Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1791/19.0T8LLE.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O juiz pode valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo próprio peticionante, mas o valor total alcançado não pode em caso algum ser superior ao pedido, a fim respeitar o disposto no n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil.
2 – A inserção, na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como sendo conclusivos é irrelevante, se os mesmos forem factualizados e forem usualmente utilizados na linguagem comum.
3 – Os Tribunais Superiores entendem que os recursos sobre a impugnação da matéria de facto têm sempre carácter ou natureza instrumental, devendo as questões submetidas à apreciação poder repercutir-se, de forma útil e efectiva, na decisão a proferir pelo Tribunal «ad quem», de modo alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto. De outro modo, no plano formal, não haverá interesse processual em promover a revisão dos factos controvertidos.
4 – Os articulados supervenientes estão sujeitos ao ónus de impugnação, pelo que, se não responder ou não impugnar, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, todos os factos alegados ou aqueles que não forem impugnados são dados como provados por admissão, não podendo constituir tema da prova aqueles que já estejam plenamente provados por confissão.
5 – Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
6 – O artigo 570.º do Código Civil rege a contribuição do lesado para os danos sofridos, aplicando-se quando o facto praticado pelo lesado for causa do prejuízo ou do seu aumento em concorrência com o facto praticado pelo outro interveniente e o lesado tenha actuado com culpa.
7 – Na formulação do juízo de equidade o julgador deve actuar dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida e que não se revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1791/19.0T8LLE.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local de Competência Cível de Loulé – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (…), o Réu veio interpor recurso da sentença proferida.
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O Autor pediu a condenação do Réu a pagar-lhe uma indemnização de valor global não inferior a € 24.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como todas as despesas que eventualmente viesse a ter de realizar em consultas, tratamentos médicos e cirurgias devido às agressões que o Réu lhe infligiu, a liquidar em execução de sentença.
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Para tanto, o Autor alega que, no dia 29/07/2015, foi agredido pelo Réu, o qual veio a ser condenado, por sentença já transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal.
Como consequência daquela agressão, o Autor sofreu diversas lesões, necessitou de tratamento médico, foi submetido a intervenção cirúrgica à mandíbula e registou uma série de sequelas e incómodos.
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Devidamente citado, o Réu apresentou contestação, dizendo que, em sede processo crime, foi condenado a pagar as despesas hospitalares pelos cuidados de saúde prestados ao Autor, impugnou a demais factualidade e invocou a desproporcionalidade do montante peticionado a título de danos não patrimoniais.
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Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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O Autor apresentou articulados supervenientes (fls. 235-248 e 382 e seguintes), alegando ter realizado os tratamentos necessários à sua reabilitação oral e suportado os respectivos custos, juntando facturas e recibos, que foram admitidos liminarmente.
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O Réu não apresentou resposta aos articulados supervenientes.
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Na sequência da audiência de julgamento, a sentença condenou o Réu (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 6.904,40 (seis mil e novecentos e quatro euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais e de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos morais, absolvendo o Réu do demais peticionado.
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O recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas na relação de proporcionalidade com o corpo do recurso apresentado[1] [2] [3] [4] [5]:
«A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo pela qual foi o Recorrente condenado no pagamento a pagar ao Recorrido a quantia de € 6.904,40 (seis mil e novecentos e quatro euros e quarenta cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) a título de compensação por danos morais.
B. A Sentença proferida é nula por condenação em quantidade superior ao pedido, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., pois embora o Recorrido tenha pedido a condenação do Recorrente no pagamento da quantia de € 17.325,60 a título de danos não patrimoniais, o Tribunal a quo condenou o Recorrente no pagamento do valor de € 17.500,00.
C. Caso a nulidade seja suprida, quer pelo Tribunal a quo, quer pelo Tribunal ad quem, mantém o Recorrente o âmbito do presente recurso, uma vez que, ainda que a sentença seja reduzida para o valor de € 17.325,60 (dezassete mil, trezentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), não pode o Recorrente concordar com o arbitramento de tal montante.
D. O Recorrente requerer a alteração do Facto 16 dos factos provados, devendo a ser retirada a menção a “tratamentos necessários à sua reabilitação oral devido às lesões sofridas”, passando do mesmo a constar que: 16) O Autor realizou todos os exames, consultas, raios X, exames médicos, colocação de aparelhos, fixo e amovível, controlos de aparelhos, cirurgia e colocação de coroa metalocerâmica sobre implante e de pilar cerâmico, tendo despendido a quantia global de € 6.904,40.
E. Da prova documental dos autos resulta que os tratamentos a que o Recorrido foi sujeito e o valor despedindo pelos mesmos não eram apenas “devidos à lesão sofrida”, encontrando-se agravados pelo decurso do tempo que o Recorrido demorou a proceder à sua realização.
F. Indicam-se como concretos elementos de prova: Relatório Médico do Hospital de Santa Maria, elaborado pelo Dr. (…), datado de 11/08/2015 e junto a fls. 86 dos autos com o requerimento com a ref.ª 32989499, datado de 13/07/2019, onde consta a previsibilidade de colocação de implante dentário; Resumo da Informação Clínica, datado de 25/06/2018, que o Recorrido juntou aos presentes autos no requerimento com a ref.ª 32989499, datado de 13/07/2019, a fls. 168 a 170 dos autos, em que se verifica que em 17.03.2016, o Recorrido regressou ao Hospital de Santa Maria, onde retirou a placa de imobilização que lhe fora colocada na cirurgia de agosto, tendo em 31/03/2016 retirado os restantes pontos, com boa evolução da ferida pós operatória e ainda indicação de 23/02/2016 do Prof. Dr. (…), para realização de cirurgia; Relatório de 12/10/2016, do Dr. (…), médico, que refere no seu relatório o tratamento necessário e o seu orçamento, que o Recorrido juntou aos autos como “Doc. 4-2”, do requerimento com a referência 32989499, junto em 13/07/2019, a fls. 128 dos autos; Confissão do Recorrido de que não realizou a cirurgia, no requerimento apresentado no âmbito do processo penal e que o Recorrido juntou a estes autos, por requerimento com a ref.ª 32989499, datado de 13/07/2019, a fls. 150 dos autos; inércia do Recorrido por mais de um ano, provada por consulta com o Dr. (…), em 21/11/2016, conforme fatura n.º (…) que se encontra junta aos autos com a ref.ª 7010546, junto em 17/07/2019, a fls. 196 dos autos e outra fatura, um ano depois, isto é, em 05/12/2017, conforme fatura n.º (…), que se encontra junta aos autos no requerimento com a ref.ª 7010546, junto em 17/07/2019, a fls. 198 dos autos; Relatório de 04/04/2018, do Dr. (…), junto aos autos com o requerimento com a ref.ª 7010546, junto em 17/07/2019, a fls. 194 dos autos, em que se verifica um aumento do valor e do tratamento necessário em virtude da perda óssea, com validade de 6 meses; De igual modo, o Recorrido não alegou nem invocou qualquer dificuldade económica que o impedisse de, em 04/04/2018, fazer o mencionado tratamento. Na verdade, da leitura do referido requerimento retira-se que, naquele momento, não teria o Recorrido dificuldades económicas de realizar o tratamento; inexistência de motivo para não realizar a cirurgia em 2018, conforme requerimento com a ref.ª 32989499, datado de 13/07/2019, a fls.150 dos autos; relatório datado de 10/09/2021, a fls. 331 dos autos que demonstra que o Recorrido realizou o tratamento entre maio de 2019 e julho de 2021; documentos juntos com o requerimento de 02/06/2022, a fls. 450 e seguintes dos autos, que o Recorrido realizou ainda tratamento até dezembro de 2021; orçamento do Dr. (…) para o implante ascendia a € 3.000,00, conforme consta do relatório junto com o requerimento de 02/06/2022, que consta de fls. 473 dos autos, datado de 27/09/2021; relatório pericial elaborado nos presentes autos, a fls. 321 a 325 dos autos.
G. Da prova documental existente verifica-se que o Recorrido não fez os tratamentos necessários, pelo valor necessário, porque não quis ser submetido ao tratamento no tempo devido, tendo a sua atuação causado um agravamento quer do tratamento necessário quer dos custos envolvidos.
H. Quanto ao ponto 16 dos factos provados é matéria de facto provada que “16) O Autor realizou todos os exames, consultas, raios X, exames médicos, colocação de aparelhos, fixo e amovível, controlos de aparelhos, cirurgia e colocação de coroa metalocerâmica sobre implante e de pilar cerâmico, tendo despendido a quantia global de € 6.904,40.”
E é matéria conclusiva e de direito a parte em que refere “tratamentos necessários à sua reabilitação oral devido às lesões sofridas”, pois a conclusão de que os tratamentos necessários ascendem a € 6.904,40 é conclusão a que apenas chega em sede de aplicação de direito.
I. Deve ser retirado ao Facto 17 dos factos provados a menção “o que lhe causa tristeza”, porquanto esta afirmação consubstancia em si própria uma conclusão, à qual só é possível chegar por via de factos que, com toda a probabilidade, a demonstrem, não sendo um facto em si mesma.
J. Não existem nos autos factos, quer alegados quer provados, de onde seja possível retirar a conclusão de que a assimetria de face do Recorrido é um fator de tristeza para este, admitindo o próprio Tribunal a quo que o Recorrido referiu não sentir dores ou problemas de auto-estima, conforme alínea g) dos factos não provados.
K. É completamente errada e falaciosa a fundamentação do Tribunal a quo ao dar como provados os factos 16 e 17, pela ausência de resposta aos articulados, pois mesmo sem contraditório, o julgamento tem de operar conforme de direito, sendo que essa factualidade resulta impugnada da contestação, sendo os articulados supervenientes uma liquidação do pedido feito na petição inicial, pelo que não poderia o Tribunal a quo dar por provados tais factos “por acordo”.
L. Requer-se a alteração do ponto 17 da matéria de facto provada, devendo do mesmo passar a constar que: 17) Devido às lesões sofridas o Autor ficou com uma assimetria da face, apresentando hipertrofia massetérica esquerda.
M. Requer-se o aditamento dos seguintes factos:
 “Em 11/08/2015 foi indicado como sendo previsível a necessidade de reabilitação oral com colocação de implante dentário”.
 “Em 12/10/2016 foi confirmada a necessidade efetuar reabilitação oral com implante osteointegrado na zona de 33 com alguma celeridade pelo perigo de alterar a oclusão óssea”.
 “Em 04/04/2018 foi diagnosticada a necessidade de efetuar regeneração óssea com autoenxerto ósseo, aleoenxerto e membrana; colocação de implante; colocação de coroa sobre implante, com o custo orçamentado de € 2.800,00”.
 “O Recorrido realizou o tratamento entre maio de 2019 e julho de 2021.”
 “A necessidade e o valor actual do tratamento do Autor agravou-se com o decurso do tempo”.
N. Tais factos resultam provados pela prova documental junta aos autos identificada na conclusão F que aqui se dá por reproduzida.
O. Deve ser alterada a resposta dada ao facto que consta da al. f) segundo a qual: “O Autor não solicitou o pagamento do tratamento de implantologia para reabilitação oral ao Réu.”
P. Tratando-se de facto negativo, a sua prova incumbia necessariamente ao Recorrido, conforme artigo 342.º do C.C., que não a contrariou, nunca o tendo interpelado ou dado conhecimento dos tratamentos necessários.
Q. Não consta dos autos se ou quando foi o Recorrente notificado do pedido de indemnização cível, sendo certo que até ao trânsito em julgado da sentença penal, a responsabilidade do Recorrente não estava fixada.
R. Pelo que não se pode acompanhar a fundamentação do Tribunal a quo quanto à matéria de facto quando refere que porque o Recorrido apresentou pedido de indemnização cível no processo-crime, foi o Recorrente notificado nos termos legais.
S. Tivesse o Recorrido pretendido responsabilizar o Recorrente naquela data e sempre poderia ter requerido o arbitramento provisório de indemnização destinada a suportar aquelas despesas, o que não fez.
T. Pelo que, porque constitui facto provado que o Recorrente entende relevante para a decisão a proferir em sede de direito deve ser dado como provada al. f) dos factos não provados, sendo aditada à matéria de facto provada que “O Autor não solicitou o pagamento do tratamento de implantologia para reabilitação oral ao Réu.”
U. Erra Tribunal a quo na apreciação da matéria de direito, quanto ao montante dos danos patrimoniais devidos pelo Recorrente ao Recorrido.
V. Quanto à existência do dano patrimonial, verifica-se que na sequência da lesão era previsível (não certa) a necessidade de tratamento, conforme resulta do relatório de fls. 86 dos autos, sendo que em 12/10/2016, teve o Recorrido (não o Recorrente) conhecimento da necessidade de realizar um implante e do seu valor – € 1.800,00.
W. Resultando ainda que a quantia de € 24,40 devida ao Hospital de Faro, E.P.E. sempre seria devida.
X. A inércia do Recorrido agravou o dano de € 1.824,40 para € 6.880,16 pela demora na realização do tratamento, sendo que a demora apenas ao próprio é imputável.
Y. A falta de meios económicos alegada para 2016 não é credível quando o Recorrido pode, 3 anos depois, despender € 6.880,16, sendo também contrário às regra da experiência comum que (i) residindo o Recorrido com os pais, (ii) sendo a mãe arquiteta e Professora Universitária, atualmente reformada por doença e o pai empresário e Professor Universitário e (iv) tendo o Recorrido tido meios económicos para ir estudar para Madrid, não tivesse tido meios económicos para realizar uma cirurgia de € 1.800,00.
Z. O agravamento do dano, ou seja, todo o valor que acresce de 16/10/2016 a 02/06/2022 (data em que o valor total foi liquidado), não corresponde ao dano exigível para reparar a lesão, mas sim ao seu agravamento em face da inércia do Recorrido.
AA. O médico que assina o relatório de 16/10/2016, o Dr. (…), Diretor do Serviço Hospitalar do Hospital de Santa Maria, Regente de Cirurgia Oral do ISCSS e Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, conforme se verifica do cabeçalho do relatório, pelo que o seu orçamento para colocação do implante, tendo o mesmo observado o Recorrido, abrange toda a preparação necessária.
BB. O dano indemnizável é o destinado a reconstituir a situação que existiria, sendo sempre exigido o nexo de causalidade entre o dano a indemnizar e a lesão sofrida, o que não se verifica: a reposição da situação do Recorrido, em dano patrimonial, circunscreve à cirurgia de implantologia que, com sucesso, realizou durante os presentes autos.
CC. Sendo o mesmo dano que tinha em 16/10/2016, mas com uma grande diferença: o decurso do tempo, provocado pela inércia do Recorrido o que nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil reduz a responsabilidade do Recorrente.
DD. Provado está, porque referido em todos os relatórios e reconhecido pelo próprio Tribunal a quo que o decurso do tempo importou um aumento de € 1.824,40 para € 6.880,16 (porque se aceita que a despesa de € 24,40 paga após o incidente ao Hospital de Faro, E.P.E. sempre seria devida) para reparação do mesmo, apresentando um agravamento de € 5.055,76.
