Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1062/21.2T8ENT-D.E1
Relator: MARIA ISABEL CALHEIROS
Descritores: REFORMA DA DECISÃO
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Como resulta do disposto no artigo 617.º, n.º 6, 1ª parte, do CPC, a decisão que indefere o pedido de reforma é uma decisão definitiva sobre a questão suscitada, não sendo admissível recurso da mesma.
II – Também da decisão que indefere pedido de rectificação de erros materiais não cabe recurso, por aplicação analógica do artigo 617.º, n.º 1, in fine e n.º 6, 1ª parte, do CPC.
III – Não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade por não ser recorrível a decisão de indeferimento de pedido de reforma ou de rectificação de despacho pois que a CRP não consagra de um sistema de recursos sem limites.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1062/21.2T8ENT-D.E1

Reclamação para a conferência: artigo 652.º, n.º 3, ex vi do artigo 643.º, n.º 4, parte final, ambos do Código de Processo Civil.

SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora)
(…)
*
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
*
I – RELATÓRIO
1.1. Nos autos de Recurso de Revisão de Sentença, em que é Requerente (…) e Requerido o Banco (…), S.A., que correm termos com o n.º 1062/21.2T8ENT-B por apenso ao Processo executivo com o mesmo número, em que aquela é executada e este exequente, foi formulado o seguinte pedido:
«Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., deve anular-se a transacção, revogando a decisão homologatória cuja revisão aqui e agora se requer.
(…)
Mais requer, nos termos enunciados a retificação do lapso manifesto constante do despacho liminar passando a constar dos autos que: «(…) A embargante (aqui recorrente e reclamante) juntou a 29 de Junho de 2021 comprovativo do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono», e que «(…) A embargante, na data que informa o Tribunal do seu pedido de apoio judiciário, não tinha esgotado o prazo de 20 dias para deduzir a oposição por embargos de executado».
Alegou, quanto ao pedido de revisão propriamente dito, e em síntese, que se viu forçada a celebrar um acordo de pagamento com o Banco (…) que foi junto aos autos de execução, da quantia total de € 13.037,91, que não pode negociar e teve que aceitar, o que fez baseada em erro, por ter sido expressamente aconselhada a estabelecer esse acordo pela Ilustre Patrona que lhe fora nomeada na convicção de que seria por esta interposto recurso do despacho de indeferimento liminar dos embargos que deduzira, e com vista a suspender o andamento das penhoras realizadas na execução, recurso esse que nunca foi interposto, pugnando pela anulação da transação, com fundamento em erro na declaração.
Cumulativamente pediu a “retificação por reforma do despacho de indeferimento liminar” dos embargos de executado (proferido no apenso A), alegando, também em síntese, que a decisão ali proferida “referiu erradamente que esta não tinha solicitado atempadamente o apoio judiciário, e não tinha informado os respectivos autos desse mesmo facto, e que aguardava a nomeação de patrono oficioso para poder deduzir embargos de executado, verificando-se assim um flagrante erro de apreciação e de direito por parte da Mm.ª Juíza do processo, lapso manifesto que deve ser retificado passando a constar dos autos que: «(…) A embargante (aqui Recorrente e Reclamante) juntou a 29 de Junho de 2021 comprovativo do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono», e que «(…) a embargante, na data que informa o Tribunal do seu pedido de apoio judiciário, não tinha esgotado o prazo de 20 dias para deduzir a oposição por embargos de executado (data limite: 12/07/2021)»” (artigos 56º e 57º da PI; sublinhado meu), acrescentando que “para tanto concorre, como alegado, o facto do processo conter os documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida e que, por lapso manifesto, não foram tomados em consideração(artigo 58º da PI; sublinhado meu).
1.2. Foi proferido despacho em 30.10.2024 que indeferiu o pedido rectificação por reforma acima referido, por ser legalmente inadmissível.

1.3. Inconformada com tal decisão, a Requerente interpôs, a 26.11.2024, recurso de Apelação deste despacho, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 627.º, 638.º, 644.º, n.º 2, 645.º, n.º 2 e 646.º e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
1.4. Foi proferido, a 04/07/2025, pelo Tribunal a quo despacho a não admitir o recurso, com o seguinte segmento decisório, no que releva para esta reclamação: «(…) C) Não admitir, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto por intermédio da ref.ª 11196253, de 26-11-2024 e que incidiu sobre o despacho «que indeferiu a rectificação requerida, por ser legalmente inadmissível (artigo 614.º do Código de Processo Civil) – Despacho de 30-10-2024 [Electrónico], com a ref.ª citius 97905132, notificado à recorrente em 05.11.2024».
