Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3183/18.0T8STB.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
RECONVENÇÃO
BENFEITORIAS ÚTEIS
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Uma das finalidades do despacho pré-saneador é a de o Juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, o que ocorrerá, no âmbito de aplicação da norma do n.º 3 do artigo 590º do Código de Processo Civil, quando o juiz se confronte com articulados irregulares que careçam de requisitos legais ou que não venham instruídos com documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
II - Tendo réu alegado os factos pertinentes à demonstração do direito a que se arroga e pedido na contestação que se decidisse quais as benfeitorias realizadas no imóvel e o seu valor, assim como o crédito de que é titular – para se ordenar o prosseguimento dos autos de inventário para a operação de partilha do que se vier a apurar –, mas não tendo formalizado reconvenção, sob o entendimento de que tal não era admissível na acção de simples apreciação negativa, concluindo o julgador em sentido contrario e que sempre se impunha acautelar entendimento diverso, deve, ao abrigo do disposto nos artigos 590º, n.º 3, 6º e 193º, n.º 3, do Código de Processo Civil, convidar o réu a deduzir a correspondente reconvenção, com observância do formalismo legal.
III - A vantagem patrimonial adveniente de benfeitorias úteis para o titular da coisa, em caso de divórcio, confere ao outro cônjuge o direito a ver-se indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, na medida da sua contribuição para a valorização do imóvel.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo comum, contra BB pedindo:
- Que se declare que o R. não tem o direito de crédito que invoca como fundamento para o inventário que requereu e, caso se decida que o tem, seja o seu exercício declarado ilegítimo, por configurar abuso de direito.

2. Alegou para tanto, que as partes foram casadas entre si, no regime de bens adquiridos, entre .../.../1988 e .../.../2004, que o R. intentou contra si um inventário para partilha subsequente a divórcio, para partilha do direito de crédito consubstanciado nas benfeitorias realizadas na constância do matrimónio em imóvel alheio, propriedade da cabeça de casal, e que o casal habitava na constância do matrimonio, tendo, no âmbito do referido inventário, sido proferida decisão que remeteu as partes para os meios judiciais comuns.
Mais alegou, que A. e R. instruíram o requerimento para divórcio com relação de bens comuns que partilharam de seguida, não tendo incluído na relação de bens comuns quaisquer benfeitorias, tendo a A. procedido à venda da casa em 28/04/2016, e que foi na sequência desta venda que o R. veio instaurar o inventário reclamando o referido direito de crédito por benfeitorias.
Invocou, por fim, que o R. actua em abuso de direito, porque só ao fim de 12 anos após o divórcio e após terem partilhado o património comum e, bem assim, após ter sido vendida a casa, é que vem invocar a questão de alegadas benfeitorias, quando já nem era possível proceder ao levantamento das mesmas, concluindo, assim, pela procedência da acção.

3. O R. apresentou contestação e, após convite (cf. despacho de 25/09/2018), deduziu reconvenção.
Alegou o R., em síntese, que não assiste razão à A. quando pretende que as benfeitorias, não constando da relação de bens que acompanhou o requerimento de divórcio, não são susceptíveis de serem partilhadas, inexistindo qualquer renúncia à partilha do património restante, e que, estando incorporadas no imóvel, o valor das benfeitorias efectuadas durante a constância do matrimónio traduz-se num enriquecimento da A. concretizado aquando da venda do imóvel, concluindo pelo seu direito de partilha desse crédito e que não existe qualquer situação de abuso de direito.
Assim, concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional deduzido, apurando-se as benfeitorias realizadas no imóvel e quantificando o valor para se estabelecer o direito de credito próprio do reconvinte a fim de prosseguir a partilha no processo de inventário.

4. A Reconvinda apresentou réplica, pronunciando-se pela improcedência do pedido reconvencional.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido admitida a reconvenção, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Instruído o processo e realizada a perícia ordenada nos autos, teve lugar a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
«…, considera-se totalmente improcedente o peticionado pela A.
Declara-se parcialmente procedente o pedido reconvencional, quantificando-se em € 17.000,00 o valor aportado ao imóvel, por força das benfeitorias realizadas pelo casal na fracção.»

