Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
434/10.2 TMFAR-B.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REDUÇÃO DE PENSÃO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na fixação dos alimentos deverá o juiz considerar, não apenas o estrito montante pecuniário em dado momento auferido pelo devedor, mas antes considerar toda a sua situação patrimonial, incluindo a sua capacidade laboral ou potencialidades para desenvolver uma actividade geradora de rendimentos.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 434/10.2 TMFAR-B.E1
Comarca de Faro
Juízo de Família e Menores de Faro – Juiz 2


I. Relatório
Por apenso à acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor (…), nascida em 5/9/2004, veio o progenitor (…) instaurar incidente de alteração tendo em vista a redução da prestação alimentar para montante não superior a € 500,00, acrescida de 50% com as despesas consideradas extraordinárias, designadamente as respeitantes a matrícula, seguro escolar, material escolar, vestuário escolar, medicamentos e tratamentos clínicos devidamente comprovados, invocando como fundamento a alteração da condição económica da requerida, sendo por outro lado irrazoável que as despesas da menor atinjam os montantes que tem vindo a entregar à progenitora e que ao longo do ano de 2010 atingem uma média de € 1.065,00 mensais.
O assim requerido foi liminarmente indeferido, despacho que veio a ser revogado por douto acórdão deste mesmo Tribunal da Relação datado de 8/11/2012 (cf. fls. 234 a 245).
*
Citada a requerida, apresentou alegações nas quais impugnou a factualidade invocada pelo requerente, pedindo a final alteração da prestação para mais, pretendendo a sua fixação em montante não inferior a € 1.000,00 mensais, mantendo-se a participação nas despesas, atendendo ao aumento dos rendimentos do progenitor e condição de saúde da menor, que disse afectada por um problema de intolerância alimentar, com reflexo no custo da sua alimentação.
*
Tendo sido instaurado pela progenitora em 8.7.2013 incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, apenso a que coube a letra F, foi esta notificada em 23 de Abril de 2014, após prolação da decisão no apenso D, para informar nos autos se aceitava a redução da pensão alimentícia, ao que respondeu nos termos que constam de fls. 327, aqui tendo declarado aceitar a redução para o montante de € 500,00 desde que o pai liquidasse as despesas em dívida e continuasse obrigado ao pagamento de metade das despesas escolares, médicas, extracurriculares (educação física/musical) e meios auxiliares de diagnóstico.
Notificados os progenitores para juntarem ao processo acordo quanto a alimentos, veio o requerido, por requerimento de fls. 331-332 (entrado em juízo em 29 de Maio de 2014), e invocando a drástica redução dos seus rendimentos, requerer a redução da prestação alimentícia para o valor de € 300,00 mensais, assim tendo resultado inviabilizado o acordo.
De seguida, e tal como ficou a constar da decisão recorrida, analisados os documentos apresentados pelas partes e explicitados os critérios adoptados pelo tribunal, foi elaborada a tabela de fls. 428 e 429, tendo-se apurado encontrar-se em dívida o montante de € 5.308,06.
Na sequência de tal apuramento, e a instâncias do Tribunal, o pai declarou concordar em alcançar acordo, fixando-se a prestação alimentícia em € 750,00 mensais, abrangendo as despesas que pudessem surgir, sem que de futuro houvesse necessidade de acerto de contas com apresentação de faturas. Disponibilizou-se ainda a devolver o reembolso das despesas de saúde à requerida, caso esta remetesse os originais para apresentação na ADSE.
No decurso da audiência e tentado mais uma vez o acordo, declarou a progenitora acordar na redução da pensão de alimentos para € 500,00 mensais, acrescida de metade das despesas escolares e médicas, mediante a liquidação do passivo existente.
O progenitor contrapôs que, concordando a progenitora em reduzir a pensão, ficaria desonerado do pagamento do passivo, porquanto os efeitos retroagiriam à data de propositura da ação, interpretação que não foi aceite pela requerida.
Ainda por insistência do Tribunal, visando findar o processo por acordo, aceitou a progenitora que a pensão de alimentos fosse fixada no valor de € 750,00, abrangendo todas as despesas, desde que o pai liquidasse o passivo, fixando-se este em € 10.000,00, o que não foi aceite por este, assim resultando inviabilizado, mais uma vez, eventual acordo dos progenitores.