Nesse despacho, escreveu-se, quanto à não admissão do recurso, que:
«Aqui chegados, resta ter em conta os dois recursos de apelação interpostos por intermédio das ref.ªs 11196253, de 26-11-2024 e 11219265, de 04-12-2024.
O primeiro incide, como anteriormente constatado, sobre o despacho «que indeferiu a rectificação requerida, por ser legalmente inadmissível (artigo 614.º do Código de Processo Civil) – Despacho de 30-10-2024 [Electrónico], com a ref.ª citius 97905132, notificado à recorrente em 05.11.2024».
Ora, por aplicação analógica do disposto no artigo 617.º, n.ºs 1, in fine, e 6, 1ª parte, do Código de Processo Civil, o despacho de indeferimento da rectificação não é recorrível (neste sentido, vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, 2021 – Reimpressão, pág. 732)».
1.5. Contra a não admissão daquele recurso veio a Requerente apresentar Reclamação, tendo formulado as seguintes conclusões (que aqui se reproduzem):
A. Vem a presente reclamação interposta do douto Despacho do Meritíssima Juiz a quo, que não admitiu o recurso interposto. Entende o Meritíssima Juiz a quo que «Não admitir, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto por intermédio da ref.ª 11196253, de 26-11-2024 e que incidiu sobre o despacho «que indeferiu a rectificação requerida, por ser legalmente inadmissível (artigo 614.º do Código de Processo Civil) – Despacho de 30-10-2024 [Electrónico], com a ref.ª citius 97905132, notificado à recorrente em 05.11.2024».
B. Errónea fundamentação de direito – Veio a recorrente solicitar a Retificação por reforma do manifesto Lapso que padece o despacho de indeferimento liminar proferido no apenso A, que foi indeferido (simplesmente) com base no artigo 614.º do Código de Processo Civil. Entende a recorrente que o dito despacho agora confirmado pela não admissão do recurso é nulo por falta de fundamentação de direito. A falta de fundamentação de facto e de direito é causa geradora de nulidade das sentenças e dos despachos – cfr. artigos 615.º, n.º 1 e 613.º, n.º 3, do CPC.
C. Ora, o despacho de 30.10.2024 com a ref.ª citius 97905132, padece de falta de fundamentação jurídica ao remeter, sem qualquer fundamento, para o citado artigo 614.º do CPC. Com efeito, o tribunal recorrido limitou-se a indeferir o requerimento de 31.07.2024 remetendo para tal artigo legal, merecendo, por esse fato, ser afastado ao abrigo das citadas disposições legais por nulidade.
D. Com efeito, nulidade por falta de fundamentação está prevista no artigo 615.º, n.º 1 do CPC – É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.
E. Constitui uma consequência da violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 154.º do CPC que impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, a qual fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte.
F. Está-se, com isto, a dizer que a Meritíssima juiz a quo não podia deixar de enunciar de modo expresso o teor material da regra ou princípio em que se apoiou. Em consequência, há falta de fundamentação de direito, justifica-se a anulação do despacho por desrespeito dos artigos 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, 205.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 154.º do CPC.
G. Nulidade mantida neste despacho que ora é objeto de reclamação.
H. Considera a reclamante que nunca enquadrou o pedido de retificação como fundamento da revisão tendo deduzido dois pedidos, conforme resulta claramente do pedido que deu início a este apenso – padecendo o recurso reclamado de manifesto erro na iniciação da norma em causa.
I. Nos termos do artigo 614.º (artigo 667.º do CPC/1961) Retificação de erros materiais
J. Padecendo o referido despacho de excesso de pronúncia e erro de julgamento, uma vez que, em nenhum momento no requerimento de retificação da decisão foi fundamentado no artigo 696.º do CPC, muito menos deduzido como recurso de revisão, sendo por demais evidente que o foi requerido: por um lado Recurso de Revisão e por outro a Retificação por lapso manifesto nos termos dos artigos 614.º a 617.º do Código de Processo Civil.
