Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
35/21.0GBTBJA.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: APRESENTAÇÃO DE PROVA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - No caso, o tribunal pronunciou-se sobre a produção de prova requerida ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal afirmando o seu não interesse/irrelevância para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
II - É pois evidente que não estamos no âmbito da aplicação do artº 340 do Código de Processo Penal, na medida em que o arguido não só não demonstrou que só então teve conhecimento da existência da documentação cuja junção aos autos pretendia, como o mais requerido se apresentava não ser imprescindível para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, não podendo agora socorrer-se dessa norma para prorrogar o decurso do julgamento, demandando a realização de diligências, por tais motivos, claramente dilatórias.
III - Constata-se, pois, não só a inaplicabilidade da norma invocada pelo arguido– artº 340 do Código de Processo Penal – como a inutilidade das diligências requeridas, a qual, por essa via, é proibida por lei, por força das disposições conjugadas dos artsº 130º do Código de Processo Civil e 4º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Silves - Juiz 2, foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Comum (Tribunal Singular).
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No decurso da audiência de julgamento foi, em 17 de novembro de 2022, proferido o seguinte despacho (transcrição):
“ Estabelece o artigo 340.º do Código de Processo Penal que “1- O Tribunal ordena oficiosamente ou a requerimento a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 2- Se o Tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento com a antecedência possível aos sujeitos processuais e fá-lo constar em ata. 3- Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 328º os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova e respetivo meio forem legalmente inadmissíveis. 4- Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou quando o requerimento tem finalidade meramente dilatória.” -
-- No caso sub judice os documentos cuja junção o Arguido requer não se afiguram relevantes, nem necessários para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, sendo certo que se o Arguido entendesse que tal era necessário e relevante para a boa decisão da causa teria feito tal junção em sede de contestação. - -.
-- Em face do exposto o Tribunal indefere-se a requerida junção, nos termos do supra referido artigo 340º do Código de Processo Penal - -
-- Notifique. –“
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De tal despacho o arguido interpôs recurso em ata, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
-- É requerido nos termos do artº 340º do C.P.Penal que sejam juntos aos autos documentos compostos por sete folhas ou sete fotografias, tais requerimentos, reitera-se, são importantes e seria importante confrontar as testemunhas com os mesmos. De notar que a primeira testemunha inquirida, o militar Sr. BB refere que mediu a distância com o carro depois dos factos quando o carro apenas permitiria medir a distância de cem em cem metros a testemunha afirma que estaria a cento e vinte metros, que é possível e que a segunda testemunha aqui inquirida, o Sr. militar CC refere que o caro, que a viatura estaria entre os cento e cinquenta e os duzentos metros, sendo entre eles contraditórios. -
-- Nestes termos e por considerar a defesa que a posição do veículo e bem assim a distância que estava pode obstar ao aqui referido pelas testemunhas, isto é, não seria possível tanto a uma distância como a outra, de acordo com o veículo em questão, indicar com o grau de precisão o referido pelas testemunhas. -
-- Requer assim a Vª Exª considere procedente os fundamentos e o recurso interposto e que revogue o despacho da Sra. Dra. Juiz em 1ª Instância, determinando a junção da prova e que determine de igual forma a presença das testemunhas para serem confrontadas a mesma. - -
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O recurso foi admitido por despacho de 30 de Novembro de 2022 e o Ministério Público notificado nos termos e para efeitos do artigo 413º, nº1, do CPP em 22 de março de 2023, após remessa dos autos à 1ª Instância para tal efeito na sequência de despacho proferido em 16 de março de 2023.
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O Ministério Público respondeu a tal recurso pugnando pela improcedência do mesmo e formulando as seguintes conclusões:
1 - O recorrente insurge-se contra o indeferimento de diligências de prova, requeridas pela defesa em sede de julgamento, nos termos do artº 340º do CPP.
2 - Com efeito, na sessão do dia 17/11/2022, a defesa havia apresentado requerimento probatório para junção de documentos (fotografias do local) para serem apresentados à testemunha e militar BB, de forma a sindicar com critério a sua versão dos factos quanto à visualização do evento.
3 – O requerimento probatório foi indeferido, visto não ser imprescindível ou essencial para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, face à prova já obtida, sendo que as provas peticionadas eram de relevo duvidoso e de eficácia probatória muito condicionada pela subjectividade de análise e pelo decurso do tempo sobre os factos.
4 - Concorda-se com a fundamentação da decisão do Tribunal.
5 - É certo que em processo penal vigora o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade (art. 340.°, n.° 1, do CPP).
6 - Decidiu o tribunal sem as aludidas diligências, por as mesmas não serem imprescindíveis para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, sendo acertada essa decisão, à luz do disposto nos artºs 340º e 354º do CPP.
7 - Quanto à não admissão da junção das fotografias do local, para efeitos de confronto com a testemunha da acusação, reitera-se o que ficou dito na sessão do julgamento em causa.
8 - Com efeito, sendo a realidade geográfica uma realidade tendencialmente imutável, o certo é que a extração ou recolha de fotogramas ou de videogramas em qualquer local ou realidade geográfica, não deixa de ter uma forte componente subjectiva, dependendo da perspetiva e do local onde são tiradas as fotografias, pelo que, tais suportes são de difícil avaliação e de análise objectivas, nomeadamente, por banda de uma testemunha em julgamento, em particular no que toca ao cálculo de distâncias e da exacta descrição da dinâmica dos factos.
9 - Acresce que a decisão ora em crise, a integrar alguma nulidade, por omissão de diligências essenciais para o apuramento da verdade material, tal nulidade nada tem a ver com as nulidades da própria sentença.
10 - A nulidade por omissão de diligências (art. 120.°, n,° 1 al. d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do art. 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120.° e 121.°, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105.°, n.° 1, do CPP), se outra coisa não resultar do n.° 3 do mesmo art. 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida "antes que o acto esteja terminado", tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
11 - No presente caso, o arguido tinha então, no limite, o prazo de dez dias para invocar, junto do tribunal recorrido, a nulidade em causa, não lhe sendo lícito invocá-la em sede de recurso, ainda que interlocutório, e não lhe fazendo expressa menção.
12 - Ou seja, primeiro haveria que invocar a nulidade e depois, em caso de indeferimento, eventualmente interpor o recurso.
Pelo exposto, confirmando a decisão interlocutória recorrida e negando provimento ao recurso do arguido farão V. Ex.as.
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Consta na ata de julgamento de 30 de novembro de 2022 ( referência 126464340):
“-- Neste momento, pelo Ilustre Mandatário do arguido foi pedida a palavra e no seu uso requereu o seguinte: - -
Considerando o depoimento da testemunha DD e sendo que o mesmo é harmonioso com as declarações do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento nomeadamente quanto à tipologia do carro, quanto ao facto de ser impossível ver, tal como foi aqui relatado pela testemunha EE, ver o que se passava dentro do carro, considerando ainda que o carro se encontra em lugar próximo deste Tribunal portanto adjacente a este Tribunal e que será possível comprovar que tais declarações, qual é a veracidade de umas e de outras, requeria ao Tribunal que saíssemos aqui um momento do tribuno e que fossemos ver se realmente é assim, se é possível ou se não é possível, dirigindo-nos aqui à entrada do Tribunal, isto tudo aqui ao abrigo do artº 340º do CPP, será imprecindível à descoberta da verdade material, considerando aqui os discursos e os depoimentos antagónicos quanto a este respeito, pode pois servir para formar convicção por parte de Vossa Excelência. - -
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-- Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito o seguinte: - -
-- Tendo sido indeferido a realização da diligência de exame ao local que constituiria um exame ao objecto, aliás face ao tempo decorrido seria altamente improvável ou poderia levantar-se uma dúvida razoável sobre a preservação da prova a obter, sendo certo que qualquer viatura que não seja sujeita a qualquer tipo de intervenção nomeadamente em termos de tipologia devidamente homologado pelo IMT, por isso é que os objectos são apreendidos e sujeitos a prova ou exame exactamente para preservar a autenticidade da prova. Portando face ao tempo decorrido, mais de um ano, queremos que se compadece com dúvida razoável a diligência requerida, não digo que seria inútil mas muito duvidosa para a decoberta da verdade material sendo certo que o que se pretende saber é se na assistência referida nos autos por parte dos militares da GNR terão vislumbrado qualquer movimento dentro do habitáculo da viatura nos dois lugares da frente e isso obviamente por si só será dificil de alcançar com o exame da viatura por este tribunal salvo melhor opinião, por isso promovemos que se indefira o requerido. - -
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-- Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte: - -
DESPACHO
-- De acordo com o artº 340º, nº 3 do CPP, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 328º do CPP, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem ilegalmente admissíveis e de acordo com o nº 4 os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notória que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfulas, o meio de prova inadequado, de obtenção impossível ou duvidosa ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória. Tendo em consideração o tempo decorrido o tribunal considera que o requerido exame ao veículo é uma diligência que é irrelevante ou supérfula pelo que se indefere o requerido. - -
-- Notifique. - -“
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Por sentença de 7 de dezembro de 2022, o Tribunal decidiu julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:
1) Condenar AA pela prática, como autor material e na forma coNsumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (cinco euros), num total de €360 (trezentos e sessenta euros)
2) Condenar o Arguido na pena acessória de três meses e quinze dias de proibição de condução de veículos motorizados, nos termos do artigo 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, devendo para o efeito entregar a sua carta de condução, neste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias, contados do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência [de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013].
