Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3309/08-2
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário:
I – Embora uma arrendatário não seja um possuidor e sim um mero detentor, beneficia da tutela possessória, conferida pelo artigo 1037º, do Código Civil.

II – Os contratos de arrendamento de duração indeterminada, estão sujeitos a forma escrita.

III – Um contrato de arrendamento é considerado como um ónus em relação ao prédio

IV – A entrega, efectuado em processo executivo, de prédio urbano onde alegadamente reside alguém que se diz arrendatário e que, por via disso, é privado do gozo do prédio, implica ofensa do direito deste, fundamentadora do recurso à restituição provisória de posse ou ao procedimento cautelar comum.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 3309/08 – 2
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA ELAÇÃO DE ÉVORA
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RELATÓRIO
No Tribunal de … corre termos uma execução movida por “A” contra “B” na qual foi ordenada a passagem de mandado de entrega de determinado imóvel ao exequente.
Efectuada tal diligência, requereu “C” providência cautelar de restituição provisória de posse, alegando ser arrendatário de tal imóvel e ter sido violentamente esbulhado do respectivo gozo.
Tal requerimento foi liminarmente indeferido, entendendo-se que o arrendamento invocado seria nulo por falta de forma escrita e que os factos descritos não integraram os requisitos do esbulho e da violência.
Inconformado, apelou o Requerente para esta Relação, sintetizando a sua divergência nas seguintes conclusões:
I - O Recorrente é arrendatário da vivenda sita na Rua …, 41, em …, desde Outubro de 2006, sita no terreno dos autos.
II - Nessa data, tomou de arrendamento para habitação a referida vivenda a “B”, ora 'Executada, a qual lhe proporcionou o gozo, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 275,00.
III - O Recorrente tem vindo a pagar a renda em numerário ou cheque, mediante entregas à pessoa designada pela senhoria, Exma Senhora “D”, que as depositava na conta da senhoria.
IV - A partir de Outubro de 2006, o Recorrente tem dormido, tomado as suas refeições e recebido a correspondência na referida vivenda, que passou a ser o seu domicílio.
V - Pelas 18,30 horas do passado dia 31 de Outubro (6ª feira), noite dentro, o ora Recorrente foi esbulhado violentamente da sua residência na referida vivenda, com a intervenção da G.N.R. e ameaças de prisão, contra sua vontade e apesar de ter demonstrado a sua qualidade de arrendatário da referida vivenda.
VI - O mandado de execução partiu de um pressuposto errado, por falsa informação prestada ao tribunal, uma vez que, na decisão de entrega do imóvel se refere expressamente que a entrega é determinada "em virtude de ter sido detectado que não reside qualquer pessoa no imóvel e que será necessário proceder ao arrombamento da porta”.
VII - O Recorrente não exibiu mais documentação, porque se encontra impossibilitado, conforme alegou no art. 39° do requerimento iniciai.
VIII - Para prova dos factos, o Recorrente indicou 7 testemunhas que o Tribunal não se dispôs a ouvir.
IX - A falta de forma escrita não determina necessariamente a invalidade do contrato "desde que os motivos determinantes da forma se mostrem satisfeitos”.
X - Em princípio, os contratos só produzem efeitos entre as partes e esses motivos têm certamente a ver com a relação jurídica bilateral entre senhorio e arrendatário.
XI - Nos efeitos externos, o conteúdo do contrato não é determinante, nomeadamente quando existe uma situação de facto pública, que assegure a publicidade:
XII - No caso dos autos, estando em causa apenas a eficácia externa do arrendamento, a eventual falta do documento escrito, existindo uma situação pública de facto, não pode ser oposta pelo Exequente.
XIII - Podendo ainda, durante a audiência, o ora Recorrente apresentar outros documentos, a que se encontra presentemente impossibilitado de aceder, por estar impedido de entrar na sua residência, como se deixou alegado.
XIV - A forma escrita só é obrigatória para os contratos de duração superior a 6 meses (art. 1069° CC).
XV – Não tendo sido fitado um prazo de duração, o contrato ter-se-á como celebrado por duração indeterminada (art. 1094° nº 3 CC)} pelo que não tem aplicação o mencionado art. 1069° CC) quanto à forma.
