Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1684/22.4T8TMR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Nos termos do art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a suspensão do despedimento em sede de procedimento cautelar é decretada desde que o tribunal conclua pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, descrevendo-se, em tal artigo, alguns exemplos em que tal probabilidade séria de ilicitude do despedimento pode ocorrer.
II – Deste modo, para que a suspensão do despedimento em sede de procedimento cautelar seja decretada não se exige que o trabalhador despedido mostre, de forma suficientemente fundada, o receio da lesão do seu direito (periculum in mora).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1684/22.4T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A requerente AA interpôs procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual contra o requerido “Banco Comercial Português, SA”, solicitando, a final, que seja decretada a suspensão do seu despedimento, com as legais consequências.
A requerente fixou o valor do procedimento cautelar em 5.000,01.
Em 24-10-2022, foi proferido despacho com o seguinte teor decisório:
Nesta conformidade e por tudo o exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.
Custas a cargo da Requerente, que decaiu.
Fixo ao procedimento cautelar o valor indicado pela Requerente no requerimento inicial (artigo 304º, nº3, alínea d), do CPC ex vi artigo 32.º, n.º 1 do CPT).
Notifique e registe.
Inconformada com tal despacho, veio a requerente interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1.º
Entende o ora Recorrente, salvo melhor opinião, não existirem quaisquer razões de facto e de direito que possam fundamentar a decisão do Tribunal a quo.
2.º
A Recorrente pretende ver alterada a decisão do Tribunal a quo que decidiu: “Nesta conformidade e por tudo o exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.”
3.º
A Recorrente apresentou um procedimento cautelar especificado, nomeadamente da suspensão de despedimento – Cfr. Artigo 33.ºA e seguintes do CPT.
4.º
E não um procedimento cautelar comum – Cfr. Artigo 32.º, n.º1 do CPT.
5.º
À procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no Artigo 39º nº 1 do Código Processo Trabalho.
6.º
Os requisitos do seu deferimento encontram-se especialmente regulados no artigo 39.º do CPT.
7.º
Não sendo necessário os requisitos do Artigo 368.º do Código de Processo Civil.
8.º
“(…) os pressupostos do decretamento do procedimento cautelar de suspensão de despedimento (incluindo o despedimento colectivo) mostram-se especialmente enunciados no artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho e neste não se faz qualquer referência ao periculum in mora – ou seja, não se exige expressamente, como condição para que se decrete a suspensão de despedimento, que a demora na decisão da causa acarrete para a requerente a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável – o que pode bem compreender-se tendo em consideração a natureza própria do procedimento em causa e os interesses em jogo quando se conclua pela probabilidade séria da ilicitude de um despedimento.” Cfr. Acórdão do TRP de 23/03/2015.
Deste modo,
9.º
Andou mal o Tribunal a quo.
10.º
Sendo ininteligível a sua posição: “Nenhum facto é invocado pela requerente que nos permita concluir pela verificação de um perigo de lesão grave e irreparável.”.
11.º
Assim, verificados os requisitos previstos no art. 39º, nº 1 do CPT, tal é bastante para a procedência da suspensão do despedimento.
12.º
Não sendo de exigir à Requerente a alegação e demonstração do prejuízo que lhe pode advir com a demora da decisão (periculum in mora).
13.º
Dúvidas não restam, nem podem restar, salvo o devido respeito, que a posição do Tribunal a quo carece de fundamentação.
14.º
Devendo ser dado provimento ao presente recurso.
15.º
Revogando-se a decisão recorrida Vossas Excelências, porém, farão a costumada e esperada JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo, de igual modo, determinado a citação do requerido para, querendo, responder ao recurso.
Efetuada a citação, o requerido “Banco Comercial Português, SA” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
Após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo, porém, substituir-se a decisão recorrida por outra que determine a notificação da recorrente para completar o seu articulado com a eventual invocação de factos suscetíveis de integrar o requisito periculum in mora, a que alude o art. 362.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
A requerente veio responder a tal parecer, pugnando pela procedência do seu recurso, porém, caso assim se não entenda, então, que seja dado cumprimento à segunda parte do parecer do Ministério Público.
O requerido veio também responder a tal parecer, pugnando pela manutenção da decisão proferida, invocando inexistência de fundamento legal para a pretensão do Ministério Público.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram os autos aos vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Quais são os requisitos exigidos para a procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do presente relatório.
IV – Enquadramento jurídico
1 – Quais são os requisitos exigidos para a procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento
Entende a requerente que para a procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no art. 39.º, n.º 1, do Código Processo Trabalho, não sendo necessária a verificação dos requisitos do art. 368.º do Código de Processo Civil, pelo que não é de exigir à requerente, como fez a decisão recorrida, a alegação e demonstração do prejuízo que lhe pode advir com a demora da decisão, ou seja, o requisito periculum in mora.
Fundamenta a decisão recorrida o indeferimento liminar do presente procedimento cautelar de suspensão do despedimento nos seguintes termos:
Decorre do inserto no artigo 368.º, n.º 1 do CPC que, para que a providência deva ser decretada, é necessário a probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. É igualmente necessário para o seu decretamento um fundado receio da lesão desse direito, que terá de ser grave ou de difícil reparação. É o que decorre do disposto no artigo 362.º, n.º 1 do CPC que dispõe “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Também são requisitos do seu deferimento a adequação da providência solicitada à efetividade do direito ameaçado, a não adequação à tutela do direito dos requerentes de nenhum dos procedimentos cautelares especificados e não resultar desta prejuízo superior ao dano que ela visa evitar.
Ora, face ao invocado pela requerente, e em sede de apreciação liminar da admissibilidade da providência, a probabilidade séria da existência do direito invocado, nos termos dos artigos 362.º e 368, n.º 1.º do CPC é matéria que, para ser totalmente compreendida e enquadrada juridicamente, carece de produção de prova (sendo certo que, após a morte de uma pessoa, os bens passam a integrar a herança e o pagamento das dívidas tem de observar o disposto nos artigos 2068.º e ss. e 2097.º a 2100.º do CC, cabendo a sua administração ao cabeça-de-casal, nos termos do artigo 2079.º e 2087.º do CC).
No entanto, sendo o requerido uma providência cautelar, exige-se a verificação de um fundado receio de lesão do direito, que terá de ser grave ou de difícil reparação.
E, quanto a este requisito, do invocado pela requerente, não resultam indicados factos que nos permitam fundamentar um juízo de receio de uma lesão do direito grave e de difícil reparação.
Note-se que a violação do contrato de trabalho, confere à requerente, entre outros, direito a indemnização (artigo 323.º, n.º 1 do CT). Nenhum facto é invocado pela requerente que nos permita concluir pela verificação de um perigo de lesão grave e irreparável.
Como tal, conclui-se que inexiste um fundado receio de verificação de um dano grave ou de difícil reparação, o que determina o não decretamento da providência.
Porquanto não estando preenchidos os requisitos substantivos para que seja decretada a providência requerida, é indeferido liminarmente o presente procedimento cautelar, nos termos dos artigos 226.º, n.º 4, al. b) e 590.º, n.º 1, ambos do CPC ex vi artigo 32.º, n.º 1 do CPT.