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Da decisão proferida em 30 de novembro de 2022, bem como da sentença proferida em 7 de dezembro de 2022, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
I- De recurso quanto ao despacho que indefere a produção de prova:
12.º No termos do artigo 340.º do CPP o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
13.º
No caso sub judice forçoso seria que o Tribunal considerasse imprescindível à descoberta da verdade e boa decisão da causa a reconstituição dos factos e o exame ao veículo, por duas ordens de razões:
- a primeira que se prende com o facto de só ter sido visto a mudança do lugar do condutor pelo Militar BB ( v. que foi a única testemunha apresentada na apresentação do arguido em processo sumário, só depois tendo sido arrolado o outro militar já em fase de defesa e instrução), o qual refere que viu o veículo a parar a uma distância de 120 metros e que aí o arguido saiu do lugar do condutor e passou para o lugar do passageiro, o que é de todo inverosímil quer pela distância que consta da acusação ( 400 metros, depois alterada pelo depoimento da testemunha), quer mesmo à distância de 120 metros indicada pela testemunha e considerando as caraterísticas originais do veículo.
- a segunda porque efetivamente o condutor não estava a conduzir no acto de fiscalização.
14.º
A produção de prova requerida, a par da junção dos documentos requerida pela defesa seria fundamental à descoberta da verdade material, sendo que, não se produzindo se cairia no risco (como aconteceu) de formar juízo decisório sem que se conhecessem dados, elementos e prova que exigiria decisão inversa e que representaria a absolvição do arguido.
14.º
Certo é que, a Lei n.º 20/2013 de 21 de fevereiro, alterou o n.º 4 adicionando-lhe uma al. que passou a figurar como a) na qual, sem que se prejudicasse o principio da procura da verdade material, se prevê que o juiz pode indeferir o requerimento de prova quando as provas requeridas já podiam ter sido apresentadas com a acusação ou contestação, a menos que o Tribunal entenda tais provas por indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
15.º
O presente recurso vai afinado segundo o mesmo diapasão que rege o fim último da atividade dos Tribunais e da Justiça, isto é, a procura da verdade material, tendo em vista a realização da Justiça, constitui o fim ultimo do processo penal.
Ao contrário do processo civil, que se rege pelo principio do dispositivo, a lei processual penal confere ao Tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade.
16.º
No mesmo sentido, o artigo 340.º confere ao juiz poderes de disciplina quanto à produção de prova, limitando também as situações em que o juiz pode indeferir o seu requerimento.
17.º
No caso em apreço, o Tribunal a quo não tinha fundamento para indeferir os requerimentos probatórios apresentados pela defesa.
18.º
Não se verifica que o requerimento para produção de prova tenha caráter irrelevante ou supérfluo, inadequado ou de obtenção impossível ou muito duvidosa, nem que o mesmo tenha finalidade meramente dilatória (considerando que o arguido oferecia prova e requeria a sua produção em sede de audiência de discussão e julgamento, sem que fosse necessário qualquer tempo ou prazo para a sua realização).
19.º
Perfilhando na integra o entendimento do STJ ( v. Ac. De 10.02.10 no Processo 417/09.5 YR-PRT.S1, o fim do processo penal é a busca da verdade material… daí que possa haver atuação oficiosa do Tribunal na produção dos meios de prova, desde que o seu conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade material, mesmo que a mesma não conste da acusação, da pronuncia ou da contestação, podendo, ademais, a produção de meios de prova em audiência resultar dos sujeitos processuais.
20.º
é do entendimento da defesa, considerando que é a acusação que resulta alterada quanto aos factos que nela constam pela testemunha que deveria ter sido o Tribunal a quo a, oficiosamente requerer a produção de prova… contudo e ainda que não o tenha feito seria fundamental à descoberta da verdade material e boa decisão da causa a produção de prova requerida pela defesa.
21.º
Assim e ainda colhendo argumento junto do STJ ( Ac. 08.10.29 Processo 3379/08): o principio da livre investigação ou da verdade material tem o seu campo essencial de aplicação na audiência de julgamento, pelo que, ressalvados os direitos do arguido e os preceitos imperativos sobre a admissibilidade de certas provas, o CPP não admite qualquer restrição em autorizar a produção de prova desde que a mesma se repute como indispensável para a boa decisão da causa.
22.º
Relativamente ao facto de só em sede de audiência terem sido requeridas novas provas e a sua produção, tal se deve ao facto de as mesmas se reputarem como essenciais quer para saber se o arguido tinha ou não praticado crime, concatenando tal necessidade com o facto de o depoimento das testemunhas de acusação ser contraditório com aquilo que vinha disposto na acusação. (facto que só chegou ao conhecimento da defesa segundo a produção de prova testemunhal em sede de audiência de discussão e julgamento)
23.º
De resto o artigo 79.º do CPP não pode ser interpretado no sentido em que é, em absoluto, vedada a junção de documento posteriormente à apresentação dos articulados. Em processo penal, a junção de documentos que constituam elementos de prova poderá ser feita oficiosamente ou a requerimento até ao encerramento da audiência, embora o devesse ser nas fases preliminares do processo
24.º
No caso concreto, as fotos do local e do veículo colocado no local e às distâncias descritas só foram possíveis (considerando a distância a que vivem o arguido e onde exerce o mandatário no momento em que se deslocassem ao Tribunal, sendo que apresentaram os documentos logo na primeira sessão de audiência de discussão e julgamento, tendo sido os mesmo indeferidos).
Repare V/ Ex.ª que a este respeito (consta de gravação 1.ª Sessão de audiência de discussão e julgamentO, ficheiro com terminação 2870864, 18 m e 39 ss) que a Mrm.ª Srª Dr.ª Juiz de Direito do Tribunal recorrido refere antes mesmo de ser deduzido e ditado o requerimento:
“ Digo-lhe desde já que isso é de indeferir, como o Sr. militar disse o Sr. movimentou o veículo (…) eu não sei que prova é que quer fazer relativamente à posição do veículo”
Veja-se que o militar afirma que mediu a distância no dia a seguir ao ocorrido e sem que sequer o veículo estivesse no local.
25.º
Seria então necessário que o Tribunal determinasse a produção da prova requerida, sendo que só a produção de prova requerida habilitaria o Julgador a uma decisão justa.
26.º
Os requerimento probatórios apresentados, mas especialmente o último apresentado na audiência de discussão e julgamento do dia 30 de novembro de 2022, são deduzidos pela necessidade de esclarecimento e descoberta da verdade material que a imediação e vivência da discussão e julgamento suscitou.
27.º
é nosso entendimento que a privação de produção de prova necessária e útil à decisão da causa, mesmo que requerida pelo arguido, quando tem o direito de aditar elementos em face de outros elementos produzidos por outro sujeito processual oponente ( no caso a testemunha da acusação e prova reproduzida pelo MP), frustra o due process of law e a boa decisão da causa.
28.º
Sendo que, em face do indeferimento, a Sentença condenatória, para além de ferida de clamorosa injustiça, não reúne pressupostos para a condenação do arguido, ocultando e fazendo ocultar circunstâncias e factos os quais poderiam ter sido considerados e descoberta a verdade material quanto aos mesmos.
29.º
Tal como se requererá, e procedendo os recursos quanto à necessidade de produção de prova requerida pelo arguido, deverá ser realizado novo julgamento, nos termos e para os efeitos do artigo 426.º n.º 1 do CPP.
II- Quanto à Sentença Condenatória:
30.º
O Tribunal a quo condena o arguido considerando provados todos os factos que constam da acusação.
31.º
Ora tal nunca seria possível, quando é a própria prova produzida pela acusação que contradiz o que vem disposto na acusação:
32.º
A testemunha BB (só esta quanto à distância a que estava o veículo) e esta e a testemunha CC, referem que a viatura parou a 120 metros (BB) e que aí o arguido trocou de lugar com alguém e que, no acto de fiscalização quem conduzia era outra pessoa que não o arguido.
33.º
Desde logo não é possível dar como provado o facto que vem na acusação ( a distância de 400 metros) porque a testemunha refere que afinal o veículo só estaria a 120 metros e que o mesmo mediu a distância quando seguias de veículo.
34.º
Existe um erro claro na apreciação da prova por parte do Tribunal. Vejamos:
35.º
O Tribunal a quo motiva a sua decisão com (sem que se reproduza aqui todo o dispositivo de Sentença) os seguintes argumentos:
- O primeiro e o que mais peso poderia ter para a condenação é que são duas testemunhas da acusação (dois militares da GNR) quando a defesa apenas apresenta uma testemunha (mulher do arguido) e as declarações do arguido.
- Que o depoimento das testemunhas da acusação é claro e harmonioso entre si e que a autoridade não tinha interesse algum em relatar um crime que não aconteceu e imputar responsabilidade penal e criminal sem que existissem motivos para isso.