XVI - Mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria lugar à redução do prazo do arrendamento para 6 meses, por força do art. 292° CC.
XVII - Renovando-se o contrato por períodos sucessivos por força dos art.s 1054° e 1096 CC. não tendo havido qualquer oposição à renovação por parte da senhoria.
XVIII - O que está em causa na presente providência é a defesa da posse do ora Recorrente, por força do art. 1037º nº 2 C.C. a qual pode ser titulada ou não (art. 1258° e 1259° CC), contando que seja pública e constituída por actos materiais (art. 1263°) 1268° e 1276° CC).
XIX - Uma vez que o princípio geral é o da liberdade de forma, sendo excepcionais os preceitos que obrigam a uma forma especial, pode inferir-se uma regra, baseada nestes regimes especiais (não excepcionais) de que a parte não culpada na falta de forma - normalmente a parte mais fraca - pode suprir essa falta de forma ou, pelo menos, contra da não pode ser invocada, sobretudo nos casos em que a lei procura proteger a parte mais fraca, in casu, o arrendatário.
XX - Al eventual falta de forma do contrato de arrendamento urbano não pode ser invocada contra a parte que lhe não deu causa, não só nas relações internas, mas principalmente nos efeitos externos, desde que haja execução do contrato.
XXI - No caso sub judice, em face da matéria de facto alegada no requerimento inicial, é manifesto que o ora Recorrente está investido numa situação de arrendatário, que lhe faculta não só o exercício dos correspondentes direitos perante o senhorio, como a defesa da posse perante terceiros.
XXII - O douto despacho recorrido violou, ostensivamente o art. 1037º nº 2 CC.
XXIII - Não se diga, como pretende o douto despacho recorrido, que "são inoponíveis à execução os actos de disposição ou arrendamento dos bens penhorados "porquanto a situação locatícia teve início em Outubro de 2006 e a citação da Executada (Senhoria) “B” só ocorreu em 15/09/2008.
XXIV - A expulsão do ora Recorrente do seu domicílio verificou-se noite dentro em manifesta violação do citado art. 34° nº 2 da Constituição.
XXV - A interpretação dada pela douta decisão recorrida ao art. 292° do CPC, conjugado com os art.s 1037° n° 2 e 1069° do CC é manifestamente inconstitucional, por violação do art. 34° n01 a 3 da Constituição.
XXVI - A presente providência é uma acção possessória, a qual poderá proceder independentemente da validade do título, contanto que se verifique a prova da posse em termos de facto, como se deixou demonstrado.
XXVII - O locatário, ora Recorrente, sempre poderá invocar o seu direito ao arrendamento contra qualquer sucessivo proprietário do prédio locado.
XXVIII - A situação de esbulho violento causa graves prejuízos patrimoniais e morais ao ora Recorrente e a seu pai, pessoa idosa e doente cardíaca, prejuízos esses que são de tanto mais difícil reparação quanto mais demora tiver a restituição do domicilio ao ora Recorrente, para além dos danos da imagem pública nunca poderem ser completamente ressarcidos.
XXIX - O despacho que ordena a entrega está manifestamente inquinado por um vício de formação da vontade - por erro - o qual não pode deixar de afectar a validade do acto postulativo.
XXX - O pressuposto errado em que a decisão se fundamentou e a manifesta ilegalidade e desumanidade da sua execução, constituem uma situação de manifesto esbulho violento, tanto mais que, sendo executada de noite, fere garantias fundamentais dos cidadãos, como se deixa demonstrado.
XXXI - Mesmo que se entendesse que in casu não se verificava esbulho violento, sempre a providência poderia prosseguir como procedimento cautelar comum ao abrigo do art. 395º do CPC por se verificarem os necessários requisitos.
XXXII - O douto despacho recorrido violou os art.s 3930 a 395º do CPC.
XXXIII - E violou, ainda o art. 6850 nº 1 do CPC porquanto o mandado foi executado em 31 de Outubro, antes do trânsito em julgado do despacho exequendo, que só foi notificado em 15/10/2008.