*
Realizou-se a audiência de julgamento abrangendo os presentes autos de incidente de alteração requerida pelo progenitor e o incidente de incumprimento suscitado pela progenitora no apenso F, vindo a final a ser proferida douta sentença que decretou como segue:
“a) no presente apenso de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (redução da pensão de alimentos), julgo totalmente improcedente por não provada a pretensão do requerente;
b) no incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais (apenso F):
1- Fixo o montante das despesas em dívida no valor de € 12.468,63.
2- Determino que o progenitor proceda ao pagamento da quantia em dívida em seis prestações no valor de € 2.078,11 ou, em alternativa, no pagamento imediato do todo o valor;
3- Determino que enquanto a criança estiver a frequentar o estabelecimento de ensino particular o progenitor proceda ao pagamento directamente junto da instituição do valor correspondente a metade da mensalidade, seguro de saúde, mensalidades, fardas, visitas de estudo, livros, material escolar, apoio, escola virtual.
4- Determino que caso o progenitor não liquide os montantes mencionados em 1. a 3., seja descontada dos seus rendimentos a quantia mensal máxima permitida por lei e prevista no art.º 738.º, nº 4 do CPC parte final, incluindo nesse desconto a prestação mensal (que neste momento se cifra em € 790,00), e o remanescente canalizado para liquidação do passivo até integral pagamento; a partir do momento em que o passivo seja liquidado continuará a ser descontada a prestação mensal acrescida de pelo menos mais € 150,00 mensais para liquidar metade das despesas escolares (caso a … continue a estudar em colégio particular), “sendo ainda condenado numa multa de 2 (duas UCs por cada ano de atraso) unidades de conta pelo incumprimento (art.º 41.º, n.º 1, do RGPTC)” (sic).
*
Inconformado, apelou o requerente e, tendo desenvolvido nas alegações os fundamentos da sua discordância com a decisão, formulou a final as seguintes necessárias conclusões:
“A. A Douta Sentença de que ora se recorre julgou totalmente improcedente a acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (ARERP) intentada pelo ora Recorrente, contra a ora Recorrida, relativamente à filha menor de ambos, actualmente com 13 anos, (…).
B. Na referida acção de ARERP o Recorrente peticiona, tão só e apenas, que a prestação alimentícia a que está obrigado seja reduzida – do seu valor actual de € 790,00 mensais (e que era de € 731,11 mensais à data da instauração desta acção) – para um valor máximo de € 500,00 mensais, “acrescido de 50 % com as despesas consideradas extraordinárias, nomeadamente respeitantes a matrícula, seguro escolar, material escolar, vestuário escolar, medicamentos e tratamentos clínicos, devidamente comprovados.”.
C. Salienta-se que, “tudo somado”, temos que o progenitor, ora Recorrente, despende actualmente, com a referida pensão de alimentos e os indicados “acréscimos”, um valor variável, mas geralmente sempre superior a € 1.150,00 mensais, ou seja, mais de dois salários mínimos nacionais.
D. Antes de mais, e considerando que a referida acção de ARERP deu entrada em 24/09/2010 e que a Douta Sentença recorrenda só foi proferida no pretérito dia 03/07/2017, sem que nada nos autos permita minimamente justificar uma tão grande demora, de quase sete anos (!), na prolação de tal Decisão, entende o Recorrente que esse Venerando Tribunal da Relação poderá e deverá pronunciar-se expressamente sobre este facto, reconhecendo que, no caso presente, foi manifestamente violado o direito do Recorrente a ver a sua pretensão julgada e decidida num prazo razoável, conforme se prescreve, entre outros, no artigo 20.º, n.º 4 (primeira parte), da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, parágrafo 1.º, da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (CEDH) e no artigo 2.º, n.º 1, do anterior Código do Processo Civil (CPC de 1961), norma esta rigorosamente idêntica à do artigo 2.º, n.º 1, do actual CPC (CPC de 2013), ambas aqui aplicáveis, vis a vis o disposto no artigo 161.º da Organização Tutelar de Menores (OTM) e no artigo 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) – tudo com os fundamentos de facto e de direito melhor enunciados supra, nos artigos 1.º a 19.º desta peça processual.