6. Inconformada recorreu a A., finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Quanto ao despacho de 29.05.2018
Artigo 1º
O convite dirigido ao réu para apresentar reconvenção pelo despacho de 29.05.2018 não tem suporte legal, antes viola o disposto no nº 3 do artigo 590º do CPC e, portanto, deve tal despacho, nesta parte, ser revogado, ordenando-se o desentranhamento / apagamento da reconvenção.
Na verdade, deduzir, ou não, reconvenção, é uma opção do réu em que o juiz não deve interferir e a contestação que omite a reconvenção nos casos em que a lei a permite não é, por isso, um articulado padecente de irregularidades.
Artigo 2º
O recurso não está, nesta parte, interditado pelo disposto no nº 7 do artigo 590º do CPC, pois que o despacho sobre o qual incide não tem acolhimento em nenhum dos segmentos deste artigo e, face ao disposto no nº 3 do artigo 644º, também do CPC, é este o momento e local próprio para impugnar tal despacho.
B) Quanto à impugnação em matéria de facto
Artigo 3º
O facto do nº 25 do elenco dos factos dados como provados deve ser eliminado pois que não há meio nem elemento de prova que o sustente.
É certo que a Exma. Juiz entendeu que o relatório pericial e os esclarecimentos prestados por escrito pela Sra. Perita justificam a prova daquela matéria. Mas entendeu mal.
Decorre daqueles documentos (os de fls. 169 a 184 e 191 a 193) e do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela Sra. Perita (cfr. Sistema Habilus Media Studio, 10:11:16 a 10:20:49, mais precisamente entre os 2' e 45" e os 7') que: não visitou o imóvel pelo interior; não sabe se as obras foram realizadas ou não; supôs que foram realizadas as obras do artigo 46º da contestação; não teve a oportunidade de verificar a qualidade dos materiais aplicados na obra.
Artigo 4º
Donde, o juízo pericial em que a Exma. Juiz estribou a decisão de dar como provado o facto do nº 25 é condicional: se foram realizadas as obras alegadas no artigo 46º, elas valorizaram a fracção autónoma em € 17.000,00.
Mas isto quer exactamente significar que, se as obras não foram realizadas, não houve tal valorização. E quer também significar que se foram realizadas algumas obras, mas não todas aquelas que estão alegadas no artigo 46º da contestação, não é possível, a partir do relatório pericial e dos esclarecimentos da Sra. Perita, apurar a exacta valorização da fracção autónoma imputável às obras efectivamente realizadas.
Artigo 5º
Mesmo que subsistam provadas todas as obras dos nºs 13 a 23 dos factos provados – e ver-se-á que não devem subsistir – é manifesto que estas obras são menos amplas e em parte diferentes das que o réu alegou ter feito.
E, porque assim é, não pode subsistir provado que as obras cuja realização ficou provada – as dos nºs 13 a 23 – valorizaram a fracção autónoma em € 17.000,00.
Em suma: tem de ser eliminado, do elenco dos factos provados, o do n.º 25.
Mas não só.
Artigo 6º
Também as obras referidas nos pontos 14, 17, 19, 21, 22 e 23, devem ser dadas como não provadas.
Na verdade, quanto às obras realizadas em 1989 os únicos elementos de prova relevantes são o depoimento da autora, gravado no Sistema Habilus Media Studio, entre 09:32:16 e 09:54:23, particularmente os segmentos entre 0' e 50" e os 3' e 45" e os 6' e os 6' e 40", e o depoimento da testemunha CC, gravado no mesmo sistema entre 10:20:52 e 10:30:12, particularmente os segmentos entre os 3' e os 5' e 40" e os 7' e 50" e os 8' e 50".
E estes depoimentos não suportam a prova daqueles factos.
Artigo 7º
A Exma. Juiz valorizou também, para dar por assentes aqueles factos, as declarações de parte do réu, as fotografias juntas aos autos pela empresa que mediou a venda da casa em 2016 e pelo que a autora escreveu, pelo seu punho, no documento junto pela Century, isto é, que «as canalizações da cozinha e das casas de banho foram alteradas …».
Mas, valorizando assim, a Exma. Juiz errou.
Artigo 8º
Na verdade, aquelas fotografias e aquela declaração manuscrita foram feitas em 2016, no âmbito do processo de venda da casa, isto é, 27 anos após aquelas obras de 1989. E daí, não está demonstrado que tenham que ver com tais obras, revelando os autos que posteriormente, em diversos momentos, outras obras foram feitas (ver, nomeadamente, depoimentos da autora e da testemunha CC nos identificados segmentos e o Relatório de Avaliação bancário de Março de 2016).
As declarações de parte do réu não justificam o mínimo crédito pois que revelou ser capaz de mentir quando convém aos seus interesses e a prova daqueles factos interessa-lhe manifestamente (ver doc. único junto com a réplica e declarações do réu gravadas no referido sistema entre 09:55:24 e 10:11:14, particularmente o segmento entre os 12' e os 13'.
Artigo 9º
Ainda em sede de matéria de facto impõe-se que se dê como provado que «os cônjuges acordaram entre si não exigir a partilha das benfeitorias».
Na verdade, este facto foi confessado pelo réu no artigo 26º da contestação e aceite pela autora (ver artigos 23º a 27º da réplica).
A confissão é válida, pois que feita pelo próprio réu em articulado por si assinado, e o facto releva para a boa decisão da causa.
A Exma. Juiz, não dando aquele facto como provado, errou uma vez mais.
C) Quanto à impugnação em matéria de direito
Artigo 10º
Procedendo o que se concluiu nos artigos 1º e 2º, o pedido do réu formulado na contestação tem de improceder pois que só em sede de reconvenção lhe era processualmente adequado formulá-lo.
E se for eliminado o facto do nº 25 dos factos provados a reconvenção, ainda que subsista, tem de improceder, o que por maioria de razão deverá acontecer se forem também eliminados os factos provados sob os nºs 14, 17, 19, 21, 22 e 23.
Artigo 11º
Não tendo ficado provado o custo das obras realizadas em 1989 não pode ser arbitrada qualquer indemnização a título de benfeitorias.
É que a indemnização, a fixar segundo as regras do enriquecimento sem causa, terá de sê-lo pelo quantum do empobrecimento (custo das obras) quando este for inferior ao quantum do enriquecimento (valorização da coisa).
Não resultou provado o quantum do empobrecimento (custo das obras) e a prova incumbia ao réu.
Resultaram violados os artigos 342º, nº 1, 1273º, nº 2 e 479º, nº 2, todos do Código Civil.
E daí, a reconvenção não pode proceder.
Artigo 12º
Porque alegadamente se trata de obras úteis (embora algumas sejam manifestamente voluptuárias e não justifiquem indemnização) o réu teria de alegar – para depois provar – que as benfeitorias, todas ou algumas delas, sendo esse o caso, não poderiam ser levantadas sem detrimento da coisa.
Mas não alegou e é manifestamente errado o entendimento, expresso na sentença, de que é «evidente, pela própria natureza da obra, que o levantamento das benfeitorias … implicariam o detrimento da coisa».
O réu trata como obras a colocação de toalheiros, a aquisição de fogão, frigorífico, máquinas de lavar e secar roupa, máquina de lavar loiça, esquentador, etc… tudo coisas que manifestamente poderiam ter sido levantadas sem detrimento da fracção autónoma.
Decidindo nesta matéria como decidiu a Exma. Juiz violou, de novo, o artigo 342º, nº 1, e, também, o nº 1 do artigo 1273º, ambos do Código Civil.
E esta é uma razão adicional para que a reconvenção deva improceder.
Artigo 13º
Como acima se fundamentou e concluiu (ver, fundamentação, II, 15 e conclusões, Artigo 9º) deve dar-se como provado que «os cônjuges acordaram entre si não exigir a partilha das benfeitorias».
E se assim for, como se espera que seja, então a acção terá de proceder e a reconvenção improceder, pois que tal facto implica que o réu renunciou expressamente à partilha das benfeitorias.
E quem renunciou a um direito já não pode exercê-lo (cf. douto aresto transcrito na pág. 21).
Artigo 14º
E ainda que se entenda que a situação não configura renúncia expressa configura, seguramente, renúncia tácita, com iguais consequências.
Porque a renúncia, expressa ou tácita pouco importa ao caso, não foi antecipada, é válida, como decorre do disposto no artigo 809º do Código Civil que a Exma. Juiz, não o aplicando, violou.
Artigo 15º
Enfim, se vier a concluir-se pela inexistência de renúncia ao direito invocado pelo réu, então, deverá decidir-se que, exercendo-o no concreto contexto dos autos, agiu com abuso desse direito, face ao disposto no artigo 334º do Código Civil que na douta sentença em recurso quedou violado.
Artigo 16º
Em suma: a reconvenção deverá improceder; a acção deverá proceder.

7. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da ilegalidade do despacho de convite à dedução de reconvenção;
(ii) Da impugnação da matéria de facto;
(iii) Da reapreciação da decisão da causa, com vista a apurar se ocorre o direito à partilha das benfeitorias em causa e do seu montante;
(iv) Do abuso de direito.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No Cartório Notarial .... ..., em ..., está pendente um processo de inventário para partilha subsequente a divórcio, requerido pelo aqui réu contra a aqui autora, que foram casados um com o outro em regime de bens adquiridos, casamento que foi celebrado em .../.../1988 e dissolvido por divórcio decretado pela Sra. Conservadora do Registo Civil ... em .../.../2004, por decisão transitada em julgado nesta mesma data;
2. O requerente do processo de inventário invocou no requerimento inicial pretender «realizar a partilha do direito de crédito consubstanciado nas benfeitorias em imóvel alheio propriedade da cabeça de casal – Fracção ..., destinada a habitação correspondente ao Rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Praceta ..., ... e Praceta ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...08 e inscrito na matriz predial urbana sob o Artº ...43 da extinta freguesia ... actual União de Freguesias ...;
3. O processo de inventário para partilha com o nº 3250/16, foi instaurado em 22/06/2016 e nele foi proferido, pela Sra. Notária, em 21 de Março de 2018, despacho de onde resulta que «Atendendo à posição das partes e à complexidade da matéria de facto já trazida e apresentada, e atendendo à natureza sumária da instrução do processo de inventário e tendo sido suscitadas questões, cuja decisão interfere e influencia a partilha do património conjugal, (por impossibilitar determinar inequivocamente os bens/direitos que deverão integrar ou não a relação) que necessitam de mais larga e profunda indagação, remeto as partes para os meios judiciais comuns, nos termos do nº 2 do artigo 16º do RJPI.»;
4. Para instruir o requerimento para o divórcio os então cônjuges elaboraram e subscreveram relação de bens de onde consta que «Verba nº 1 Prédio urbano constituído por lote de terreno destinado à construção urbana sita em ... de ..., Freguesia ..., concelho ... onde se encontra inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...17 da dita Freguesia ... e descrita sob o nº ...05 da 1ª Conservatória do Registo Predial com o valor de 26.838,60 euros. (…)
5. (…) Verba nº 2 ½ de um prédio rústico composto de vinha e árvores de fruto, sito em ..., Freguesia ..., Concelho ..., onde se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número zero zero novecentos e dois barra mil novecentos e noventa e quatro zero sete onze e inscrito na matriz cadastral rústica sob o Artº ...5 da Secção I, com o valor de 2.500 euros.(…)
6. (…) Verba nº 3 Prédio rústico constituído por parcela de terreno hortícola de regadio, sito em ..., Freguesia e Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número zero nove mil quatrocentos e noventa e oito barra, dois mil e um, zero dois, vinte e dois da Freguesia ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob parte do Artº ...06 da Secção T; no valor de 40.000 euros.»;
7. Os bens das verbas nºs 1 e 3, autora e réu, então já divorciados, venderam-nos, dividindo entre si o produto das vendas.
8. O bem da verba nº 2 partilharam-no, por escritura de 25.05.2005, declarando na escritura que, «pela presente escritura procedem à partilha do património comum do seu dissolvido casal que consta da verba seguinte: …»;
9. A fracção autónoma “D”, correspondente ao rés-do-chão do prédio situado na Praceta ..., ... e Praceta ..., ..., freguesia ... (...), concelho ..., foi adquirido pela A. em data anterior ao casamento com o R.;
10. Nessa fracção autónoma, destinada à habitação, constituíram, autora e réu, após o seu casamento, a sua residência permanente;
11. A autora em 28.04.2016 vendeu a fracção descrita em 9);
12. Foram efectuadas na fracção autónoma, em 1989, na constância do matrimónio entre A. e R, as seguintes obras:
13. Derrube de: a) parede divisória entre sala de refeições e cozinha; b) parede divisória entre a sala de refeições e corredor; c) anulação de corredor de acesso à cozinha; d) demolição de marquise; e) demolição de despensa;
14. Revestimento a azulejo de paredes até 1,20 cm de altura e pavimentos em cerâmico;
15. Colocação de armários de cozinha em madeira de castanho, com electrodomésticos encastrados;
16. Pintura das paredes;
17. Colocação de pedra granítica no tampo a revestir balcão e ilha;
18. Abertura de porta para zona dos quartos e encerramento da existente para corredor;
19. Decapagem e reparação do soalho do hall de entrada, corredor, quartos e sala com aplicação de verniz;
20. Pintura de toda a casa;
21. Remodelação das duas casas de banho com colocação de pavimento, revestimento de azulejo, mudança de sanitários e colocação de torneiras e poliban;
22. Remodelação das canalizações de agua quente e fria da cozinha e casas de banho;
23. Remodelação da rede eléctrica;
24. No âmbito do processo em que foi proferida decisão do recurso do acto da Sra. Notária resulta que «Assim, reconhecendo ambos, recorrente e recorrida, que o prédio desta foi alvo de obras de reconversão e beneficiação na constância do casamento, obras que não poderão deixar de integrar o conceito de benfeitorias, já que nenhuma das partes alegou que foram realizadas gratuitamente (cfr. art.º 216.º do Cód. Civil), presumem-se comuns as benfeitorias delas resultantes, integrando por conseguinte o património do dissolvido casal, a não ser que a recorrida prove que tais benfeitorias foram realizadas com dinheiro ou valores seus (art.º 1723.º al. c) do Cód. Civil).»;
25. As obras realizadas em 1989 aumentaram o valor de mercado do imóvel em €17.000,00;
26. Sobre a fracção foram celebrados pela A. contratos de arrendamento, feitos pelo prazo de um ano, em 10.12.2012 e 15.11.2013, com a renda de 400,00 mensais.
*
A.2. E considerou-se que nada mais resultou provado com relevância para apreciação do presente litígio, nomeadamente não resultou provado que:
1. As obras reduziram o valor de mercado da fracção descrita em 9) por a fracção passar a ter menos divisões assoalhadas;
2. As obras efectuadas custaram cerca de cinco milhões de escudos;
3. O pagamento das obras foi efectuado com dinheiro resultante de indemnização ao reu de acidente de viação no valor de 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos) e financiamento bancário no montante de 2.500.000$00;
4. A mais valia incorporada pela realização das obras é de €40.000,00;
5. A autora veio fazendo na fracção autónoma algumas obras justificadas pelo desgaste e pela deterioração decorrentes do passar dos anos e do uso.
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B) – O Direito
Da ilegalidade do despacho de convite à dedução de reconvenção
1. Com o recurso da sentença vem a A./Recorrente impugnar o despacho de 29/05/2018, que convidou o R. a apresentar reconvenção.
O despacho em causa é do seguinte teor:
«Nos presentes autos de simples apreciação negativa (pedido de inexistência do crédito), veio o réu contestar e peticionar a final que se julgue improcedente o pedido da autora e se declare quais as benfeitorias realizadas e seu valor, assim como o crédito de que ele é titular.
Coloca-se antes de mais a questão, já debatida nos articulados, da necessidade ou não de pedido reconvencional.
Não se desconhece a existência de jurisprudência no sentido de que «nesta sede da simples apreciação, o âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito, pelo que se entende ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do Réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida, constituindo esta o contra ponto da posição do Autor ao pedir a declaração de inexistência do direito que o Réu se arroga.» - acórdão do STJ, de 25.02.2014, processo 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, www.dgsi.pt.
Porém e salvo o devido respeito, afigura-se antes que a improcedência deste tipo de acção, na ausência de pedido reconvencional, não determina que seja declarada a existência do direito – assim, acórdão do TRL, de 04.07.2013, processo 563/12.8TBSSB.L1-2, www.dgsi.pt.
Na verdade, “se o réu quiser afirmar a existência da situação jurídica (que o autor pretende ver negada) e não somente a falta de prova da inexistência dessa situação) deve formular um pedido reconvencional: se esse pedido reconvencional for julgado procedente, tendo o réu logrado provar o facto constitutivo da situação jurídica alegada na reconvenção (…) a acção de simples apreciação é julgada improcedente, mas fica estabelecida a existência da situação negada pelo autor (…)” - Remédio Marques, «A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto», 2ª ed, pág. 120.
Pois, como também explica Teixeira de Sousa: «Nessa acção, como em qualquer outra, incumbe ao autor provar os factos invocados como causa de pedir (que, no caso concreto, é constituída pelos factos impeditivos ou extintivos do direito alegado pelo réu ou pelos factos pelos quais o autor retira a inexistência daquele direito); se não conseguir realizar essa prova, a acção é julgada improcedente, ou seja, o tribunal não declara inexistente o direito alegado pelo réu. Mas o réu também pode obter nessa mesma acção a declaração da existência do direito que se arroga: nessa hipótese, tem de formular o correspondente pedido de apreciação (positiva) desse direito e alegar e provar os respectivos factos constitutivos (…) Deve atentar-se que a improcedência do pedido do autor, não implica o reconhecimento de que o direito invocado pelo autor (e agora negado) pertence ao réu (…)».
Esclarecendo ainda este autor, em comentário ao citado acórdão do STJ, de 25.02.2014, que a solução reside em entender que:
i) O autor tem o ónus de alegar – e, em caso de impugnação pelo réu, provar – os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que constituem a causa de pedir do seu pedido de declaração da inexistência de um direito ou facto;
ii) O réu pode limitar-se a impugnar os factos alegados pelo autor e a procurar obter (apenas) a improcedência da causa com base na contraprova ou na prova do contrário daqueles factos;
iii) O réu pode ainda, além de procurar obter a improcedência da causa, pretender obter o reconhecimento do seu direito; nesta hipótese, deve deduzir o respectivo pedido reconvencional, aplicando-se então (mas apenas então) o disposto no art. 343.º, n.º 1, Código Civil (https://blogippc.blogspot.com/2014/03/accoes-de-apreciacao-negativa-e-onus-da.html)
No mesmo sentido, veja-se igualmente o acórdão do STJ, de 23.01.2001 - Revista n.º 3364/00 - 1.ª Secção, citado pela autora na réplica e que se mostra assim sumariado:
«I - Numa acção de declaração negativa, o réu tem o ónus do seu direito para assim fazer improceder o pedido do autor de que se reconheça que o direito do réu não existe.
II - Mas, para o réu obter nessa acção o reconhecimento do seu direito e a condenação tem de deduzir contra o autor o correspondente pedido reconvencional (…)»
Face ao que fica exposto, e acompanhando-se os descritos argumentos da doutrina e jurisprudência no sentido da necessidade de formulação de pedido reconvencional, o que sempre importaria acautelar atenta a existência de entendimentos diversos, entendo que deverá o réu ser convidado a deduzir a correspondente reconvenção, com observância do legal formalismo, o que determino nos termos do art. 590º e 6º do CPC.
Prazo: 15 dias.
Notifique.»