EE. O artigo 570.º, n.º 1, constitui uma exceção à teoria da causalidade adequada, sendo relevante sempre que a atitude do lesado tenho contribuído para a produção do dano (concausa) ou quando a sua atitude ou omissão tenha contribuído para o agravamento do dano resultante do facto ilícito, entendendo a jurisprudência que tem aplicação o art. 570.º do C.C. quando o lesado importa a não diminuição dos danos em curso.
FF. O Recorrente não pode, assim, ser responsabilizado pela inércia do Recorrido a qual é censurada pelo direito e que se encontra provada: o decurso do tempo agravou a situação clínica do Recorrido e o valor necessário à sua correção.
GG. E, mesmo que assim não fosse – o que apenas por cautela se admite sem conceder – admitir que um lesado pode ficar a aguardar pelo tratamento apenas porque sabe que será o lesante a pagar, sem cuidar de que com essa atitude agrava a sua situação e, consequentemente, o valor em causa, seria admitir um claro e manifesto abuso de direito a todos os lesados, o qual sendo de conhecimento oficioso se invoca para os devidos e legais efeitos.
HH. Nestes termos deve ser atribuído ao Recorrido a culpa no agravamento da sua situação, em € 5.055,76, deve ser reduzido o montante fixado na sentença a título de danos patrimoniais de responsabilidade do Recorrente para a quantia de € 1.824,40, o que se requer.
II. Ainda que assim não se entenda – o que apenas a título subsidiário se admite – sempre deverá ser considerado como abuso de direito a atitude do Recorrido que, conhecedor de que o decurso do tempo agrava a sua situação clínica e o valor do tratamento, aguarda 3 anos para o fazer sem que, durante esse período, interpele o Recorrente ou lance mão dos meios judiciais que tem ao seu dispor, tais como providência cautelar de arbitramento provisório.
JJ. Erra ainda o Tribunal a quo na apreciação do erro não patrimonial, desde logo porque os factos provados nos autos não demonstram danos que, pela sua gravidade, mereceram a tutela do direito, o que é exigido pelo artigo 496.º do Código Civil.
KK. Apenas se verificam danos morais quando “são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, nomeadamente de personalidade”, já não o sendo “os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.”
LL. Da matéria de facto, apenas resultou provado que o Recorrido sofreu fractura radicular do dente 3.3., fractura dupla da mandíbula (parassínfise esquerda e ângulo direito), dores e hematomas (descritas a fls. 32); foi internado em 30/07/2015, tendo sido submetido a cirurgia, com alta em 01/08/2015; em 17/03/2016, foi submetido a intervenção para extracção de placa de osteossíntese em ambiente hospitalar; teve de interromper as suas férias e passar o resto do tempo em recuperação; durante cerca de um mês e meio alimentou-se apenas a líquidos, tendo emagrecido; durante cerca de 6 meses o Autor sentiu dores e incómodos aquando da mastigação; sentiu e ainda sente areias aquando do movimento das mandíbulas; em resultado das lesões sofridas, para reabilitação oral necessitou realizar tratamento ortodôntico com colocação de implante osteosintegrado.
MM. Não se tendo provado que emagreceu 5 quilos; irá toda a sua vida sentir algumas dores e incómodos quando da mastigação e sentir areias quando do respectivo movimento das mandíbulas bem como irá sentir sofrimento, tristeza e baixa auto-estima; a mastigação, por vezes, torna-se difícil, deslocando-se o maxilar em posições não correctas; Profissionalmente, irá ficar em desvantagem com outros concorrentes devido à aparência, perdendo oportunidades durante toda a vida; ainda hoje, dorme mal, acordando muitas vezes durante a noite em sobressalto e com pesadelos, não conseguindo andar, depois da ocorrência, em locais com aglomerações de pessoas; sente dores e baixa auto-estima”.
NN. E consta ainda dos documentos juntos aos autos que: em 29/07/2015, o Recorrido apresentava “dor moderada”, conforme documento Relatório completo de episódio de urgência do Hospital de Faro EPE, de 29/07/2015, a fls. 81 dos autos; em 30/07/2015, o Recorrido não apresentava dor, constando do relatório “sem dor, crepitação ou deformidade a apalpação da região malar”, conforme consta do Relatório de Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E. – de 30/07/2015, de fls. 99 a 112 dos autos; no relatório elaborado pelo Dr. (…), Perito Médico, em 09/05/2018 por referência a consulta de 05/04/2018, a fls. 157 dos autos, não houve alterações significativas a nível funcional e situacional; de setembro de 2015 a dezembro de 2015 foi estudar para Madrid.
OO. Do exposto verifica-se que o Recorrido não sofreu dores, conforme se retira dos relatórios dos técnicos que o receberam e embora tenha sido submetido a cirurgia e tenha ficado com uma dieta líquida, tendo de interromper as suas férias, com os naturais transtornos que tal causa, certo é que não impediu o Recorrido de retomar quer o seu período escolar, quer o seu modo de vida social e interativo, ao ir viver para uma cidade diferente, por um período de 4 meses.
PP. Ao Recorrido não foi reconhecido nenhum quantum doloris, nenhum grau de dor, nenhuma incapacidade permanente, parcial ou futura, nem dano estético que, apesar da assimetria provada, não está mensurado, nem “prejuízo de distracção ou passatempo”, nem “prejuízo de afirmação social”; nem o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, nem os danos irreversíveis na saúde e bem, nem o prejuízo juvenil, sexual ou da auto-suficiência”.
QQ. Pelo que, os danos descritos não representam gravidade para o arbitramento de uma indemnização por danos não patrimoniais, devendo ser revogada a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que absolva o Recorrente do pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais, o que se requer.
RR. Caso assim não se entenda, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite sem conceder, sempre será de referir que, ainda que se considerasse que os danos alegadamente sofridos pelo Recorrido assumem gravidade para serem merecedores da tutela do direito, jamais poderia ser arbitrada uma indemnização no montante em que foi.
SS. Ainda que se admita que os danos alegadamente sofridos pelo Recorrido associados à necessidade de “oferecer-lhe uma compensação que seja o justo balanço para o mal sofrido” (cit. Sentença), o valor da indemnização nunca poderia ascender ao valor de € 17.325,60 requerido pelo Recorrido e sentenciado por € 17.500,00.
TT. Ao fixar a indemnização, com recurso à equidade, sempre se impunha que o Tribunal a quo tivesse em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, conforme disposto no artigo 494.º do C.C., aplicável por via do artigo 496.º, n.º 4, do C.C., o que o Tribunal a quo não fez.
UU. Quanto à situação económica do Recorrente, a mesma consta da decisão penal, a fls. 55 dos autos, resultando da mesma que o Recorrido aufere € 700,00 de vencimento e tem despesas de mais de € 500,00.
VV. Também não teve o Tribunal a quo em consideração as concretas circunstâncias do caso, pois apesar do ilícito e do seu desvalor jurídico e social, a vida do Recorrido apenas ficou afetada durante um mês, tendo o mesmo retomado os seus projetos com autonomia e satisfação logo em setembro de 2015.
WW. Também não teve o Tribunal a quo em consideração o equilíbrio entre uma indemnização justa e a proibição do enriquecimento injustificado do lesado.
XX. E, ainda, errou o Tribunal a quo ao não fixar a indemnização com recurso a decisões jurisprudências semelhantes, conforme determinado pelo artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
YY. Fazendo uma breve resenha jurisprudencial resulta claro que a indemnização arbitrada é manifestamente excessiva, pois em situações com maior gravidade e maiores danos, as indemnizações arbitradas situam-se entre € 3.000,00 e € 6.000,00, conforme se verifica a título de exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 30/04/2020, no âmbito do processo n.º 1076/14.9PBCSC.L1-9 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 21/05/2020, no âmbito do processo n.º 5573/17.6T8BRG.G1.