Vejamos.
Dispõe o art. 32.º do Código de Processo do Trabalho que:
1 - Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, incluindo no que respeita à inversão do contencioso prevista nesse diploma, com as seguintes especialidades:
a) Recebido o requerimento inicial, é designado dia para a audiência final;
b) Sempre que seja admissível oposição do requerido, esta é apresentada até ao início da audiência final;
c) A decisão é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
2 - Nos casos de admissibilidade de oposição, as partes são advertidas para comparecer pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, na audiência final, na qual se procederá à tentativa de conciliação.
3 - Sempre que as partes se fizerem representar nos termos do número anterior, o mandatário deve informar-se previamente sobre os termos em que o mandante aceita a conciliação.
4 - A falta de comparência de qualquer das partes ou dos seus mandatários não é motivo de adiamento.

Consagra o art. 33.º do Código de Processo do Trabalho que:
1 - O disposto no artigo anterior é aplicável aos procedimentos cautelares previstos na secção seguinte em tudo quanto nesta se não encontre especialmente regulado.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o regime de inversão do contencioso estabelecido no Código de Processo Civil é aplicável, com as necessárias adaptações e com as especialidades previstas no presente Código, às providências cautelares reguladas na secção seguinte.
3 - O regime de inversão do contencioso não é aplicável à providência cautelar de suspensão do despedimento quando for requerida a impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do n.º 4 do artigo 34.º e do artigo 98.º-C.

Determina o art. 33.º-A do Código de Processo do Trabalho que:
O procedimento cautelar de suspensão de despedimento regulado na presente subsecção é aplicável a qualquer modalidade de despedimento por iniciativa do empregador, seja individual, seja coletivo, e independentemente do modo ou da forma da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento.

Estipula o art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo Trabalho, que:
1 - A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade;
b) Pela provável inexistência de justa causa; ou
c) Nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.
2 - A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente às retribuições em dívida, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.
3 - A execução, com trato sucessivo, segue os termos do artigo 90.º, com as necessárias adaptações.

De igual modo, consta do art. 362.º do Código de Processo Civil que:
1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.

Por fim, dispõe o art. 368.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

Ora, da análise dos citados artigos resulta que ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento, regulado nos arts. 33.º-A a 40.º- A do Código Processo Trabalho, aplica-se o estabelecido no Código de Processo Civil em tudo quanto não se encontre especialmente regulado nos referidos artigos 33.º-A a 40.º[2].
Dispõe, porém, especificamente, quanto ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento, o citado art. 39.º, n.º 1, do Código Processo Trabalho, que esta suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua, (i) pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade; (ii) pela provável inexistência de justa causa; ou (iii) nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.
Daqui resulta, de forma inequívoca, que a suspensão do despedimento em sede de procedimento cautelar é decretada desde que o tribunal conclua pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, descrevendo-se, em tal artigo, alguns exemplos em que tal probabilidade séria de ilicitude do despedimento pode ocorrer. Deste modo, para que a suspensão do despedimento em sede de procedimento cautelar seja decretada não se exige que o trabalhador despedido mostre, de forma suficientemente fundada, o receio da lesão do seu direito (periculum in mora). O art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo Trabalho, estabelece especificamente os requisitos para a decretação da providência cautelar de suspensão do despedimento, como o art. 368.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estabelece os requisitos para que a providência cautelar comum, no âmbito do direito civil, possa ser decretada, razão pela qual, o art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, por regular especificamente esta matéria, afasta, nos termos do art. 33.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, o estatuído para as providência cautelares comuns no âmbito do direito civil. Deste modo, não é exigível ao trabalhador despedido a alegação do periculum in mora no requerimento a que alude o art. 34.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, uma vez que não faria qualquer sentido que o trabalhador despedido tivesse que alegar o periculum in mora quando este não faz parte do elenco dos requisitos exigidos para que seja decretada a providência cautelar de suspensão do despedimento.