2. Diz a apelante que “o convite dirigido ao réu para apresentar reconvenção pelo despacho de 29.05.2018 não tem suporte legal, antes viola o disposto no n.º 3 do artigo 590º do CPC e, portanto, deve tal despacho, nesta parte, ser revogado, ordenando-se o desentranhamento/apagamento da reconvenção”, porquanto “…, deduzir, ou não, reconvenção, é uma opção do réu em que o juiz não deve interferir e a contestação que omite a reconvenção nos casos em que a lei a permite não é, por isso, um articulado padecente de irregularidades” (cf. conclusão 1.ª)
Entende ainda a apelante que “o recurso não está, nesta parte, interditado pelo disposto no nº 7 do artigo 590º do CPC, pois que o despacho sobre o qual incide não tem acolhimento em nenhum dos segmentos deste artigo e, face ao disposto no nº 3 do artigo 644º, também do CPC, é este o momento e local próprio para impugnar tal despacho” (cf. conclusão 2ª).
Vejamos:

3. No âmbito dos poderes de gestão inicial do processo conferidos ao juiz estabelece-se no 590º do Código de Processo Civil que “3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”, e que “4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”, acrescentando-se que “7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.” (sublinhado nosso)
Como resulta dos citados preceitos uma das finalidades do despacho pré-saneador é a de o Juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, o que ocorrerá, no âmbito de aplicação da norma do n.º 3, quando o juiz se confronte com articulados irregulares que careçam de requisitos legais ou que não venham instruídos com documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
Neste contexto, como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina 2020. Pág.701): “…, pode dizer-se que os articulados irregulares encerram duas categorias: os irregulares propriamente ditos e os documentalmente insuficientes (cf. Paulo Pimenta, ob. cit., p. 234).
(…) Na primeira situação, estão os articulados carecidos de requisitos legais, desde logo aqueles cuja falta, sendo notada, implica a recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria, designadamente a identificação das partes, a indicação do valor da causa e a indicação da forma do processo (artigo 578º). São, igualmente, requisitos legais dos articulados, entre outros, a articulação da matéria de facto (artigo l47, n.º 1), a especificação separada das excepções deduzidas (artigo 572º alínea c)), a dedução discriminada da reconvenção (artigo 583º, n.º l) e a indicação do valor da reconvenção (ar. 583º, n.º 2).”
Ora, no caso em apreço, verifica-se que na contestação o R., efectivamente, não deduziu formalmente reconvenção, não o tendo feito por haver entendido que nas acções de simples apreciação negativa não tem, em principio, cabimento a defesa por excepção nem sequer a dedução de reconvenção, mas apenas a alegação dos factos constitutivos do direito que o réu se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que afirma, “já que, a improcedência da acção de mera apreciação negativa, determina, só por si, o reconhecimento dos direitos invocados pelo réu”. Razão pela qual, acrescentou, “no âmbito da contestação, invocar-se-á os direitos, sem que tal, formalmente, se designe por “reconvenção”” (cf. artigos 18 a 20 da contestação inicialmente apresentada).
E, com este entendimento, aduziu o R. os factos tendentes a demonstrar a existência do seu direito às benfeitorias e, a final, além de pedir a improcedência dos pedidos deduzidos pela A., pediu que se decidisse quais as benfeitorias realizadas e o seu valor, assim como o crédito de que o réu é titular, para se ordenar o prosseguimento dos autos de inventário para a operação de partilha do que se vier a apurar.
Resulta claro da contestação que o R. pretendeu alcançar os mesmos efeitos que decorreriam da dedução da reconvenção, embora sem a formalização de tal pretensão, nos termos previstos no artigo 583º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Assim, e entendendo o julgador, pelas razões que enunciou, que era possível a dedução de reconvenção nas acções de simples apreciação negativa e/ou que se devia acautelar essa possibilidade, convidou o R. a deduzir reconvenção.
Neste contexto, em que o R. alegou na contestação os factos que servem de suporte ao pedido reconvencional, mas sem deduzir separadamente tal pretensão, o despacho convite proferido, constitui um convite ao suprimento das irregularidades do dito articulado, visando ultrapassar os vícios formais de que o mesmo padece, inserindo-se, por conseguinte, no âmbito de aplicação da norma do n.º 3 do artigo 590º do Código de Processo Civil, sendo por isso irrecorrível, por força do disposto no n.º 7 do mesmo artigo, não podendo, por conseguinte, apreciar-se tal questão no presente recurso.