E. De todo o modo, ainda que se entendesse não ter sido violado o referido direito do Recorrente a ver a sua pretensão julgada e decidida num prazo razoável, ainda assim esse Venerando Tribunal sempre terá de dar como provado que, no caso presente, foi claramente violado, pelo Tribunal a quo, o dever de celeridade processual, ínsito no artigo no artigo 6.º do CPC – desde logo porque os autos estiveram parados, nesse Tribunal, igualmente sem qualquer justificação, em diversos períodos de tempo que variaram desde semanas até quase três anos.
F. No que concerne especificamente à pretendida, pelo Recorrente, redução da pensão de alimentos, permitimo-nos transcrever aqui o entendimento de JOÃO PAULO REMÉDIO MARQUES (em “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores)”, Coimbra Editora, Maio de 2007, 2.ª edição, p. 103): «(…) a prestação alimentícia é variável e modificável, em função do equilíbrio, constantemente reequacionável, que não pode deixar de fazer-se entre os seguintes parâmetros: necessidade do credor e possibilidade do devedor (…)»,
G. Sendo que, nesta matéria, dispõe-se no artigo 2004.º do Código Civil que «Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.”; assim, nesta acção de ARERP haveria que, antes de mais, apurar, com o maior rigor, quais são os meios de ambos os progenitores e quais as necessidades da menor.
H. Ora, quanto aos meios do progenitor /Recorrente, estão comprovados nos autos através das cópias das Declarações apresentadas na Autoridade Tributária para efeitos de IRS, e respectivos documentos de liquidação, respeitantes aos anos de 2010 a 2015, bem como também através de cópias dos recibos de vencimento mais recentes (na data em que foi efectuado o julgamento), sendo que tais declarações, conforme melhor delas consta, abrangem TODOS os rendimentos auferidos pelo Recorrente, quer enquanto trabalhador por conta de outrem, quer enquanto profissional liberal, ou mesmo na sua qualidade de sócio de uma sociedade por quotas prestadora de serviços médicos.
I. Já no concerne às cópias das Declarações para efeitos de IRS que a Recorrida juntou aos autos, e apesar de algumas se mostrarem parcialmente ilegíveis, das mesmas constam os rendimentos auferidos pela Recorrida enquanto trabalhadora por conta de outrem e enquanto profissional liberal, mas não constam os rendimentos por ela auferidos enquanto sócia única, e gerente, da sociedade “(…) – CENTRO DE ESTUDOS DE HIGIENE E SEGURANÇA NO TRABALHO, LDA.”, que posteriormente passou a denominar-se de “(…) – FORMAÇÃO PROFISSIONAL UNIPESSOAL, LDA.”.
J. Assim, por exemplo, e apenas enquanto gerente da referida “…” (não contando, pois, com os rendimentos da sua actividade como trabalhadora por conta de outrem e enquanto profissional liberal), a Recorrida auferiu, no ano de 2009, uma remuneração mensal de cerca de € 5.200,00, conforme melhor se comprovou na Petição Inicial (PI) deste processo, através das cópias da respectiva “Prestação de Contas Individual”, que então entregámos como Docs. 13 a 15 daquela PI (cfr. os mesmos no “CITIUS”, sob a referência n.º 216736).
K. Deste modo, e como na audiência de discussão e julgamento deste processo a progenitora, ora Recorrida, nada declarou relativamente aos rendimentos que auferiu na qualidade de sócia-gerente da actual “…” …nem sequer foi questionada pelo Tribunal a quo relativamente a tais rendimentos, não obstante os mesmos, como já se disse, terem sido expressamente referidos pelo agora Recorrente na PI que apresentou em Setembro de 2010…
L. É assim óbvio, pois, que o Tribunal a quo não poderia ter concluído, conforme fez na Douta Sentença recorrenda (cfr. a fls. 17 da mesma), que «(…) o rendimento do pai é muito superior ao da mãe (no ano de 2015, de acordo com a declaração de IRS, em cerca de onze vezes) (…)», pelo que incorreu num manifesto erro de julgamento.
M. Ademais, tal conclusão do Tribunal a quo relativamente aos rendimentos dos progenitores padece de muitas outras incongruências, conforme supra se assinalaram detalhadamente nos artigos 48.º a 59.º desta peça processual.
N. Sendo assim de concluir que, no que respeita aos meios de um da progenitora / Requerida, o Tribunal a quo não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 2004.º do Código Civil, pois que não apurou com rigor, e conforme legalmente podia e devia, TODOS os rendimentos daquela.