36.º
São incorretamente julgados provados os factos 1,2 e 3, considerando que não é possível formar juízo decisório que demonstre sem dúvida que o arguido conduzia o veículo até a paragem do mesmo e que só depois disso a testemunha dd passou a conduzir o mesmo.
37.º
é contudo verdadeiro o disposto na parte final do ponto 3 dos factos provados, sendo que, era efetivamente a condutora dirigia o veículo no momento da interceção e fiscalização.
38.º
Para além do exposto, o resultado do exame, estando em causa equipamento sujeito a inspeção extraordinária, deveria ter previsto a dedução de EMA, o que não foi operado pese embora tal tenha sido requerido, bem como especificamente exposto nas alegações finais do mandatário.
A Sentença não se pronunciou sobre o exame e a sua correção, consubstanciando-se omissão de pronuncia e nulidade da Sentença relativamente a este ponto.
39.º
O Tribunal a quo dispõe como não provado que era a cônjuge do arguido que conduzia o veículo, sendo notório e constando do auto de noticia que era a mesma que conduzia o veículo no momento da fiscalização.
40.º
Quanto à motivação da Sentença não é verdadeiro que ambas as testemunhas tenham referido que era uma Sr.ª grávida que saiu do veículo. Tal foi apenas referido pela testemunha BB, sendo que a Testemunha CC referiu não ser capaz de descrever quem saiu do veículo:
Vide: 15m e ss: “ não se recorda da fisionomia da Sr.ª” ( não descrevendo ainda que minimamente a mesma)
41.º
Mais consta na Sentença proferida pelo Tribuanal a quo que “ a corroborar, de certa forma, a versão alegada pelo arguido na contestação”… deixando explicito que a mesma se limitou ( testemunha DD” a confirmar a versão do arguido.
Mas não foi assim que sucedeu. A testemunha depõe muito para lá dos articulados: responde com precisão, de forma espontânea, harmoniosa, objetiva e segundo uma postura que corresponde a quem refere e descreve com verdade.
Vide para total esclarecimento todo o depoimento da testemunha DD que consta do ficheiro 20221130120111_2870864
42.º
O Tribunal a quo oferece mais credibilidade ao testemunho dos militares, descredibilizando o testemunho de DD porque vem em contradição com o das restantes testemunhas com a justificação: “ como igualmente a justificação dada não convence”
Parco do ponto de vista da fundamentação e insuficiente para permitir imputar responsabilidade criminal ao arguido, com base na credibilidade do depoimento dos militares.
43.º
O Tribunal a quo bloqueia toda e qualquer produção de prova requerida pelo arguido, ainda antes de saber em que termos e com que fundamentos a requer, descredibiliza o testemunho de DD quando o mesmo é claro e sincero do principio ao fim e invoca o testemunho dos militares para formar convicção quando o mesmo está repleto de contradições entre o mesmo e a acusação e contraditórios entre si.
44.º
Sem que se coloque em causa o principio da livre apreciação da prova, sempre seria exigível que o Tribunal a quo fundamentasse, na motivação de Sentença, os motivos pelos quais formou convicção neste ou naquele sentido. No caso em análise o Juízo decisório limita-se a declarar que a versão da testemunha não convence.
45.º
A contrário, considera que os militares depuseram de forma séria e objetiva, o que não é verdadeira.
44.º
Também as declarações do arguido são precisas e claras, pese embora neste ponto se admita que a formação de convicção por parte do Tribunal penda no sentido de não credibilizar estas declarações, pelo simples facto da posição processual que ocupa. (requer a audição das declarações do arguido)
45.º
Quanto aos depoimentos dos militares cumpre referir que existe uma tendência dos órgãos de policia em fiscalizar e investigar e deixar que o impulso investiga tório parcialize os depoimentos das testemunhas.
46.º
Sem preterir, é notória a contradição entre testemunhas da acusação e a falta de coerência entre si, tal como se percebe das transcrições que doravante se transcrevem. Acresce ainda que a testemunha CC só foi apresentada em fase tardia do processo, não tendo subscrito como testemunha o auto de noticia.
- Gravação:
- 1.ª Sessão de audiência de discussão e julgamento, Testemunha BB, ficheiro com terminação 2870864 (instância do Procurador da República)
3m e 19 ss. “ Achou estranho o veículo parar na berma”
3m e 47 ss. refere primeiramente que uma Sr.ª de vestido vermelho saiu do lado do passageiro e que entrou no lado do condutor, mas logo depois refere que a mesma foi à mala e que abriu as portas todas. Mais refere que abriu várias portas.
5m e 29ss: “ refere que não saiu mais ninguém sem ser a Sr.ª e que viu o condutor passar para o lugar de passageiro dentro da viatura”
5m e 59 ss: “ refere que era a Sr.ª a conduzir quando se dirigiu à viatura”
6 m e 42 ss: “ refere que não era o arguido que estava no lugar do condutor”
6m e 47 ss. “ refere que quem estava no lugar do pendura era uma Sr.ª.”
( Instância do defensor)
11 m e 51 ss. “ Refere que da Rotunda ao fim são 400 metros”
12 m e 26 ss: “ Refere que o carro parou mais ou menos a meio da berma”
12m e 55ss “ Nós medimos e a distância são 120 metros” “ da rotunda ao local são 120 metros”; “
medi com o carro mais ou menos com o carro” “medimos mais ou menos aquilo”; “ medimos em andamento, fomos lá e vimos mais ou menos”;
- Quando confrontado como é que mediu com o carro responde: “Então o carro conta de 100 em 100 metros, os conta quilómetros”
14m e 14 ss: “eu no dia coloquei no auto de noticia 200 metros, mas eu fui lá verificar no dia seguinte e não verifiquei os 200 metros”
14m e 50 ss: “eu no dia não medi logo”, “ o que nós medimos no dia a seguir, foi 120 metros”
16 m e 58 ss: quando perguntado se conseguia à distância em que estava ver os passageiros do carro, responde:
“os passageiros não vi, vi os que estavam à frente”
Ficheiro com terminação 2870864, 29 segundos:
quando perguntado sobre a sua localização (onde estava a testemunha no momento dos factos, responde:
“Continuando as respostas começa a ser um bocado subjetivo há um ano atrás em dizer onde é que estava, o local exato”
“ não consigo”; “ não consigo definir metros”; “eu disse que me encontrava na rotunda”;
4 m e 10: “ podia inverter a marcha e ir embora” ( quando perguntado se o veículo podia inverter a marcha e ir-se embora
1.ª sessão de audiência de discussão e julgamento, Testemunha CC, militar da GNR, ficheiro com terminação 2870864
( instância do procurador)
A testemunha refere:
2m: “ aconteceu no mês de agosto, 2021 cerca das 19:00 horas”
2m 40 ss. “ refere que estavam 4 a 6 militares” ( em contradição com a anterior testemunha que refere estarem 3 militares).
4 m “ refere que está a cerca de 150 metros, 200 metros da rotunda” ( De realçar que esta testemunha ao contrário do militar BB não foi medir depois a distância no dia seguinte)
4m e 45 ss. “ verificamos a troca de alguém” ( deixando claro que não sabe se era o arguido ou não).
8m: “ refere que iam mais três passageiros no banco de trás”
( instância do mandatário e defensor)
11: 30 ss: refere novamente que estariam 4 a seis elementos da GNR.
11:55: refere que não se consegue lembrar dos elementos com quem estava de serviço.
14 m e ss: quando perguntado sobre se onde o carro do arguido está parado é possível cortar à esquerda para outra via:
“ No local onde efetuou a paragem já não seria possível (…) mas que a patrulha era visível do corte à esquerda”
15m e ss: “ não se recorda da fisionomia da Sr.ª” ( não descrevendo ainda que minimamente a mesma)
17m e 52 ss “ ao vidro para brisas é claro o suficiente que me permite ver o que se passou” ( o que não acontece de facto, pois que a viatura em questão, Mercedes S350 AMG apresenta de origem uma tonalidade de pára brisas escurecida ( proteção UV) que não permite ver para dentro do veículo a distância superior a 25, 30 metros .
19 m e 55 ss. Quando perguntado se entre a sua linha de visão e o veículo existem árvores e sinais, a testemunha refere que existem árvores e sinais, refere ainda que essas árvores e sinais não prejudicam a visualização.
21 m e 10 ss: não se recorda do género dos passageiros que vinham no banco de trás do veículo.
47.º
Verifica-se assim que existiu erro notório na apreciação da prova e que tal erro não se consubstanciaria no caso de ser permitido à defesa produzir a prova requerida.
48.º
Ainda assim a matéria de facto provada não é suficiente para a condenação do arguido, pois que, é provado que o arguido não era o condutor do veículo fiscalizado. Assim, foi por golpe de vista que a defesa quis mostrar impossível que se imputou a conduta criminosa ao arguido, persistindo a dúvida se o mesmo tinha ou não conduzido o veículo.
