Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
356/10.7TTPTM.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
SUCUMBÊNCIA
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
(i) Face ao disposto no artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 79.º, proémio, do Código de Processo do Trabalho, em processo laboral, a regra é que só admitem recurso as decisões que, cumulativamente: (a) forem proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal;
(ii) O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, o que equivale ao valor do recurso traduzido na utilidade económica que com o mesmo se pretende obter;
(iii) em conformidade com as proposições anteriores, não é admissível recurso para o Tribunal da Relação se através da interposição daquele o recorrente pretende apenas a condenação da recorrida no pagamento de € 1.858,40 a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter, sendo certo que a alçada da 1.ª instância se encontra fixada em € 5.000,00.

Sumário do relator

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
I… intentou, no Tribunal do Trabalho de Portimão, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra M…, Lda.., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.449,95, sendo € 3.931,95 a título de trabalho suplementar (dos quais € 1.858,40 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal) e € 1.518,00 a título de subsídio de alimentação.
Alegou para o efeito, em síntese, que enquanto exerceu a actividade de motorista de pesados para a Ré prestou trabalho suplementar (prestando uma hora de segunda a sexta-feira, assim como prestou esse trabalho aos sábados, dia de descanso), que não lhe foi pago, assim como não lhe foi pago o subsídio de alimentação a que a Ré se obrigou na vigência do contrato, no montante de € 4,489 diário.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando, por um lado, a prescrição dos créditos do Autor, uma vez que – alega – o contrato de trabalho cessou em 18-07-2008 e apenas foi citada para a acção em 06-07-2010 e, por outro, o pagamento dos créditos por trabalho suplementar e subsídio de alimentação; (ii) por impugnação, negando que o Autor tenha prestado o número de horas de trabalho suplementar que reclama.
Pugna, por consequência, pela procedência das excepções deduzidas e, em qualquer caso, pela improcedência da acção.

Respondeu o Autor, a sustentar a improcedência das excepções deduzidas pela Ré e a reafirmar o constante da petição inicial.

Procedeu-se à elaboração de despacho saneador, stricto sensu, julgou-se improcedente a excepção de prescrição e relegou-se para sentença final o conhecimento da excepção (peremptória) de pagamento.
Mais foi fixado valor à causa (€ 5.449,95) e dispensada a selecção da matéria de facto (assente e controvertida).
Seguidamente procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, que não foi objecto de reclamação, após o que foi proferida sentença cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
1. Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.265,00 (mil duzentos e sessenta a cinco euros), a título de subsídio de alimentação;
2. Absolve-se a ré da restante parte do pedido;
3. Condena-se [o] autor e ré no pagamento das custas, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor».