O. E dizemos “legalmente podia e devia”, porquanto, para dilucidar cabalmente esta questão dos rendimentos dos progenitores (e outras questões a que nos referiremos mais à frente), o Tribunal a quo bem que poderia, e deveria, por exemplo, ter ordenado a elaboração, pelos Serviços da Segurança Social, do competente inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais, e/ou outras diligências complementares, conforme previsto, respectivamente, nos artigos 178.º, n.º 3 e 179.º, n.º 2, vis a vis o disposto no artigo 182.º, n.º 4, in fine, todos da ex-OTM; ou, em alternativa, também poderia o Tribunal ter ordenado qualquer uma, ou várias, das diligências previstas nas alíneas a), c), d) e e), do n.º 1, do artigo 21.º, por força do disposto no artigo 39.º, n.º 5, vis a vis o disposto no artigo 42.º, n.º 5, todos do RGPTC.
P. De resto, também ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 986.º do Código de Processo Civil (CPC), vis a vis o disposto no artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC, poderia o Tribunal a quo «(…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (…)», e poderia fazê-lo oficiosamente, independentemente, pois, de requerimento das partes nesse sentido; mas também nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 1, do CPC, igualmente vis a vis o disposto no artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC, e após «Encerrada a audiência final, (…) se não se julgar suficientemente esclarecido, juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.».
Q. Não obstante… e conforme decorre desde logo da própria Douta Sentença recorrenda, o Tribunal a quo não ordenou nenhuma daquelas diligências e/ou meios de prova, sendo que, conforme bem se percebe, as mesmas eram essenciais à descoberta da verdade e à justa composição deste litígio.
R. Por outro lado, e no que concerne às necessidades actuais da alimentanda, temos que, na Douta Sentença aqui recorrida, consta, entre os “Factos Provados com interesse para a decisão”, o n.º 10, onde se lê que «A progenitora refere ter em média os seguintes gastos com o sustento da filha:
- 26,52 € / dia, ou seja, 795,60 € / mês com a alimentação;
- 1.265,50 € / ano, ou seja, 105,50 € / mês com o vestuário e o calçado;
- 36,83 € / mês com produtos de higiene;
- 200 € / mês (num total de 600 € / 3 pessoas) com a renda de casa;
- 33,33 € / mês (num total de 100 € / 3 pessoas) com despesas domésticas (água, luz e gaz);
- 23,30 € / mês (num total de 69,90 € / 3 pessoas) com TV e internet;
Tudo no total de 1.194,56 € / mês.».
S. Ora, a verdade é que a progenitora, e aqui requerida, não fez rigorosamente nenhuma prova (nem sequer testemunhal) de que efectivamente despendesse com o sustento da menor, em média, aquela importância de 1.194,56€ / mês, e de que o seu agregado familiar fosse composto por três pessoas, sendo que o Tribunal a quo, para dar esses factos como provados, fundamentou-se, exclusivamente, nas declarações orais da progenitora, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento.
T. Não obstante, e curiosamente, na folha 17 da Douta Sentença recorrenda até se afirma que «(….) a progenitora apresenta gastos muito elevados nos itens relativos à alimentação (795,60 € / mês), ao vestuário e ao calçado da filha (105,50€ / mês). (…) relativamente ao vestuário e ao calçado, não se duvidando que a progenitora adquira a quantidade de peças referenciadas, considera-se excessivo esse gasto considerando até a circunstância de a (…) frequentar um colégio onde usa farda. (…)»…
U. Ou seja: talvez que com esse seu “desabafo” o Tribunal a quo tenha querido traduzir a perplexidade que nos causa o facto de a progenitora de uma menor (13 anos!) nos pretender fazer crer que só com o sustento dessa menor – exceptuadas, pois, as suas despesas de educação, saúde e outras – despende um valor superior a dois salários mínimos nacionais (e que ultrapassa mesmo os três salários mínimos nacionais, se incluirmos também aquelas despesas)… pois que é manifesto que esse valor não é razoável e afasta-se, e bastante, dos padrões de normalidade das necessidades dos jovens da mesma idade da alimentanda.