49.º
O que é facto provado é que o arguido no acto de fiscalização não conduzia o veículo e que se lhe pudesse ser imputado qualquer crime não seria aquele pelo qual vem acusado, mas outro em que o bem jurídico protegido seria a realização da justiça.
50.º
Por fim e quanto à convicção do Tribunal é de referir que o principio da livre apreciação não representa o total afastamento da racionalidade jurídica e da necessidade de fundamentação, tornando a decisão arbitrária e incontrolável. Assim não aceita expressões como: a versão desta ou daquela testemunha não convence; é preciso saber que concreta passagem ou imprecisão cria no julgador a convicção de que aquela versão não é a verdadeira. Tal não acontece nos presentes autos, não existindo qualquer justificação para não conceder crédito ao testemunho de DD e até às declarações do arguido. A contrário existem razões para descredibilizar o testemunho dos militares e é percetível a falta de razão de ciência e parca descrição dos factos do militar CC.
51.º
Nas palavras do mestre Figueiredo Dias, “ o principio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e encontrolável- e portanto arbitrária- da prova produzida. Se a apreciação de prova é discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites- o dever de prosseguir a verdade material.
52.º
Não deixamos de invocar que se o Tribunal a quo permeabilizasse a descoberta da verdade material e se olhasse o caso de forma imparcial ( sem formar convicção de inicio e sem analisar a prova de forma que já fazia prever a condenação do arguido) teria sido possível demonstrar a inocência do mesmo e ter-se-ia evitado à justiça uma condenação injusta onde não se realiza a Justiça e o Direito e onde perdem os Tribunais, relativamente aos sujeitos jurídicos que aí foram falar com verdade, a confiança que os mune de legitimidade.
Normas Jurídicas Violadas:
- Artigo 29.º n.º 1 da CRP
- Artigo 32.º n.º 1 e 2 da CRP
- Artigo 126.º do CPP
- Art.º 340.º n.º 1 e 2 do CPP
Termos em que requer e nos demais de Direito que V/ Ex.ª doutamente suprirá se digne considerar procedente o presente recurso e julgue pela absolvição do arguido.
Requer se digne revogar os despachos que indeferiram a produção de prova, determinando a produção de prova requerida e o reenvio do processo para julgamento nos termos do artigo 426.º n.º 1 do CPP.
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pelo não provimento do mesmo e formulando as seguintes conclusões:
1- A douta sentença encontra-se bem fundamentada, de facto e de direito, não tendo violado qualquer norma legal.
2- Para efeitos do art.º 127.º do CPP não se exige que o julgador faça o exame crítico do conteúdo dos depoimentos prestados por cada uma das testemunhas ou outros depoentes (arguido ou assistentes), mas que indique as razões que o levaram a credibilizar determinados meios de prova, designadamente, com referência à razão de ciência das testemunhas.
3- Neste caso concreto, o tribunal formou a sua convicção com base, essencialmente, é certo, nas declarações dos dois militares da GNR participantes na fiscalização (BB e CC), bem como na prova pericial e documental junta, em particular o auto de notícia e o talão e alcoolímetro, e não teve em conta o depoimento do arguido, já que este negou a prática dos factos, nem da testemunha por si apresentada (DD, esposa do arguido), visto que estes últimos apresentaram uma versão dos factos pouco credível e claramente contrariada pela demais prova produzida e pelas regras da normalidade.
4 – De tudo resulta que o Tribunal interpretou correctamente a prova apresentada em audiência de julgamento, como facilmente se apreende da análise da prova produzida, e bem decidiu ao dar como provados os factos constantes da acusação e ao condenar o arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez.
5 - Na verdade, o tribunal efectuou um juízo crítico sobre os vários depoimentos prestados, ora pelas testemunhas em geral, ora pelo próprio arguido, e concluiu - bem - ao dar credibilidade à versão apresentada pela acusação, sendo que tal versão se harmonizava ainda com a prova documental e pericial constante dos autos, sendo de mencionar, como o fez o Tribunal, que os agentes de autoridade não têm qualquer interesse no desfecho do processo, ou seja, não ganham, nem perdem o que quer que seja com estes autos, pelo que, toda a versão das testemunhas, BB e EE é credível, coerente e sustentada.
6 - Assim sendo, o Tribunal fez uma apreciação crítica e ponderada da prova produzida em audiência e com base na sua convicção, proferiu a douta decisão.
7- Nestes termos, ao condenar o arguido, o Tribunal fê-lo no respeito total e absoluto pelo disposto no art.º 127.º do CPP, razão pela qual a decisão recorrida deve ser mantida.
8 - O recorrente limita-se a dizer que a leitura do Tribunal contorna a pureza da verdade, que a prova testemunhal, material e pericial valorada é incorrecta e que tal constatação é verdadeira porque o arguido sabe a verdade. Insiste na sua valoração dos factos, critica a valoração feita pelo Tribunal e revisita o processo lógico de defesa que foi estruturado no julgamento. Tal não basta e assim terão que improceder as pretensões do recorrente.
9 - O recorrente insurge-se também contra o indeferimento de diligências de prova, requeridas pela defesa em sede de julgamento, nos termos do artº 340º do CPP.
10 - Ambos os requerimentos probatórios foram indeferidos, visto não serem imprescindíveis ou essenciais para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, face à prova já obtida, sendo que as provas peticionadas eram de relevo duvidoso e de eficácia probatória muito condicionada pela subjectividade de análise e pelo decurso do tempo sobre os factos. Concorda-se com a fundamentação da decisão do Tribunal.
11 - É certo que em processo penal vigora o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade (art. 340.°, n.° 1, do CPP).
12 - Decidiu o tribunal sem as aludidas diligências, por as mesmas não serem imprescindíveis para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, sendo acertada essa decisão, à luz do disposto nos artºs 340º e 354º do CPP.
13 - Acresce que a(s) decisão(ões) ora em crise, a integrar alguma nulidade, por omissão de diligências essenciais para o apuramento da verdade material, tal nulidade nada tem a ver com as nulidades da própria sentença.
14 - A nulidade por omissão de diligências (art. 120.°, n,° 1 al. d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do art. 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120.° e 121.°, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105.°, n.° 1, do CPP), se outra coisa não resultar do n.° 3 do mesmo art. 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida "antes que o acto esteja terminado", tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
15 - No presente caso, o arguido tinha então, no limite, o prazo de dez dias para invocar, junto do tribunal recorrido, a nulidade em causa (ou nulidades), não lhe sendo lícito invocá-la em sede de recurso, ainda que interlocutório, e muito embora não lhe faça expressa menção, isto além do aludido prazo. Ou seja, primeiro haveria que invocar a nulidade e depois, em caso de indeferimento, eventualmente interpor o recurso.
16 – Quanto à suscitada questão do EMA do alcoolímetro, não há qualquer omissão de pronúncia quanto a esta matéria, já que nos factos provados na sentença conta expressamente o seguinte (factos 8 e 9): 8)Foi o arguido conduzido de imediato ao Posto da G.N.R. de S. Bartolomeu de Messines, onde foi submetido à realização de novo teste noutro aparelho diferente, o “Drager Alcotest 7110 MKIII P, nº ARAA-005, tendo apresentado o resultado de taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l; 9. Conduziu, assim, o arguido pela via publica um veículo ligeiro de passageiros sob o efeito do álcool, pelo menos sob a taxa de 1,242 g/l, depois de deduzido o valor do erro máximo admissível.
17 - Assim, é de concluir, sem mais argumentações, que o Tribunal teve em conta tal circunstância e deduziu o valor do erro máximo admissível do alcoolímetro, para encontrar a TAS penalmente relevante.
Pelo exposto, confirmando a douta sentença recorrida e negando provimento ao recurso do arguido farão V. Ex.as JUSTIÇA!
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No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu Parecer, em 1 de março de 2023, no sentido do não provimento do recurso e, em 10 de maio de 2023 em Vista aberta após a remessa dos autos da 1ª Instância a este Tribunal da Relação após a resposta do Ministério Público ao recurso interposto em 17 de Novembro de 2022, deu por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, o Parecer emitido em 1 de março de 2023.
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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.
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Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).
São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.
No presente recurso, as questões suscitadas pela recorrente e que cumpre apreciar e decidir são:
- 1)- Com o recurso interlocutório interposto do despacho proferido em 17 de novembro de 2022 alega o arguido violação do disposto no art.340º do CPP e pretende que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja o despacho recorrido substituído por outro que admita a requerida prova, com todas as consequências legais daí decorrentes.
2) - No recurso da sentença e do despacho proferido em 30 de novembro de 2022:
- violação do disposto no art.340º do CPP;
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;
- erro notório na apreciação da prova.
- erro de julgamento da matéria de facto.
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Da sentença recorrida (Factos e Motivação):
“II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A) FACTUALIDADE PROVADA:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 19 de Agosto de 2021, pelas 18 horas e 42 minutos, o ora arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, pela E.N. nº 124-1, mais concretamente na freguesia de S. Bartolomeu de Messines, deste concelho de Silves.
