Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
55/19.4GCASL.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão não tem um efeito automático revogatório dessa suspensão, também a aplicação de uma pena não privativa da liberdade não deve ser, desde logo, um efeito condicionante que afaste definitivamente uma possível revogação dessa suspensão.
Acresce que constituem questões distintas, que se não confundem, a de saber se o recorrente com o seu comportamento inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da suspensão da execução da primeira pena (o que efectivamente está em causa no presente recurso) e a que se prende com a avaliação de se a pena concreta aplicada pelo tribunal que condenou pelos crimes praticados durante o período da suspensão foi a mais adequada, sendo que sobre esta nos está defeso, bem como ao tribunal recorrido, se pronunciar, considerando que transitou em julgado.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos autos com o NUIPC 55/19.4GCASL, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de …, foi proferido despacho, aos 08/07/2022, que revogou a suspensão da execução da pena de 1 ano de prisão aplicada ao arguido AA.

2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):

1. Por sentença proferida a 10.11.2020 e transitada em julgado a 02.12.2020, foi o arguido AA, condenado como autor material pela prática de um crime de resistência e coação, p. e p. nos termos do artigo 347.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ainda ao cumprimento de deveres e regras de conduta.

2. Deveria o arguido prestar 250 (duzentas e cinquenta) horas de serviço comunitário de interesse público, nos termos a delinear pela DGRSP e abster-se da prática de qualquer crime durante o período da suspensão.

3. Compulsados os autos, verifica-se que o arguido foi condenado, por acórdão proferido a 17.11.2021, transitado em julgado em 17.12.2021, no âmbito do processo n.º 6/21.6GDGDL, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos dos artigos 143.º, 145.º n.º 1 al. a), por referência ao artigo 132.º n.º 2 al. a) ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período.

4. Depois de proceder à audição do arguido, por despacho de 8 de julho de 2022 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

5. Entendeu o Douto Tribunal, em sede de apreciação da revogação da suspensão da pena de prisão, relevante que “o arguido, durante o período da suspensão da pena de prisão, mais concretamente, passados poucos meses do início do período de suspensão da pena, praticou dois crimes de idêntica natureza ao dos presentes autos, pelo que se é certo que o arguido não pode ser prejudicado devido a falhas nos serviços, seja do Tribunal, seja da DGRSP, a verdade é que a condenação pela prática de outros crimes durante a suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos são o principal motivo que justifica a revogação da suspensão da pena de prisão. Na verdade, são essas condenações que permitem ao Tribunal concluir as finalidades que se pretendiam alcançar com a suspensão da execução da pena de prisão aqui aplicada não podem ser alcançadas”

6. O recorrente não concorda com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pois embora a conduta do recorrente seja, pelas razões apontadas, culposa, in casu, a mesma não pode ser qualificada como reveladora que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas, pelo que, não se mostra verificado o pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão previsto na alínea b) do nº 1 do art. 56.º do CP.

7. Estatui o artigo 56.º do CP, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que o condenado cometer um crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

8. Com a ressalva que a referida infração, não opera automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não devendo o Tribunal atender apenas ao aspeto formal daquela violação, mas sim se da mesma incorre um incumprimento total do fundamento que originou a suspensão da pena.

9. Na esteira deste entendimento a revogação da suspensão da pena só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no artigo 55.º, do CP.

10.A revogação da suspensão da pena com fundamento na alínea b) do artigo 56º do CP, apenas se deve ordenar nos casos em que a mesma se traduza numa atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorreria e que, por isso, não mereça ser tolerada nem desculpada.

11.Durante o referido período não poderia praticar e ser condenado por nenhum crime e teria que cumprir 250 horas de trabalho a favor da comunidade inseridas num plano de reinserção que lhe viesse a ser imposto.

12.Não foi solicitado à DGRSP qualquer intervenção no âmbito deste processo.

13.Facto esse que o Tribunal a quo desconsiderou e achou irrelevante para a decisão ora em apreço.