ZZ. Indemnizações aproximadas da que foi arbitrada, injustificadamente, pelo Tribunal a quo encontram-se reservadas a situações muito mais graves e com danos muito superiores, como se verifica, a título de exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 12/02/2021, no âmbito do processo n.º 484/18.0T8ORM.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 10/12/2019, no âmbito do processo n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 05/02/2019, no âmbito do processo n.º 459/12.3GELLE.E1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 21/04/2022, no âmbito do processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1.
AAA. O quantum fixado pelo Tribunal a quo é manifestamente excessivo face às circunstâncias do caso concreto, não se podendo esquecer os ensinamentos do Supremo Tribunal de Justiça quando a justiça é feita com recurso à equidade: II – A equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
BBB. Pelo que jamais poderia ser arbitrada uma indemnização superior a € 2.500,00 devendo a sentença ser revogada, sendo substituída por outra que condene no pagamento do valor de € 2.500,00, o que se requer.
CCC. Por tudo quanto se expôs a sentença proferida violou o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., artigo 5.º do C.P.C., artigo 609.º, n.º 1, do C.P.C., artigo 342.º do C.C., artigo 483.º do C.C., artigo 562.º do C.C., artigo 334.º do C.C., artigo 496.º do C.C., artigo 494.º do C.C. e artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
DDD. Termos em que deve ser revogada a Sentença proferida sendo a mesma substituída por outra que alterando a matéria de factos nos termos requerido condene o Recorrente ao pagamento da quantia de € 1.824,40 a título de danos patrimoniais e da quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Assim se fazendo a costumada justiça!»
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Houve lugar a resposta, que pugnou pela manutenção do decidido.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
*
II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
1) Nulidade por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2) Erro na fixação dos factos.
3) Erro na apreciação do direito.
*
III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Após o julgamento e discussão da causa, e com interesse para a decisão das questões enunciadas, provaram-se os seguintes factos:
1) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 53/15.7GBLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2, já transitada em julgado, foi o Réu, ali arguido, condenado pela prática, contra o ora Autor, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
2) O Autor constituiu-se assistente no processo referido em 1) e deduziu pedido de indemnização civil contra o ora Réu, ali arguido, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de € 22.000,00, a título de danos não patrimoniais; a quantia de € 2.800,00 referente ao valor orçado para cirurgia; a quantia de € 24,40 referente ao recibo do hospital e no pagamento de todas as quantias que lhe viessem a ser solicitadas pelos hospitais no que se refere a intervenções cirúrgicas que tenha de ser submetido bem como no custo dos actos médicos.
3) Na sentença proferida no processo referido em 1) foi determinada a remessa do pedido cível formulado pelo ora Autor para os tribunais civis.
4) Na sentença referida em 1), entre outros, deram-se como provados os seguintes factos:
“1. Em 29 de Julho de 2015, pelas 06h30, junto ao estabelecimento (…), sito em Vilamoura, área desta comarca, o arguido aproximou-se por trás do (…) e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe um murro na boca, que o fez cair por terra;
2. Da agressão acima descrita, resultaram directa e necessariamente, lesões no corpo e saúde do (…), nomeadamente fractura radicular do dente 3.3., fractura dupla da mandíbula (parassínfise esquerda e ângulo direito), dores e hematomas (descritas a fls. 32);
3. O arguido agiu com o propósito de ofender o corpo e a saúde do (…), o que logrou;
4. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal;
Do pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar de Lisboa Norte EPE:
5. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido o assistente sofreu lesões, nomeadamente fractura dupla da mandíbula e fractura radicular do dente 3.3, necessitando de tratamento médico.
6. Em resultado destes factos a demandante prestou, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar ao ofendido:
- cuidados de saúde, em episódio de internamento, no Serviço de Cirurgia plástica, de 30/07/2015, no valor € 1.941,79.
- cuidados de saúde, em CE de Cirurgia Plástica e Recuperação Maxilo Facial – Cirurgia Plástica, nos dias 04/08/2015, 11/08/2015 e 01/09/2015 e CE e Estomatologia I – Cirurgia Oral, no dia 20/08/2015, € 124,00.
- penso simples, no dia 04/08/2015, no valor de € 4,70.
- ortopantomografia, no dia 01/09/2015, no valor de € 11,00.
- ortopantomografia, no dia 25/01/2016, no valor de € 11,00.
- cirurgia de ambulatório, no Serviço de Estomatologia, em 17/03/2016, no valor de € 1.573,22.
- cuidados de saúde, em CE de Cirurgia Plástica e Recuperação Maxilo Facial – Cirurgia Plástica, no dia 25/01/2016 e CE de Estomatologia I – Cirurgia Oral, nos dias 23/02/2016 e 31/03/2016, no valor de € 93,00.
- pelos cuidados de saúde realizados a 04/08/2015, 11/08/2015, 20/08/2015, 01/09/2015, 25/01/2016, 23/02/2016 e 31/03/2016 – consultas externas e meios complementares de diagnóstico e terapêutica – penso e ortopantomografia), são devidas taxas moderadoras no valor total de € 59,45.
Do pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar do Algarve EPE:
Em consequência da conduta do arguido o ofendido foi assistido no Centro Hospitalar do Algarve, onde lhe foram prestados cuidados de saúde no montante de € 112,17.
Mais se provou (…)”.
5) Para além do referido em 1), o ora Réu foi, ainda, condenado a pagar a quantia de € 3.818,16 ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte e a quantia de € 132,17 ao Centro Hospitalar do Algarve.
6) No dia da agressão o Autor deslocou-se ao Hospital de Faro, onde foi admitido pelas 18h20.
7) No dia 30/07/2015 o Autor dirigiu-se ao Hospital de Santa Maria, deslocando-se por veículo por si conduzido desde o Algarve.
8) O Autor foi internado no Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE. no dia 30/07/2015 e no dia 31/07/2015 foi submetido a intervenção cirúrgica de urgência com exodôncia do dente 33 e redução aberta e osteossíntese rígida com sistema Matrix Mandible.
9) A cirurgia referida em 8) correu sem complicações e o Autor teve alta clínica no dia 01/08/2015.
10) Posteriormente, em 17/03/2016, o Autor foi submetido a intervenção para extracção de placa de osteossíntese em ambiente hospitalar.
11) Devido às lesões que sofreu o Autor teve de interromper as suas férias e passar o resto do tempo em recuperação.
12) Após a cirurgia referida em 8) e durante cerca de um mês e meio o Autor alimentou-se apenas a líquidos, tendo emagrecido.
13) Durante cerca de 6 meses o Autor sentiu dores e incómodos aquando da mastigação.
14) Para além do referido em 13), o Autor sentiu e ainda sente areias aquando do movimento das mandíbulas.
15) Em resultado das lesões sofridas, para reabilitação oral o Autor necessitou realizar tratamento ortodôntico com colocação de implante osteosintegrado.
16) O Autor realizou todos os exames, consultas, raios X, exames médicos, colocação de aparelhos, fixo e amovível, controlos de aparelhos, cirurgia e colocação de coroa metalocerâmica sobre implante e de pilar cerâmico e tratamentos necessários à sua reabilitação oral devido às lesões sofridas, tendo despendido a quantia global de € 6.904,40.
17) Devido às lesões sofridas o Autor ficou com uma assimetria da face, apresentando hipertrofia massetérica esquerda, o que lhe causa tristeza.
18) O Autor é fumador e já o era à data dos factos.
19) A não realização ou demora na realização do tratamento de implantologia, quando necessário, pode agravar o quadro clínico de reabilitação oral[6].