2. Nessa altura, e apercebendo-se da presença da G.N.R. que se encontrava a uma distância de cerca de 150/200 metros, o arguido imobilizou o veículo por si conduzido, e trocou de lugar, passando de condutor para o lugar de pendura (passageiro), e a sua esposa passou para o lado do condutor.
3. Esta iniciou, então, a marcha do veículo referido em 1º, tendo sido interceptada a conduzir tal veículo por uma patrulha de agentes da G.N.R., Destacamento de Trânsito de Beja, que ali se encontrava devidamente uniformizada em serviço de policiamento e de fiscalização do trânsito.
4. De seguida, pelos referidos agentes foi a condutora identificada.
5. Mas também pelos referidos agentes foi determinada a realização de exames de pesquisa de álcool no sangue ao ora arguido.
6. Ao ser submetido ao teste de despistagem de álcool por ar expirado através do aparelho alcoolímetro “Drager Alcotest 7110 MK IIIP”, nº ARRL-0067, o arguido apresentou logo uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l;
7. - Notificado do resultado de tal exame, o arguido requereu a realização de contra-prova;
8. Foi o arguido conduzido de imediato ao Posto da G.N.R. de S. Bartolomeu de Messines, onde foi submetido á realização de novo teste noutro aparelho diferente, o “Drager Alcotest 7110 MKIII P, nº ARAA-005”, tendo apresentado o resultado de taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l;
9. Conduziu, assim, o arguido pela via publica um veículo ligeiro de passageiros sob o efeito do álcool, pelo menos sob a taxa de 1,242 g/l, depois de deduzido o valor do erro máximo admissível.
10. Sabia o arguido que não podia conduzir aquele veículo, após a ingestão de bebidas alcoólicas determinantes de tal grau de alcoolemia e, não obstante, não se coibiu de o fazer;
11. Agiu livre, voluntária e conscientemente, apesar de bem saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12. O Arguido não tem antecedentes criminais averbados.
13. Tem 12.º ano de escolaridade.
14. Vive com a esposa e três filhos de 19, 12 e um ano e três meses e a sogra.
15. É gerente de uma empresa de venda de equipamentos, retirando cerca de €1000 da sua actividade.
16. A esposa também é gerente de uma outra empresa, presta serviços como tradutora em tribunais e é professora de línguas.
17. Suporta o pagamento de empréstimo no montante de cerca de €200.
18. A filha mais velha já se encontra na universidade, suportando o Arguido os custos com essa estadia.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa. Nomeadamente não se provou:
a) Era a cônjuge do arguido quem nas circunstâncias referidas em 1. conduzia a viatura em questão.
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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, de acordo com o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Ou seja, a convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas constituídas/produzidas de carácter técnico/científico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e ainda das suas lacunas, contradições, im/parcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais in/verosimelhanças que transpareçam – sempre na audiência.
Contudo, a livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária, porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do Homem médio.
O Arguido, AA declarou, livre e voluntariamente, não pretender prestar declarações no inicio da audiência, tendo permanecido em silêncio, de acordo com o direito que lhe assiste e quis exercer (artigo 32.º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e artigos 61.º, n.º 1, al. d), e 343.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), tendo prestado declarações apenas após a produção de prova, negando que tenha conduzido o veículo nas referidas circunstâncias de tempo e lugar.
BB, agente da G.N.R., e CC, agentes da G.N.R., ambos a prestar serviço no Destacamento de Trânsito de Beja, foram perentórios ao afirmar que era o Arguido, AA, que tripulava o veículo XX-XX-XX.
Com efeito, as referidas testemunhas referiram que o Arguido parou na berma, tendo uma senhora grávida saído da viatura, do lugar do passageiro e dirigiu-se ao lugar do condutor, tendo de seguida se dirigido ao porta bagagens e depois regressado ao lugar do condutor. Mais referiram que viram o condutor do veículo a passar para o lugar do passageiro pelo interior do veículo.
A corroborar, de certa forma, a versão alegada pelo Arguido na contestação, compareceu no Tribunal a testemunha por si arrolada, DD que afirmou que era ela que conduzia o veículo. Esta testemunha confirmou que à data se encontrava grávida de oito meses e que vinham para o Algarve de férias, tendo parado em S. Bartolomeu de Messines para entrega de umas peças, sendo que o destino final seria Vilamoura. Mais referiu que o marido conduziu de Santarém até S. Bartolomeu de Messines e que depois foi entregar umas peças a uns clientes, sendo que acordaram encontrar-se num café na Vila de S. Bartolomeu. Como o marido estava a demorar-se muito e estava apanhar sol passou do lugar do passageiro para o lugar do condutor para fazer inversão de marcha e manteve-se nesse lugar, enquanto a filha foi chamar o pai, uma vez que como a própria referiu estava extremamente cansada. Mais referiu que o marido quando chegou ao veículo foi para o lugar do passageiro. Esclareceu que pouco depois de iniciar a marcha parou na berma para ir à mala do carro buscar uma garrafa de água, sendo que não viu em momento algum a patrulha da GNR, nem a testemunha.
Não há testemunhas que, aprioristicamente, tenham um depoimento mais credível do que outras, ou que o depoimento de agentes da autoridade tenha um valor tal que seja quase insusceptível de demonstração em contrário. O que tem o Tribunal que apreciar e valorar é a razoabilidade das declarações que são prestadas pelas testemunhas, a coerência intrínseca do que é dito, e bem assim a coerência , ou seja, a coerência e harmonia com os demais elementos de prova, quando tal maior valor de credibilidade não é possível, aí sim estamos na dúvida que, em nome e cumprimento do princípio in dubio pro reo deve ser resolvido a favor do Arguido, quando é possível atribuir maior credibilidade a uma versão em detrimento de outra, então não há dúvida.
Ora, em face de tal apreciação não se pode deixar de afirmar que o depoimento de DD não se nos afigura credível não apenas porque entrou em contradição com o depoimento das testemunhas, BB e CC, como igualmente a justificação dada não convence.
Ademais, acresce que, estas testemunhas que não têm, nunca é demais relembrar, qualquer interesse no desfecho do processo, não ganham nem perdem nada com estes autos, pelo que toda a versão das testemunhas, BB e CC é credível, coerente e sustentada.
DD manteve, pois, depoimento claramente parcial em defesa do Arguido, não merecendo credibilidade pela forma incongruente e contraditória que o prestaram.
Ora, tudo analisado conjunta e criticamente segundo as regras da lógica e de acordo com os princípios da experiência, resulta efectivamente que, era o Arguido que conduzia o veículo de matrícula 84-JC-93 e não a aqui testemunha DD nas circunstâncias descritas em 1.
BB e CC, militares da GNR, os quais de forma isenta, séria e objectiva descreveram a sucessão de eventos, desde a visualização da viatura conduzida pelo Arguido, à troca de posições entre o Arguido e a pessoa que seguia no lugar do passageiro, à abordagem efectuada, à realização do teste qualitativo, ao pedido de contra-prova pelo Arguido e à sua realização.
Baseou-se, ainda, o Tribunal nos documentos juntos aos autos, todos devidamente examinados: nomeadamente os talões de alcoolímetro de folhas 5 e os certificados de verificação de folhas 7 e 8.
Os elementos psicológicos e volitivos foram dados como provados por presunção judicial e apelo a regras de experiência e senso comum pois que, em face dos factos demonstrados outro não poderia ser o conhecimento e vontade do Arguido à data da prática dos factos.
Para prova das respectivas condições sócio-económicas e familiares foram valoradas as declarações do Arguido, na falta de outros elementos.
Quanto aos antecedentes criminais o Tribunal fundou a sua convicção no certificado de registo criminal que consta dos autos.”
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Apreciando
- Da alegada violação do disposto no art. 340º do Código de Processo Penal com a prolação dos despachos de 17 e 30 de novembro de 2022, que indeferiram requerimentos de prova.
Dispõe o artº340º do Código de Processo Penal:
1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. (…)
3. Sem prejuízo do nº3 do artº328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova e o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - (…), equivalendo a irrelevância a falta de pertinência da prova requerida com o thema probandi e significando a superfluidade que a prova requerida apenas confirmaria desnecessariamente a convicção já formada.
b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, tendo a inadequação que ver com a idoneidade do meio para prova do facto a que se destina. ou
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Este preceito, inserido no Livro VII – Do julgamento - Título II –Da audiência – Capítulo III – Da produção de prova – permite ao arguido, durante a audiência, requerer a produção de meios de prova, mesmo que o não tenha feito no momento próprio, ou seja, no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho que designa dia para a audiência, nos termos do artº315º do Código de Processo Penal.
Germano Marques da Silva escreve acerca da admissibilidade das provas requeridas pelas partes e sua rejeição Curso de Processo penal II, pág.117.: A preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas (…) surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.
O Código de Processo Penal harmoniza assim o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa.
Assim, as provas requeridas nesta fase processual devem, para além da sua admissibilidade e legalidade e para além de terem relação com o objeto do processo, representar novidade que possa influir na decisão da causa. Daí que o sujeito processual que as requer deva fornecer ao julgador, a quem são conferidos os poderes de disciplina na produção da prova, elementos necessários para que tal avaliação possa ser feita, isto é, deve, no requerimento, alegar as razões da eventual relevância ou utilidade da sua novidade para o desfecho da causa para que aquele possa aferir da notoriedade ou não do seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou ainda da sua finalidade meramente dilatória.