14.Conforme se comprova pelo relatório da DGRSP junto aos autos, o arguido encontra-se a cumprir o plano elaborado no âmbito do Proc. …, no qual foi condenado a 1 ano e 2 meses de prisão substituída por 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

15.O recorrente padece de problemas do foro psiquiátrico e em virtude dos seus hábitos de consumo quer de estupefacientes quer de álcool cometeu muitos atos dos quais se arrepende e pelos quais está a cumprir escrupulosamente as medidas que lhe foram aplicadas.

16.O recorrente, entendeu que cometeu atos que são puníveis e censuráveis, dos quais se arrepende e encontra-se a cumprir os planos de reinserção estipulados, deixando bem claro que a suspensão da execução das penas está a servir o seu propósito de reabilitação do recorrente.

17.É necessário que esse juízo assente em mais do constatar a prática do crime, carece de um esforço por parte do Tribunal em indagar junto do arguido do porquê.

18.É exigível que o tribunal verifique se o comportamento criminoso descrito na sentença sustenta a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

19.No entanto, o despacho aqui em apreço, fundamenta-se exclusivamente no teor do CRC, ou seja, o tribunal a quo limitou-se a considerar que a simples prática de um crime da mesma natureza durante o período de suspensão, era suficiente para concluir pela revogação da suspensão.

20.Era necessário que tivesse reunido os elementos indispensáveis para tomar tal decisão, nomeadamente, devia ter examinado a factualidade dada por provada na segunda sentença e, se a mesma não se mostrasse absolutamente eloquente quanto ao naufrágio das finalidades que estiveram na base da suspensão, deveria ter indagado dos motivos que conduziram o recorrente a delinquir novamente.

21.Tal não foi feito e devia tê-lo sido, tanto mais que a decisão sob recurso tem como fundamento uma sentença condenatória em que o tribunal da segunda condenação condenou o recorrente em pena suspensa.

22.É certo que o tribunal a quo não está obrigado, vinculado, a concordar com a fundamentação da segunda sentença e também é certo que a aplicação de uma pena suspensa por crime cometido durante a suspensão anterior não é só por si suficiente para afastar a possibilidade de revogação.

23.No entanto, também é certo que uma revogação nestas circunstâncias exige ao tribunal que revoga um especial dever de fundamentação para que não fique no ar a ideia de incongruência de julgados.

24.Não só o tribunal a quo se limitou a revogar a suspensão com base na prática de novo crime sem explicar em que medida o cometimento deste é revelador da falência total da prognose positiva que esteve na base da sua aplicação, como também transmitiu a ideia de inconstância nas decisões.

25.E verificando-se que o recorrente apesar dos seus problemas de adição, se encontra inserido profissional e familiarmente, dever-se-á concluir que não se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da execução da prisão.

26.Não tendo esta indagação sido efetuada e tendo-se o tribunal limitado a considerar que o simples cometimento de um crime durante o período de suspensão era revelador da ineficácia definitiva da pena substitutiva, entende o recorrente que não estava o tribunal em condições de fundamentar qualquer decisão de revogação.

Termos em que deve o douto despacho de que se recorre ser revogado e em consequência, ser igualmente revogada a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente.

Fazendo-se assim a costumada Justiça.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

5. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a da não verificação dos requisitos de revogação da suspensão da execução da pena.

2. Elementos relevantes para a decisão.

2.1 O ora recorrente foi condenado nos presentes autos, por sentença de 10/11/2020, transitada em julgado aos 02/12/2020, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, sujeita a regime de prova e ao cumprimento de deveres e regras de conduta, pela prática de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo artigo 347º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

2.2 Foram tomadas declarações ao condenado aos 28/03/2022.

2.3 Anteriormente à condenação dos presentes autos, conforme resulta do respectivo certificado de registo criminal (e da sentença condenatória), sofrera já o recorrente condenação transitada em julgado aos 06/02/2020, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho.

2.4 O despacho recorrido, proferido em 08/07/2022, apresenta o teor que se transcreve, na parte que releva:

Por sentença proferida a 10.11.2020 e transitada em julgado a 02.12.2020, foi o arguido AA, condenado como autor material pela prática de um crime de resistência e coação, p. e p. nos termos do artigo 347.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ainda ao cumprimento de deveres e regras de conduta.