4. De todo o modo, caso se entendesse que a questão da ilegalidade do dito despacho se encontrava fora da alçada impeditiva da norma do n.º 7 do artigo 590º do Código de Processo Civil, por o convite ao aperfeiçoamento ultrapassar os poderes conferidos ao juiz no artigo 590º do Código de Processo Civil, para providenciar pela correcção das irregularidades dos articulados, e que era admissível o recurso com o interposto da sentença, ao abrigo do n.º 3 do artigo 644º do Código de Processo Civil, e se conhecesse da questão, sempre se concluiria pela sua improcedência, porquanto se entende que o convite ao aperfeiçoamento do articulado com a formalização da reconvenção se impunha, não só em aplicação da norma do n.º 3 do artigo 590º do Código de Processo Civil, mas também, conjugadamente, com a norma do artigo 6º (deveres processuais de gestão processual), igualmente referido na decisão recorrida, e do n.º 3 do artigo 193º, todos do mesmo código, de onde resulta o dever do juiz, quando ocorra erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte, de o corrigir oficiosamente, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Em idêntico sentido, da admissibilidade do despacho convite, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2022 (proc. n.º 2191/20.5T8GDM.P1), disponível, como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt, bem como a demais jurisprudência nele referida, onde se concluiu, a respeito da correcção do erro de dedução na contestação por via de excepção da compensação de créditos, que: «Ocorrendo um erro na qualificação do meio processual utilizado e na formulação do mesmo, na medida em que o Réu deduziu a compensação de créditos como excepção, cabe ao juiz proferir o necessário despacho-convite de aperfeiçoamento no sentido de cumprir as normas atinentes à dedução de reconvenção (Arts. 193º, nº 3, 590º, nº 3 e 583º do CPC)».

Da impugnação da matéria de facto;
5. A A. não concorda com a decisão recorrida no que se reporta aos pontos 14, 17, 19, 21, 22, 23 e 25 dos factos provados, que entende deverem ser tidos como não provados, e pretende que se adite um novo facto ao elenco dos factos provados, indicando os meios probatórios em que assenta a sua pretensão.
Por conseguinte, entende-se que a recorrente deu cumprimento aos ónus de impugnação a que está adstrito o recorrente que impugna a matéria de facto, nos termos prescritos no artigo 640º, n.º 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

6. Porém, antes de entrarmos na análise das questões colocadas, importa sublinhar que, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (Remédio Marques, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).
Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, “[a]lgumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347).
E, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 25/01/2016 (processo n.º 05P3460), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt: “(…) VII - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
VIII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)”
Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.
Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.
Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
Vejamos o caso concreto.

7. Está dado como assente nos autos, e não foi impugnado, que foram efectuadas obras na fracção autónoma, em 1989, na constância do matrimónio entre a A. e R. (cf. ponto 12 dos factos provados).
Das obras que se encontra relacionadas nos pontos 13 a 23, a A. impugna a indicadas nos pontos 14 (Revestimento a azulejo de paredes até 1,20 cm de altura e pavimentos em cerâmico), 17 (Colocação de pedra granítica no tampo a revestir balcão e ilha), 19 (Decapagem e reparação do soalho do hall de entrada, corredor, quartos e sala com aplicação de verniz), 21 (Remodelação das duas casas de banho com colocação de pavimento, revestimento de azulejo, mudança de sanitários e colocação de torneiras e poliban, 22 (Remodelação das canalizações de agua quente e fria da cozinha e casas de banho e 23 (Remodelação da rede eléctrica).
Diz a A. que o tribunal valorou erradamente as provas produzidas, designadamente as declarações do R., as fotografias juntas e a declaração manuscrita feita pela A. em 2016, no âmbito do processo da venda da casa, em que referiu que as canalizações da cozinha e das casas de banho foram alteradas, revelando os autos, que posteriormente foram feitas outras obras, referindo a propósito as declarações da A. e da testemunha CC e o relatório de avaliação bancário de Março de 2016.
Porém, não cremos que a pretensão da A. tenha sustentação nas provas produzidas, de modo a impor decisão diversa.
Senão vejamos:
A matéria em causa foi dada como provada na sentença, em face do teor do depoimento de parte da A. e declarações de parte do R., declarações da testemunha CC, e dos documentos de fls. 98 a 115, 151 a 159.
A este respeito escreveu-se na sentença:
«A A. AA prestou depoimento de parte esclarecendo que passados 12 anos do divórcio a casa foi vendida, referiu que ao longo dos anos em que foi casada com o R. foram sendo feitas obras na casa, não as conseguindo elencar, nem conseguindo referir, ao ser confrontada com a lista das obras elencadas em sede de contestação, quais e quando foram realizadas referindo que teve alguns problemas de saúde que não lhe permitem recordar-se com precisão de determinados aspectos passados. No entanto, refere que as obras que tem presente são o derrube de duas paredes da fracção para ampliar uma divisão da casa, a divisão da cozinha que ficou uma divisão muito mais ampla, tendo essa divisão sido intervencionada e tendo sido adquiridos electrodomésticos para a equipar. (…)
Mais referiu a depoente que a casa tinha três quatros duas salas e uma cozinha, e depois das obras passou a ter uma sala e uma cozinha muito ampla. Não sabe dizer quando foram feitas, nem qual o valor das obras, mas pensa que não foram feitas todas de uma só vez e que o valor foi muito menor do que o indicado pelo R. no entanto não nega que tenham sido feitas obras e bem assim que tenham sido feitas na constância do casamento.
Na sequência do depoimento de parte prestado pela A. foi requerida a prestação de declarações de parte pelo R. tendo este de forma muito clara, concisa e coerente referido que as obras foram realizadas em 1989, o casal em 1982 iniciou comunhão de vida e casaram-se em Dezembro de 1988 (tendo-se divorciado em 2004) e em Agosto de 1989 iniciaram as obras na casa que se traduziu numa grande renovação da fracção e se prolongaram até perto de Novembro de 1989 (tendo o valor previsto inicialmente aumentado ao longo das obras).
Mais referiu que a casa só teve um período de obras enquanto estiveram casados e que foram obras de ampliação da cozinha com incorporação de corredor, marquise e dispensa e sala contigua e ficou uma cozinha muito ampla, como resulta das fotografias juntas aos autos fls. 105 e 106, e compraram os armários da cozinha em castanho e os electrodomésticos encastrados. Mais refere que procederam à colocação de revestimento em azulejo e pintura e remodelação eléctrica e de esgotos e agua, tendo a casa sido toda pintada e chão todo restaurado, foi retirada a alcatifa e reparado parquet, e remodeladas totalmente as casas de banho (desde as canalizações aos sanitários).
Mais referiu que foram efectuadas estas obras todas numa única vez e procuraram até outras casas, antes da remodelação mas por causa da localização optaram por investir nas obras.
(…) resulta das fotografias juntas aos autos pela empresa mediadora da venda da casa que a casa foi intervencionada e a testemunha CC confrontada com as fotografias referiu que a casa tinha aquele aspecto após as obras, reconhecendo particularmente a cozinha e a casa de banho renovadas, resultando por sua vez de documento manuscrito pela A. e junto pela Century que as canalizações da cozinha e casas de banho foram alteradas.
(…) a testemunha CC (reformada, foi professora, reside em ...; é amiga da A. há muitos anos e conhece também o R) que esclareceu que conheceu pouco a casa antes das obras, talvez lá tenha ido uma vez, e só conheceu bem a casa depois das obras que foram em 1989 e em 1990 é que passou a acompanhar mais amiúde a família na sequência de um bebé que adoptaram (…). Confirmou que derrubaram a parede e passaram a ter quatro assoalhadas e ficaram com uma cozinha ampla e todos os anos a casa era pintada.
A testemunha confrontada com as fotografias juntas aos autos a fls. 105 a 115, reconhece as fotografias depois das obras efectuadas e confirma que foi assim que as obras ficaram na cozinha e reconhece também a casa de banho.
Por sua vez a testemunha Fernando Manuel Trovão (Mediador imobiliário que fez a promoção e mediação para venda da fracção em causa nos autos) esclareceu que a venda do imóvel foi promovida de acordo com a tipologia que a fracção apresentava no momento da venda, ou seja com que tipologia t4 transformado em t3 sendo uma casa muito bem localizada, pois está inserida num dos melhores bairros de ....
Confrontado com o contrato de mediação de fls. 99, confirmou que que foi este o contrato de mediação de venda em 2015, não conhecia a casa antes da venda mas sabe que foi feita obra na cozinha de ampliação e alteração da tipologia, conforme comunicado pela vendedora, assim como consta da proposta da venda a indicação escrita da vendedora de que a canalização da cozinha e casas de banho foram alteradas (…).»

