Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2698/10.2TBSTB.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
CESSÃO
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Em incidente de exoneração do passivo restante, e havendo bens a liquidar, o termo inicial do período de cinco anos para a cessão do rendimento disponível coincide com a decisão de encerramento do processo de insolvência.
2 – Essa decisão de encerramento do processo de insolvência ocorre, em norma, com a realização do rateio final.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 2.698/10.2 – APELAÇÃO (SETÚBAL)


Acordam os juízes nesta Relação:

Os Apelantes/Insolventes (…) e mulher (…), residentes na Rua Infante (…), nº (…), Pinhal Novo, vêm, nestes autos de insolvência, a correrem termos, e por si instaurados, no então 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, a peticionarem o decretamento da sua própria insolvência também com o pedido de exoneração do passivo restante – e onde se veio a decidir que, “por inadmissibilidade legal, indefere-se o requerido pelos insolventes, a fls. 338 a 340, e em consequência declara-se que o período de cessão teve o seu início no momento do encerramento do processo subsequente ao rateio final – Setembro de 2016”, por douto despacho proferido em 28 de Outubro de 2016 (agora a fls. 360 a 363 dos autos), e com o fundamento que aí foi aduzido de que “o juiz não deverá declarar encerrado o processo aquando da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante”, pois que “após o encerramento, inicia-se então o período de cessão com entrega ao fiduciário do rendimento disponível” –, vêm, dizíamos, interpor recurso dessa decisão, intentando a sua revogação e que se levem em conta na contagem do período da cessão os sessenta meses em que já descontaram 1/6 dos seus rendimentos, alegando, para tanto e em síntese, que, “em bom rigor e honra da verdade, o presente processo perdurou no tempo por factos imputáveis aos próprios credores, e sem prejuízo da actuação do próprio Tribunal a quo, pois que entre o encerramento da liquidação, aprovação das contas do administrador de insolvência, o mapa de rateio e o despacho de encerramento, decorreram 15 (quinze) meses” (“ou seja, os insolventes, seja por actuação ou omissão, não influenciaram na demora do presente processo”). Pelo que se entende “que a criação dum normativo como a alínea e) do nº 1 do artigo 230.º do CIRE visou precaver situações em que processos urgentes, como os de insolvência, se mantenham em tribunal por 8, 9 ou 10 anos, como acontecerá no caso em apreço, se o recurso não merecer provimento”. Termos em que se deve dar provimento à apelação, revogar-se o douto despacho recorrido e considerar-se o início do período de cessão do rendimento disponível, para tais efeitos da exoneração do passivo restante, “o mês imediatamente a seguir à prolação do despacho inicial de exoneração (Maio de 2011)”, concluem.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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A matéria de facto necessária e suficiente para a decisão do pleito, nesta sede de recurso, é a que consta do relatório supra, para que ora se remete.
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E a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo andou bem ao entender e declarar “que o período de cessão teve o seu início no momento do encerramento do processo subsequente ao rateio final – Setembro de 2016”, ou se tem que considerar-se o início desse período de cessão do rendimento disponível “o mês imediatamente a seguir à prolação do despacho inicial de exoneração (Maio de 2011)”, como pretendem, ainda, os Recorrentes. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Mas cremos bem, salva melhor opinião que a por nós defendida, que não assistirá razão aos Apelantes na pretensão de quererem ver contabilizado, para efeitos de cessão do seu rendimento disponível, o período que mediou entre a prolação do despacho inicial da exoneração (de 04 de Abril de 2011, a fls. 272 a 291) e a do despacho de encerramento (de 13 de Setembro de 2016, a fls. 351).

Pois que, pese embora a sageza da construção jurídica que vem ensaiada pelos insolventes no recurso – de que as demoras do processo e da liquidação a eles se não ficaram a dever, antes que aos credores e ao próprio Tribunal, assim não devendo vir a ser prejudicados por elas, e que as alterações da lei em 2012 já comportam a tese que ora pretendem ver prevalecer –, tal esbarra na redacção que apresenta o nº 2 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – alterado e republicado no Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e, também, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro:
O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte” (sublinhado nosso).
[Assim mesmo: “durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência”.]
E esbarra, também, na redacção da alínea b) do artigo 237.º do CIRE:
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe que: b) O juiz profira despacho declarando que a exoneração será concedida uma vez observadas pelo devedor as condições previstas no art.º 239.º durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado despacho inicial” (sublinhado nosso).
[Assim mesmo: “durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência”.]
É, pois, tal despacho de encerramento do processo de insolvência que vai marcar o termo inicial do período de cinco anos para a cessão dos rendimentos que o Tribunal dela não excepcione nos termos do número seguinte.