Note-se que o julgador tem que harmonizar, por um lado, os princípios da investigação ou da verdade material, do contraditório e das garantias de defesa com os princípios da economia e celeridade processuais.
Valem, pois, as considerações de oportunidade e pertinência das provas requeridas.
Vejamos
Em primeiro lugar, o princípio da concentração estabelece a prossecução unitária e continuada dos atos, em especial durante a audiência de julgamento, de forma a garantir uma mais detalhada e fidedigna apreensão da prova produzida por parte do julgador. Por isso, e em segundo lugar, fora do quadro normal de oferecimento de provas [acusação/pronúncia (artigos 283.º, n.º 3, alíneas d), e) e f) / 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e contestação (artigo 315.º, do Código de Processo Penal], a produção de novos meios de prova só é possível nos casos em que ao tribunal se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa [princípio da necessidade – artigo 340.º, n.º 1, cit.]. Em terceiro lugar, impõe-se avaliar a relevância ou o desfasamento entre as diligências requeridas e o tipo de crime em discussão.
A filosofia ínsita no artº 340 do Código de Processo Penal e a sua invocação para o pedido de produção de prova já no decurso da audiência de Julgamento, radica, pois na necessidade de se proceder à produção de prova cuja existência, não só se desconhecia antes deste momento processual, como nele foi revelado, o que obriga o julgador, pelas exigências de prossecução da verdade material que enformam o nosso direito processual penal, a proceder a todas as diligências com vista à boa decisão da causa.
Ora, o arguido não só não demonstra como nem sequer alega que a existência da documentação que pretende ver junta aos autos só tenha chegado ao seu conhecimento no decurso da audiência de julgamento. -
Ora, " (...) só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase do julgamento, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais (Ac. STJ de 1 de Julho de 1993, Proc.43022/3ª).
Na audiência de julgamento o juiz só deve determinar, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, a realização de diligências que se mostrem necessárias e indispensáveis para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa: este o sentido do princípio da investigação oficiosa (Ac.TRP, de 6 de Outubro de 2004; CJ, ano XXIX, tomo 4, 212).
" A necessidade para a descoberta da verdade é o critério simultaneamente justificativo e delimitador deste ónus que impende sobre o juiz (...). Deve fazer produzir todas as provas que apontem no sentido de contribuir para o esclarecimento dos factos e a responsabilidade do arguido sendo conhecidas. Só podem produzir-se as provas que sejam indispensáveis para atingir esta finalidade.
O que significa que este poder-dever do juiz é para usar, sempre e apenas, quando as provas produzidas na audiência se revelam insuficientes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (...)" (cfr. Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, págs.851 e 852), até porque é ao Tribunal que incumbe formular o juízo de necessidade e, não, ao sujeito processual que requer a produção de prova.
Ora, como bem referido nos despachos sob recurso”
“Estabelece o artigo 340.º do Código de Processo Penal que “1- O Tribunal ordena oficiosamente ou a requerimento a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 2- Se o Tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento com a antecedência possível aos sujeitos processuais e fá-lo constar em ata. 3- Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 328º os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova e respetivo meio forem legalmente inadmissíveis. 4- Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou quando o requerimento tem finalidade meramente dilatória.” -
-- No caso sub judice os documentos cuja junção o Arguido requer não se afiguram relevantes, nem necessários para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, sendo certo que se o Arguido entendesse que tal era necessário e relevante para a boa decisão da causa teria feito tal junção em sede de contestação. - -.
-- Em face do exposto o Tribunal indefere-se a requerida junção, nos termos do supra referido artigo 340º do Código de Processo Penal –“
(…)
“-- De acordo com o artº 340º, nº 3 do CPP, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 328º do CPP, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem ilegalmente admissíveis e de acordo com o nº 4 os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notória que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfulas, o meio de prova inadequado, de obtenção impossível ou duvidosa ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória. Tendo em consideração o tempo decorrido o tribunal considera que o requerido exame ao veículo é uma diligência que é irrelevante ou supérfula pelo que se indefere o requerido. - -
-- Notifique. - -“
Como bem refere o Ministério Público na resposta aos recursos:
“1 - O recorrente insurge-se contra o indeferimento de diligências de prova, requeridas pela defesa em sede de julgamento, nos termos do artº 340º do CPP.
2 - Com efeito, na sessão do dia 17/11/2022, a defesa havia apresentado requerimento probatório para junção de documentos (fotografias do local) para serem apresentados à testemunha e militar BB, de forma a sindicar com critério a sua versão dos factos quanto à visualização do evento.
3 – O requerimento probatório foi indeferido, visto não ser imprescindível ou essencial para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, face à prova já obtida, sendo que as provas peticionadas eram de relevo duvidoso e de eficácia probatória muito condicionada pela subjectividade de análise e pelo decurso do tempo sobre os factos.
4 - Concorda-se com a fundamentação da decisão do Tribunal.
5 - É certo que em processo penal vigora o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade (art. 340.°, n.° 1, do CPP).
6 - Decidiu o tribunal sem as aludidas diligências, por as mesmas não serem imprescindíveis para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, sendo acertada essa decisão, à luz do disposto nos artºs 340º e 354º do CPP.
7 - Quanto à não admissão da junção das fotografias do local, para efeitos de confronto com a testemunha da acusação, reitera-se o que ficou dito na sessão do julgamento em causa.
8 - Com efeito, sendo a realidade geográfica uma realidade tendencialmente imutável, o certo é que a extração ou recolha de fotogramas ou de videogramas em qualquer local ou realidade geográfica, não deixa de ter uma forte componente subjectiva, dependendo da perspetiva e do local onde são tiradas as fotografias, pelo que, tais suportes são de difícil avaliação e de análise objectivas, nomeadamente, por banda de uma testemunha em julgamento, em particular no que toca ao cálculo de distâncias e da exacta descrição da dinâmica dos factos.”
(…)
“9 - O recorrente insurge-se também contra o indeferimento de diligências de prova, requeridas pela defesa em sede de julgamento, nos termos do artº 340º do CPP.
10 - Ambos os requerimentos probatórios foram indeferidos, visto não serem imprescindíveis ou essenciais para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, face à prova já obtida, sendo que as provas peticionadas eram de relevo duvidoso e de eficácia probatória muito condicionada pela subjectividade de análise e pelo decurso do tempo sobre os factos. Concorda-se com a fundamentação da decisão do Tribunal.
11 - É certo que em processo penal vigora o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade (art. 340.°, n.° 1, do CPP).
12 - Decidiu o tribunal sem as aludidas diligências, por as mesmas não serem imprescindíveis para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, sendo acertada essa decisão, à luz do disposto nos artºs 340º e 354º do CPP.
13 - Acresce que a(s) decisão(ões) ora em crise, a integrar alguma nulidade, por omissão de diligências essenciais para o apuramento da verdade material, tal nulidade nada tem a ver com as nulidades da própria sentença.
14 - A nulidade por omissão de diligências (art. 120.°, n,° 1 al. d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do art. 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120.° e 121.°, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105.°, n.° 1, do CPP), se outra coisa não resultar do n.° 3 do mesmo art. 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida "antes que o acto esteja terminado", tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
15 - No presente caso, o arguido tinha então, no limite, o prazo de dez dias para invocar, junto do tribunal recorrido, a nulidade em causa (ou nulidades), não lhe sendo lícito invocá-la em sede de recurso, ainda que interlocutório, e muito embora não lhe faça expressa menção, isto além do aludido prazo. Ou seja, primeiro haveria que invocar a nulidade e depois, em caso de indeferimento, eventualmente interpor o recurso.”
Quer dizer, o tribunal pronunciou-se sobre a produção de prova requerida ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal afirmando o seu não interesse/irrelevância para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
É pois evidente que não estamos no âmbito da aplicação do artº 340 do Código de Processo Penal, na medida em que o arguido não só não demonstra que só agora teve conhecimento da existência de tal documentação, como o mais requerido se apresenta não ser imprescindível para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos, não podendo agora socorrer-se dessa norma para prorrogar o decurso do julgamento, demandando a realização de diligências, por tais motivos, claramente dilatórias.
Constata-se, pois, não só a inaplicabilidade da norma invocada pelo arguido– artº 340 do Código de Processo Penal – como a inutilidade das diligências requeridas, a qual, por essa via, é proibida por lei, por força das disposições conjugadas dos artsº 130º do Código de Processo Civil e 4º do Código de Processo Penal.
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- Da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alega o recorrente na conclusão 38.º “Para além do exposto, o resultado do exame, estando em causa equipamento sujeito a inspeção extraordinária, deveria ter previsto a dedução de EMA, o que não foi operado pese embora tal tenha sido requerido, bem como especificamente exposto nas alegações finais do mandatário.
A Sentença não se pronunciou sobre o exame e a sua correção, consubstanciando-se omissão de pronuncia e nulidade da Sentença relativamente a este ponto.”
