Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
134/13.1TBSRP-B.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: INVENTÁRIO
REMOÇÃO DO CABEÇA DE CASAL
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Quando no incidente de remoção do cabeça de casal vier a ser alegada diversa factualidade que, a ser provada, preencha os requisitos a que aludem as alíneas b) e c) do nº1 do art.2086º do Cód. Civil, não deverá a mesma, desde logo, ser julgada improcedente por meras questões processuais (eventual incumprimento de prazos), mas antes vir a ser designada data para a inquirição das testemunhas arroladas e para a tomada de depoimento de parte ao cabeça de casal, caso tais meios de prova tenham sido indicados pelo requerente, ora apelante, e também pelo cabeça de casal, o que, inexoravelmente, sucedeu no caso em apreço.
2. Por isso, deve a Relação, mesmo oficiosamente, nos termos do disposto no art.662º nº2 alínea c) do C.P.C., revogar a decisão recorrida e ordenar a realização de tais provas - sobre os requisitos necessários para a remoção do cabeça de casal - cuja produção, na 1ª instância, tenha sido totalmente omitida.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

No processo de inventário a que estes autos estão apensos veio o requerente, AA suscitar a remoção do cabeça de casal do cargo em que foi investido, o que fez alegando diversa factualidade que se enquadra na previsão das alíneas b) e c) do nº1 do art.2086º do Cód. Civil, indicando, desde logo, as respectivas provas (v.g., documentos, testemunhas, depoimento de parte do cabeça de casal e notificação de entidades bancárias tendo por base a factualidade alegada nos arts.22º e 33º/34º de tal articulado – cfr. fls.84).
O interessado BB e o cabeça de casal, CC, notificados para querendo, se pronunciarem, vieram pugnar pela manutenção do cabeça de casal no seu cargo, sendo que, este último, também indicou no seu requerimento as respectivas provas (documentos e testemunhas – cfr. fls.240/241).
Seguidamente, a M.ma Juiz “a quo” proferiu decisão - sem ter tomado em linha de conta a prova testemunhal e o depoimento de parte indicados pelo requerente, nem, tão pouco, a prova testemunhal arrolada pelo cabeça de casal - na qual veio a julgar improcedente o incidente suscitado de remoção do cabeça de casal, mantendo-se o mesmo no cargo.
Inconformado com tal decisão dela apelou o requerente Sebastião Rodrigues, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as respectivas conclusões, nas quais sustenta, em resumo, que a decisão recorrida não elenca de forma adequada e correcta quais os factos tidos por provados e não provados, além de que existe diversa factualidade por si alegada e que se encontra controvertida nos autos, a qual, a ser provada - atentos os meios de prova que apresentou e que não foram tidos em conta na decisão sob censura - consubstancia, inexoravelmente, uma conduta do cabeça de casal que se enquadra na previsão das alíneas b) e c) do nº1 do art.2086º do Cód. Civil.
Pelo cabeça de casal foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo requerente AA, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se nestes autos existe factualidade apurada que demonstre estarem verificados os requisitos para que se determine a remoção do cabeça de casal do seu cargo.
Apreciando, de imediato, a questão supra referida, importa, desde já, dizer a tal respeito que, relativamente a esta matéria, o art.2086º do Cód. Civil estipula o seguinte:
1. O cabeça de casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem:
a) Se dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também denunciou doações ou encargos inexistentes;
b) Se não administrar o património hereditário com prudência e zelo;
c) Se revelar incompetência para o exercício do cargo.
2. Tem legitimidade para pedir a remoção qualquer interessado, ou o Ministério Público, quando tenha intervenção principal.
Por outro lado, a remoção do cabeça de casal constitui um incidente do processo de inventário, encontrando-se subordinado às regras gerais dos incidentes, conforme expressamente resulta do disposto no art.1339º nº3 do C.P.C., aplicável aos presentes autos.
