos Autores, incluindo a necessidade do preenchimento dos formulários sanitários, é do conhecimento do comum do cidadão, vivendo nós, nessa altura em plena pandemia, com todas as restrições de circulação e exigências sanitárias impostas que é necessário cumprir uma quantidade infindável de normas sanitárias.
XXXII. Ainda mais sabendo que o preenchimento dos formulários sanitários antes do embarque é uma exigência das companhias aéreas que é amplamente divulgada pelas mesmas e até em toda a comunicação social.
XXXIII. Ora, não obstante a Ré, através do seu funcionário Sr. (…), ter previamente informado de todas essas precauções, nunca, em qualquer circunstância a Ré teria qualquer obrigação de preencher os formulários sanitários em nome dos Autores.
XXXIV. Essa obrigação é ÚNICA e EXCLUSIVA dos próprios Autores. E percebe-se que assim seja. É que cada passageiro tem a obrigação de proceder ao preenchimento de um formulário sanitário que deve acompanhar durante a viagem.
XXXV. O formulário sanitário é, portanto, um documento pessoal e intransmissível.
XXXVI. E que, por ser assim, a Ré é completamente alheia a toda a sequência de episódios que sucederam após os Autores perderem o voo por não terem chegado ao aeroporto com a devida antecedência e por não se encontrarem na posse dos formulários sanitários.
XXXVII. Toda a situação ocorreu por total falta de zelo e cuidado dos Autores, pelo que não recai sobre a Ré qualquer responsabilidade.
Com os transcritos fundamentos concluiu pelo provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.

Os AA contra alegaram, tendo suscitado a título de questão prévia a intempestividade do recurso interposto, pronunciando-se, em todo o caso, pela sua improcedência.

A Sr.ª juíza pronunciou-se sobre as nulidades arguidas, entendendo que se não verificam, tendo procedido à correcção do lapso constante da sentença ao abrigo do disposto no artigo 249º do Código Civil e artigos 613.º e 614.º ambos do Código de Processo Civil, determinando que “na sentença proferida, na parte da motivação da matéria de facto, onde se lê na 6.ª e na 18: º linhas «(…)» deve ler-se: «(…) ».
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Questão prévia: da tempestividade do recurso.
Os AA/apelados suscitaram nas suas contra alegações a intempestividade do recurso, sustentando que o mesmo não devia ser recebido. Não têm, porém, razão.
Conforme resultou esclarecido no despacho que recebeu o recurso, as partes foram notificadas mediante ofício certificado no dia 25 de Maio, presumindo-se tal notificação efectuada no dia 29 de Maio, 1.º dia útil seguinte ao decurso do prazo de 3 dias previsto no artigo 248.º do CPC, pelo que a contagem do prazo de 30 dias consagrado no artigo 638.º/1, teve o seu início no dia imediato, com termo a 28 de Junho. Tendo o recurso dado entrada em 3 de Julho, 3.º dia útil posterior ao termo do prazo, mediante o pagamento, pelos apelantes, da multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, alínea c), do mesmo diploma legal, é o mesmo tempestivo, pelo que foi correctamente admitido.
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Decidida a questão prévia suscitada, são as seguintes as questões a resolver:
i. determinar se a sentença é nula por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão;
ii. conhecer do erro de julgamento quanto aos factos e, em consequência, alterar a decisão de direito, com a consequente absolvição da ré apelante do pedido.
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i. Das nulidades da sentença
A apelante diz ser a sentença nula por ter o tribunal omitido pronúncia sobre a requerida solicitação de documento em poder de terceiro que se recusou a entregá-lo à parte, assim prejudicando a recorrente no exercício do seu direito à prova, contrastando com o aceitação dos documentos oferecidos pelos AA após o prazo que para tanto lhes fora concedido, pondo ainda em causa o despacho proferido em audiência que indeferiu o adiamento da mesma face ao comunicado justo impedimento do mandatário, nulidade com reflexo na sentença posteriormente proferida.
Vejamos, pois, cada um dos enunciados fundamentos.
No que se refere à invocada omissão de pronúncia sobre requerimento probatório apresentado pela recorrente e que, a verificar-se, afectaria a sentença sob recurso, a verdade é que tal não se verifica.
Resulta dos autos ter a apelante informado o Tribunal em 5/6/2022 [Ref.ª 42530180], na sequência da notificação do seu legal representante para proceder à junção aos autos de um email alegadamente enviado aos AA, que, tendo solicitado ao seu servidor de correio electrónico o envio dos emails trocados, por não os ter já em seu poder, aquela entidade recusou-se a fazê-lo, informando no entanto que o faria a solicitação do Tribunal. Mais requereu então a recorrente que o Tribunal oficiasse nesse sentido à entidade gestora do servidor, que identificou. Sucede, porém, que o assim requerido foi objecto de indeferimento por despacho proferido em 30 de Junho [Ref.ª 124750401], por ter entendido o Tribunal que o autor havia suprido as dificuldades invocadas pela ora apelante quando procedeu à junção dos dois documentos então admitidos e que considerou não terem sido impugnados, donde não se verificar a apontada omissão.
Por outro lado, afigurando-se embora que o aludido despacho, por não se reconduzir, em bom rigor, à rejeição de um meio de prova -foi aliás o próprio tribunal que notificou a ré para proceder à junção do documento-, mas antes ao modo de obtenção desse meio de prova, não admitia apelação autónoma (cfr. artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC), havendo de ser impugnado no recurso agora interposto da sentença final, a verdade é que não o foi, dado que a apelante não terá dado conta da sua prolação. Daí que, independentemente do seu acerto, não caiba aqui sindicá-lo.
Diversamente, no que respeita à admissão dos documentos oferecidos pelos AA, reconduzindo-se à admissão de meios de prova, não tendo o despacho proferido sido oportunamente impugnado, transitou em julgado, com o que improcedem as conclusões v. a xi.