Conclui, pedindo o provimento do recurso e a revogação do despacho a substituir por outro que receba a providência e a mande prosseguir.

Remetido o processo a esta Relação, após o exame preliminar e vistos, cumpre decidir:
FUNDAMENTAÇÃO
Os factos relevantes constam do relatório que antecede.
A questão nuclear trazida até esta Relação reside na qualificação jurídica como arrendatário da posição de que o Recorrente se reclama relativamente ao imóvel.
Como arrendatário, não é seguramente possuidor, mas mero detentor; todavia, beneficiará da tutela possessória excepcionalmente conferida ao arrendatário pelo art. 1.037° n° 1 e 2 CC. pois que a providência cautelar de restituição provisória de posse é inequivocamente um dos meios de defesa da posse (art. 1030º nº 2, 1279° CC e 393° e segs CPC.
A 1ª instância recusou atender o contrato de arrendamento invocado pelo Requerente e Recorrente, por nulidade decorrente de omissão da respectiva forma escrita - louvando-se nas afirmações do Requerente de que "tem vindo a pagar em numerário ou cheque, e mediante entregas a pessoa designada pela senhoria, Exma Senhora “D”, que as depositava na conta da senhoria"; "as contas da água e electricidade que lhe são apresentadas, mediante entrega a Exma. Senhora “D”; "Onde tem instalado a pago o telefone e a TV Cabo": "a senhoria não lhe facultou para assinatura o documento do contrato de arrendamento": "Nem lhe tem entregue os recibos correspondentes as rendas pagas" - face ao preceituado no art. 1069° do CC, formalidade esta que, à luz das alterações introduzidas pela Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro, tem natureza substancial, como bem referiu a decisão recorrida.
Contudo, o citado art. 1069° do CC prescreve que "o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior o seis meses".
Ora, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se por prazo certo ou por duração indeterminada (art. 1094° nº 1 CC) e, no silêncio das partes, o contrato tem-se como celebrado por duração indeterminada (art. 1094° nº3 CC).
Aliás, o próprio requerente subsumira a relação locatícia que invocava ao contrato de arrendamento de duração indeterminada - cfr. art.s 12° e 13 do requerimento inicial.
Ora, qual a forma a que deve obedecer o contrato de arrendamento urbano de duração indeterminada?
O art. 1069° CC não responde a esta questão pois, como se disse, só refere os contratos de arrendamento de duração superior a seis meses, ou seja, seis meses e um dia ...
Logo, poderá sustentar-se que os contratos de duração até seis meses e os contratos de duração indeterminada não têm que ser obrigatoriamente reduzidos a escrito. Esta questão já foi enfrentada no domínio doutrinal, preconizando a obrigatoriedade de forma escrita para os contratos de duração indeterminada.
Assim, a este propósito escreveu J. Sousa Ribeiro:
"Não deixa de ser intrigante o enunciado normativo do art. 1069°. Em primeiro lugar, porque o critério nele fixado não se amolda, pelo menos em termos literais, aos contratos de duração indeterminada, Em segundo lugar, porque, havendo estipulação de prazo, este não pode ser inferior a cinco anos (art. 1095 nº 2), excepto se se tratar de um contrato para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios (nº 3 do mesmo artigo). Só em relação a esta categoria constante do art. 5° nº 2, alínea h). do RAU faz sentido distinguir os contratos de arrendamento consoante tenham duração inferior ou superior a seis meses. A solução ideal seria, pois, a de prever, como noutros pontos do regime, uma norma especial para este tipo de contratos, ao lado da regra geral da redução a escrito.
Quanto aos contratos de duração indeterminada, não parece contestável que eles elevem ser reduzidos a escrito. Muito embora, por definição, não tenham uma duração pre-fixada, que possa servir de critério diferenciador, apresentam uma vocação para perdurarem por prazo não inferior ao prazo mínimo dos contratos com prazo certo, dadas as condicionantes temporais à denúncia do senhorio (pré-aviso de cinco anos). Nada justificaria, pois, um tratamento distinto, pondo em causa um dado adquirido do nosso direito arrendatício. O art. 1069° deve, pois, ser lido (e deveria ter sido formulado, a não se adoptar a solução acima proposta) da seguinte forma: "o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, a menos que lenha sido estipulado um prazo inferior a seis meses" (Cfr. O novo regime do arrendamento urbano: contributos para uma análise, in Cadernos de Direito Privado. n° 14, p. 4-5, nota - 4).