Acresce que tal pretensão está sujeita à obrigatoriedade de apresentação dos meios de prova com o respectivo requerimento, conforme impõe o disposto no art.293º nº1 do C.P.C.
Ora, “in casu”, o requerente indicou quais os meios de prova que entendia pertinentes para a apreciação do incidente em causa, o que fez no seu requerimento em que solicitava a remoção do cabeça de casal e no qual alegava diversa factualidade que, no seu entendimento, se enquadrava na previsão das alíneas b) e c) do nº1 do citado art.2086º, nomeadamente, atraso na apresentação da relação de bens, sonegação de bens (decorrente de abertura de contas bancárias), propositura de acção judicial e contratação de serviços desnecessários na administração da herança.
Todavia, a M.ma Juiz “a quo” veio a proferir a decisão recorrida – onde julgou improcedente o incidente em causa – sem ter inquirido quaisquer das testemunhas arroladas (quer pelo requerente, quer pelo cabeça de casal), ou, sequer, ter tomado o depoimento de parte ao cabeça de casal, o que, a nosso ver, e salvo o devido respeito, não permite uma apreciação global, séria e conscienciosa, relativamente a toda a factualidade que foi alegada pelo apelante (e que, aliás, se mostra controvertida), no requerimento em que pretendia a remoção do cabeça de casal.
Na verdade, no dito incidente de remoção do cabeça de casal suscitado pelo recorrente, a menos que se verificasse a hipótese (excepcional) dos requisitos exigidos para tal remoção se mostrassem inteiramente provados nos autos (v.g. por documentos autênticos juntos ao processo), sempre - em circunstâncias normais, e com vista a uma justa composição do litígio - deverá haver lugar, nomeadamente, à inquirição das testemunhas arroladas em tal incidente e na oposição apresentada pelo cabeça de casal, bem como ao depoimento de parte a tomar a este último, provas essas que, aliás, foram expressamente requeridas pelos interessados (no requerimento e resposta que apresentaram nos autos).
Assim sendo, forçoso é concluir que a decisão recorrida - a qual julgou improcedente a remoção do cabeça de casal do seu cargo - não poderá subsistir, pelo que, desde já se determina a sua revogação, ao abrigo do disposto no art.662º nº2 alínea c) do C.P.C., devendo ser substituída por outra em que a M.ma Juiz “a quo”, com o intuito de apreciar toda a factualidade alegada (quer pelo requerente no seu requerimento de fls.77 a 84, quer pelo cabeça de casal na sua resposta de fls.218 a 239) venha a designar data para a inquirição das várias testemunhas arroladas e para a tomada de depoimento de parte ao cabeça de casal - tal como requerido pelo apelante no incidente em que suscitou de remoção do cabeça de casal, bem como por este último no seu requerimento de resposta a tal incidente - e ainda proceder à (eventual) realização de outras diligências que entenda por necessárias e pertinentes para uma boa decisão causa (v.g. notificação das entidades bancárias a que se alude a fls.84).

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Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Quando no incidente de remoção do cabeça de casal vier a ser alegada diversa factualidade que, a ser provada, preencha os requisitos a que aludem as alíneas b) e c) do nº1 do art.2086º do Cód. Civil, não deverá a mesma, desde logo, ser julgada improcedente por meras questões processuais (eventual incumprimento de prazos), mas antes vir a ser designada data para a inquirição das testemunhas arroladas e para a tomada de depoimento de parte ao cabeça de casal, caso tais meios de prova tenham sido indicados pelo requerente, ora apelante, e também pelo cabeça de casal, o que, inexoravelmente, sucedeu no caso em apreço.
- Por isso, deve a Relação, mesmo oficiosamente, nos termos do disposto no art.662º nº2 alínea c) do C.P.C., revogar a decisão recorrida e ordenar a realização de tais provas - sobre os requisitos necessários para a remoção do cabeça de casal - cuja produção, na 1ª instância, tenha sido totalmente omitida.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pelo cabeça de casal, ora apelado.

Évora, 21 de Abril de 2016
Rui Machado e Moura
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).