V. De resto, e como (mais um) exemplo da irrazoabilidade demonstrada pela Recorrida quanto aos alegados custos com o sustento da menor, veja-se que: declarou ela que despende, com a factura dos serviços de internet e televisão, o valor mensal de 69,90 €, o que, segundo ela, a dividir pelos três membros do agregado, perfaz 23,30 € mensais – sendo que o Tribunal a quo deu tais números como provados (vide, na Douta Sentença recorrenda, no já mencionado n.º 10 dos “Factos provados”)… mesmo sem ter sido apresentada nenhuma factura desses serviços.
W. Porém… ainda que a progenitora efectivamente despenda mensalmente tal quantia por esses serviços (e para isso basta que tenha também subscrito, por exemplo, um ou vários dos canais desportivos, que são geralmente “pagos à parte”), a verdade é que, numa rápida consulta ao portal da ANACOM (In https://www.anacom.pt/tarifarios/CombinadosResultadosConsulta.do#res. Neste site consta, por exemplo, que a VOFAFONE disponibiliza um “pacote” de TV (com um mínimo de 100 canais, podendo chegar a 145) + NET (de fibra, a 100/100 Mbps) + Voz (telefone fixo, com 3.000 minutos de chamadas gratuitas, para todos os números fixos começados por 2 ou 3), tudo por um valor mensal de 28,90 €), facilmente se constata que os tarifários dos “pacotes” de base dos serviços conjuntos de internet, televisão e telefone fixo (com, pelo menos, 2000 minutos de chamadas gratuitas) que são actualmente disponibilizados pelos vários operadores de telecomunicações custam, em média, cerca de 30,00 € mensais, o que, a dividir pelos quatro membros do agregado (pois que não são apenas três), daria 7,50 € por cada (e não os tais 23,30 € referidos pela progenitora).
X. E assim chegamos à dúvida sobre o número de pessoas do agregado familiar da Recorrida: é que, já depois de realizada a audiência de julgamento (de 17/05/2017), chegou ao conhecimento do Recorrente que o agregado familiar da progenitora, diversamente do que esta declarou, é composto por quatro, e não por três pessoas.
Y. Deste modo, entende o Recorrente que, também nesta parte – apuramento das concretas necessidades da alimentanda e até mesmo de qual a composição do agregado familiar da mesma – o Tribunal a quo andou mal, desde logo por não ter, conforme legalmente podia e devia (vide o que já dissemos acima, acerca desta expressão), ter diligenciado oficiosamente, no sentido de obter as informações e esclarecimentos pertinentes que, como bem se compreende, não poderiam ser prestados apenas pela principal interessada no desfecho desta acção, a progenitora.
Z. E, ao assim proceder, o Tribunal a quo incorreu noutro notório erro de julgamento, ao dar como provado, sem fundamento bastante para tal, os apontados factos – tudo conforme melhor se explicita nos artigos 29.º a 47.º desta peça processual.
AA. Noutro âmbito, temos que o Tribunal a quo também deu como provado, através de uma pseudo “prova documental” apresentada pela progenitora, então requerida, que a menor padece de intolerância alimentar, e que «A requerida, para fazer face às intolerâncias alimentares da filha e / ou alergias alimentares, tem de proceder à substituição desses alimentos por outros de valor alimentar equivalente, mas mais dispendiosos (…)» – vide nos “Factos Provados – n.ºs 8 e 9”, na folha 5 da Douta Sentença recorrenda.
BB. Só que… ao dar tais factos como provados, o Tribunal a quo cometeu um terceiro e igualmente notório erro de julgamento, pois que, em bom rigor, a por ele (Tribunal) alegada “prova documental” em que se baseou (o doc. de fls. 286 a 297 dos autos) não passa de uma mera fotocópia, a preto e branco, de um auto-intitulado “ESTUDO DA INTOLERÂNCIA ALIMENTAR – Teste A 200”, com 3 + 9 páginas, que, alegadamente, terá sido efectuado em Maio de 2013 à menor (…), então com 8 anos, num Laboratório de Análises Clínicas de nome “...”, sem que nesse documento (precisamente por se encontrar a preto e branco) se percepcionem minimamente as diversas cores com que são “classificados” os alimentos, segundo o seu grau de intolerância; mas, muito mais grave do que “isso”, tal “ESTUDO” (que, afinal, é o resultado de uma simples análise ao sangue!) não está assinado por ninguém, não se indica nele o nome de nenhum responsável técnico, científico, ou outro e, ademais, nem sequer se indicam, nesse documento, os contactos (morada, telefone, correio electrónico), nem tampouco o número de identificação fiscal, desse Laboratório de Análises Clínicas / “...” onde o referido “ESTUDO” terá sido efectuado.