No mesmo sentido, também Carlos Lacerda Barata escreve:
"A letra do artigo 1069.º suscita, ainda, uma importante dúvida:
A lei distingue - artigo 1094.º/1 - contratos com prazo certo (artigos 1095.º e segs.) e contratos de duração indeterminada (artigos 1099.c e segs .. do Código Civil), não tendo, por natureza, estes últimos, a sua vigência pré-determinada.
Pois bem: a letra do artigo 1069.°, do Código Civil, está, claramente, pensada para os contratos de duração determinada (“com prazo certo"), podendo questionar-se se a exigência legal de forma escrita vale, também, para arrendamentos por tempo indeterminado.
A resposta deve ser afirmativa.
Com efeito, embora sem termo certo, estes contratos vigorarão, em princípio, por tempo não inferior a cinco anos, mercê do regime de denúncia, pelo locador (artigo 1101º, .. c), do Código Civil ) , a qual não poderá, em qualquer coso, levar a uma duração efectiva do contrato inferior àquele período (artigo 1103.0/7, do Código Civil). É certo que o contrato poderá cessar por outra via: nomeadamente, por denúncia do arrendatário - para a qual basta uma antecedência de 120 dias (artigo 1100º/1) -, mas esta circunstância não invalidará a conclusão de que, tendencialmente, este tipo de arrendamentos não constituirão locações de curta duração, nenhuma razão havendo, portanto, para os excluir da exigência de forma escrita.
Por outra via: o artigo 1069º., do Código Civil, deverá ser interpretado no sentido de isentar da forma legal, escrita, apenas, contratos de arrendamento com termo certo e quando este seja inferior o seis meses e um dia.
Evidentemente que nada impede a celebração por escrito de contratos de arrendamento com duração igual ou inferior a seis meses: estaremos, então, consoante os casos, no domínio da formo voluntária ou do forma convencional, com aplicação dos respectivos regimes legais (artigos 222º. e 223º.)” (Cfr. Celebração do Contrato de Arrendamento no NRAU, ROA, ANO 66. Dezembro 2006, p. 1273 E SEGS, acessível também na INTERNET através de htlp://www.oa.pt/Conteúdos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=54103&ida=54122).
Ou seja, o regime jurídico da denúncia dos contratos de arrendamento de duração indeterminada - cuja consagração normativa, aliás, de natureza supletiva (art. 1 094° n º 3 CC), se configura como algo anómalo, pois que o que caracteriza o arrendamento e, em geral, a locação, é o carácter temporário, típico do contrato (art. 10220 CC): neste sentido. cfr Laurinda Gemas, Albertina Pedroso, João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano. 2006. p. 216: Margarida Grave, Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotações e comentários, p. 89) - não é compatível com os contratos de curta duração para os quais é dispensada a forma escrita: logo, as razões justificativas para a necessidade de forma escrita nos contratos de prazo superior a seis meses devem proceder também nos contratos de duração indeterminada.
Pois que, como observam Soares Machado e Regina Santos Pereira:
" ... se é certo que estes contratos - de duração indeterminada - podem ser denunciados, por simples comunicação do senhorio, a qual não carece sequer de ser fundamentada ( ... ), a verdade é que a antecedência mínima de cinco anos imposta pela alínea C) do artigo1101º do CC tem como consequência prática que este tipo de contratos acabe por, em termos de duração mínima, não se diferenciar dos de prazo certo. Assim, não parece apresentar vantagens em relação ao de prazo certo" (Cfr. Arrendamento Urbano - NRAU Comentado e anotado, p. 138).