K. Portanto a respectiva decisão tal como a decisão recorrida são nulas, pois a primeira indefere remetendo para o artigo 614.º a 617.º do Código de Processo Civil como fundamento do indeferimento, nomeadamente considerando não se enquadrar no respectivo artigo e a segunda indefere por se enquadrar nos respectivos artigos, remetendo para outro artigo, sendo que ambas as decisões padecem de erro de julgamento e excesso de pronúncia, uma vez que como dito nunca foi requerida a retificação por recurso e nos termos do artigo 696.º, tal como transcrita pelo próprio Juiz a quo o requerimento se divide em recurso e requerimento, tal como o pedido e a causa de pedir, pelo que salvo devido respeito, padece de nulidade por excesso de pronúncia a decisão que ora se recorre e erro de julgamento. E se dúvidas houvesse deveria ter requerido aperfeiçoamento o que não sucedeu.
L. Em nenhum momento foi efetuado o enquadramento no artigo 696º. Pelo que tal transcrição proposital permite afirmar que a sentença padece de desconformidade quanto a estrutura da decisão pois os elementos do corpo da decisão estão em desconformidade e em dissonância com a fundamentação da decisão e em consequência em dissonância com a decisão.
M. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 120724/15.0YIPRT.1.G1-A Relator Rosália Cunha.
N. Ora, no dia 08/11/2021, a Mm.ª Juíza proferiu despacho de indeferimento liminar. Efetivamente, a aqui Recorrente e Reclamante, ali executada / embargante, foi citada no dia 21/06/2021 para se opor à execução / penhora – cfr. doc. 4 conforme decorre dos autos. E logo no dia seguinte, 22/06/2021, a aqui Recorrente e Reclamante – na qualidade de executada no referido proc. n.º 1062/21.2T8ENT – pelas 20:26 horas, através de e-mail dirigido à execução (“entronc.execucao@tribunais.org.pt”), ao Centro Distrital da Segurança Social de Santarém (“CDSSSantarem@seg-social.pt“), e à respectiva Agente de Execução ... (“...@solicitador.net”), reencaminhou e-mail enviado para o Centro Distrital da Segurança Social de Santarém (CDSSSantarem@seg-social.pt“) no dia 13 de junho de 2021, com anexos – sendo um deles, o requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de compensação de patrono – mencionando no teor da mensagem “No aguardo de nomeação de advogado pela segurança social (…) talvez precise de advogado para isso, eu pedi nomeação (…) – cfr. doc. 5 conforme decorre dos autos. Mais, a aqui Recorrente e Reclamante – na qualidade de executada no referido processo n.º 1062/21.2T8ENT – apresentou, no dia 29/06/2021 pelas 09:32 horas, através de e-mail dirigido aos autos de execução (“entronc.execucao@tribunais.org.pt”), ao Centro Distrital da Segurança Social de Santarém (“CDSSSantarem@seg-social.pt“), e à respectiva Agente de Execução ... (“...@solicitador.net”), cópia do requerimento de apoio judiciário apresentado, mencionando “(…) solicito por gentileza acusarem a receção dos documentos enviados, lembrando que aguardo pronunciamento da segurança social devendo se suspender prazo processual” – cfr. Doc. 6 e conforme decorre dos autos.
O. Resulta do disposto no artigo 614.º do CPC: que se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.»
P. Pelo que, ao abrigo da citada norma o pedido devia ser deferido e apreciado – o que não aconteceu.
Q. Pelo que se impunha proferir a decisão retificativa pelo Tribunal a quo cabe dentro dos poderes conferidos pelo artigo 614.º do CPC.
R. Por outro lado, erro material ou lapso é a inexatidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito
O que significa que o lapso manifesto poderá resultar da própria sentença ou de documento para a qual a mesma remete.
S. Verificamos que, no caso concreto, a decisão objeto de retificação remeteu para a junção do documento de apoio judiciário com nomeação de patrono mas, por lapso manifesto, não atendeu à data de junção do referido documento. O lapso manifesto a que alude o artigo 614.º, n.º 1, do CPC resultará do próprio contexto da sentença ou de peças do processo para a qual remete – conforme acontece no caso em apreço.
T. No caso concreto ocorreu um lapso manifesto decorrente da indicação de data errada na junção do documento para a qual remete a decisão a retificar, o qual se ficou a dever a um engano ocorrido na operação de redação do ato (erro revelado pelas próprias peças do processo para que remete).