CC. Ao que acresce o facto (que, pelos vistos, o Tribunal a quo incompreensivelmente ignorou!) de que a progenitora / recorrida nunca apresentou nenhuma prescrição médica (se é que esta alguma vez existiu) para tal “ESTUDO” / análise ao sangue, como também nunca apresentou nenhum relatório, declaração, atestado, ou outro documento médico de valor equivalente, que validasse – como diagnóstico médico que, forçosamente teria de existir – o tal resultado analítico de intolerância alimentar.
DD. Por outro lado, mesmo que as irregularidades acima apontadas não se verificassem, e esse “ESTUDO” estivesse assinado pelo seu autor e validado por um diagnóstico formal e expresso, efectuado por um médico (porque de um acto médico se trata um tal diagnóstico)… se atendermos ao facto, indesmentível, de que a análise ao sangue em que tal “ESTUDO” se consubstancia foi efectuada em 17/05/2013, é assim óbvio e manifesto – trata-se mesmo de um facto notório! – que o resultado daquela análise nunca poderia ser utilizado como prova válida, como foi, para fundamentar a Douta Sentença recorrenda, proferida em 03/07/2017 – ou seja, mais de quatro anos após ser realizada tal análise e sem que resultado desta tivesse sido confirmado (ou infirmado) por outra(s) análise(s) mais recente(s).
EE. Tanto mais que, conforme até é afirmado por muitos dos laboratórios de análises clínicas que efectuam os referidos “Estudos de Intolerância Alimentar”, este tipo de intolerância (não confundir com alergia alimentar), regra geral, é passageira e temporária, pelo que «(…) os alimentos podem voltar a ser inseridos na dieta, de forma gradual, após 6 meses. (…)».
FF. De todo o modo, e ainda acerca de tais “Estudos de Intolerância Alimentar”, é de salientar que a própria Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) já se pronunciou, há alguns anos, designadamente nestes termos assaz inequívocos: «(…) os testes supracitados não têm qualquer fundamentação científica, não têm utilidade diagnóstica e a sua realização e interpretação no âmbito clínico podem configurar elementos de má prática, não devendo igualmente receber qualquer tipo de comparticipação pelos sistemas de saúde. (…)».
GG. Ademais, tal entendimento daquela SPAIC é reiterado pela generalidade dos especialistas desta área (mormente alergologistas, imuno-alergologistas, endocrinologistas, nutricionistas), que defende que tais testes não têm nenhuma credibilidade ou fiabilidade, carecendo totalmente de evidência científica e que não passam de um “mero negócio”, ou mesmo de pura charlatanice, para enganar os mais incautos.
HH. Consequentemente, e por tudo o mais que alegou supra, nos artigos 60.º a 81.º desta peça processual, o aqui Recorrente não entende (será que alguém consegue entender?) como é que a Douta Sentença recorrenda deu como provado que a menor (…) “sofre de diversas intolerâncias e / ou alergias a determinados alimentos”, e que tal patologia implica mais gastos da progenitora com alimentação de substituição, tudo com base, apenas e só, nas declarações da recorrida e no mencionado “ESTUDO DA INTOLERÂNCIA ALIMENTAR – Teste A 200”, de Maio de 2013, e sem nenhuma Declaração ou Atestado médico que confirme tal diagnóstico… sendo certo que, nas circunstâncias supra relatadas, tal prova deve ser considerada NULA ou, no mínimo, INEFICAZ.
II. Logo, e como bem se compreende, com base nessa prova inválida não podia a Douta Sentença recorrenda ter mantido, como manteve, a pensão de alimentos a pagar à menor no seu valor actual de 790,00 €, considerando, entre outros fundamentos, o referido acréscimo de despesas com a alimentação daquela…
JJ. Por tudo quanto antecede e, designadamente, atendendo às concretas e reais necessidades da alimentanda e aos meios e possibilidades dos progenitores, entende o Recorrente que, conforme inicialmente foi por ele peticionado há já quase sete anos, a pensão de alimentos a pagar por ele deveria ter sido substancialmente reduzida, e fixada, pelo Tribunal a quo, no valor máximo de 500,00 € / mensais.
