Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | CONSUMIDOR LEI DA DEFESA DO CONSUMIDOR | ||
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Data do Acordão: | 03/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Consumidor para efeitos de integração no PERSI, por remissão do artigo 3.º, alínea a), do D.-L. 227/2012, é o que adquire o bem ou o serviço exclusivamente para uso privado ou pessoal e também o empresário ou profissional liberal quando adquira o bem ou o serviço fora do específico âmbito da sua atuação produtiva. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2223/19.0T8ENT.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. Banco (…), S.A., com sede na Quinta (…), Edifício (…), 1.º, em (…), instaurou contra (…), residente em Av. (…), Lote 37, 1.º-Dto., em Abrantes, ação executiva para pagamento de quantia certa. Deu à execução um contrato de mútuo mediante o qual o executado se obrigou a pagar-lhe a quantia de € 37.671,60, fracionada em 120 prestações mensais e alegou que o executado deixou de pagar as prestações acordadas encontrando-se em dívida a quantia de € 9.493,74, a que acrescem juros de mora.
2. A exequente, para tanto notificada, veio esclarecer que o contrato de mútuo se encontra abrangido pelo disposto no D.-L. n.º 133/2009, de 2/6, alterado pelo D.-L. nº 72-A/2010, de 18/6, mas que o mutuário não pode ser havido como consumidor, uma vez que o bem financiado – veículo automóvel – se destina a seu uso profissional e pessoal, razão pela qual não se aplica o PERSI.
3. Seguiu-se decisão a considerar que “os motivos invocados pela exequente para não integrarem os executados em PERSI não colhem, tanto mais que, como a mesma admite, o contrato destinou-se (também) a uso pessoal, e nesta medida, sendo consequentemente o mutuário consumidor, é o que basta para o regime do PERSI ser aplicável, imperativo e obrigatório” e a concluir a final: “(…) o Tribunal decide rejeitar a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por (…), S.A., julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução – artigos 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, artigos 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e artigos 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC”.
4. A exequente recorre da decisão e conclui assim a motivação do recurso: “A) O presente recurso tem como objeto a matéria de direito, já que o tribunal considerou indevidamente verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI de que dependia a prossecução da ação executiva intentada pela ora Recorrente contra o Recorrido (…). B) Efetivamente tal sucede porque o Executado/Recorrido referiu no contrato utilizar a viatura no seu âmbito profissional, pelo que não lhe é aplicável o regime de PERSI, pois nos termos do D-L 227/2012 só estão abrangidos pelo referido regime os clientes bancários considerados como consumidores. C) Ora, a assunção do conceito de consumidor como ele é legalmente entendido nos termos do Lei Defesa de Consumidor pressupõe que o bem adquirido não seja afeto a atividade profissional. D) Assim, no caso presente (de quem adquire um bem para o afetar à sua atividade profissional) o Tribunal a quo cometeu um erro no modo em como subsumiu esta situação às normas do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor ex vi do artigo 3.º do D-L 227/2021 e no n.º 1, alínea a), do artigo 4.º do D-L 133/2009. E) Nesta medida, perante o não enquadramento do Executado no conceito de “consumidor” nos termos explicitados supra não impendia qualquer obrigação legal do ora Recorrente em proceder à sua integração em PERSI. F) Pelo que, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo em consequência substituída por outra que determine o prosseguimento da ação executiva contra o Executado (…). Nestes termos e nos demais de direito aplicável, requer a Vs. Exas. que julguem procedente o presente recurso e consequentemente se dignem a revogar a decisão recorrida, proferindo uma outra que determine a condenação de ambas os recorridas nos exatos termos peticionados, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
2. Direito Se o executado não é consumidor para efeitos de integração no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento Assente que o financiamento documentado no título executivo teve por escopo a aquisição de um veículo automóvel destinado ao uso profissional e pessoal do mutuário questiona-se se este pode ser havido como consumidor para efeitos de inserção no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI); coloca-se, pois, o problema de saber se em caso de contrato com dupla finalidade não há lugar à proteção especial conferida por lei ao “consumidor”. A questão surge porquanto, para efeitos do D.-L. 227/2012, de 25/10, que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, «cliente bancário» é o “consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito [artigo 3.º, alínea a)] e são os clientes bancários assim considerados, em caso de mora, os destinatários do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), de promoção obrigatória para as instituições de crédito (artigo 14.º do D.-L. 227/2012), procedimento que obsta à propositura de ações judiciais com vista à satisfação do crédito, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção do procedimento [artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D.-L. 227/2012]; numa palavra, o âmbito de aplicação subjetiva do PERSI é exclusiva dos clientes bancários enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo. Segundo a Lei de Defesa do Consumidor “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” [artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/7, alterada pelo D.-L. n.º 67/2003, de 8/4]. Adotou-se aqui o conceito estrito de consumidor. “Em sentido lato consumidor será aquele que “adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional” (Calvão da Silva, A responsabilidade do Produtor, 58). Em sentido estrito, não abrangerá a utilização para necessidades profissionais.”[1] Restrição concetual que legitima, necessariamente diríamos, uma abordagem teleológica da norma com visa a afastar efeitos singulares a que a sua mera leitura literal conduz, ao excluir da proteção inúmeras situações que intuitivamente[2] nela devem assentar; com a exigência literal do uso não profissional do bem ou do serviço ficariam fora da proteção do consumidor v.g. o enfermeiro que adquire um computador para uso pessoal e profissional ou professor que se desloca para o seu local de trabalho no veículo adquirido também para seu uso pessoal e familiar. As razões que justificam a proteção do consumidor – inferioridade do poder negocial, decorrente da inferioridade económica, informacional ou técnica, bem como à tipicamente menor experiência contratual[3] –, em tais circunstâncias, não sofrem modificação e, como tal, numa visão teleológica da norma tais situações deverão incluir-se, ainda, no seu escopo. Mesmo no conceito estrito de consumidor deve-se “distinguir aqueles casos em que a aquisição, posse ou utilização se insere na própria atividade profissional da pessoa, daqueles em que tais atos, ainda que visem satisfação de necessidades profissionais, não constituem elemento integrante daquela (v.g. a compra dum livro por um alfarrabista para o revender e a compra dum livro de direito para desempenho das suas funções por parte dum profissional do foro) – (cfr-se, a este propósito, Carlos Ferreira de Almeida, Direito ao Consumo, 33).[4] Idêntica linha valorativa resulta do ensinamento de Menezes Cordeiro: “(…) o consumidor surge como o elo final no processo económico: ele adquire o bem ou o serviço sem fins empresariais ou profissionais livres. Infere-se, daqui, que o próprio empresário ou profissional liberal, quando adquira bens ou serviços fora do seu específico âmbito de atuação produtiva, deve ser tratado como consumidor”.[5] Assim, consumidor para efeitos de integração no PERSI, ainda que na aceção restrita consagrada pelo Lei do consumidor, por remissão expressa do artigo 3.º, alínea a), do D.-L. 227/2012, é o que adquire o bem ou o serviço exclusivamente para uso privado ou pessoal e também o empresário ou profissional liberal quando adquira o bem ou o serviço fora do seu específico âmbito de atuação produtiva. Dimensão analítica, no caso, prejudicada pela parca matéria de facto trazida aos autos, uma vez que se alega o que consta no contrato e neste apenas se documenta que o uso do bem financiado – viatura – se destina ao uso profissional e pessoal [alínea a) supra]. Os autos não permitem trilhar este caminho e, assim, não se vê como dar razão à Recorrente. Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.
Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)
3. Custas Vencida no recurso, incumbe à Recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV. Dispositivo Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Évora, 24/3/2022 |