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3.2 – Factos não provados:
Com relevo para a decisão não se provou:
a) Para além do provado em 12), o Autor emagreceu 5 quilos.
b) O Autor irá toda a sua vida sentir algumas dores e incómodos quando da mastigação e sentir areias quando do respectivo movimento das mandíbulas bem como irá sentir sofrimento, tristeza e baixa auto-estima.
c) A mastigação por vezes torna-se difícil, deslocando-se o maxilar em posições não correctas.
d) Profissionalmente, o Autor irá ficar em desvantagem com outros concorrentes devido à aparência, perdendo oportunidades durante toda a vida.
e) Em virtude da actuação do Réu, o Autor, ainda hoje, dorme mal, acordando muitas vezes durante a noite em sobressalto e com pesadelos, não conseguindo andar, depois da ocorrência, em locais com aglomerações de pessoas.
f) O Autor não solicitou o pagamento do tratamento de implantologia para reabilitação oral ao Réu.
g) Para além do provado em 14) e 17), o Autor sente dores e baixa auto-estima.
h) A necessidade e o valor actual do tratamento é consequência directa do comportamento do Autor referido em 18).
i) O Autor ainda apresenta mordida cruzada.
j) O Autor terá de fazer mais tratamentos ortodônticos com vista à sua reabilitação oral.
k) O tempo de duração de um implante é de 15 anos e, provavelmente, o Autor terá de fazer substituições durante toda a vida no fim de cada um destes períodos que se prevê, no mínimo, 3 vezes.
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IV – Fundamentação:
4.1 – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objectivo diverso do que se pedir:
É nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conforme decorre da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Trata-se de um mero corolário do princípio do dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio[7], infringindo a regra segundo a qual ne eat iudex vel extra petita partium. Justamente por isso, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora assinalam que a formulação do pedido reveste a maior importância, porque o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir[8].
Este vício traduz-se assim na violação do princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância[9], inobservando os limites impostos pelo artigo 609.º[10] da lei adjectiva, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.
O Autor pedia a condenação do Réu no valor global no mínimo de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), sendo € 17.325,60 (dezassete mil, trezentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), relativo a dores, incómodos, sofrimento e baixa autoestima devido à deformação facial com que ficou como resultado das agressões em causa nos autos.
A sentença condenou o Réu (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 6.904,40 (seis mil e novecentos e quatro euros e quarenta cêntimos) a título de danos patrimoniais e de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) a título de compensação por danos morais, absolvendo o Réu do demais peticionado.
Neste campo, desde sempre, é consensualmente aceite na jurisprudência nacional que, no domínio da responsabilidade civil, os limites de condenação estabelecidos neste normativo legal se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas atribuídas[11].
Assim, o juiz pode valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo próprio peticionante, mas o valor total alcançado não pode em caso algum ser superior ao pedido, a fim respeitar o disposto no n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil.
No entanto, desta equação resulta claramente que, da concatenação entre o pedido formulado e o resultado final do veredicto, o valor final arbitrado (€ 6.904,40 + € 17.500,00 = € 24.404,40) é superior àquele que foi peticionado (€ 24.000,00).
E, assim, existe a apontada nulidade, não estando a decisão global contida dentro dos limites do decidido, julgando-se assim procedente a invocada nulidade, ficando o pedido limitado ao pagamento da verba de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).
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4.2 – Da alteração da decisão de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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O recorrente pretende a alteração das respostas aos factos identificados nos pontos 16)[12] e 17)[13] dos factos provados e da alínea f)[14] dos factos não provados.
Relativamente ao facto 16) entende que se trata de um facto parcelarmente conclusivo, sugerindo uma nova redacção[15] que se traduz na eliminação da alocação “tratamentos necessários à sua reabilitação oral devido às lesões sofridas”.
Quanto ao ponto 17) da factualidade provada sugere uma alteração restritiva[16], que passa pela eliminação da expressão “o que lhe causa tristeza”.
No que concerne à alínea f) dos factos não provados, por se tratar de um facto negativo, o recorrente pretende que se firme resposta positiva com o seguinte teor: “O Autor não solicitou o pagamento do tratamento de implantologia para reabilitação oral ao Réu”.
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Perscrutada a motivação da decisão de facto verifica-se que as respostas positivas aos factos 16) e 17) estão sustentadas no relatório pericial de fls. 322 a 325 verso, o qual confirmou a necessidade e adequação de tal tratamento, por referência ao orçamento de implantologia apresentado e, bem assim, do atestado médico de fls. 86 e do teor do relatório pericial elaborado no âmbito do processo crime – fls. 159.
Mais se afirma que esses factos se mostram admitidos por acordo, atento o disposto no n.º 1 do artigo 587.º, aplicável ex vi da parte final do n.º 4 do artigo 588.º, ambos do Código de Processo Civil, por não ter apresentado resposta aos articulados supervenientes.
Relativamente ao facto f) a Meritíssima Juíza de Direito justificou a sua opção na circunstância de no «âmbito do processo crime o Autor ter deduzido pedido de indemnização civil contra o Réu, pedindo a sua condenação no pagamento de tais despesas, tendo o mesmo, na qualidade de demandado, ali sido notificado nos termos legais», conjugado com o facto apurado identificado em 2).
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Relativamente aos pontos 16) e 17) da factualidade assente, a falta de impugnação importa a admissão por acordo dos factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto por via da aplicação do artigo 574.º[17] do Código de Processo Civil.
Efectivamente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre afirmam que a situação «está sujeita ao ónus de impugnação, pelo que, se não responder ou não impugnar, todos os factos alegados ou aqueles que não forem impugnados são dados como provados por admissão»[18], adiantando ainda que «não podem constituir tema da prova aqueles que já estejam plenamente provados».
Porém, mesmo que se entendesse que os aludidos factos estavam em oposição com a defesa no seu conjunto, ainda assim colocar-se-ia a questão de saber se estava presente a natureza conclusiva da referida matéria.
Em primeiro lugar, cumpre afirmar que parte da matéria apontada como conclusiva não assume essas características. Depois, na actualidade, a inserção de matéria conclusiva não tem as mesmas consequências que revelava na legislação processual civil anterior.
No pretérito era abundante a jurisprudência dos Tribunais Superiores que afirmava que o preceituado no número 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma, impunha que se considerarem como «não escritas» as respostas do Tribunal sobre questões de direito e o campo de aplicação desta teoria abrangia ainda as asserções de natureza conclusiva porquanto as mesmas se reconduziam à formulação de um juízo de valor que se deveria extrair de factos concretos objecto de alegação e prova.
No entanto, esta tese não era exclusiva, uma vez que coexistia com jurisprudência que considerava que «o artigo 646.º, n.º 4, do CPC, manda ter por não escritas apenas as respostas sobre matéria de direito, e não propriamente as respostas conclusivas, sendo duvidoso, no mínimo, que a regra contida nessa norma possa aplicar-se por analogia a esta última situação, por não ser inteiramente líquido que procedam no caso omisso (factos conclusivos) as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (questão de direito)»[19].
Contudo, ainda assim, no domínio do anterior Código de Processo Civil estava estabilizada a posição que, relativamente a alguns assuntos de alguma complexidade, era «praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis pelos sentidos e compreensíveis pelo intelecto do homem, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia e um exacerbado rigorismo na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena da resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções distantes dos interesses legítimos que o direito e os Tribunais têm o dever de proteger»[20].
Com a mudança de paradigma no processo civil e com o desaparecimento da regra equivalente àquela que estava contida no número 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, a razão prevalecente aponta, indiscutivelmente, para que se imponha a solução que defende que não há fundamento para considerar como não escritos os factos que correspondem a realidades concretas e perfeitamente apreensíveis por qualquer pessoa, designadamente aqueles que estavam indexados a experiências sensoriais ou percepções subjectivas.