U. Erro de apreciação do Tribunal acerca do momento em que foi comprovado nos autos de que tinha solicitado atempadamente apoio jurídico na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono, ainda no decorrer do prazo concedido para se opor à execução/penhora, e não a 27/08/2021 como referido no despacho, que deve ser retificado. Pelo que, se verificam os requisitos previstos naquele artigo.
V. Só por involuntário lapso se escreveu no referido Despacho coisa diferente, que a recorrente tinha apresentado nos autos o documento comprovativo ultrapassado o referido prazo, quando os elementos dos autos evidenciam, de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas considerações, que a recorrente apresentou atempadamente o referido pedido.
W. A intempestividade dos embargos de executado é da inteira e única responsabilidade da Ilustre Patrona notificada da sua nomeação no dia 02/09/2021, o prazo legal para a dedução de embargos de executado (20 dias), tinha o seu terminus no dia 22/09/2021, podendo ainda ser praticado, mediante o pagamento da respetiva multa (artigo 139.º, n.º 5, do CPC), até ao dia 27/09/2021. Sucede que aquela apenas deduziu os embargos de executado em 07/10/2021, claramente fora do prazo concedido por lei para o efeito.
X. Não restam dúvidas de que a atuação da Recorrente ao longo de todo o processo sempre foi tempestiva e que esta procedeu corretamente de forma a interromper o prazo que decorria para apresentar embargos de executado, comprovando nos autos a formulação do pedido de nomeação de patrono apresentado junto do Centro Distrital da Segurança Social de Santarém e a confirmação do seu recebimento por este Instituto, tendo informado em 29/06/2021 (isto é, oito dias depois de ter sido citada para se opor à execução/penhora), tanto o Tribunal, bem como a respectiva Agente de Execução.
Y. Mais, considera a Reclamante que o recurso deve ser admitido uma vez que o nem o disposto no artigo 617.º, n.º 1, in fine nem o n.º 6, 1ª parte, permitem afastar o recurso interpostos. Normas estas que o Tribunal de Primeira Instância invocou para não admitir o recurso.
Z. A admissibilidade de retificações aí contemplada é explicada para se tratar de alterações materiais que não foram modificadas ou que foram resolvidas. Na verdade, no ensinamento do Prof. Castro Mendes, em “Direito Processual Civil”, 1969, II, pág. 313: “Erro material ou lapso é a inexatidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito”.
AA. É um lapso material que vem apontado pela ora requerente invocando a desconformidade com a realidade com o que se afirmou no Despacho liminar. E tem inteira razão. Os elementos dos autos evidenciam, de modo flagrante e sem necessidade de considerações elaboradas, que esta apresentou tempestivamente o pedido de apoio judiciário.
BB. Tal como assumido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Processo: 490/11.6TBOHP-D.C2 de 10-03-2015 e no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no Processo n.º 972/10.7TBEVR-J.E1.
CC. Mais, considera a Reclamante que, ao não ser admitido o recurso do despacho que indeferiu a retificação do despacho de indeferimento liminar é violada a sua tutela jurisdicional efetiva, prevista no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Dispõe o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. Ao lhe ser indeferido o pedido de retificação que veio a formular, não foi assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
DD. Estamos também perante um caso em que o Tribunal de Primeira Instância tomou posição parcial sobre a não admissão do recurso sobre a matéria de facto e sucessivamente determinou desentranhamentos de provas e requerimentos pessoais de parte, deferiu nulidades, determinou subida de parte dos recursos, se pronunciou sobre as reclamações e sobre o requerimento inicial após a apresentação dos recursos contra indeferimentos proferidos por despacho, despachou se pronunciando sobre decisões contrariando a tramitação processual.
EE. Incorre o despacho nas nulidades que se enquadram no disposto no artigo 195.º do NCPC, correspondente à prática de um acto legalmente inadmissível e a omissão na prática de atos que a Lei exige, com influência nas decisões proferidas no despacho que ora se reclama e na decisão final com nulidades processuais cobertas pela decisão judicial que a acolhe, exigindo que se reclame e recorra sucessivamente e é o que faremos.