8. Neste contexto não vemos como é que a A. pretende que sejam dadas apenas como provadas as obras por si referidas e as indicadas pela testemunha CC, quando a A. não conseguiu recordar todas as obras realizadas na constância do matrimónio e a testemunha CC reconheceu as fotografias de fls. 105 a 115 da casa depois das obras e confirmou que foi assim que as obras ficaram na cozinha, e reconheceu também a casa de banho, e as declarações do R., que mereceram credibilidade, são compatíveis com as obras que as fotos apresentadas evidenciam.
Acresce que não foram impugnadas as obras de derrube das paredes indicadas em 11, nem a colocação de armários na cozinha referida em 15, nem a abertura da porta na zona dos quartos e encerramento da existente para o corredor, como se refere em 18, e tais obras implicaram necessariamente a reparação dos soalhos e pintura da casa, sendo tal conclusão compatível com as fotos juntas aos autos.
E, sendo referido que a cozinha e a casa de banho ficou com o aspecto indicado nas ditas fotografias, não se nos afigura plausível que em face de tais obras, bem como com as demais indicadas, não tenha sido substituída a canalização e remodelada a rede eléctrica da casa. Aliás, no que se reporta à cozinha e casas de banho foi a própria A. que escreveu na “proposta de compra” entregue na imobiliária que “as canalizações (cozinha e casa de banho) foram alteradas quer água [fria], quer água quente”. E, lembramos que foi dado como não provado que a A. tenha feito reparações na casa (cf. ponto 5 dos factos não provados). Também o revestimento das paredes em azulejo e a colocação de pedra no tampo a revestir o balcão são perceptíveis nas fotos a cores juntas aos autos.
É certo que as ditas fotos datam de 2015 e a obras foram realizadas em 1989, sendo de admitir que desde a sua realização tenham sido feitas algumas reparações, mas tal não invalida que na constância do matrimónio tenham sido feitas as obras mencionadas e que foram dadas como provadas.
Deste modo, não ocorre fundamento para alteração dos mencionados pontos da matéria de facto.

9. Impugna também a recorrente o ponto 25 onde se deu como provado que: «As obras realizadas em 1989 aumentaram o valor de mercado do imóvel em €17.000,00».
Na sentença esta matéria foi dada como provada em face do teor do documento de fls. 169 a 184 (relatório de peritagem, onde se apurou o valor do imóvel tendo em consideração as obras realizadas em 1989 e o presumível valor da fracção antes dessas obras), e o documento de fls. 191 a 193 (esclarecimentos do perito).
Diz a A. que tal matéria deve ser dada como não provada, porque o perito não visitou o interior do imóvel, não sabe se as obras foram realizadas, tendo suposto que o foram, tendo feito uma avaliação condicional, e que as obras são menos amplas do que as que o R. refere.
É verdade que o perito não visitou o interior do imóvel, por estar na posse de terceiros, mas entendeu não necessitar de o fazer por ter consultado o relatório de avaliação do imóvel datado de 2016, que foi elaborado por perito registado na CMVM, e ter recolhido os elementos: “áreas, idade do imóvel, materiais de construção de paredes e caixilharia, materiais de revestimento de zonas secas e húmidas, nível de acabamentos (considerado correntes), estado de conservação interior (classificado como bom) e analisadas fotografias do interior”, tendo considerado ainda a execução das obras em 1989 de acordo com as boas práticas construtivas, bem como a aplicação de materiais de boa qualidade. Por isso, como esclareceu, considerou estar na posse dos elementos necessários à correcta avaliação do imóvel sem se ter que notificar os actuais proprietários para aceder ao interior do imóvel.
Acresce, que as obras que a Sr.ª Perita teve como realizadas não são uma suposição, pois foram dadas como provadas e só estas é que relevaram para a avaliação.
Como se diz na sentença, mais esclareceu a Sra. Perita, que o que mais releva para o valor do imóvel é a área e a tipologia e a localização e foi com base nestes elementos que apurou o montante em que o imóvel viu aumentado o seu valor com as obras efectuadas. O relatório pericial elaborado, complementado com os esclarecimentos prestados, apresenta-se devidamente fundamentado e esclarecedor quanto ao objecto da perícia tendo a Sra. Perita feito uso dos elementos que lhe foram apresentados, nomeadamente elementos documentais da instituição bancaria e da mediadora imobiliária que ilustram perfeitamente o estado do imóvel aquando da sua venda.
Deste modo, também se mantém inalterada a dita factualidade.