A apelante impugna ainda o despacho proferido na audiência e que indeferiu o requerido adiamento por considerar não verificada a alegada situação de justo impedimento, o que provocaria a nulidade da sentença recorrida.
Não estando embora em causa, em nosso entender, uma nulidade da sentença, as quais se encontram taxativamente elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a considerar-se que se verificou uma situação de justo impedimento, a realização da audiência na ausência do Il. Mandatário da parte, privando-o da produção das alegações orais, consubstancia nulidade processual por omissão de acto prescrito na lei com potencial para influir na decisão da causa, a determinar a anulação dos actos subsequentes, incluindo a sentença proferida nos termos do art.º 195.º do mesmo diploma legal, dela se passando a conhecer.
Nos termos do artigo 603.º, n.º 1, do CPC, “verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento”.
No caso em apreço, a data da continuação da audiência tinha sido designada na presença dos Ils mandatários das partes e com a anuência destes, conforme consta da acta respectiva, termos em que, não se tendo verificado impedimento do tribunal, apenas o justo impedimento de um dos Srs. advogados poderia fundamentar o adiamento.
Justo impedimento, tal como o artigo 140.º do CPC o define, é “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”.
Faz-se notar que a alteração da redacção deste preceito, eliminado o requisito da imprevisibilidade que dele antes constava, visou flexibilizar o conceito, passando “o núcleo do (…) justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário”[1], de modo que serão agora abrangidas situações em que a omissão ou o retardamento da parte se tenha ficado a dever a motivos justificados e desculpáveis. Assim, “[As] situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, todas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa”[2].
De volta ao caso dos autos, deles resulta que o Sr. Advogado, acometido de doença, comunicou tal facto ao Tribunal, antes da hora marcada para a continuação da audiência, dando conta da sua incapacidade para se deslocar e, logo invocando justo impedimento, requereu o adiamento do acto com esse fundamento, protestando juntar documento comprovativo, o qual deu entrada em juízo nesse mesmo dia.
Estamos, pois, perante ocorrência de um evento imprevisível -a situação de doença de que fora acometido-, impeditivo, conforme comprovou, da sua deslocação ao tribunal, e que não lhe é naturalmente imputável. Acresce que, estando em causa a produção de alegações orais, tal tornava objectivamente muito difícil a sua substituição por outro causídico, que não assistira à produção da prova, revelando-se a situação verificada, nessa medida e em concreto, impeditiva da prática do acto.
Face ao teor da comunicação e não sendo, a nosso ver, exigível, que o Il. Advogado revelasse a doença que o afligia, tendo para além do mais protestado juntar declaração médica, conforme veio a fazer nesse mesmo dia, encontrava-se suficientemente indiciada a situação de justo impedimento, a justificar o adiamento da audiência nos termos das disposições conjugadas dos artigos 140.º, n.ºs 1 e 2 e 603.º, n.º 1, do CPC (cfr., neste sentido, em caso idêntico, acórdão deste mesmo TRE de 11/1/2018, no processo 1122/17.4YLPRT.E1, e ainda do TRL de 14/7/2022, processo 11669/16.4T8SNT-C.L1-7, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, e tal como também decidiu o TRG, no acórdão de 15/12/2018, no processo 532/17.1T8VCT.G1, acessível no mesmo sítio, não estando o Il. Mandatário ainda munido, à data da comunicação da situação de impedimento, do comprovativo da doença incapacitante de que fora acometido, não estava impedido de posteriormente, no mais curto prazo ou logo que possível, remeter o documento justificativo da sua ausência, não lhe sendo exigível que o tivesse feito com aquela comunicação.
Decorre do que vem de se dizer que a realização da sessão da audiência final que teve lugar em 8 de Julho de 2022 sem a presença do Il Mandatário da recorrente que, deste modo, ficou impedida de produzir as alegações orais a que tinha direito, consubstancia preterição de formalidade essencial (omissão de acto processual), com valor de nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que as alegações visam, precisamente, conferir à parte uma oportunidade para influenciar o juiz no exame e decisão da causa.
A ocorrência da referida nulidade processual implica a anulação do processado a fim de a tramitação processual regressar ao momento anterior ao encerramento da audiência, de forma a ser dada à parte recorrente a possibilidade de, em sede de audiência final, proferir alegações orais, após o que deverá ser proferida nova sentença (cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 29/9/2020, processo 731/16.3T8STR.E1.S1, e deste TRE de 10/2/2022, no processo 587/16.6T8SSB.E, ainda acessíveis em www.dgsi.pt).
O recurso da ré merece, pois, provimento, no segmento em que impugnou o despacho proferido em audiência, que recusou a verificação de situação de justo impedimento enquanto causa justificativa do requerido adiamento, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas (cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
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III. Decisão
Acordam as juízas da 2.ª secção cível do TRE em julgar procedente o recurso interposto pela Ré, no segmento em que impugnou o despacho proferido em acta na audiência de 8 de Julho de 2022, revogando em consequência o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que reconheça o justo impedimento do Il. Mandatário, anulando-se o processado desde a última sessão da audiência final, incluindo a sentença, e determinando-se a reabertura da audiência de julgamento para que nela tenham lugar as alegações orais, após o que deverá ser proferida nova sentença.
Custas do recurso a cargo dos apelados, que nele decaíram (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário: (…)
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Évora, 11 de Janeiro de 2024
Maria Domingas Simões
Anabela Luna de Carvalho
Maria Rosa Barroso

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[1] Prof. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, vol. I, pág. 274, em comentário ao anterior artigo 140.º.
[2] Idem, pág. 275.