KK. Acresce salientar que este mesmo valor de 500,00 € / mensais de pensão de alimentos a pagar pelo Recorrente até foi também proposto (e por três vezes!) pela própria Recorrida, nos termos melhor explicitados supra, nos artigos 82.º a 94.º destas alegações de recurso.
LL. De resto, o Tribunal a quo também poderia ter optado por fixar um outro valor de pensão que, ademais, até já merecera a aceitação prévia, ainda que condicionada, da progenitora, a saber: 750,00 € / mensais, com “tudo incluído” – ou seja, sem mais qualquer acréscimo para despesas de educação e saúde; porém, desconhece igualmente o Recorrente por que motivo é que o Tribunal a quo não se decidiu por esta alternativa.
MM. Ou seja, na audiência de julgamento deste processo os progenitores chegaram a um “quase-acordo” quanto à redução da referida pensão de alimentos (para os já referidos 500,00 € mensais, ou 750,00 mensais, consoante houvesse, ou não, o tal acréscimo de metade das despesas de educação e saúde a considerar)…
NN. … sendo que só não houve mesmo tal acordo porque, nessa ocasião, o Recorrente não concordou com todas as condições então propostas pela progenitora para subscrever formalmente o dito cujo acordo.
OO. Porém, através da Douta Sentença recorrenda o Recorrente foi condenado a cumprir TODAS aquelas condições propostas pela Recorrida (que se consubstanciavam em lhe serem pagos, pelo progenitor, os montantes em dívida, respeitantes a metade das despesas de educação e saúde da alimentanda)…mas, incompreensivelmente, o Tribunal a quo manteve inalterado, nos seus 790,00 € mensais actuais, o valor da pensão de alimentos!
PP. Temos assim que, no caso presente, é patente que o Tribunal a quo, ao manter em € 790,00 mensais o valor da pensão de alimentos a pagar pelo Recorrente, não respeitou o disposto, entre outras normas legais (e não só), no artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil; não obstante, e em bom rigor, o Tribunal até que poderia ter-se “afastado”, na Douta Decisão recorrenda, dos estritos critérios legais… e ter decidido apenas segundo critérios de equidade – só que, neste caso, é igualmente evidente que não respeitou critérios alguns e produziu uma Sentença que, com todo o respeito, nos permitimos qualificar de arbitrária e, no mínimo, muito pouco ponderada.
QQ. Deste modo, tendo o Tribunal a quo valorado provas que, legalmente, não poderia, nem deveria, ter valorado; tendo também omitido diligências que, legalmente, poderia e deveria ter ordenado; e, ademais, não levando sequer em conta a vontade de ambos os progenitores de que fosse reduzida aquela pensão, ainda que sob condição, condição essa, aliás, que o Tribunal a quo impôs (condenou) que o progenitor cumprisse… mas sem lhe conceder a peticionada redução da referida pensão…
RR. A Douta Sentença recorrenda assim proferida pelo Tribunal a quo, além de ser manifestamente ilegal, é claramente injusta – pelo que deve a mesma ser (parcialmente) revogada pelo Venerando Tribunal ad quem e substituída por outra Decisão, certamente bem mais Douta que a anterior, e que, na parte respeitante à pensão de alimentos a pagar à menor, conceda a redução requerida pelo progenitor e fixe o valor dessa pensão em € 500,00 mensais, acrescida de metade das despesas com a educação e saúde da menor; ou, em alternativa, fixe o valor dessa pensão em € 750,00 mensais, sem que o progenitor tenha mais nada a pagar a título, designadamente, de despesas com a educação e saúde – tudo conforme infra se requer”.