10. Pretende ainda a recorrente que se dê como provado que: «os cônjuges acordaram entre si não exigir a partilha das benfeitorias», tendo por base o alegado pelo próprio R. no artigo 26 da contestação, o que constitui confissão.
O artigo 26º da contestação surge na sequência do entendimento do R. de que o requerimento com a relação de bens que acompanha o requerimento de divórcio não impede a partilha de outros bens e, na sequência de pertinente jurisprudência, refere que: «Deverá, assim, falecer toda a argumentação apresentada pela Autora de que as benfeitorias não constam na relação de bens pelo que no seu douto entender não são susceptíveis de ser partilhados. Aliás como não constou o estabelecimento comercial do casal; os veículos automóveis do casal, os escritórios da actividade de cada um dos cônjuges; nem os bens que constituíam recheio da habitação, tendo entre os cônjuges ficado estabelecido que aquela seria a casa de residência dos filhos e que por essa razão não foi exigida a partilha daquelas benfeitorias».
Salvo o devido respeito, não cremos que desta afirmação, sem a alegação e prova de outros factos, resulte a confissão da existência de acordo em não exigir a partilha das benfeitorias.
Tal declaração tem que ser entendida com referência ao momento em que foi proferida, ou seja, aquando do divórcio, e significando apenas que naquela altura acordaram não partilhar as benfeitorias, e não como uma renúncia à partilha das benfeitorias em momento posterior, designadamente quando os filhos deixassem de ter residência na casa ou que a A. procedesse à venda da mesma, com as benfeitorias nela incorporadas.
Por conseguinte, improcede também esta pretensão da apelante.

Da reapreciação da decisão jurídica da causa
11. Nos presentes autos peticiona a A. que se declare que o R. não tem o direito de crédito que este invoca como fundamento para o inventário que requereu e caso se decida que o tem seja o seu exercício declarado ilegítimo por configurar abuso de direito.
Por sua vez, o R. deduziu pedido reconvencional, alegando, em suma, que não assiste razão à A. quando pretende que as benfeitorias não constando da relação de bens que acompanhou o requerimento de divórcio não são susceptíveis de ser partilhados, inexistindo qualquer renúncia à partilha do património restante, estando incorporadas no imóvel o valor das benfeitorias efectuadas durante a constância do matrimónio e traduzindo-se num enriquecimento da A. concretizado aquando da venda do imóvel, concluindo pelo seu direito de partilha desse crédito, e que não existe qualquer situação de abuso de direito.
Apreciando os pedidos formulado na acção e na reconvenção, entendeu-se na sentença o seguinte:
«Atenta a factualidade provada nos autos resultou, em suma, que na fracção que constituía a casa de morada de família na constância do casamento foram realizadas obras que beneficiaram a casa consistindo, essencialmente, na ampliação da área da cozinha, com o derrube de paredes da sala contígua e inclusão nessa área da parte da varanda, e bem assim na renovação das duas casas de banho e do revestimento do corredor e quartos e sala e pintura de toda a casa e pintura da zona da cozinha na parte que não ficou revestida de azulejo, equipamento da cozinha com móveis de cozinha em castanho e electrodomésticos encastrados.
Realizado relatório pericial foi concluído que as obras se traduziram na valorização do imóvel em € 17.000,00, tendo em consideração que o valor estimado para o imóvel foi de €114.000,00 no presumível estado físico e de conservação em que se encontra (tendo em consideração as obras efectuadas em 1989) e o valor de mercado estimado, no presumível estado físico e de conservação em que o imóvel se encontraria se não tivessem ocorrido as obras foi de € 97.000,00.(…)
Como resulta do art. 216º, nº 3, do CC, as benfeitorias classificam-se em necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa); úteis (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor) e voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).
No caso em apreço, as obras realizadas pelos cônjuges na fracção adquirida pela A. antes de terem contraído casamento, à luz do critério legal plasmado no art. 216º, devem ser qualificadas como benfeitorias úteis, pois configuram despesas que aumentam o valor objectivo do bem (Cfr. Pais de Vasconcelos, Pedro, Teoria Geral do Direito Civil, 2015, 8ª ed., págs. 215-216).
Por sua vez, no tocante ao pagamento não resultou demonstrado que as obras tivessem sido «feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges» (conforme alegado pelo R/Reconvinte), nos termos previstos no art. 1723º, al. c), do CC, caso em que poderiam conservar a qualidade de bens próprios, assim o seu valor sempre seria de considerar (presuntivamente) comum, ademais, as obras realizadas tiveram lugar na casa de morada da família (neste sentido, Pereira Coelho, Direito da Família, I vol., pág. 530).
Por conseguinte, atenta a factualidade apurada, tendo cessado as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges por divórcio (cf. arts. 1688º, 1788º e 1789º, do CC), deverá proceder-se à relacionação do valor das obras realizadas como benfeitorias, no inventário instaurado para partilha dos bens, por forma a que se opere a compensação devida (Ac. STJ 06-05-2021 in www.dgsi.pt).
Tal solução corresponde “à preocupação básica do nosso direito de obstar ao enriquecimento sem causa” (Cf. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 522; na jurisprudência, cf. o ac. de 16.2.2016, Revista nº 3036/11.2TBVCT.G1.S1, www.dgsi.pt) já que impede que um dos cônjuges fique beneficiado no momento da partilha e, por outro lado, assenta num princípio básico do direito patrimonial da família que encontra expressão em várias normas (cf. arts. 1697º, 1722º, nº 2, 1726º, 1727º e 1728º, todos do CC). (…)
Apreciando o peticionado pela A. e pelo reconvinte importa em primeiro lugar ter presente que tendo as partes sido casados sob regime de comunhão de adquiridos, veio este casamento a ser dissolvido por sentença de divórcio (vide artigos 1788º a 1790º do CC). Do regime assim aplicável, extrai-se que a fracção é bem próprio da A. – artigo 1722º n.º 1 al. b) do CC. Com relevo para a questão em apreciação, dispõe ainda o artigo 1723º do CC que conservam a qualidade de bens próprios: “c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”
Em consonância com as exigências deste normativo, para efeitos da demonstração da qualidade de bem próprio das benfeitorias feitas com dinheiro próprio de um dos cônjuges, e por contraposição ao mesmo, estabelece o artigo 1725º do CC uma presunção de comunicabilidade dos bens móveis, que se consideram comuns, quando “haja dúvidas sobre a comunicabilidade” dos mesmos.
Assim e quando em causa estejam benfeitorias feitas com dinheiro, na dúvida sobre a proveniência do mesmo, presume-se este comum.
Assente este enquadramento jurídico, importa então aferir do direito que o R. reclama sobre o valor das obras executadas em tal prédio. Enquanto remodelação – acentuada, atentas as grandes alterações executadas na fracção com derrube de paredes e ampliação de área da cozinha e intervenção geral de pintura e revestimento do chão, com remodelação das duas casas de banho e intervenção na instalação eléctrica e na canalização da fracção – implica a mesma um melhoramento sobre a coisa, constituindo enquanto tal uma benfeitoria, tal como decorre do artigo 216º n.º1 do CC (sobre o conceito de benfeitoria e modo de regular a vantagem patrimonial dela adveniente por parte do possuidor em benefício do titular através do regime estabelecido pelos artigos 1273º a 1275º do CC cfr. José Alberto Vieira in “Direitos Reais”, edição de 2016, p. 180/181; cfr. Ac. TRGuimarães, 2017-02-23).
Atento o critério de distinção fornecido pelo legislador no artigo 216º n.º 3 CC entre benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias (artigo 216º do CC), no confronto com a factualidade provada, tem a obra de remodelação em causa nos autos de ser integrada nas benfeitorias úteis.
Sendo caso evidente, pela própria natureza da obra, que o levantamento das benfeitorias sobre bem próprio da A. implicariam o detrimento da coisa, fica a titular beneficiária das mesmas – in casu a A. - obrigada a satisfazer ao possuidor o valor daquelas, calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º n.º 2 do CC).
Conforme resulta dos factos provados e não provados, embora o R. tenha alegado que o pagamento das obras foi em metade do valor efectuado com recurso a indemnização que recebeu por acidente, apenas logrou provar que na pendência do casamento, foram realizadas obras em tal fracção com vista à sua remodelação, tendo sido pagas no âmbito da constância do matrimónio e não sendo apurado o montante em concreto das obras. Atenta a presunção estabelecida no artigo 1725º do CC e não afastada, há que presumir que o dinheiro para o efeito despendido era comum.
A medida da restituição a que a A./Reconvinda está obrigada perante o R./Reconvinte, corresponderá como tal a metade do valor aportado ao imóvel por força das obras executadas, por tal ser o limite do enriquecimento da reconvinda aquando da venda do imóvel (cfr. artigo 479º do CC). (…)»