Cita-se, pela sua clareza, o acórdão do TRP, proferido em 23-03-2015[3] [4]:
No âmbito da lei adjectiva civil, o n.º 1 do artigo 362.º dispõe que “[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Deste preceito, em conjugação com o artigo 368.º do mesmo diploma, também integrado no capítulo relativo ao procedimento cautelar comum, resulta que são requisitos das providências cautelares não especificadas: (i) não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na lei; (ii) a provável existência de um direito; (iii) o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação; (iv) a adequação da providência solicitada para remover o periculum in mora e evitar a lesão do direito ameaçado; (v) que o prejuízo resultante da providência não exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
No âmbito da lei adjectiva laboral, o artigo 32.º do CPT determina a aplicação aos procedimentos cautelares laborais do “regime estabelecido no Código Processo Civil para o procedimento cautelar comum”, com as “especialidades” que o próprio preceito enumera.
O artigo 33.º, por seu turno, determina a aplicação subsidiária do artigo 32.º (incluindo, naturalmente, a remissão no mesmo contida) aos procedimentos cautelares especificados previstos no artigo 34º e ss, nos quais se insere a suspensão de despedimento, em tudo o que “se não encontre especialmente regulado” na inerente secção do Código de Processo do Trabalho.
Ora, em primeiro lugar, quer a epígrafe do artigo 32.º (“procedimento”), quer o seu texto (com a remissão para o “regime”), denotam que a remissão do Código de Processo do Trabalho para o Código de Processo Civil se reporta à tramitação processual da providência e não aos pressupostos do seu decretamento.
Em segundo lugar, os pressupostos do decretamento do procedimento cautelar de suspensão de despedimento (incluindo o despedimento colectivo) mostram-se especialmente enunciados no artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho e neste não se faz qualquer referência ao periculum in mora – ou seja, não se exige expressamente, como condição para que se decrete a suspensão de despedimento, que a demora na decisão da causa acarrete para a requerente a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável – o que pode bem compreender-se tendo em consideração a natureza própria do procedimento em causa e os interesses em jogo quando se conclua pela probabilidade séria da ilicitude de um despedimento. Cremos que a não exigência da prova do periculum in mora se prende com o facto de no procedimento cautelar de suspensão de despedimento o risco de agravamento da lesão que acarreta a demora da acção principal ser inerente à própria natureza do objecto da providência e dos interesses que estão em jogo e que ela visa acautelar. Se há uma probabilidade séria de ser ilícito o despedimento perpetrado, há uma igual probabilidade séria de se mostrar violado o direito fundamental à segurança no emprego do trabalhador (artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa) e torna-se candente a reparação provisória da situação, evitando os efeitos nefastos da demora da acção principal na mudança operada na vida do trabalhador por um despedimento que se demonstrou ter sérias probabilidade de ser ilícito. O risco de o decurso do tempo agravar a lesão do direito ao trabalho e à percepção da inerente retribuição, nestes casos, subjaz, naturalmente, à probabilidade séria de ilicitude do despedimento, o que justifica que o legislador o não tenha erigido como pressuposto a alegar e provar autonomamente pelo trabalhador para ser decretada a providência.
No sentido aqui defendido já esta Secção Social se pronunciou nos Acórdãos de 28 de Junho de 2010 e de 28 de Fevereiro de 2011[3], sendo que do sumário do primeiro ficou a constar o seguinte: "À procedência do procedimento cautelar de suspensão do despedimento basta a verificação dos requisitos previstos no art. 39º, nº 1, do CPT (na versão introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), não lhe acrescendo a necessidade de alegação e prova dos factos integradores do periculum in mora, uma vez que este está subjacente e é inerente à própria natureza da providência e dos interesses que nela estão em causa e que com ela se visa acautelar, para além de que nem a citada norma, nem a corresponde norma substantiva (seja o art. 434º do CT/2003, seja o art. 386º do CT/2009) o exigem ".