Paulatinamente passou a ser entendido que os factos, no domínio processual, abrangem não apenas as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (por exemplo, o dolo, a determinação da vontade real do declarante, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção)[21].
Em função da evolução registada no direito processual civil e da substituição do questionário/base instrutória pelos temas da prova está assim desactualizada a lição de Alberto dos Reis[22], quando sustentava que, à luz do quadro normativo então vigente, o Juiz devia tirar do questionário tudo o que fossem «juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos» e, por reflexo e imperativo lógico, desapareceu a mesma limitação na fixação dos factos.
Isto é, a inserção, na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como sendo conclusivos é irrelevante, se os mesmos forem factualizados e forem usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido comum que é o empregue nas respostas[23].
Se é claro que uma decisão que se encontre despida de valorações conclusivas poderá ser apresentada como uma solução tecnicamente mais adequada, no plano casuístico e na presente situação tudo aquilo que consta do acervo factual impugnado não se destaca da esfera do judicialmente permitido.
E daqui se retira que, por essa via, os factos sob censura não devem ser parcelarmente eliminados do elenco dos factos provados ao abrigo da disciplina do artigo 662.º[24] do Código de Processo Civil.
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Quanto à alínea f) dos factos não provados, a decisão da Primeira Instância é absolutamente certa, pois, na sequência da dedução do pedido de indemnização cível, o demandado cível teve oportunidade de percepcionar quais eram os danos reclamados e, pelo menos, a partir desse momento, tinha a possibilidade de reparar os prejuízos alegados. E isso é transparente e irrefutável a partir da leitura interligada entre os pontos 2) e 3) dos factos provados.
Não existe assim razão ao recorrente.
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Além disso, o recorrente pretende a ampliação da matéria de facto com a inclusão de nova factualidade[25] [26] [27] [28] [29] e justifica a sua pretensão através do recurso aos meios de prova indicados na conclusão f).
Neste caso, em sede de enunciação dos temas da prova, foi questionado se a necessidade actual de tratamento se devia a comportamento adoptado pelo Autor que tivesse contribuído para tal.
O Tribunal a quo entendeu que não e acabou por dar como não provado que o aumento do valor final do pagamento estava relacionada com o facto do lesado ser fumador. A al. h) dos factos não provados continha a tese que a necessidade e o valor actual do tratamento era uma consequência directa do comportamento do Autor.
A opção do decisor a quo teve basicamente subjacente parte da prova testemunhal, diversa documentação clínica e o relatório pericial apresentado a 22/07/2021. Este último, apesar de ter um valor probatório equivalente ao das outras fontes probatórias, na perspectiva do Tribunal da Relação de Évora não é infirmado pelos documentos referidos na alínea f) das conclusões de recurso e apresenta-se na situação concreta como o veículo probatório mais idóneo para a justa resolução do caso.
Neste relatório pericial é dito que quanto ao tratamento ortodôntico, o perito não dispunha de informação do custo que o examinado está a suportar e que quanto à regeneração óssea guiada e à colocação do implante do dente 3.3, «o orçamento facultado nos autos está dentro dos valores de mercado praticados».
Da audição da prova resulta que existem duas versões controvertidas e que no confronto entre prova testemunhal, pericial e documental, em sede de modificação da prova, o Tribunal de Recurso não pode basear-se unicamente em documentação cujo o conteúdo em parte foi impugnado e cujo o ónus de alegação não foi totalmente perfectibilizado nos autos, sem prejuízo dos poderes de cognição provisionados no artigo 5.º[30] do Código de Processo Civil.
Além do mais, no essencial, o fundamento inicial da pretensão de redução do valor era outro (aumento do custo por se tratar de um fumador) e cotejando todas as fontes probatórias – e, por se situar ainda na esfera de protecção da impugnação efectuada – apenas se pode afirmar convictamente que a não realização ou demora na realização do tratamento de implantologia, quando necessário, pode agravar o quadro clínico de reabilitação oral, como aliás decorre do sobredito relatório pericial.
A introdução deste novo facto será feita directamente no texto dos factos provados a negrito, a fim de evidenciar a alteração promovida em sede de reanálise da factualidade apurada.
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4.3 – Do erro de direito:
4.3.1 – Da responsabilidade Civil:
São vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil:
a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[31] – que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) a ilicitude (ou antijuridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
Do conspecto factual apurado resulta claramente que os referidos pressupostos da responsabilidade civil se encontram preenchidos e que a situação em apreço se situa na esfera de protecção de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, tal como foi sentenciado por decisão transitada em julgado.
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4.3.2 – Dos danos patrimoniais:
Ensina Gomes da Silva que «elementos fundamentais da responsabilidade são o dano e a relação em que ele se encontra com o responsável. (...) A responsabilidade é, por conseguinte, a obrigação nascida de um prejuízo e tem por objecto a reparação deste. O intuito com que a lei o estabelece não é o de intimar os indivíduos nem o de reprimir os factos ilícitos: é apenas o de satisfazer a justiça comutativa, reparando danos causados. O prejuízo, por conseguinte, é o fulcro de toda a responsabilidade»[32].
Na lição de Pereira Coelho «por dano pode entender-se (...) o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal»[33].
Assim, defende-se que dano é «todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem»[34].
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No respeitante aos danos patrimoniais o princípio fundamental que tutela esta matéria, é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, excepto se a restauração não for exequível ou se se revelar excessivamente onerosa para o devedor, por ser a forma mais genuína de reparação.
Postula Almeida e Costa que a restauração natural ou indemnização em forma específica dos interesses dos lesados é a forma mais perfeita de reparação. Desta sorte, apenas se apresenta inviável quando «não haja possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exacta ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor. Terá então de operar-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos» [35] [36].
No cumprimento do disposto no artigo 562.º do Código Civil, será obrigação dos responsáveis indemnizar os lesados pelos prejuízos ex­perimentados, de forma a recons­ti­tuir-lhes a situação que existiria se não hou­vesse ocorrido o evento danoso.
O artigo 563.º do Código Civil determina que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão», pelo que, a obrigação de reparar o dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo.
A disposição desta norma legal, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, consagra a doutrina da causalidade adequada, mediante a qual determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, atendendo às circunstâncias do caso concreto conhecidas pelo agente, essa acção ou omissão se mostrava adequada à produção do referido prejuízo, com fortes probabilidades de tal evento se verificar.
Vem-se entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito, seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a natureza geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação dano. Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerado – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano[37].
Neste contexto, face aos factos provados, num juízo preliminar, é perfeitamente acertada a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 6.904,40 (seis mil e novecentos e quatro euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, por corresponder à soma dos danos patrimoniais apurados, sem prejuízo daquilo que se dirá adiante a propósito da culpa do lesado e do abuso de direito.
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4.3.2.1 – Da (ausência de) culpa do lesado:
Sobre a culpa do lesado pronunciam-se, entre outros, Vaz Serra[38], Pessoa Jorge[39], Pires de Lima e Antunes Varela[40] [41], Baptista Machado[42], Almeida Costa[43], Menezes Cordeiro[44] [45] [46], Menezes Leitão[47], Faria Ribeiro[48], Brandão Proença[49] [50] [51] [52] [53], Santos Júnior[54], Pinto Oliveira[55], Ana Prata[56], Maria de Lurdes Pereira[57], Joana Farrajota[58], Sara Geraldes[59] e Maria Inês Martins[60].