O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Porém, analisando a decisão recorrida mais não resta senão concluir, sem mais considerações, por completamente desnecessárias, pela inexistência da invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso “ 16 – Quanto à suscitada questão do EMA do alcoolímetro, não há qualquer omissão de pronúncia quanto a esta matéria, já que nos factos provados na sentença conta expressamente o seguinte (factos 8 e 9): 8)Foi o arguido conduzido de imediato ao Posto da G.N.R. de S. Bartolomeu de Messines, onde foi submetido à realização de novo teste noutro aparelho diferente, o “Drager Alcotest 7110 MKIII P, nº ARAA-005, tendo apresentado o resultado de taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l; 9. Conduziu, assim, o arguido pela via publica um veículo ligeiro de passageiros sob o efeito do álcool, pelo menos sob a taxa de 1,242 g/l, depois de deduzido o valor do erro máximo admissível.
17 - Assim, é de concluir, sem mais argumentações, que o Tribunal teve em conta tal circunstância e deduziu o valor do erro máximo admissível do alcoolímetro, para encontrar a TAS penalmente relevante.”
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- Dos alegados vícios previstos no art.410º, nº2, als.a), e c), do Código de Processo Penal
Como vem sendo entendido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: pelo âmbito, mais restrito, dos vícios formais previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que o art. 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma se refere.
O disposto neste art.º 410.º, n.º 2, refere-se aos vícios da matéria de facto fixada na sentença, o que não se deve confundir com os vícios do processo de formação da convicção do tribunal no apuramento e fixação da matéria de facto fixada na sentença.
É por isso que esses vícios têm de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos à sentença, ainda que constem do processo.
São, pois, vícios decisórios, de conhecimento oficioso, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há de necessariamente ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma (cfr., Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., pág.873, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, 2ª Ed., pág.339).
Vejamos:
- Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
A insuficiência a que se refere a al.a) do art.410º, nº2, do Código de Processo Penal, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Assim, tal vício não tem a ver nem com a insuficiência da prova produzida, pois que, se não foi feita prova bastante de um facto e ele é dado como provado, haverá, sim, erro na apreciação da prova, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão proferida, em que, também, há erro, já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta (cfr., neste sentido, Ac. STJ, de 7/7/99, proferido no Processo nº99P348, www.dgsi.pt).
Quando os recorrentes alegam este vício, partindo necessariamente da análise do texto da decisão, devem especificar os factos que em seu entender eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. Assim os recorrentes devem procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos, os quais devem identificar, necessários (fundamentando esta necessidade invocando normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles (fundamentando).
Cabe aqui desde já ter presente que a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Também nada tem a ver com o vício da insuficiência o caso em que o recorrente enumera uma série de factos que foram dados como provados e que na sua ótica deviam ser dados como não provados.
Em face do resumidamente exposto, quando os recorrentes alegam este vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada não podem almejar um outro julgamento de um outro processo, não pode subverter-se o princípio da vinculação temática do Tribunal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/7/2013, acessível in www.dgsi.pt).
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E o vício de erro notório na apreciação da prova só existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
Para ser notório, tal vício tem de consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias ou das “legis artis”, ou ainda das regras da experiência comum, ou que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro é notório quando for ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.341), e verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5ª edição, pgs..61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe, assim, quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., pág.341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74), não se verificando tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
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Ora, no caso em análise, diga-se desde já que o recorrente se limita na conclusão 47.º a alegar “ Verifica-se assim que existiu erro notório na apreciação da prova e que tal erro não se consubstanciaria no caso de ser permitido à defesa produzir a prova requerida.” E na conclusão 48.º”Ainda assim a matéria de facto provada não é suficiente para a condenação do arguido, pois que, é provado que o arguido não era o condutor do veículo fiscalizado. Assim, foi por golpe de vista que a defesa quis mostrar impossível que se imputou a conduta criminosa ao arguido, persistindo a dúvida se o mesmo tinha ou não conduzido o veículo”, sem que concretize em que se traduz a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.
E, analisando a sentença recorrida, da mesma não decorre omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, não se vislumbrando, pois, na mesma sentença, insuficiência da matéria de facto.
Na verdade, os meios de prova detalhadamente expressos na motivação, devidamente conjugados e criticamente avaliados, são suporte bastante dos factos assentes como provados e não provados.
E não se deteta na matéria de facto considerada assente na decisão recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova.
Com efeito, analisando tal decisão, é manifesto que a mesma está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
Assim, não obstante o recorrente imputar à decisão recorrida tais vícios formais, na respetiva motivação logo denuncia que o seu real inconformismo visa o modo como o Tribunal de 1ª instância apreciou e valorou os meios de prova produzidos em audiência de julgamento.
Realmente, quanto a esses vícios, a que alude o art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, seria suposto que a impugnação deduzida incidisse no eventual erro na construção do silogismo judiciário, não no chamado erro de julgamento, a injustiça ou a desadequação da decisão proferida ou a sua não conformidade com o direito substantivo aplicável. Tratar-se-ia, nessa vertente, de saber se na decisão recorrida se reconhece qualquer desses vícios, necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar.
Nesses e nos demais aspetos versados no recurso, o que está verdadeira e unicamente em causa é que o recorrente não se conforma com a circunstância de o Tribunal de 1ª instância ter acolhido uma versão dos factos que lhe era desfavorável sobre a matéria de facto, pois que, o que verdadeiramente ilustra toda a impugnação do recorrente nesta vertente é apenas o seu inconformismo pela sua condenação, aí fazendo radicar os aludidos vícios que aponta à decisão recorrida e que expressamente apoda, concomitantemente, de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
Como linearmente se extrai, no caso em apreço, não se constata pela simples leitura do teor da decisão recorrida os vícios (formais) que o recorrente lhe assaca, pois, para além de os factos considerados assentes sustentarem cabalmente a decisão, também não se vislumbra que a apreciação dos meios de prova tivesse afrontado qualquer principio jurídico ou as regras da experiência comum.
Destarte, é forçoso concluir, face à argumentação, que o recorrente invoca a existência destes vícios fora das analisadas condições legais, pois que se limita a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe à do julgador, sem que logre demonstrar, através da análise estribada apenas na leitura do próprio texto do sentença recorrida, a existência de qualquer ilogismo de percurso ou conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum.
Por conseguinte, improcede a deduzida invocação de vícios formais.
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- Do alegado erro de julgamento da matéria de facto
Alega o arguido que do que as duas testemunhas cujos depoimentos foram valorados pelo Tribunal “a quo” puderam observar não resulta evidência direta dos factos com base nos quais condenou o Arguido.
Consignou o Mº Juiz na motivação da decisão recorrida:
“ O Arguido, AA declarou, livre e voluntariamente, não pretender prestar declarações no inicio da audiência, tendo permanecido em silêncio, de acordo com o direito que lhe assiste e quis exercer (artigo 32.º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e artigos 61.º, n.º 1, al. d), e 343.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), tendo prestado declarações apenas após a produção de prova, negando que tenha conduzido o veículo nas referidas circunstâncias de tempo e lugar.
BB, agente da G.N.R., e CC, agentes da G.N.R., ambos a prestar serviço no Destacamento de Trânsito de Beja, foram perentórios ao afirmar que era o Arguido, AA, que tripulava o veículo XX-XX-XX.
Com efeito, as referidas testemunhas referiram que o Arguido parou na berma, tendo uma senhora grávida saído da viatura, do lugar do passageiro e dirigiu-se ao lugar do condutor, tendo de seguida se dirigido ao porta bagagens e depois regressado ao lugar do condutor. Mais referiram que viram o condutor do veículo a passar para o lugar do passageiro pelo interior do veículo.
A corroborar, de certa forma, a versão alegada pelo Arguido na contestação, compareceu no Tribunal a testemunha por si arrolada, DD que afirmou que era ela que conduzia o veículo. Esta testemunha confirmou que à data se encontrava grávida de oito meses e que vinham para o Algarve de férias, tendo parado em S. Bartolomeu de Messines para entrega de umas peças, sendo que o destino final seria Vilamoura. Mais referiu que o marido conduziu de Santarém até S. Bartolomeu de Messines e que depois foi entregar umas peças a uns clientes, sendo que acordaram encontrar-se num café na Vila de S. Bartolomeu. Como o marido estava a demorar-se muito e estava apanhar sol passou do lugar do passageiro para o lugar do condutor para fazer inversão de marcha e manteve-se nesse lugar, enquanto a filha foi chamar o pai, uma vez que como a própria referiu estava extremamente cansada. Mais referiu que o marido quando chegou ao veículo foi para o lugar do passageiro. Esclareceu que pouco depois de iniciar a marcha parou na berma para ir à mala do carro buscar uma garrafa de água, sendo que não viu em momento algum a patrulha da GNR, nem a testemunha.
