Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
252/23.8YREVR
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE CONDENADO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Considerando que o cidadão em causa, de nacionalidade inglesa, solicitou a sua transferência para estabelecimento prisional do Reino Unido , tendo confirmado tal pedido depois de ouvido presencialmente e ter sido informado das consequências do seu pedido; - a Exmª Procuradora-Geral da República considerou admissível o pedido de transferência; - o Reino Unido prestou o seu acordo à transferência, tendo fornecido uma cópia das disposições legais das quais resulta que os factos pelos quais o cidadão requerente foi condenado, constituem também infrações penais nesse país (artº 6º, nº 1, al. b), da Convenção); e que a pena remanescente é superior a 6 meses, conclui-se que estão verificados todos os pressupostos substanciais e formais com vista a ser deferida a solicitada transferência.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O Ministério Público, ao abrigo dos artºs 115º e 120º da L. 144/99 de 31/8 e da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, do Conselho da Europa, de 21/3/1983 (doravante designada por Convenção), promoveu o cumprimento do pedido de transferência de pessoa condenada, relativamente a:

AA, de nacionalidade inglesa, com passaporte inglês nº …, válido até … de Novembro de 2025, nascido a …/…/77, em …, Reino Unido/Inglaterra, filho de BB e CC, residente em …, Inglaterra.

Alegou, em resumo, que o referido cidadão foi condenado, por decisão transitada em julgado em 21/2/2022, na pena única de 9 anos de prisão e que o mesmo solicitou às autoridades portuguesas o cumprimento da pena remanescente em estabelecimento prisional do Reino Unido, tendo a Exmª Senhora Procuradora-Geral da República considerado admissível a solicitada transferência.

Posteriormente, pelo Ministério Público, foi junta documentação da qual resulta o acordo do Reino Unido relativamente à solicitada transferência.

O referido cidadão foi ouvido presencialmente em 18/12/2023, tendo o mesmo reafirmado a vontade anteriormente expressa de ser transferido para estabelecimento prisional britânico.

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Importa, pois apreciar se estão preenchidos os requisitos necessários para ser deferido o solicitado.

Está assente que:

- O referido cidadão foi condenado por acórdão do juízo central e criminal de … (Juiz …), de 8/1/2021, transitado em julgado em 21/2/2022, na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artº 28º, nº 2, do D.L. 15/93 de 22/1, e na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do mesmo D.L..

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 9 anos de prisão.

- o referido cidadão cumpre a referida pena no estabelecimento prisional de …, desde 31/5/2019, tendo atingido o meio da pena em 30/11/2023 e atingirá os 2/3 em 30/5/2025, os 5/6 em 30/11/2026, estando previsto o termo para 30/5/2028 (cfr. liquidação da pena a fls. 126).

- o referido cidadão solicitou a transferência para estabelecimento prisional no Reino Unido e, ouvido presencialmente e depois de ser informado das consequências do seu pedido, reafirmou a sua vontade de ser transferido.

- conforme despacho de fls. 211, a Exmª Procuradora-Geral da República considerou admissível a solicitada transferência.

- por ofício de 15 de Setembro de 2023 (cfr. fls. 209) as autoridades do Reino Unido concordaram com a efectivação da solicitada transferência.

- as infracções pelos quais o referido cidadão foi condenado constituem infracção penal segundo a lei do Reino Unido.

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Dispõem os artºs 115º e 120 da L. 144/99 de 31/8 o seguinte:

Artigo 115.º

Princípios

1 - Observadas as condições gerais estabelecidas neste diploma e nos artigos seguintes, uma pessoa condenada em pena ou sujeita a medida de segurança privativas da liberdade por um tribunal estrangeiro pode ser transferida para Portugal para cumprimento das mesmas.

2 - Do mesmo modo e para os mesmos fins, pode ser transferida para o estrangeiro uma pessoa condenada ou sujeita a medida de segurança privativa da liberdade por um tribunal português.

3 - A transferência pode ser pedida pelo Estado estrangeiro ou por Portugal, em qualquer dos casos a requerimento ou com consentimento expresso da pessoa interessada.