FF. O tribunal ao proferir despachos antecipados, desrespeitando os prazos, o direito ao contraditório, as declarações de não ratificação, aplicando simultaneamente multas e sanções nestes despachos antecipados, prosseguindo com despachos posteriores sem ter resolvido as nulidades anteriores praticadas, impondo a parte reagir contra os despachos antecipados, as aplicações de sanções e multas contra estes despachos que foram antecedidos e seguidos de outros despachos antecipados praticou atos que a Lei não admite, nulidades de tramitação processual, desrespeito às regras do processo, violação do dever de gestão processual, praticando atos que são nulidades processuais de conhecimento oficioso e nulidades constitucionais, excessos e omissões de pronúncias, erros de julgamento nos despachos que antecedem e que seguem os despachos proferidos antecipadamente.
GG. Em razão do supracitado apresentamos a presente reclamação e o despacho será objeto de recurso quanto às nulidades que se aplica, no tempo e modo próprio.
HH. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1, Relator Luís Espírito Santo, de 16 Dezembro 2021.
II. A decisão proferida no despacho relativo ao recurso supra citada incorre em flagrante obscuridade na própria sentença. excesso de pronúncia manifesto lapso (artigo 616.º), erro de julgamento e prática de atos que a Lei não admite, além de acobertar despacho nulo por ser antecipado, sendo nulo por ter praticado atos que a Lei não admite, portanto será objeto de recurso.
Nomeadamente o artigo 616.º.
JJ. Nulidades, erro de julgamento, lapso manifesto, obscuridade, ausência de fundamentação na decisão recorrida, incorrendo em omissão de pronúncia e erro de julgamento ao considerar que a recorrente havia invocado ou não invocado o artigo que utiliza como fundamento, onde não se entende se indefere em decorrência do artigo, ou se indefere porque entendeu que a requerente se referia ou se referia ao artigo, faltando total clareza, sendo obscura a decisão, tal como a presente em que o tribunal decide sabendo ter incompetência para conhecer do mérito, devendo ser revogada as respectivas decisões, nomeadamente o ora proferida e a recorrida, subindo o recurso para o Tribunal competente, incorrendo ainda em excesso de pronúncia, erro de julgamento e errada interpretação das normas, bem como violação quanto ao dever de gestão processual, pois o juiz podia e devia ter requerido esclarecimentos que não o fez, decidindo afastar-se das normas e regras processuais e substituir a parte, pressupondo, quando é vedado tal pressuposto, quando resta claro na PI o lapso invocado e o enquadramento, não havendo em nenhum trecho dos requerimentos e recursos o respectivo enquadramento erroneamente invocado pelo Juiz a quo, que por conta própria alegar enquadramento não efetuado pela recorrente no referido artigo e sim no enquadramento correto, tendo presumido, ora se dúvidas houvessem podia e devia ter requerido esclarecimentos, sendo nula a decisão recorrida e o presente despacho.
KK. Não obstante, além disso, incorre o despacho ora recorrido em erro de julgamento, manifesto lapso, excesso de pronúncia e incompetência para conhecer do mérito, que além de ser uma violação por incompetência é a prática de um ato que a Lei não admite, portanto é nulo e deve ser revogado, subindo os recursos de apelação com subida imediata para o Tribunal da Relação de Évora, bem como a presente reclamação.
LL. E dessa pronúncia se reclama, por incompetência do tribunal da primeira instância para conhecer do preenchimento dos requisitos sobre a impugnação da matéria de facto, uma vez que, a matéria relativa ao conhecimento do preenchimento integra-se já no mérito da causa e não está na disponibilidade do julgador a quo.
MM. Quer isto dizer que não cabe a 1ª instância decidir sobre a admissibilidade da retificação da decisão em crise que padece de lapso material nos termos dos artigos 613.º ao 617.º, tendo a aqui reclamante ao contrário da pronúncia que incorre em nulidade por incompetência para conhecer da respectiva matéria que se enquadra no mérito e que aliás incorre o respectivo despacho em erro de julgamento, nulidade por incompetência.
NN. Violação das regras processuais que consiste na omissão ilegal da realização de uma diligência obrigatória que deveria ter tido lugar nos autos, nomeadamente a subida do recurso para apreciação do tribunal competente uma vez que a decisão de mérito proferida em circunstâncias que ao juiz se encontrava expressamente vedada a possibilidade de tomar conhecimento dessa matéria, por incompetência para dela conhecer, sendo tais regras processuais quanto a competência de carácter oficioso.