Inconformado com a sentença, o Autor dela interpôs recurso, tendo desde logo arguido a nulidade daquela, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
E nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões:
«1. No presente Recurso pretende o ora Apelante que se aprecie a prova trazida aos autos alterando a matéria de facto constante do ponto 7.
2. Do depoimento das testemunhas, e da prova testemunhal e da prova documental o ponto 7 da matéria dada como provada deveria acrescer a expressão "em meio dia de Sábado"
3. Assim deve ser dada como provada "O autor prestou trabalho em dias de descanso semanal, em meio dia de Sábado."
4. Deverá a douta sentença ser revogada por conter uma decisão em que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão efectivamente tomada, nos termos da alínea c), do n° 1 do artigo 668º do C.P.C, o que a fere de nulidade.
5. Na apreciação da matéria de facto que deu como provada, concluiu o Meritíssimo Juiz a quo que efectivamente o Autor/Recorrente prestou trabalho em dias de descanso semanal, vide ponto 7 da matéria de facto dada como provada.
6. Com documentos credíveis e com força legal -os tacógrafos- onde estão discriminados o numero de horas e os dias em que esse trabalho foi prestado, documentos esses não impugnados pela Ré, e que constituem a prova documental que deveriam ter sido considerados para apurar, porque constituem um meio possível, a quantia em divida por trabalho prestado em dia de descanso semanal.
7. O Mm Juiz a quo considerou provado que o recorrente prestou trabalho suplementar, praticando uma hora extra por dia, com os mesmos meios de prova que, embora considerando como provado o trabalho prestado em dia de descanso suplementar considerou não ter meios para liquidar tal pedido.
8. A sentença recorrida limita-se a mencionar, de forma sucinta, sem menção específica ou conteúdo crítico das provas, desconhecendo-se o seu contributo para a descoberta da verdade por ausência de tais menções.
9. Deverá a douta sentença ser revogada por conter uma decisão em que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão efectivamente tomada, nos termos da alínea c), do nº 1 do artigo 668º do C.P.C, o que a fere de nulidade
10. O Artigo 362º Código Civil dispõe: ''prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto"
11. Documentos não são apenas os escritos, mas qualquer outra coisa fabricada pelo homem, conquanto possua a sobre dita função representativa ou reconstitutiva, como plantas, fotografias, desenhos, chapas de geodésicos, obras de arte, a imensa maquinaria e todas compostas fabricadas pelo homem.
12. Quaisquer reproduções mecânicas de factos ou coisas são documentos e fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão - artigo 368º Código Civil.
13. O tacógrafo é um equipamento destinado a ser instalado em veículos dedicados ao transporte rodoviário, passageiros e mercadorias, a fim de indicar, registar e memorizar, dados relativos à condução desses veiculas e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores.
14. Os discos de registo do – tacógrafo -, neste caso os originais, com todas as horas de trabalho suplementar prestado, assim como as horas de trabalho em dias de descanso peticionadas estão juntas aos autos, sendo assim claramente possível através da sua leitura, a determinação de quais e quantos foram os dias em que o Autor prestou esse trabalho, tudo conforme consta e foi detalhadamente consignado nos termos do artigo 12º da P.I.
15. O tacógrafo é um meio de prova, porque serve de registo de todas as horas de trabalho praticado e permite às entidades competentes a fiscalização e verificação do cumprimento ou incumprimento dos respectivos tempos de trabalho ou de repouso dos trabalhadores rodoviários.
16. Porque legalmente exigível em todos os veículos matriculados e para as actividades constantes no diploma legal, e como meio de prova em sede contra ordenacional ou mesmo ou mesmo em sede de impugnação de decisões administrativas.
17. Violou assim a douta decisão recorrida os artigos 362º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicável deve conceder-se provimento ao presente recurso procedendo à alteração da decisão da matéria de facto nos termos requeridos e revogando-se nessa parte a douta decisão recorrida.
Sem conceder caso se entenda que não há provimento quanto à alteração da decisão da matéria de facto deverá a nulidade da sentença invocada ser julgada procedente revogando-se a douta sentença recorrida nessa parte e em consequência julgar procedente o pedido formulado pelo autor/recorrente quanto ao trabalho prestado em dia de descanso semanal nos termos peticionados».

A apelada não respondeu ao recurso.

Este foi admitido na 1.ª instância e, no exame preliminar, neste Tribunal da Relação.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Entretanto, foi pelo relator suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso por não se mostrar verificada uma das condições impostas pelo n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual só é admissível recurso se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.

Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem, nada disseram.

O conhecimento do objecto da apelação depende do que vier a ser decidido sobre a sua admissibilidade, daí que se imponha, antes de mais, resolver esta última questão.

II. Da (in)admissibilidade do recurso em função da sucumbência
Como resulta do disposto no artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, proémio, a regra é que só admitem recurso as decisões proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, exigindo-se, cumulativamente, que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal.
Ou seja, o artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (em conjugação com o proémio do artigo 79.º, do Código de Processo o Trabalho) faz depender admissibilidade do recurso ordinário da verificação cumulativa de dois requisitos: (i) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (ii) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.