4 - A transferência depende ainda de acordo entre o Estado em que foi proferida a decisão que aplicou a pena ou a medida de segurança e o Estado a quem é solicitada a execução.

Artigo 120.º

Decisão sobre o pedido

1 - Se o Ministro da Justiça o considerar admissível, o pedido é transmitido, pela Procuradoria-Geral da República, ao Ministério Público junto do tribunal da Relação da área do estabelecimento prisional onde se encontra a pessoa a transferir.

2 - O Ministério Público promove a audição pelo juiz da pessoa a transferir, observando-se, para o efeito, o disposto no Código de Processo Penal quanto ao interrogatório de arguido detido.

3 - O tribunal decide sobre o pedido, depois de se assegurar de que o consentimento da pessoa visada, para fins de transferência, foi dado voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas que dele decorrem.

4 - É assegurada a possibilidade de verificação, por agente consular ou outro funcionário designado de acordo com o Estado estrangeiro, da prestação do consentimento em conformidade com o disposto no número anterior.

No mesmo sentido, dispõem os seguintes artigos da Convenção (na parte que interessa):

Artigo 2.º

Princípios gerais

1 - As Partes comprometem-se a prestar mutuamente, nas condições previstas na presente Convenção, a mais ampla cooperação possível em matéria de transferência de pessoas condenadas.

2 - Uma pessoa condenada no território de uma Parte pode, em conformidade com as disposições da presente Convenção, ser transferida para o território de uma outra Parte para aí cumprir a condenação que lhe foi imposta. Para esse fim pode manifestar, quer junto do Estado da condenação, quer junto do Estado da execução, o desejo de ser transferida nos termos da presente Convenção.

3 - A transferência pode ser pedida quer pelo Estado da condenação quer pelo Estado da execução.

Artigo 3.º

Condições da transferência

1 - Nos termos da presente Convenção, uma transferência apenas pode ter lugar nas

seguintes condições:

a) Se o condenado é nacional do Estado da execução;

b) Se a sentença é definitiva;

c) Se, na data da recepção do pedido de transferência, a duração da condenação que o condenado tem ainda de cumprir é, pelo menos, de seis meses ou indeterminada;

d) Se o condenado ou, quando em virtude da sua idade ou do seu estado físico ou mental um dos Estados o considere necessário, o seu representante tiver consentido na transferência;

e) Se os actos ou omissões que originaram a condenação constituem uma infracção penal face à lei do Estado da execução ou poderiam constituir se tivessem sido praticados no seu território; e

f) Se o Estado da condenação e o Estado da execução estiverem de acordo quanto à transferência.

Artigo 7.º

Consentimento e verificação

1 - O Estado da condenação deverá assegurar-se de que a pessoa cujo consentimento para a transferência é necessário nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º o preste voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas daí decorrentes.

O processo para a prestação de tal consentimento deverá reger-se pela lei do Estado da condenação.

Verificada a matéria que resulta assente e as referidas disposições legais, conclui-se que estão verificados todos os pressupostos substanciais e formais com vista a ser deferida a solicitada transferência.

Com efeito:

- o cidadão em causa solicitou a sua transferência, tendo confirmado tal pedido depois de ouvido presencialmente e ter sido informado das consequências do seu pedido;

- a Exmª Procuradora-Geral da República considerou admissível o pedido de transferência;

- a Reino Unido prestou o seu acordo à transferência, tendo fornecido uma cópia das disposições legais das quais resulta que os factos pelos quais o cidadão requerente foi condenado, constituem também infracções penais nesse país (artº 6º, nº 1, al. b), da Convenção);

- a pena remanescente é superior a 6 meses.

Face a tudo o exposto, mais não resta do que deferir o pedido.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar procedente o pedido e, em consequência, determinam a transferência para o Reino Unido do cidadão britânico acima identificado, de modo a aí cumprir em estabelecimento prisional o remanescente da pena de prisão, conforme também acima referido.

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Sem tributação.

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Évora, 9 de Janeiro de 2024

Nuno Garcia

Jorge Antunes

Maria Clara Figueiredo