O referido artigo 570.º do Código Civil rege a contribuição do lesado para os danos sofridos, aplicando-se quando o facto praticado pelo lesado for causa do prejuízo ou do seu aumento em concorrência com o facto praticado pelo outro interveniente e o lesado tenha actuado com culpa.
Segundo Almeida e Costa «importa, antes de tudo, que o facto do prejudicado possa efectivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é, que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. Portanto, exige-se que o facto do prejudicado apresente as características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro»[61].
No âmbito da aplicação da culpa do lesado a doutrina e a jurisprudência identificam 4 factores de accionamento do instituto: (i) exista um facto do lesado, (ii) que tenha concorrido ou contribuído para o dano, (iii) que o facto do lesado seja culposo e (iv) podendo esse contributo respeitar à produção ou ao agravamento do dano.
Relativamente a este último pressuposto, no testemunho de Maria de Lurdes Pereira, o lesado só responderá, nos termos da culpa do lesado, por um facto que, numa apreciação ex ante, de acordo com as regras gerais da experiência e segundo os conhecimentos de um observador experiente, aumente ou modifique o risco de produção ou agravamento do dano nos termos em que este ocorreu ou se agravou[62].
É certo que, tendo em causa a natureza do dano e as particularidades do dano, através da mediação da boa fé, parte da doutrina admite a redução do dano segundo princípios de razoabilidade, se o lesado omite tratar-se, se opta por tratamento pouco convencional, se demora a intentar uma acção ou se leva a cabo uma reparação dispendiosa[63].
Todavia, o agravamento da lesão por falta de diligência na contenção da lesão ou problema não opera objectivamente e exige um quadro de culpa que não está descrito na matéria de facto provada.
Neste particular apenas se apurou que a não realização ou demora na realização do tratamento de implantologia, quando necessário, pode agravar o quadro clínico de reabilitação oral.
Porém, não se provou que, em concreto, o adiamento do tratamento contribuiu para agravar a situação clínica do Autor e o correspondente aumento do preço. E, de igual modo, inexiste qualquer suporte factual atinente à motivação que presidiu a essa dilação no tratamento nem há a descrição de um comportamento censurável causalmente concorrente para o agravamento dos danos ou nem sequer está presente matéria relacionada com a situação económica do lesado que permitisse construir um caminho alternativo para a partilha de danos.
Isto é, na situação vertente, não existe nenhum facto culposo da responsabilidade do lesado e era o recorrente que, enquanto responsável pela agressão, ao menos após ter conhecimento da extensão da lesão através do pedido cível enxertado, deveria ter tido a iniciativa de reparação de danos, sob pena de, não o fazendo, lhe serem assacados os custos acrescidos resultantes da sua inacção.
Fora do contexto da boa fé, no quadro jurídico português não existe a obrigação do lesado suportar antecipadamente os custos de qualquer acto ofensivo em substituição do lesante. E, por conseguinte, ainda que os aludidos factos tivessem sido aditados, nenhuma repercussão útil surgiria para efeitos de contabilização do dano experimentado, sem prejuízo do ulterior conhecimento da matéria atinente ao abuso de direito.
Como conclusão, o lesado tem de suportar total ou parcialmente o dano desde logo quando decorra de uma acção ou omissão suas pelas quais, caso afectassem outrem, o lesado – então na condição de lesante – teria de responder[64].
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4.3.2.2 – Do abuso de direito:
Para além da bibliografia geral sobre o direito das obrigações, o conteúdo e abrangência do abuso de direito é tratado nas obras escritas por Vaz Serra[65], Coutinho de Abreu[66], Pedro de Albuquerque[67], Manuel de Andrade[68], Tito Arantes[69], Oliveira Ascensão[70], Américo da Silva Carvalho[71], Menezes Cordeiro[72] [73] [74] [75], Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier[76], Pires de Lima e Antunes Varela[77], Cunha de Sá[78] e Paulo Mota Pinto[79] e Baptista Machado[80].
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme ressalta do disposto no artigo 334.º[81] do Código Civil.
Alerte-se que não é qualquer atitude negocial ou comportamental que poderá ser enquadrada como uma situação de abuso de direito e a construção do raciocínio silogístico terá de ser realizada a partir do acervo factual apurado.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado[82] [83] [84] [85] [86].
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
O abuso de direito comporta duas modalidades: “venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, estas com as “species” do exercício danoso inútil, da actuação dolosa e da desproporção grave entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. Tem como escopo principal impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante[87].
O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela[88].
As consequências do abuso de direito podem ser de natureza variada, podendo consistir na supressão do direito ou na cessação do concreto exercício abusivo. Contudo, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao seu titular, que este seja inteiramente despojado dele[89].
Todavia, analisada toda a situação não se encontra qualquer resquício de um comportamento do lesado que configure uma reacção atentatória das regras da boa fé e que constitua um acto abusivo do exercício de qualquer direito.
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4.3.3 – Dos danos não patrimoniais:
Em termos de danos não patrimoniais, são ressarcíveis «os danos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito», proporcionando-se à vítima uma satisfação ou compensação económica (cfr. artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil).
Conforme resulta da intersecção entre a disciplina contida nos artigos 494.º e 495.º do Código Civil, a determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio.
Almeida e Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[90] [91] [92] [93].
Conforme faz notar Pessoa Jorge, «na generosa formulação do artigo 496.º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afectado»[94].
A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça aponta igualmente para que o montante da indemnização seja proporcionado à gravidade do dano, objectivamente apreciado, e não à luz de critérios subjectivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[95].
A equidade na visão de Menezes Cordeiro visa ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas[96]. E está limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal[97].
O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Neste campo, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas motrizes de actuação da equidade. E, ao analisar e ponderar a factualidade apurada, este Tribunal terá de tomar em consideração as circunstâncias da agressão, o sofrimento experimentado, as avaliações e os tratamentos médicos registados, os períodos de internamento e de recuperação, a afectação decorrente da incapacidade sofrida e todos os danos patrimoniais, biológicos e de afirmação pessoal que estão descritos nos factos provados.
Sopesando os factores referenciados nos pontos 6 a 16, parece-nos exagerado a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), por a mesma se destacar dos parâmetros habituais da jurisprudência nacional no domínio de agressões com sequelas de tipo similar. E ademais, olhando para os factos que fundamentavam a causa de pedir, na generalidade, os mesmos foram considerados não provados.
Na realidade, da agressão resultaram directa e necessariamente uma fractura radicular do dente 3.3, uma fractura dupla da mandíbula (parassínfise esquerda e ângulo direito), dores e hematomas que, em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto, determinam no nosso julgamento que o Tribunal de Recurso conceda uma indemnização fixada em € 10.000,00 (dez mil euros), julgando-se assim parcialmente procedente o recurso interposto.
Não foram peticionados juros e o referido acessório é independente da obrigação de capital, não podendo assim, por força do princípio do dispositivo, atribuí-los, os quais, aliás, acertadamente, também não foram objecto de condenação por parte da Primeira Instância.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto, condenando-se o Réu (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 6.904,40 (seis mil e novecentos e quatro euros e quarenta cêntimos) a título de danos patrimoniais e de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de compensação por danos morais.
Custas a cargo do apelante e do apelado na proporção do respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 09/02/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional nº137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] A alteração decorre da operação de reavaliação da prova realizada no ponto 4.2.
[7] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 675.
[8] Obra citada, pág. 244.
[9] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 670.
[10] Artigo 609.º (Limites da condenação):
1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3 - Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
[11] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/11/1975, 11/06/1976, 28/02/1980 e 02/03/1983, pesquisáveis no Boletim do Ministro da Justiça 251º-107, 258º-208, 294º-283 e 325º-365.