E sendo verdade que é a realização do rateio final que irá marcar esse encerramento do processo, na previsão do artigo 230.º, nº 1, alínea a), do CIRE, nem sempre assim será, bastando que tenha sido interposto recurso do despacho liminar inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, para se não poder sequer declarar o encerramento do processo e iniciar o período da cessão, tendo que aguardar-se, então, naturalmente, o trânsito em julgado desse despacho inicial (vide o n.º 6 do artigo 239.º do CIRE). Donde se poder concluir que o legislador não quis, afinal, toda aquela celeridade (pelo menos, a todo o custo) na qual os Apelantes agora se escudam para defender a solução por que pugnam. Pois que se é certo que se pretende um equilíbrio entre as posições dos credores e dos devedores/insolventes, não se poderá acelerar demasiado, sendo que os recorrentes apenas vêem a celeridade na sua perspectiva e interesse (pois quanto mais depressa decorrerem os cinco anos da cessão, melhor para si); e os credores? (quanto mais depressa começar o período da cessão, pior para estes).

Como quer que seja, o legislador não alterou os normativos citados com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, e bem poderia tê-lo feito, se o tivesse querido.
Os Apelantes vêm escudar-se no teor da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, acrescentada por tal Lei, e segundo a qual, “Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º”.
Daqui concluem que se encerraria o processo de insolvência – e portanto, começaria o período da cessão por cinco anos – logo aquando da prolação desse despacho inicial de admissão liminar de tal incidente de exoneração do passivo restante (ao devedor bastaria pedir e ser-lhe liminarmente aceite tal exoneração, para passar a beneficiar imediatamente do período da cessão por cinco anos sem mais preocupações com o património que, entretanto, fosse necessário liquidar).

Não parece, porém, que assim seja quando há bens a liquidar, sob pena de se acabar com o referido equilíbrio entre a posição dos credores e dos devedores – sendo correcta a posição da 1.ª instância quando afirma, a fls. 362, que “A nova alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE em nada altera este raciocínio, destinando-se apenas àquelas situações em que inexistam bens a liquidar no momento da prolação do despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante”.

Pois que tal alínea e) foi acrescentada na revisão do CIRE de 2012 apenas com o específico propósito de resolver um problema existente na exoneração do passivo restante, quando se verifica a insuficiência de bens do insolvente e este beneficia do diferimento do pagamento das custas – cabalmente explicado por Catarina Serra, in “O Regime Português da Insolvência”, 5ª edição, revista à luz da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril e do Decreto-lei nº 178/2012, de 3 de Agosto, da Almedina, ano de 2012, páginas 144, segundo a qual o artigo 232.º, n.º 6, do CIRE prevê que quando o devedor beneficia do diferimento do pagamento das custas, nos termos do artigo 248.º do CIRE, não se aplica o seu artigo 232.º, e não se podia encerrar o processo de insolvência por insuficiência da massa, que é pressuposto para o início dos cinco anos da cessão do rendimento disponível, assim se tornando necessário resolver esse impasse do início da contagem desse prazo. E, por isso, é que surgiu tal normativo legal.
Com efeito, o requerente do pedido de exoneração do passivo restante “beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o Cofre tenha suportado” (n.º 1 do citado artigo 248.º). Pois que se trata de um mero diferimento no tempo, um adiamento, não duma qualquer isenção, pelo que, no fim, havendo por onde, tudo terá que ser pago, a começar pelas custas do processo, ao que se seguirá o reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais daquelas remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário (cfr. o regime estabelecido pelo artigo 241.º do CIRE).

[Vide, no mesmo sentido, o douto Acórdão desta Relação de 20 de Junho de 2013, no processo n.º 5422/10.6TBSTB-H.E1, citado na decisão recorrida e publicado no site do ITIJ, que diz, em sumário:
2 - A contagem do prazo fixo, de cinco anos, previsto para a duração da cessão de rendimento disponível, não tem como referência a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mas sim, a data de encerramento do processo de insolvência, que pode não coincidir, e geralmente não coincide, com a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mesmo cumprindo os prazos previstos no n.º 1 do artigo 239.º do CIRE.
3 - A data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artigo 232.º e de acordo com o artigo 230.º, n.º 1, alínea e), ambos do CIRE.
4 - Tendo sido ordenado que se procedesse a liquidação dos bens existentes, o período de cessão só começa a contar da data do rateio final (cfr. o artigo 230.º, n.º 1, alínea a), do CIRE), momento em que a lei prevê o encerramento do processo”.]

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta decisão da 1ª instância que assim vem optar, em consequência do que se terá que julgar improcedente o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela Massa Insolvente.
Registe e notifique.

Évora, 09 de Fevereiro de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral