Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/19.4T8EVR.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: VENDA EXECUTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE DO SUBARRENDAMENTO
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os contratos de arrendamento e de subarrendamento que tenham por objeto imóveis hipotecados caducam por força da venda judicial efetuada no âmbito do processo executivo, por força do disposto no art.º 824.º, n.º 2, do Código Civil, quando hajam sido celebrados em momento posterior ao registo da hipoteca.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 38/19.4T8EVR.E1 (1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO

I.1.

(…), autora na ação declarativa de condenação que lhe foi movida pela Caixa Geral de Depósitos, SA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Évora, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o qual julgou a ação improcedente e, consequentemente, declarou caducados, com a venda executiva os contratos de arrendamento e sub-arrendamento que oneravam os prédios vendidos no processo executivo 122/13.8TBARL.

Na presente ação, a autora (…) pedira ao tribunal que: 1) declarasse a existência e a validade dos contratos de arrendamento e subarrendamento relativos aos dois imóveis melhor identificados na petição inicial; 2) reconhecesse os respetivos direitos inerentes aos referidos contratos, nomeadamente no que diz respeito à tutela e manutenção da posse e o direito de uso, fruição e gozo da autora enquanto subarrendatária; 3) condenasse a ré Caixa Geral de Depósitos a abster-se de praticar quaisquer atos que pudessem perturbar ou esbulhar a posse e o direito de gozo, uso e fruição da autora relativamente aos imóveis em apreço.

Para fundamentar a sua pretensão, a autora alegou o seguinte: a 2 de outubro de 2012, a sociedade comercial “(…) – Vinhos, SA” celebrou um contrato de arrendamento com a sociedade “(…), SA”, através do qual tomou de arrendamento dois imóveis propriedade da segunda, a saber, o prédio rústico denominado “Herdade do (…)”, freguesia e concelho do (…), inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…) da seção (…), e o prédio misto denominado “Vale do (…)”, freguesia e concelho do (…), inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…) da secção (…) e na matriz urbana sob o art. (…); posteriormente, a 28 de junho de 2013, a sociedade (…) deu de subarrendamento os referidos prédios à autora; a 30.05.2008, a ré, no âmbito da sua atividade, tinha celebrado um contrato de mútuo hipotecário, mediante o qual mutuou à sociedade (…), SA o montante de € 1.500.000,00 e este deu de hipoteca, para garantia do capital mutuado, juros respetivos e demais despesas, os dois imóveis identificados supra; tendo a mutuária incumprido o contrato, a Caixa Geral de Depósitos instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, a qual correu os seus termos sob o n.º 122/13.8TBARL, no juízo de execução de Montemor-o-Novo, no âmbito do qual os dois imóveis foram penhorados e, posteriormente, adjudicados à ré, sem que a autora tenha tido sido notificada para qualquer termo do processo, nunca tendo havido, ali, qualquer menção à existência dos referidos contratos de arrendamento e subarrendamento; quando a autora teve conhecimento de um despacho proferido no âmbito daquele processo que autorizava o recurso ao auxílio de uma autoridade policial para a concretização da entrega dos dois imóveis, a autora deduziu embargos de terceiro e no âmbito daquele apenso foi proferida sentença na qual se decidiu rejeitar os embargos por intempestividade dos mesmos, considerando que os mesmos foram apresentados após a adjudicação dos bens. Mais alegou a autora que, desde a data da celebração do contrato de arrendamento, a sociedade arrendatária utilizou os locados de forma pública e pacífica, usando os prédios da forma que melhor entende e que, a partir da celebração do contrato de subarrendamento, a autora, na qualidade de subarrendatária, passou a explorar as culturas agrícolas nas terras dos imóveis, entrando e saindo dos mesmos quando quer e à vista de todos, permitindo a entrada e permanência de quem entende nas referidas propriedades, utilizando os imóveis para pastagens, sendo el que tem a chave do portão que dá acesso à propriedade.

A ré contestou, por exceção, sustentando que nenhum dos contratos de arrendamento e subarrendamento respetivamente foi comunicado ao serviço de Finanças respetivo, o que permite concluir que se trata de contratos forjados e, por isso, inválidos, não podendo produzir quaisquer efeitos, e por impugnação.

O tribunal de primeira instância convidou a autora a pronunciar-se sobre a exceção invocada pela ré, o que aquela fez, defendendo a improcedência da exceção, designou data para a realização de audiência prévia e, no âmbito desta, proferiu despacho-saneador, fixou o valor da ação e conheceu do pedido.

I.2.

A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:

«1. A interpretação da norma do artigo 824º, n.º 1 e 2, do Código Civil admite interpretações diversa daquela que foi acolhida pela decisão recorrida.

2. Assim sendo, entendemos que o entendimento do Tribunal deveria ter sido diferente e deveria ter considerado que os contratos de arrendamento e de subarrendamento ainda que constituídos depois do registo de hipoteca não caducam, uma vez que tais situações não se encontram previstas nos vários números do artigo 824° do Código Civil.

3. No caso concreto, a veracidade da nossa interpretação é mais evidente, pois a recorrida jamais se insurgiu contra os contratos em apreço, mormente qualificando-os de menos valia ou entendendo que deles decorre um prejuízo para si.

3. A este propósito entendemos que o preceito legal deveria ser interpretado no sentido de manutenção do vínculo contratual, dado que, de facto, o artigo 1057º do Código Civil prevê a possibilidade de transmissão de arrendamento.

4. A Lei não estabelece nenhuma disposição que determine que o contrato de arrendamento ou subarrendamento deve, necessariamente, cessar no caso de locação ter sido constituída antes de penhora ou após a constituição e da hipoteca que deu azo à venda em hasta pública na sequência de processo executivo, que foi o caso».

I.3.

A recorrida apresentou alegações que culminam com as seguintes conclusões:

«a) Os imóveis dos autos foram adquiridas em venda judicial em 13.07.2016, conforme decorre da prova constante dos autos;

b) Nos termos do disposto no art. 824° do C. Civil, a venda em execução é feita livre e desonerada dos direitos de garantia que onerem os imóveis bem como de todos os direitos reais;

c) O arrendamento e o subarrendamento que se discutem nos autos, foram celebrados em 2.10.2012 e 28.06.2013, respetivamente, sendo que a hipoteca de que a Recorrida era beneficiária e que deu origem à execução hipotecária em que ocorreu a venda dos imóveis, tem data de registo de 30.05.2008, isto é, de cerca de 5 e 4 anos antes, respetivamente;

d) Consequentemente, os alegados arrendamento e subarrendamento nunca seriam oponíveis à Recorrida, por ter adquirido os imóveis em venda judicial, em execução hipotecária, cujo registo de hipoteca tem data anterior aos mencionados contratos de arrendamento e subarrendamento alegadamente celebrados;

e) É hoje pacífico que qualquer contrato de arrendamento ou de subarrendamento celebrado após a constituição do direito real de hipoteca é inoponível, quer ao credor exequente, quer ao adquirente em venda executiva, caducando nos termos do n° 2 do art. 824° do Código Civil;

f) Assim o afirma a doutrina que atribui ao contrato de arrendamento natureza real, defendendo a tese de que o contrato de arrendamento em causa caduca com a venda em execução quando, como ocorreu no presente caso, é celebrado após o registo da hipoteca, ou após o registo de garantia, na expressão do n° 2 do art. 824° do Código Civil, como refere o Prof. Oliveira Ascensão, com abundante e brilhante argumentação, em "Parecer" publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 45, pág. 345 e seguintes, assim como em "As Relações Jurídicas Reais", pág. 230 e "Direitos Reais", pág. 519;

g) Perfilham igualmente a mesma tese outros ilustres professores de Direito, como Paulo Cunha in "Direitos Reais", pág. 227, Dias Marques, em "Prescrição Aquisitiva", pág. 218, Menezes Cordeiro em "Direitos Reais", Vol. 11, pág. 980 e Mota Pinto in "Direitos Reais", pág. 147;

h) O Acórdão do STJ de 3/12/1998, BMJ 482, 1999, decidiu muito corretamente que "Na expressão 'direitos reais' constantes do art. 824°, n° 2, do Cód. Civil inclui-se, por analogia, o arrendamento, registado ou não";

i) E no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 6/7/2000, refere que ''(. .. ) a venda judicial, em processo executivo de fração hipotecada faz caducar o seu arrendamento, não registado, quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca, por na expressão "direitos reais" mencionada no art. 824°, n° 2, do CC se incluir, por analogia, aquele arrendamento";

j) Conforme perfilha o Tribunal a quo, a tese realista do arrendamento, igualmente seguida pela Recorrida e pela generalidade da jurisprudência, entende que qualquer contrato de arrendamento ou de subarrendamento celebrado após a constituição do direito real de hipoteca é inoponível, quer ao credor exequente, quer ao adquirente em venda executiva, caducando nos termos do n° 2 do art. 824° do Código Civil;

k) Entendimento jurisprudencial este que foi já vertido em Lei no Dec-Lei n° 38/2003, de 8.03 que alterou o art. 819° do Código Civil, o qual passou a estatuir expressamente que "sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados";

l) Consequentemente, no caso dos presentes autos, os contratos de arrendamento e subarrendamento, são muito posteriores ao registo da hipoteca a favor da Recorrida o que determina a caducidade de tal relação de arrendamento ao abrigo do n° 2 do art. 824° do C. Civil;

m) Razão pela qual, outra não podia ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual nenhuma censura ou reparo merece a sentença sob recurso, na medida em que fez uma correta aplicação do direito aos factos, devendo ser integralmente confirmada.»

I.4.

O recurso interposto pela autora foi recebido pelo tribunal a quo.

Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.

As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.

A única questão que cumpre decidir é a seguinte: saber se os contratos de arrendamento e subarrendamento, respetivamente, que tiveram por objeto os dois imóveis hipotecados melhor identificados nos autos, caducaram, ou não, por força da venda judicial efetuada no âmbito do processo executivo, em conformidade com o regime previsto no art. 824.º, n.º 2, do Código Civil.

Como nos dão conta o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.05.2019, processo n.º 701/16.1T8PTG-C.E1 (relator Rui Machado Moura) e o acórdão do STJ de 18.10.2018, processo n.º 12/14.7TBEPS-A.G1.S2, ambos publicados em www.dgsi.pt., a questão sob análise, nos últimos anos, tem sido decidida, uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que com a venda judicial de imóvel hipotecado que haja sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, o direito do respetivo locatário caduca nos termos do art. 824.º, n.º 2, do Código Civil.

Para além do acórdão do STJ acima mencionado, encontrámos na jurisprudência daquele Tribunal, entre outros, os seguintes acórdãos que decidiram em sentido idêntico:

- O acórdão de 09.01.2018, processo n.º 732/11.8TBPDL-A.L1S1, em cujo sumário se escreveu: «[…] III. A venda judicial, em processo executivo, de um prédio hipotecado faz caducar o seu arrendamento, não registado, mas sujeito a registo, quando celebrado, posteriormente, à constituição e registo da aludida hipoteca, ainda que, em data antecedente à do registo da penhora, em virtude de, quanto a esta última situação, na expressão “direitos reais”, constante do art. 824.º, n.º 2, do CC, se incluir, por analogia, a situação do arrendamento. IV - O locatário de prédio sujeito a registo, mas não registado, não é titular de um direito oponível e prevalente sobre a coisa penhorada na execução, com hipoteca constituída e registada, em data anterior à do contrato de locação, a favor do adquirente do bem em venda executiva, ou seja, de um direito que, nos termos do estipulado pelo art. 824.º, subsista após esta, não sendo aplicável ao caso a previsão do art. 1057.º, ambos do CC, transmitindo-se o bem adquirido, em venda judicial, pelo credor com garantia real, seu novo proprietário, livre e desembaraçado, do ónus locatício»;

- O acórdão 16.09.2014, processo n.º 351/09.9TVLSB.L1.S1, no qual se escreveu: «A primeira e principal questão reporta-se, como definido na decisão que admitiu o respetivo recurso e a enuncia o Recorrente, ao destino do contrato de arrendamento celebrado posteriormente ao registo de hipoteca, e antes da penhora, perante a venda executiva do imóvel objeto desse contrato, isto é, se contrato de locação caduca ou se se mantém oponível ao adquirente do imóvel.

Como nos autos se encontra abundantemente refletido, quer por referência das Partes quer por via de citação nas decisões proferidas pelas Instâncias, a questão proposta não é inteiramente líquida, tanto na doutrina como na jurisprudência.

No Supremo Tribunal de Justiça, as decisões mais recentes (relativas, pelo menos, aos últimos 5-6 anos) vão, ao que se conhece, na generalidade no sentido de que a venda judicial do imóvel hipotecado faz caducar o contrato de arrendamento que tenha por objeto esse imóvel, por dever considerar-se abrangido pela norma do n.º 2 do art. 824º do Código Civil.

Esta Conferência posiciona-se também nesse entendimento (não sem que se diga que o ora relator já subscreveu, enquanto adjunto, diferente posição no acórdão de 27/3/2007, posição que, entretanto, reconsiderou tendo em atenção, que, não obstante manter o entendimento de que o arrendamento não assume a natureza de um direito real, a tese que então se acolheu, porventura mais fiel aos princípios e conceitos convocáveis, não é a que melhor responde às exigências de justiça nem aos interesses teleologicamente detetáveis no referido n.º 2 do art. 824º, cujo espírito ou ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos (cfr., também agora neste sentido, P. ROMANO MARTINEZ, “Da Cessação do Contrato”, 321). Assim sendo, ter-se-á por afastada a taxatividade das causas de caducidade do contrato de arrendamento com assento no art. 1051º C. Civil, considerando que o mesmo também pode caducar, entre outras causas – atente-se, v.g., no caso de impossibilidade da prestação (art. 795º CC), como apreciado no ac. desta Conferência de 08/5/2013 – proc. 9304/09.6YYPRT-A.P1.S1) -, por via da aplicação do art. 824º-2 citado, bem como a regra emptio non tollit locatum, que o art. 1057º, também do C. Civil, acolhe ao prever, ipso jure, a transmissão da posição jurídica do locador para o novo adquirente quando se transmita o bem com base no qual foi celebrado o contrato, inaplicável em caso de venda executiva […]»;

- O sumário do acórdão de 18.10.2018, processo n.º 12/14.7TBEPS-A.G1.S2, tem o seguinte teor: «I. O contrato de arrendamento, na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do respetivo proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito ao regime previsto no art. 824º, nº 2 do Código Civil, cujo espírito ou ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos. II. Não se trata, porém, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto neste art. 824º, nº 2 a direitos de natureza obrigacional, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção. III. A interpretação dada ao nº 2 do art. 824º do Código Civil, no sentido de que o mesmo abrange também o contrato de arrendamento, é a que melhor responde às exigências de justiça e aos interesses teleológicos nele subjacentes, na medida em que assegura um equilíbrio adequado e proporcional entre os vários interesses em jogo: o interesse do proprietário do bem hipotecado, em celebrar o contrato de arrendamento; o interesse do arrendatário, que sabe ou pode saber pela publicidade registral que o bem objeto do arrendamento está sujeito à execução e o interesse do credor hipotecário, que não vê o bem hipotecado sofrer desvalorização em consequência do arrendamento. IV. A relação locatícia estabelecida após constituição de hipoteca sobre o imóvel objeto do contrato, por aplicação do art.824º, nº 2, do Código Civil, caduca automaticamente com a venda do imóvel arrendado no processo executivo, inviabilizando, por isso, a dedução dos embargos por parte do arrendatário, de harmonia com o disposto no art. 344º, nº 2, 2ª parte, do CPC»;

- O sumário do acórdão de 22.10.2015, processo n.º 896/07.5TBSTS.P1.S1 refere: «IV. Quer se considere a dimensão real do arrendamento quer tão só e apenas a dimensão obrigacional do contrato que o substancia, o que importa é definir se o ónus ocorreu antes ou depois do arresto, penhora ou garantia com os quais o credor/exequente se protegeu. V - O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo uniformemente que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca caduca o direito do respetivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC»;

- No acórdão de 09.07.2015, processo n.º 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1 decidiu-se também que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respetivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC.

Na doutrina, o mesmo entendimento é defendido, entre outros, por Rui Pinto e pelo prof. Oliveira Ascensão.

Refere o primeiro dos autores mencionados: «[…] na verdade, o arrendamento que seja posterior à garantia prioritária não pode deixar de caducar, seja qual for a natureza jurídica que se lhe possa atribuir. É que se for um direito real menor de gozo não poderia deixar de ser assim, como já se viu; se for um direito pessoal de gozo, por maioria de razão, caducará por extinção do objeto da prestação.

E efetivamente, como escreveu Vaz Serra, “não há razão para o submeter a regime diferente do aplicável aos direitos reais”. Na verdade, não se pode deixar de considerar que a regra do art. 1057.º CC não é absoluta e conhece os mesmos limites para tutela dos credores e adquirentes – terceiros à relação locatícia – que os próprios direitos reais sofreriam. In casu, a caducidade ex vi art. 824.º, n.º 2, CC.

Em consequência, no plano processual o preceito substantivo do art. 1057.º CC não pode, senão, implicar que se dê à locação um tratamento semelhante ao de um direito real de gozo menor em sede de relação com a venda executiva. Em termos simples: a locação não pode ter um regime mais favorável, nem mais desfavorável que um direito real de gozo menor. Por isto, se a locação do bem penhorado for anterior à garantia prioritária, o art. 1057.º CC dita a permanência da locação mesmo após a venda executiva. O adquirente passará, então, a ser o novo locatário, e a locação será um ónus do prédio.

Já se a locação for posterior à garantia prioritária, caducará ex vi art. artigo 824.º, n.º 2, CC.»[1]

Oliveira Ascensão, a partir do teor e ratio dos arts. 1057.º, 695.º e 824.º, n.º 2, todos do Código Civil, conclui que o arrendamento está contido no art. 824.º, n.º 2, do Código Civil. Escreveu aquele ilustre professor: «A lei admite que os bens hipotecados sejam arrendados, permitindo que o hipotecador deles tire proveito, mas só o admite porque o arrendamento caduca nos casos de venda judicial. A isso leva a teleologia do art. 695.º, que ficaria frustrada se o arrendamento não ficasse compreendido entre as onerações que se preveem. […]. O art. 824.º, n.º 2, com a sua referência dos direitos reais quer abranger aquelas mesmas onerações que atingem a posição real adquirida pelo credor hipotecário. Os direitos que aqui se referem são necessariamente direitos que seguem a coia, de maneira a serem oponíveis ao adquirente dos bens. São necessariamente direitos inerentes. Sejam, ou não, direitos reais, só os direitos inerentes são oponíveis ao adquirente dos bens em processo executivo.

[…] o arrendamento é um direito inerente e isto sempre abstraindo da sua qualificação como direito real. Pois assim se traduz a sua característica de gravar quem quer seja o titular do gozo do prédio. Se a lei quer que os bens passem livres dos direitos que os oneram, assegurando o valor dos bens em processo executivo, seria incompreensível que deixasse subsistir o arrendamento […]. O art. 1057.º do CC tornou o arrendamento um direito inerente, seja qual for a precisa estrutura jurídica do fenómeno que desenhe. Em consequência, não pode deixar de ficar submetido ao art. 824.º/2»[2].

A orientação supra referida é aquela que melhor conjuga os interesses em jogo e respeita a ratio dos arts. 824.º, n.º 2 e 695.º, ambos do Código Civil que, por conseguinte, perfilhamos. Com efeito, ela permite, por um lado, que o proprietário do bem continue a retirar vantagens económicas do mesmo apesar de este ser objeto de garantia, e, por outro, não diminui o valor do bem no caso da sua venda em processo executivo porque a oneração em que se traduz o arrendamento não é oponível ao credor hipotecário. Ademais, sendo a hipoteca objeto de registo, também o arrendatário tem a possibilidade de tomar conhecimento de que o bem que pretende tomar de arrendamento está onerado com hipoteca e de acautelar, em conformidade, os seus interesses.

Retornando ao caso em apreço, resulta dos autos que a hipoteca que incide sobre ambos os prédios em causa nos autos foi registada em 30.05.2008 (cfr. documento n.º 5 anexo à contestação) e que os contratos de arrendamento e de subarrendamento foram outorgados, respetivamente, em 02.10.2012 e 28.06.2013, logo em momentos posteriores ao do registo da hipoteca. Por conseguinte, por força do art. 824.º, n.º 2, do Código Civil aquelas relações locatícias caducaram com a venda dos referidos imóveis no processo de execução que correu os seus termos sob o n.º 122/13.8TBARL, no Juízo de Execução de Montemor-o-Novo.

Logo, nenhuma censura merece a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que, por isso, se mantém.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação da recorrente (…), mantendo-se a sentença recorrida.

As custas de parte na presente instância recursiva são da responsabilidade da recorrente (arts. 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º, 533.º ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).

Notifique.

DN.

Évora, 30 de janeiro de 2020

Cristina Dá Mesquita

José António Moita

Silva Rato

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[1] A Ação Executiva, 2019, AAFDL Editora, pp. 906-907.

[2] Locação de bens dados em garantia-natureza jurídica da locação, ROA, ano 45, volume II, Setembro.