OO. Tais nulidades são de conhecimento oficioso do tribunal, pelo que, não tendo sido concretamente conhecida em primeira instância, sempre poderá sê-lo por via do recurso, dado que não se formou caso julgado formal.
PP. Estas nulidades implicam que o Tribunal da Relação proceda à anulação da decisão que conheceu de mérito, uma vez que ao ser proferida foram praticados actos que a lei não admitia e simultaneamente omitidos outros que a lei impunha, bem como de todo o processado.
QQ. Devendo ser determinada a nulidade da decisão proferida na alínea c) supra citada, determinar a subida do Recurso de apelação imediata nos próprios autos com a devida instrução requerida nos Recurso».
1.6. Foi proferida decisão singular que manteve o despacho reclamado.
1.7. Inconformada com a decisão singular, a Reclamante requereu a intervenção da conferência, para que sobre a admissibilidade do recurso seja proferido um acórdão.
*
II – OBJECTO DA RECLAMAÇÃO
A questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se o recurso da decisão de 30.10.2024 que indeferiu o pedido de rectificação do despacho de indeferimento liminar dos embargos (que constituem o apenso A), é legalmente admissível (conclusões Y e CC).
Note-se que a reclamação para a conferência «não carece de fundamentação ou nova alegação, nem pode conter novas questões ou argumentos (ac. do STJ de 17.10.19, Maria do Rosário Morgado, proc. n.º 8765/16)» (Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, pág. 149).
*
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes para a decisão são os que constam do relatório supra.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Importa começar por referir, perante prolixas conclusões apresentadas, de B a X, Z a BB e DD a QQ, que nelas estão invocados o que serão os fundamentos do recurso apresentado e que foi rejeitado pelo Tribunal a quo no despacho ali proferido (em 04/07/2025) ao abrigo do artigo 641.º, n.º 2, do CPC.
Ora, no âmbito dos autos de reclamação apresentados ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, não cabe aferir se assiste ou não razão ao Reclamante quanto ao objeto desse recurso e às questões que nele são suscitadas.
Isto porque, como decorre de forma cristalina da letra da lei, na reclamação há, tão só, que decidir se o recurso (no caso vertente, que incidiu sobre o despacho de 30.10.2024), é, ou não, admissível.
Veja-se, nesse sentido, o Ac. do STJ de 17.09.2024, Proc. 3840/17.8T8VCT-K.G1-A.S1, segundo o qual «a reclamação ex artigo 643.º CPC serve para impugnar o despacho de não admissão do recurso e não para discutir, desde logo, o mérito deste».
Assente isto, temos que o despacho reclamado, debruçando-se sobre a admissibilidade do recurso interposto pela reclamante em 26.11.2024, considerou que o mesmo não era admissível com fundamento na sua irrecorribilidade, dizendo-se, para tal, que tendo o recurso incidido sobre despacho «que indeferiu a rectificação requerida, por ser legalmente inadmissível (artigo 614.º do Código Processo Civil)», «por aplicação analógica do disposto no artigo 617.º, n.ºs 1, in fine, e 6, 1ª parte, Código Processo Civil, o despacho de indeferimento da rectificação não é recorrível (neste sentido vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª edição, Almedina, 2021 - Reimpressão, pág. 732)».
Sendo, então, a questão a decidir a da admissibilidade ou não de um tal recurso, importa agora referir que esse recurso teve por objecto o despacho (datado de 30.10.2024) que versou sobre o 2º pedido que a reclamante formulou, cumulativamente, no Recurso de Revisão, pedido esse deRetificação por Reforma do Despacho de Indeferimento Liminar dos embargos de executado, com o fundamento de que o dito despacho de indeferimento liminar dos embargos “referiu erradamente que esta não tinha solicitado atempadamente o apoio judiciário, e não tinha informado os respectivos autos desse mesmo facto, e que aguardava a nomeação de patrono oficioso para poder deduzir embargos de executado, verificando-se assim um flagrante erro de apreciação e de direito por parte da Mm.ª Juíza do processo, lapso manifesto que deve ser retificado passando a constar dos autos que: «(…) A embargante (aqui Recorrente e Reclamante) juntou a 29 de Junho de 2021 comprovativo do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.», e que «(…) a embargante, na data que informa o Tribunal do seu pedido de apoio judiciário, não tinha esgotado o prazo de 20 dias para deduzir a oposição por embargos de executado (data limite: 12/07/2021)»” (artigos 56º e 57º da PI; sublinhado meu), acrescentando que “para tanto concorre, como alegado, o facto do processo conter os documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida e que, por lapso manifesto, não foram tomados em consideração(artigo 58º da PI; sublinhado meu).