Não há testemunhas que, aprioristicamente, tenham um depoimento mais credível do que outras, ou que o depoimento de agentes da autoridade tenha um valor tal que seja quase insusceptível de demonstração em contrário. O que tem o Tribunal que apreciar e valorar é a razoabilidade das declarações que são prestadas pelas testemunhas, a coerência intrínseca do que é dito, e bem assim a coerência , ou seja, a coerência e harmonia com os demais elementos de prova, quando tal maior valor de credibilidade não é possível, aí sim estamos na dúvida que, em nome e cumprimento do princípio in dubio pro reo deve ser resolvido a favor do Arguido, quando é possível atribuir maior credibilidade a uma versão em detrimento de outra, então não há dúvida.
Ora, em face de tal apreciação não se pode deixar de afirmar que o depoimento de DD não se nos afigura credível não apenas porque entrou em contradição com o depoimento das testemunhas, BB e CC, como igualmente a justificação dada não convence.
Ademais, acresce que, estas testemunhas que não têm, nunca é demais relembrar, qualquer interesse no desfecho do processo, não ganham nem perdem nada com estes autos, pelo que toda a versão das testemunhas, BB e CC é credível, coerente e sustentada.
DD manteve, pois, depoimento claramente parcial em defesa do Arguido, não merecendo credibilidade pela forma incongruente e contraditória que o prestaram.
Ora, tudo analisado conjunta e criticamente segundo as regras da lógica e de acordo com os princípios da experiência, resulta efectivamente que, era o Arguido que conduzia o veículo de matrícula XX-XX-XX e não a aqui testemunha DD nas circunstâncias descritas em 1.
BB e CC, militares da GNR, os quais de forma isenta, séria e objectiva descreveram a sucessão de eventos, desde a visualização da viatura conduzida pelo Arguido, à troca de posições entre o Arguido e a pessoa que seguia no lugar do passageiro, à abordagem efectuada, à realização do teste qualitativo, ao pedido de contra-prova pelo Arguido e à sua realização.”
E o que o recorrente pretende é retirar qualquer valor probatório aos depoimentos destas testemunhas BB e CC, alegando que “45.º
Quanto aos depoimentos dos militares cumpre referir que existe uma tendência dos órgãos de policia em fiscalizar e investigar e deixar que o impulso investiga tório parcialize os depoimentos das testemunhas.
46.º Sem preterir, é notória a contradição entre testemunhas da acusação e a falta de coerência entre si, tal como se percebe das transcrições que doravante se transcrevem. Acresce ainda que a testemunha CC só foi apresentada em fase tardia do processo, não tendo subscrito como testemunha o auto de noticia.”
O ataque à decisão da matéria de facto realizado pelo recorrente é deste modo, feito pela via da credibilidade que o tribunal deu a determinados meios de prova.
No fundo o que o recorrente faz é invocar erro de julgamento na apreciação da prova.
A este nível compete avaliar se a decisão do julgador é, ou não, uma solução plausível segundo as regras da experiência, sendo que em caso afirmativo ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
E, antecipando a conclusão, dir-se-á desde já que a opção levada a cabo pelo julgador não foi feita de forma caprichosa ou arbitrária. Pelo contrário, mostra-se plenamente objetivada e com absoluta transparência, não procedendo a argumentação do recorrente.
Lendo a motivação da decisão de facto, facilmente se constata que foram essenciais à formação da convicção do tribunal os depoimentos das testemunhas agentes da GNR, que o recorrente pretende desvalorizar.
Contrariamente ao que o recorrente alega, quando o tribunal não dispuser de outra prova, os depoimentos de testemunhas, opostas, em maior ou menor medida, ao declarado pelo arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.
No caso em apreço, conforme resulta da motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas BB e CC, e não deu credibilidade seja às declarações do arguido seja ao depoimento da testemunha DD, e justificou plenamente as razões por que o fez, já que fez consignar expressamente “Não há testemunhas que, aprioristicamente, tenham um depoimento mais credível do que outras, ou que o depoimento de agentes da autoridade tenha um valor tal que seja quase insusceptível de demonstração em contrário. O que tem o Tribunal que apreciar e valorar é a razoabilidade das declarações que são prestadas pelas testemunhas, a coerência intrínseca do que é dito, e bem assim a coerência , ou seja, a coerência e harmonia com os demais elementos de prova, quando tal maior valor de credibilidade não é possível, aí sim estamos na dúvida que, em nome e cumprimento do princípio in dubio pro reo deve ser resolvido a favor do Arguido, quando é possível atribuir maior credibilidade a uma versão em detrimento de outra, então não há dúvida.
Ora, em face de tal apreciação não se pode deixar de afirmar que o depoimento de DD não se nos afigura credível não apenas porque entrou em contradição com o depoimento das testemunhas, BB e CC, como igualmente a justificação dada não convence.
Ademais, acresce que, estas testemunhas que não têm, nunca é demais relembrar, qualquer interesse no desfecho do processo, não ganham nem perdem nada com estes autos, pelo que toda a versão das testemunhas, BB e CC é credível, coerente e sustentada.
DD manteve, pois, depoimento claramente parcial em defesa do Arguido, não merecendo credibilidade pela forma incongruente e contraditória que o prestaram.”
E, deste modo, nada permite retirar àqueles depoimentos das testemunhas BB e CC a credibilidade que o M.ª Juiz lhes atribuiu.
Os depoimentos destas testemunhas não possuem incongruências, contradições, falhas de memória, inexatidões ou hiatos que sejam adequados a suscitar dúvidas sobre a sua veracidade.
Como se salienta no Ac. do STJ de 27-2-2003, proc.º n.º140/03, rel. Cons.º Carmona da Mota :”II O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. III A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detetáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e direto com as pessoas. IV. O tribunal de recurso, salvo casos de exceção, deve adotar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Por outro lado e contrariamente ao que o recorrente alega, no caso em apreço a prova produzida não se limita exclusivamente ao teor dos depoimentos daquelas testemunhas. Teve a decisão recorrida também em conta “os documentos juntos aos autos, todos devidamente examinados: nomeadamente os talões de alcoolímetro de folhas 5 e os certificados de verificação de folhas 7 e 8.
Os elementos psicológicos e volitivos foram dados como provados por presunção judicial e apelo a regras de experiência e senso comum pois que, em face dos factos demonstrados outro não poderia ser o conhecimento e vontade do Arguido à data da prática dos factos.”
Ora, o que se verifica é que o recorrente se limita a sustentar que a leitura que o Tribunal fez da prova produzida não é a adequada, não demonstrando, no entanto, que a análise da prova à luz das regras da experiência ou a existência de provas irrefutáveis não consentiam tal leitura, pondo em causa a apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, tecendo as suas próprias considerações quanto à prova produzida e olvidando o arguido/recorrente, que “Conhecimento direto dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos próprios sentidos. No testemunho indireto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos” (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, editorial Verbo 2008, pág. 180), e que consta na motivação da decisão:”
Com efeito, a prova do facto típico e ilícito juspenalmente pertinente tanto pode resultar de uma perceção imediata decorrente dos sentidos como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indireta.
«Na prova indireta a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova direta faz-se por perceção, a indireta por perceção e presunção» Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 1999, páginas 93 e 94.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, «o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.
Assim, quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade do factum probandum, pois que, em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, não podendo ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido recorrendo a um juízo de normalidade alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.
Em sede de apreciação, a prova pode, pois, ser objeto da formulação de deduções ou induções, bem como da correção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
Em conclusão, no caso em apreço, atentando nos depoimentos das testemunhas BB e CC e em documentação junta aos autos, não vemos razões para concluir no sentido defendido pelo recorrente e alterar a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto.
Em julgamento o que tem que ficar provado, para além de qualquer dúvida razoável, é a participação do arguido nos factos, o que resultará naturalmente do facto de o tribunal se convencer, com base em toda a prova produzida e na sua análise crítica, à luz das regras normais da experiência e da sua livre apreciação, de que os factos ocorreram tal como plasmados na matéria de facto assente.
Mais se dirá que a discordância do recorrente quanto à forma como o tribunal recorrido decidiu a matéria de facto não assenta na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, centrando-se, sim, na forma como foram apreciadas, analisadas e valoradas as provas produzidas, insurgindo-se contra a credibilidade que foi reconhecida a depoimento de testemunhas e a documentos que se encontram nos autos, e em que assentou, com particular incidência, a convicção do Tribunal a quo, como resulta da motivação da decisão de facto, pretendendo o recorrente fazer substituir pela sua a convicção formada pelo tribunal recorrido.
Pretensão do recorrente, porém, sem fundamento, pois que a convicção adquirida pelo tribunal a quo, clara e suficientemente fundamentada, mostra-se suportada pelos meios de prova que como relevantes e credíveis foram considerados na motivação, apresentando-se como plausível e conforme com as regras da experiência comum.
E, assim sendo, é manifesto que a prova produzida em audiência não impõe decisão diversa da recorrida, inexistindo fundamento para proceder às pretendidas alterações de matéria de facto, sendo improcedente o recurso neste particular.
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Decisão
Pelo exposto e com os fundamentos supra referidos, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar não providos os recursos interpostos, mantendo-se os despachos e a sentença recorridos.
- Condenar o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 6 de junho de 2023
Laura Goulart Maurício
Maria Filomena Soares
J. F. Moreira das Neves