Há que reconhecer, no entanto, que, inexistindo preceito legal expresso nesta matéria, só por via interpretativa de outras normas - e a interpretação é sempre passível de controvérsia - se chega à solução preconizada; aliás, a interpretação literal da norma legislativa - e a letra da lei é sempre, como decorre do art. 90 nº 1 CC, o ponto de partida da interpretação ... - conduz, por argumentação a contrario, à dispensa da formalidade escrita de tal contrato.
Mesmo partindo da nulidade do contrato de arrendamento, não pode ser liminarmente desconsiderada a tese sustentada pelo Recorrente sobre a eventual redução dessa nulidade formal e sua convolação para arrendamento por seis meses - o qual, como se disse, é de prova livre e não está sujeito à forma escrita.
É o que refere Olinda Garcia quando escreve:
"uma primeira ideia a extrair do art. 1069 será a de que, independentemente do tipo de contrato (a prazo ou com duração indeterminada) que as partes firmaram, o arrendamento não reduzido a escrito poderá vigorar pelo prazo de seis meses ... Se as partes celebraram um contrato a prazo convencionando uma duração inicial superior a 6 meses, o contrato deverá ser reduzido a escrito. A ausência de firma escrita tem como consequência a nulidade do contrato, nos termos do art. 220º do CC. O contrato com duração indeterminada, sendo tipicamente um contrato com vocação de longa duração deverá ser sempre reduzido a escrito. A falta de forma escrita determinará a nulidade do contrato, nos termos do art. 220°. Todavia, tanto nesta hipótese, como na hipótese do contrato a prazo por período superior a 6 meses, deverá admitir-se a convalidação automática do contrato em contrato de curta duração, ou seja, em contrato de duração até seis meses. Consequentemente, caberá à parte interessada em demonstrar a nulidade absoluta do contrato o ónus de provar que essa solução não corresponderia à vontade das partes" (Cfr. Arrendamentos para comércio e fins equiparados, 2006, p. 35).
Assim convalidado o contrato para arrendamento por seis meses, fica sujeito a renovações por período sucessivos, por falta de oposição do senhorio à renovação, tudo nos termos conjugados dos art.s 292°, 1054° e 1056° do CC
Ou seja, no mínimo, a questão suscitada merece ser apreciada.
É, por isso que não se nos afigura, à partida, evidente que o Requerente e Recorrente, a demonstrarem-se os factos descritos no requerimento inicial - o que pressupõe a produção e exame das provas produzidas - não seja arrendatário do imóvel em causa e, nesta conformidade, detentor com direito a tutela possessória.
Com efeito, como decorre do exposto, não está excluída uma qualquer possível interpretação legal que sustente a validade do contrato de arrendamento e, se o contrato for duração indeterminada, pelo menos a letra da lei parece dar-lhe razão para além de uma sempre possível redução do negócio jurídico que salvaguarde a sua validade dentro dos termos em que tal for legalmente possível.
No que concerne ao esbulho, entendendo-se este como a privação do gozo, tal facto parece ser inequívoco, face ao requerimento inicial.
"Há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição de objecto possuído ou da possibilidade de o continuar" (Cfr. Manuel Rodrigues, A posse, 1981. p. 363).
Mas não é qualquer privação da retenção ou da fruição que constitui esbulho juridicamente relevante: para o ser, o esbulho deve ser ilícito (Cfr. Moitinho de Almeida, Restituição de posse e ocupações de imóveis, 2ª ed., p. 101).
A ilicitude, ou contrariedade ao direito, obviamente na perspectiva de quem foi privado da retenção ou da fruição, pois que é o direito deste - ou o direito que ele se arroga - que foi atingido.
Daí que possa haver esbulho mesmo que o facto seja praticado por autoridades, com autorização ou em cumprimento de mandado judicial (cfr. STJ de 1-4-1898. Gaz. Rel. Lisboa. 12°, p. 92, cit in Manuel Rodrigues. ob cit., p.364 e Moitinho de Almeida. ob cit. p. 108).
Já questionável será a verificação do requisito da violência, pois que a pressuposta na restituição provisória de posse é uma violência ilícita ou ilegítima que não se enquadra ou dificilmente se enquadrará no caso em apreço.