O arguido foi devidamente notificado do teor da sentença condenatória, ficando assim ciente da obrigatoriedade de cumprimento como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Resulta, porém dos autos, mais concretamente do registo criminal do arguido, que este, por factos praticados durante o período da suspensão da pena (01.03.2021 e 28.03.2021), foi condenado, por acórdão proferido a 17.11.2021, transitado em julgado em 17.12.2021, no âmbito do processo n.º …, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos dos artigos 143.º, 145.º n.º 1 al. a), por referência ao artigo 132.º n.º 2 al. a) ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período.

Foi realizada audição do arguido para este vir justificar a sua falta no cumprimento da condição da suspensão da pena.

Em sede de audição de condenado, referiu o arguido que está desempregado, dedicando-se a tempo inteiro ao cumprimento do trabalho comunitário. Referindo ainda que esteve detido, em prisão preventiva, até Novembro de 2021, no âmbito do processo n.º …, onde foi condenado, por acórdão já transitado em julgado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período. Referiu que em consequência disso, não cumpriu as 250 horas de serviço comunitário determinadas ao abrigo dos presentes autos.

Resulta igualmente dos autos que que não foi solicitado à DRSP a elaboração do PSR com vista à colocação do arguido em EBT de molde a prestar as horas de trabalho em que foi condenado.

Cumpre apreciar se esta actuação do arguido impõe a conclusão de que o mesmo não interiorizou o alcance da pena que lhe foi aplicada nestes autos, pondo assim em causa o juízo de prognose de evolução de vida positiva e favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado.

O fundamento que está em causa nos presentes autos é o cometimento de crime durante o período da suspensão.

Os motivos que podem determinar a revogação da suspensão da pena de prisão constam do artigo 56.º, n.º 1, do mesmo Código, o qual determina, por sua vez, que: “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou,

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Ora, atendendo ao caso dos autos, o arguido, durante o período da suspensão da pena de prisão, mais concretamente, passados poucos meses do início do período de suspensão da pena, praticou dois crimes de idêntica natureza ao dos presentes autos, pelo que se é certo que o arguido não pode ser prejudicado devido a falhas nos serviços, seja do Tribunal, seja da DGRSP, a verdade é que a condenação pela prática de outros crimes durante a suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos são o principal motivo que justifica a revogação da suspensão da pena de prisão.

Na verdade, são essas condenações que permitem ao Tribunal concluir as finalidades que se pretendiam alcançar com a suspensão da execução da pena de prisão aqui aplicada não podem ser alcançadas.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b), do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determino o cumprimento da pena de prisão de 1 ano em que o arguido AA foi condenado.

Apreciemos.

Insurge-se o recorrente contra o despacho que revogou a suspensão da execução da pena em que tinha sido condenado.

Antes de mais, cumpre se diga, o tribunal a quo não decidiu apenas atendendo ao Certificado do Registo Criminal do recorrente, pois junto aos autos se encontra certidão do acórdão que o condenou pela prática dos dois crimes durante o período da suspensão, de onde consta, obviamente, descrita a factualidade praticada e a demais relativa às suas condições pessoais e situação económica.

Estabelece-se no artigo 56º, do Código Penal, que:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

E, conforme se consagra no artigo 50º, desse Código, um dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão é a circunstância de a simples censura do facto e a ameaça da pena realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Estas finalidades constam do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, sendo que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, mas vero é que a finalidade político-criminal primordial (ainda que não única, como acaba de se ver) pretendida com este instituto é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes.

Constitui entendimento generalizado que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, quando em causa está a prática de crime durante o período da suspensão, não é automática, não é um acto meramente formal.