Os termos deste 2.º pedido, ainda que sem invocação da norma legal a coberto do qual é formulado, reconduzem-se à pretensão de reforma de sentença, prevista no artigo 616.º, n.º 2, do CPC, que dispõe que «não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida».
Ora, de acordo com o disposto no artigo 617.º, n.º 6, 1.ª parte, do CPC, que rege quando não foi interposto recurso ordinário da decisão objecto do pedido de reforma, a decisão que indefere esse pedido de reforma é uma decisão definitiva sobre a questão suscitada, não sendo admissível recurso da mesma (neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 740; também no mesmo sentido José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, pág. 745).
Serve isto para dizer que a decisão de 30.10.2024, que indeferiu o pedido de rectificação por reforma do despacho de indeferimento de embargos de executado é irrecorrível, e essa irrecorribilidade não é afastada pela circunstância do pedido, no caso vertente, ter sido formulado, em cumulação, no âmbito do recurso extraordinário de revisão instaurado com vista a obter a revisão de invocada transacção (acordo de pagamento em prestações) e decisão homologatória na execução.
Entendendo-se que o aludido pedido de rectificação se reconduz a pretensão de rectificação de erro material ao abrigo do disposto no artigo 614.º do CPC [o erro material, no dizer de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, reimpressão, pág. 130, dá-se (apenas) «quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando do teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever “absolvo” e por lapso, inconsideração, distração, escreveu precisamente o contrário: condeno». Ao invés, «o erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra a lei expressa ou contra os factos apurados»], também neste caso não cabe recurso do despacho de indeferimento da rectificação, por aplicação analógica do artigo 617.º, n.º 1, in fine e 6, 1ª parte (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 735, que cita Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., II vol., 3.ª ed., pág. 732), como refere o Tribunal a quo.
Em suma, «a decisão do juiz sobre a (…) reforma, ou ainda sobre o pedido de rectificação de erro material (…) não é passível de recurso quando seja de indeferimento» (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 745).
E este regime de irrecorribilidade é inteiramente aplicável mesmo no caso em que a parte tenha optado por pedir a reforma / rectificação não no próprio processo onde foi proferida a decisão, mas inserida, como 2º pedido, num recurso extraordinário de revisão que tem por objecto uma transacção efectuada na execução. Com efeito, «não é aceitável que a circunstância de a parte ter adoptado um procedimento errado, (…), possa ter a virtualidade de facultar-lhe um direito que, no caso, não existe, isto é, o direito ao recurso da decisão que julgou improcedentes (…) o pedido de reforma» (Ac. do STJ de 14/07/2021, rel. Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt).
Resta referir, por último, que da circunstância de, em determinados casos, não ser admissível recurso não resulta qualquer inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da CRP, ao contrário do que defende a Reclamante.
É que, conforme se escreveu no acórdão do STJ de 30.03.2022, Proc. n.º 12429/18.3T8LBS.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), «segundo jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional, recentemente reiterada no acórdão n.º 70/2021, de 27 de Janeiro de 2021, (…), o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cfr. Acórdão do TC n.º 125/98).
A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso” (cfr. Acórdãos do TC n.ºs 72/99, 431/02, 374/02 e 106/06).
Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos (…)» (sublinhado meu).
Por conseguinte, não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade por não ser recorrível a decisão de indeferimento de pedido de reforma ou de rectificação de despacho.
Em suma, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido no que respeita à inadmissibilidade do recurso, desatendendo-se, por isso, a reclamação apresentada.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em desatender a reclamação apresentada pela reclamante, mantendo-se o despacho reclamado de não admissão do recurso.
*
Custas pela reclamante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
*
Évora, 13/11/2025
Maria Isabel Calheiros (relatora)
Maria Emília Melo e Castro (1ª adjunta)
Anabela Raimundo Fialho (2ª adjunta)