As excepções a tal regra contemplam as acções em que estejam em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho, os processos emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional, e os processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais, sendo, em todos os casos, independentemente do valor, admissível recurso, mas, apenas, até à Relação – 79.º, alíneas a), b), e c), do CPT.

Porém, no caso em apreciação não está em causa qualquer destas excepções à regra da admissibilidade dos recursos, pelo que se torna inútil qualquer outro desenvolvimento sobre a matéria.

E quanto à regra da inadmissibilidade legal de recurso, e especificamente quanto ao requisito do valor da sucumbência, impõe-se referir que, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2006 (Revista n.º 895/06-4.ª Secção, disponível em www.dsgi.pt, documento n.º SJ200607130008954), o mesmo «(…) reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.

Assim, se a parte, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso – é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável, posto que, no restante, não impugnado, porque convencida, aceitando a decisão, o ter ficado vencida se tornou irrelevante.

Compreende-se que assim seja, pois, subjacente à exigência da medida da sucumbência encontra-se a repercussão económica da decisão recorrida para a parte vencida, na perspectiva desta, que pode, no requerimento de interposição do recurso, restringi-lo a qualquer dos segmentos decisórios da decisão impugnada e, nas conclusões da alegação, restringir o objecto inicial do recurso, sendo que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso [].

E é a dimensão do valor do objecto do recurso que justifica ou exclui o conhecimento pelos tribunais superiores, sabido que as razões de política legislativa que determinaram a introdução da regra de sucumbência se prendem com a necessidade de “não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas por tribunais inferiores – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1.ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais[]».

Assim, voltando ao caso em apreciação verifica-se que:
(i) na acção o Autor pede a condenação da Ré, entre o mais, no pagamento de € 1.858,40 correspondente ao trabalho suplementar prestado aos sábados, dia de descanso semanal (cfr. artigo 12.º da petição inicial);
(ii) à acção foi atribuído o valor de € 5.449,95 (fls. 213);
(iii) tendo o Autor interposto recurso da sentença, e considerando que o objecto do recurso é definido pelas conclusões das respectivas alegações, extrai-se das mesmas que ele pretende a condenação da Ré no pagamento do trabalho suplementar prestado aos sábados.
Na verdade, termina o recurso pedindo que seja julgado «(…) procedente o pedido formulado pelo autor/Recorrente quanto ao trabalho prestado em dia de descanso semanal nos termos peticionados» (fls. 267 dos autos).
Assim, e tendo presentes os referidos requisitos de admissibilidade do recurso, verifica-se que quanto ao primeiro requisito, ou seja, valor da causa, face ao valor fixado, € 5.449,95, e o disposto no artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de 24 de Agosto – que fixou a alçada dos tribunais da 1.ª instância em € 5.000,00 – inexiste obstáculo legal à admissibilidade do recurso, o mesmo é dizer que a decisão seria recorrível.
Porém, o mesmo já não se verifica em relação ao segundo requisito, da sucumbência.
Com efeito, como se afirmou, para que seja admissível recurso para a Relação, é necessário que o valor da sucumbência seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.
Ora, o valor da sucumbência do Autor, atento o recurso que interpôs, que define a utilidade económica que pretende obter, é de € 1.858,40.
Por tal motivo, entende-se não ser admissível o recurso para este Tribunal da Relação.
Para tal conclusão, atente-se que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (artigo 685.º-C, n.º 5, do Código de Processo Civil) e o despacho do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes (cfr. artigos 700.º e 704.º, do Código de Processo Civil).
Assim, embora o recurso tenha sido admitido na 1.ª instância, e, preliminarmente, nesta Relação, pelo relator, não existe obstáculo legal a que seja proferido acórdão a declarar a sua inadmissibilidade, sendo certo que às partes foi dada oportunidade de se pronunciarem sobre a questão.
III. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em não admitir o recurso interposto para este tribunal por Illya Kupchank.
Sem custas, atento o disposto no artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Évora, 28 de Fevereiro de 2012
(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)
(Joaquim Manuel Correia Pinto)