Não tendo havido violência física, será discutível a qualificação da actuação como coação moral, nos termos do art. 255° CC, havendo quem entenda que esta pode decorrer da presença da autoridade e do apoio ou intervenção da força pública (Cfr, Moitinho de Almeida, ob cit. P. 112).
De qualquer forma, a sua inverificação não seria impeditiva do prosseguimento dos autos como procedimento cautelar comum (art. 395° CPC).
Suscitou-se ainda a questão da inoponibilidade do arrendamento ao exequente.
E, na verdade, à luz do art. 824° do CC. o contrato de arrendamento é considerado como um verdadeiro ónus em relação ao prédio. (Cfr. Ac.STJ 31-10-2006. acessível na INTERNET através de http.z/www.dgsi.pt).
Só que, face à correcção aceite pelo Mmo Juiz da data do início do arrendamento - que seria Outubro de 2006 e não Outubro de 2008 - e atenta a data da citação da executada - que terá sido em 15-09-2008 - a questão parece estar ultrapassada.
Os autos de procedimento cautelar que vieram até à Relação não permitem apreciar a valia do argumento invocado pelo recorrente com base no art. 1057° CC. na medida em que não esclarecem se o exequente é, como refere tal preceito, "adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato": sabe-se apenas que é uma execução e que foi passado um mandado de entrega de imóvel.
Todavia, a tratar-se de acção de reivindicação, se a restituição consequente ao reconhecimento do direito pode ser recusada com fundamento em arrendamento (art. 1311º nº 1 e 2 CC), deve entender-se que tal arrendamento deve ser desprovido de vícios de ilegitimidade do locador ou de deficiência do seu direito (art. 1 034° nº 1 CC).
Estas questões estão, porém, fora do objecto do presente recurso.

Tanto basta para, sem mais considerações, concluir no sentido da procedência da apelação.

Em síntese:
I- O CC, após as alterações introduzidas pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, é omisso quanto à forma a que devem obedecer os contratos de arrendamento urbano para habitação por tempo indeterminado.
II - Com efeito o art. 10690 do CC apenas impõe a forma escrita apenas para os contratos de arrendamento urbano desde que este tenho duração por mais de seis meses.
III - Assim, se um contrato de arrendamento com duração até seis meses não tem que ser obrigatoriamente reduzido a escrito pode defender-se, dado o silêncio da lei e a letra do art. 1069° citado, que também o contrato de arrendamento para habitação com duração indeterminada não o tem que ser.
IV - Todavia, estes contratos têm uma vocação de longa duração, como se depreende da antecedência mínima de cinco anos imposta para a comunicação ao inquilino da intenção de denúncia do senhorio; logo, é defensável o entendimento da equiparação de tal contrato aos contratos de duração superior a seis meses para os quais a lei impõe, como formalidade substancial, a forma escrita.
V - A nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma pode ser reduzida, nos termos gerais do art. 2920 CC. se se verificarem os respectivos requisitos.
VI - Assim, pode entender-se que um contrato de arrendamento de duração indeterminado nulo por vício de forma pode ser convalidado para um contrato de arrendamento com o duração até seis meses, se se verificarem os pressupostos da redução, e, nesse caso, sujeito a renovações sucessivas.
VII - A entrega, efectuado em processo executivo, de prédio urbano onde alegadamente reside alguém que se diz arrendatário e que, por via disso, é privado do gozo do prédio implica ofensa do direito deste fundamentadora do recurso à restituição provisória de posse ou ao procedimento cautelar comum.
VIII - Alegando-se os fartos integradores de um contrato de arrendamento para habitação meramente verbal, sem indicação da sua duração, deve entender-se alegado um contrato de arrendamento de duração indeterminada.
IX - Não deve ser liminarmente indeferido uma providência cautelar de restituição provisória de posse com fundamento na nulidade formal de tal contrato pois que a lei não contém previsão expressa de tal nulidade e à mesma só se chega por via interpretativa, com recurso a outras disposições legais.
ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar procedente a apelação e em revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que faça prosseguir a tramitação do procedimento cautelar.
Sem custas.
Évora e Tribunal da Relação, 22/01/09