[12] (16) O Autor realizou todos os exames, consultas, raios X, exames médicos, colocação de aparelhos, fixo e amovível, controlos de aparelhos, cirurgia e colocação de coroa metalocerâmica sobre implante e de pilar cerâmico e tratamentos necessários à sua reabilitação oral devido às lesões sofridas, tendo despendido a quantia global de € 6.904,40.
[13] (17) Devido às lesões sofridas o Autor ficou com uma assimetria da face, apresentando hipertrofia massetérica esquerda, o que lhe causa tristeza.
[14] (f) O Autor não solicitou o pagamento do tratamento de implantologia para reabilitação oral ao Réu.
[15] (16) O Autor realizou todos os exames, consultas, raios X, exames médicos, colocação de aparelhos, fixo e amovível, controlos de aparelhos, cirurgia e colocação de coroa metalocerâmica sobre implante e de pilar cerâmico, tendo despendido a quantia global de € 6.904,40.”
[16] (17) Devido às lesões sofridas o Autor ficou com uma assimetria da face, apresentando hipertrofia massetérica esquerda.
[17] Artigo 574.º (Ónus de impugnação):
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4 - Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior.
[18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 616-617.
[19] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2012 e de 28/05/2015, in www.dgsi.pt
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2012, in www.dgsi.pt.
[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, in www.dgsi.pt.
[22] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 212 e seguintes.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/12/2014, in www.dgsi.pt.
[24] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[25] • “Em 11/08/2015 foi indicado como sendo previsível a necessidade de reabilitação oral com colocação de implante dentário”.
[26] • “Em 12/10/2016 foi confirmada a necessidade efetuar reabilitação oral com implante osteointegrado na zona de 33 com alguma celeridade pelo perigo de alterar a oclusão óssea”.
[27] • “Em 04/04/2018 foi diagnosticada a necessidade de efetuar regeneração óssea com autoenxerto ósseo, aleoenxerto e membrana; colocação de implante; colocação de coroa sobre implante, com o custo orçamentado de € 2.800,00”.
[28] • “O Recorrido realizou o tratamento entre maio de 2019 e julho de 2021”.
[29] • “A necessidade e o valor actual do tratamento do Autor agravou-se com o decurso do tempo”.
[30] Artigo 5.º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal)
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[31] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, vol. I, Coimbra, pág. 447.
[32] Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, vol. I, pág. 245
[33] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra, pág. 250.
[34] Vaz Serra, Boletim do Mistério da Justiça, n.º 84, pág. 8.
[35] Direito das Obrigações, 5.ª Ed., pág. 637 e seguintes.
[36] No mesmo sentido: Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 1995, págs. 404-405.
[37] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2006, in CJ STJ XIV-II-120.
[38] A. Vaz Serra, Conculpabilidade do prejudicado, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 86, 1959, págs. 131-171.
[39] F. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Centro de Estudos Fiscais, Ministério das Finanças, 1968.
[40] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 587-589.
[41] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2000.
[42] J. Baptista Machado, A cláusula do razoável, Obra Dispersa, vol. I, Braga, 1991.
[43] M. J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12º edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2009.
[44] A. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II; AAFDL, Lisboa, 1980.
[45] A. Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 766-767.
[46] A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VIII (Direito das Obrigações), Almedina, Coimbra, 2017.
[47] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 15ª edição, Almedina, Coimbra, 2018.
[48] J. Faria Ribeiro, Direito das Obrigações, vol. I, Coimbra, 1987.
[49] J. C. Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, Coimbra, 997.
[50] J. C. Brandão Proença, Culpa do lesado, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, págs. 139-151.
[51] J. C. Brandão Proença, Incumprimento pelo devedor e redução do dano pelo credor, Um Direito Europeu das obrigações?. A influência do DCFR (coordenação de Ana Isabel Afonso), Universidade Católica Editora, Porto, 2015, págs. 125-140.
[52] J. C. Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2ª edição revista e actualizada, Universidade Católica Editora, Porto, 2017.
[53] J. C. Brandão Proença, Comentário ao Código Civil – Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 576-580.
em anotação ao artigo 570,
[54] E. Santos Júnior, Mitigation of damages, redução de danos pela parte lesada e culpa do lesado, Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa ao Professor Doutor I. Galvão Telles, 90 anos, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 349-367.
[55] N. Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011.
[56] Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 731-732.
[57] Maria de Lurdes Pereira, Direito da responsabilidade Civil – a obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, págs. 535-593.
[58] Joana Farrajota, A resolução do contrato sem fundamento, Almedina, Coimbra, 2015.
[59] Sara Geraldes, a culpa do lesado, O Direito, ano 141º, vol. II, 2009, págs. 339-375.
[60] Maria Inês Martins, Culpa do paciente lesado: breves considerações em torno da hipótese de concorrência de facto do paciente em estado de inimputabilidade, Para Jorge Leite – Escritos Jurídicos, vol. II (coordenação João Reis / Leal Amado / Liberal Fernandes / Regina Redinha), Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 357-377.
[61] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª Ed., Almedina, Coimbra, pág. 673.
[62] Maria de Lurdes Pereira, Direito da responsabilidade Civil – a obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 558.
[63] J. C. Brandão Proença, Comentário ao Código Civil – Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 578.
[64] Maria de Lurdes Pereira, Direito da responsabilidade Civil – a obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 540.
[65] Vaz Serra, Abuso de Direito (Em matéria de responsabilidade civil), Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, págs. 243 e seguintes.
[66] Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito – Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2006.
[67] Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em virtude de actos praticados no processo: a responsabilidade por pedido infundado de declaração da situação de insolvência ou indevida apresentação por parte do devedor, Almedina, Coimbra, 2006.
[68] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1966.
[69] Tito Arantes, Do Abuso de Direito e da sua repercussão em Portugal, Ensaio Jurídico, Lisboa, 1936.
[70] Oliveira Ascensão, O “abuso de direito” e o artigo 334.º do Código Civil: uma recepção transviada, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano – no Centenário do seu Nascimento, vol. I, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006.
[71] Américo da Silva Carvalho, Abuso de Direito e Boa Fé em Propriedade Industrial, Direito Industrial, 5 verso, Almedina, Coimbra, 2010.
[72] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 4ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[73] Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: estado das questões e perspectivas, Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, n.º 2 (set/2005).
[74] Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e culpa in agendo: estudo de Direito Civil e de Direito Processual Civil, com Exemplo no Requerimento Infundado da Insolvência, à luz do Código de 2004, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.
[75] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[76] Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier, Efeito Externo das Obrigações: abuso de Direito: Concorrência Desleal: a Propósito de Uma Hipótese Típica, separata da RDE, n.º 5 (Jan-Jun. 1979), Coimbra, 1979.
[77] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997.
[78] Cunha de Sá, Abuso de Direito (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997.
[79] Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003).
[80] Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991-1993.
[81] Artigo 334.º (Abuso do direito):
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
[82] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, in www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011, in www.dgsi.pt.
[83] Para Manuel de Andrade Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, págs. 63-64, «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual»
[84] No enfoque de Vaz Serra, Abuso de Direito, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, pág. 253, o acto abusivo corresponde ao exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
[85] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, pág. 516, expressa opinião no sentido de que «para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
[86] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 299, entendem que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
[87] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2008, in www.dgsi.pt.
[88] Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao artigo 334.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 788.
[89] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 300.
[90] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra, pág. 502.
[91] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 374 e seguintes.
[92] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, n.º 1, Coimbra, 1992, pág. 17 e seguintes.
[93] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça n.º 83, pág. 69.
[94] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 376.
[95] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4.
[96] Menezes Cordeiro, “O Direito”, n.º 122.º, pág. 272.
[97] Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 107/110.