Dir-se-á ainda que os acórdãos citados com posição diversa foram proferidos entre 2007 a 2009, sendo os por nós invocados bem mais recentes, sendo de destacar ainda que, entretanto, a redação do art. 39.º do Código do Processo do Trabalho foi submetida a duas alterações, tornando-a bem mais esclarecedora.
Em face da procedência do presente recurso interposto não nos pronunciaremos relativamente à pretensão invocada no douto parecer do Ministério Público.
Pelo exposto, carece de fundamentação jurídica a decisão recorrida, pelo que será revogada por outra que determine a prossecução do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, nos termos do n.º 1 do art. 34.º do Código de Processo do Trabalho, a menos que não se mostrem verificados os requisitos constantes do art. 39.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, e que aqui não nos cumpre analisar.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente procedente e, em consequência, determinar a revogação da decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a prossecução do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, nos termos do n.º 1 do art. 34.º do Código de Processo do Trabalho, a menos que não se mostrem verificados os requisitos constantes do art. 39.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal.
Custas pelo requerido (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 9 de fevereiro de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Em face do disposto no art. 33.º, n.º 1, que remete para o art. 32.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho.
[3] No âmbito do processo n.º 645/14.1TTVNG-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] No mesmo sentido, os acórdãos do TRG proferidos em 11-06-2015 no âmbito do processo n.º 3237/14.1T8GMR-B.G1 e em 30-04-2015 no âmbito do processo n.º 854/14.3T8BRG-A.G1; consultáveis em www.dgsi.pt.