Quer dizer, não basta a prática de um novo crime para que logo se proceda à revogação da suspensão, impondo-se ponderar se esse cometimento afastou irremediavelmente o juízo de prognose favorável do comportamento futuro do arguido em que assentou a aplicação desta pena de substituição não privativa da liberdade. – Vd., por todos Acs. R. de Lisboa de 06/06/2006, Proc. nº 147/2006-5 e de 28/02/2012, Proc. nº 565/04.8TAOER.L1-5; Ac. R. do Porto de 14/10/2009, Proc. nº 256/04.0GBPNF-B.P1; Ac. R. de Guimarães de 14/09/2009, Proc. nº 664/06.1GTVCT.G1; Ac. R. de Évora de 20/11/2012, Proc. nº 288/94.4TBBJA-C.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Ora, no caso em apreço, estando a decorrer o período de suspensão da execução da pena de 1 ano de prisão por que tinha sido condenado pela prática de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo artigo 347º, nºs 1 e 2, do Código Penal, cometeu o recorrente (em 01/03/2021 e 28/03/2021) dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º e 145º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea a), do Código Penal, por que foi condenado, por decisão transitada em julgado, na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período (o arguido desferiu um pontapé na zona da coxa de sua mãe, provocando-lhe intensas dores. De seguida, estando a progenitora a recuperar do pontapé, no quarto, foi no seu alcance e vibrou-lhe uma pancada com a mão na parte de trás da cabeça; dias depois, por sua mãe se ter recusado a entregar-lhe dinheiro, desferiu-lhe um pontapé na zona do peito).

Ou seja, desprezando o juízo favorável efectuado quando à sua capacidade para se manter afastado da prática de crimes, não obstante averbar já uma condenação anterior, transitada em julgado em 06/02/2020, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho, voltou o recorrente a delinquir e logo praticando dois crimes.

E, quando da audição presencial, não revelou sentido crítico relativamente à sua conduta.

Certo é que a última das penas aplicadas ao recorrente foi também de pena de prisão suspensa na sua execução e alguma jurisprudência existe que entende que a revogação da suspensão deverá ser excluída, em princípio, se na nova condenação tiver sido renovado o juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação.

Só que, se vero é que a prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão não tem um efeito automático revogatório dessa suspensão, como vimos, também a aplicação de uma pena não privativa da liberdade não deve ser, desde logo, um efeito condicionante que afaste definitivamente uma possível revogação dessa suspensão.

Como se diz no Ac. R. do Porto de 14/07/2010, Proc. nº 470/08.9GEVNG.P1, que pode ser lido em www.dgsi.pt, “tanto essa nova conduta criminosa, como a subsequente reacção penal não detentiva devem ser antes perspectivadas como factores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão”.

Acresce que constituem questões distintas, que se não confundem, a de saber se o recorrente com o seu comportamento inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da suspensão da execução da primeira pena (o que efectivamente está em causa no presente recurso) e a que se prende com a avaliação de se a pena concreta aplicada pelo tribunal que condenou pelos crimes praticados durante o período da suspensão foi a mais adequada, sendo que sobre esta nos está defeso, bem como ao tribunal recorrido, se pronunciar, considerando que transitou em julgado.

Considerando a aludida conduta do condenado, importa concluir que o juízo de prognose favorável efectuado pelo tribunal recorrido no momento em que se decidiu pela suspensão se frustrou, pois a ameaça da pena não foi suficiente para orientar a sua conduta de acordo com o Direito.

Pelos fundamentos apontados, que reflectem a manifesta indiferença do recorrente perante a reacção penal aplicada, não se pode deixar de concluir que, com o seu comportamento (aliado às condições pessoais, pois padece de Perturbação de Hiperactividade por Défice de Atenção e Perturbação de Oposição e Desafio; apresenta percurso de consumo excessivo de álcool, bem de consumo de estupefacientes, associados ao não cumprimento da medicação psiquiátrica), inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da mesma, inexistindo qualquer esperança fundamentada quanto a um futuro comportamento de acordo com as normas.

Aliás, importa que não se confunda a ressocialização em liberdade com a impunidade e é precisamente este sentimento de impunidade que pode passar para o condenado que não sofre qualquer consequência por não cumprir os deveres inerentes à suspensão da execução da pena e, desde logo, o primordial, qual seja: de não cometer crimes no período da suspensão.

Termos em que, não merece censura a decisão recorrida de revogação, impondo-se o cumprimento efectivo da pena de prisão.

Pelo exposto, cumpre negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Évora, 28 de Março de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)