12. De facto, como se conclui, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/02/2017 (proc. n.º 633/15.0T8VCT.G1):
«III- A edificação ou remodelação de construção sobre bem próprio de um dos cônjuges com a contribuição do outro cônjuge, configura benfeitoria.
IV- No caso de benfeitorias feitas com recurso a dinheiro na pendência de casamento a que é aplicável o regime de bens de comunhão de adquiridos, na dúvida sobre a proveniência do mesmo, presume-se este comum.
V- A vantagem patrimonial adveniente de benfeitorias úteis para o titular da coisa, em caso de divórcio, confere ao outro cônjuge o direito a ver-se indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, na medida da sua contribuição para a valorização do imóvel.» [cf. no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24/09/2015 (proc. n.º 299/13.2TBFAF.G1)]
Assim, impunha-se a conclusão de que o R. tem o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel que pertencia à A., por força das obras realizadas pelo casal na fracção, devendo ser o montante de € 17.000 objecto de inventário para partilha.

13. Invoca, porém, a A., que não tendo ficado provado o custo das obras realizadas em 2019 não pode ser arbitrada qualquer indemnização a título de benfeitorias, mas tal entendimento tinha como pressuposto a alteração da matéria de facto, no sentido de se darem como não provados os factos impugnados relativos às obras realizadas e o aumento do valor de mercado do imóvel, em virtude das ditas obras, indicado no ponto 25, o que não sucedeu.
Alega ainda a A. que o R., teria que alegar e provar que as benfeitorias realizadas não podiam ser levantadas sem detrimento da coisa, mas quanto a este aspecto, como se disse na sentença, em face das obras em causa dadas como provadas é manifesto que o seu levantamento não é possível sem deterioração do imóvel.
Acresce que, tendo o imóvel sido vendido com as benfeitorias incorporadas, pertencendo agora a terceiro, é irrelevante que algumas das benfeitorias pudesse ser levantadas, porque no momento em que foi pedida a partilha já não o podiam ser.
Alega ainda a A. que o R. renunciou à partilha das ditas benfeitorias, invocando a pretendida alteração da matéria de facto nesse sentido.
Ora, como se disse a respeito da alteração da matéria de facto, não houve a confissão do alegado acordo de renúncia à partilha, e, como se diz na sentença:
«… não resulta da redacção conferida que ao acordarem a partilha nos termos em que o fizeram, as partes pretenderam resolver definitivamente a questão, renunciando a quaisquer outros bens ou valores ali não considerados. Se é certo que essa atitude seria normal, no contexto da cessação da comunhão de vida inerente ao vínculo conjugal, sempre haveria que colher elementos seguros sobre a ocorrência dessa atitude, o que não se verificou no caso em apreço.
In casu, na relação de bens apresentada aquando do divórcio não constam as benfeitorias realizadas na fracção que era bem próprio da A., logo este bem não foi objecto de partilha, nem da relação de bens resulta expressada pelas partes a ideia de que não existiria qualquer outro património a partilhar pelos ex cônjuges.
Destafeita, considerando a factualidade provada, não se afigura possível admitir que houve uma tal renúncia, pelo que parece nada obstar a que, em sede geral, o Reconvinte pudesse exigir da Reconvinda uma «partilha adicional» de outros bens ou valores não considerados na partilha anteriormente celebrada, o que fez através de inventário que intentou.»

Do abuso de direito.
14. Por fim, invoca a A. que a entender-se não ter existido renúncia ao direito invocado pelo R., deverá entender-se no concreto contexto dos autos que o R. agiu com abuso de direito.
Nos termos do artigo 334º do Código Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Para que haja abuso de direito é, pois, necessário que exista uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 6ª ed., pág. 516).
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa ou intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4ª ed. pág. 299).
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/04/2008 (proc. n.º 2889/2008-6): “existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado”.
Ora, atenta a factualidade apurada nos autos não resulta que a actuação do reconvinte ao intentar o inventário para partilha do valor das benfeitorias realizadas na fracção se concretize numa actuação abusiva, pois pretende partilhar um valor que ainda não se encontrava considerado na partilha efectuada.

15. Nestes termos e com tais fundamentos, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
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Évora, 15 de Dezembro de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)