Concluiu pedindo que, no provimento do recurso, fosse dado “como provado que, no caso presente, foi manifestamente violado o direito do Recorrente a ver a sua pretensão julgada e decidida num prazo razoável, pelo que verificou-se assim uma violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 (primeira parte), da Constituição da República Portuguesa; no artigo 6.º, parágrafo 1.º, da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (CEDH); e no artigo 2.º, n.º 1, do anterior Código do Processo Civil (CPC de 1961) e/ou no artigo 2.º, n.º 1, do actual CPC (CPC de 2013), vis a vis o disposto no artigo 161.º da Organização Tutelar de Menores (OTM) e / ou no artigo 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC)”, dando-se igualmente “como provado que, no caso presente, foi igualmente manifestamente violado, pelo Tribunal a quo, o dever de celeridade processual, ínsito no artigo no artigo 6.º do CPC”, “devendo ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo (na parte que respeita ao Apenso “B” destes Autos) e, nessa conformidade, reduzido o valor da pensão de alimentos que está actualmente a ser paga pelo Recorrente (no valor de € 790,00 mensais), para um valor máximo de € 500,00 mensais, “acrescido de 50 % com as despesas consideradas extraordinárias, nomeadamente respeitantes a matrícula, seguro escolar, material escolar, vestuário escolar”.
*
Contra alegaram a requerida e o D. Magistrado do M.P., pugnando ambos pela manutenção do decidido, tendo aquela alegado, para além do mais, que à conduta do próprio requerente se ficou a dever, em grande parte, a demora na prolação da decisão final.
*
Questão prévia: delimitação do objecto do recurso
Como se vê do teor das transcritas conclusões e pretensões a final formuladas, pretende o apelante que este Tribunal de recurso dê por assente a violação do seu direito a obter uma decisão em prazo razoável, resultado da infracção ao disposto nos art.ºs 20.º, n.º 4 (primeira parte), da Constituição da República Portuguesa, artigo 6.º, parágrafo 1.º da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (CEDH), artigo 2.º, n.º 1, do anterior Código do Processo Civil (CPC de 1961) e/ou no artigo 2.º, n.º 1, do actual CPC (CPC de 2013), “vis a vis” o disposto no artigo 161.º da Organização Tutelar de Menores (OTM) e/ou no artigo 33.º n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e ainda o art.º 6.º do CPC.
A questão agora suscitada de forma inovadora em sede de recurso não poderá, desde já se adianta, ser aqui conhecida, e isto por duas ordens de razão fundamentais que a seguir se exporão.
Assim, e antes de mais, impondo-se reconhecer que, objectivamente, tendo o requerimento de alteração dado entrada em juízo em 24/9/2010 e sido objecto de decisão em primeira instância em Julho de 2017 estamos perante um longo período de tempo, tal demora, conforme é sabido, não afecta o valor da decisão que veio a ser proferida a final, pelo que eventual declaração deste Tribunal no sentido pretendido seria absolutamente inócua, sem reflexo na decisão da causa.
Por outro lado, e decisivamente, da mera análise destes autos, sabendo-se que o processo contempla pelo menos 6 apensos (o incidente de incumprimento assumiu a letra F), o que indicia elevado grau de litigiosidade entre as partes, e que pelo menos alguns estavam a ser tramitados em simultâneo, não é possível concluir que apenas aos serviços se ficou a dever o retardamento na prolação de decisão, sendo ainda de destacar, a este propósito, as diversas tentativas levadas a cabo pelo Tribunal no sentido de obter o – sempre desejável – acordo dos progenitores abrangendo as diversas questões que se debatiam nos diferentes apensos, o que terá motivado a sua discussão conjunta e a prolação de uma única decisão, abrangendo os incidentes de alteração e incumprimento.
Deste modo, quer porque a questão suscitada não assume, no âmbito destes autos, pertinência, não sendo o recurso a sede própria para apreciar a pretensão só agora deduzida nas alegações, quer porque o presente apenso não disponibiliza todos os elementos que será necessário ponderar em ordem a concluir pela eventual violação daquele direito do recorrente, abstém-se o Tribunal de proceder à sua apreciação.
*
Nas alegações apresentadas invocou ainda o apelante deficiências instrutórias, tendo o tribunal, em seu entender, inobservado o princípio do inquisitório, omitindo a realização de diligências pertinentes para o cabal apuramento da factualidade pertinente, omissão que conduziu ao cometimento de erro de julgamento no que se refere ao apuramento dos gastos efectuados pela requerida com a menor sua filha, o que determinaria a nulidade da sentença recorrida (cf. art.ºs 42.º a 47.º das alegações para que remete a al. Z) das conclusões).
Conforme é sabido, as causas de nulidade da sentença são as taxativamente previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, nelas não se contemplando, nem o erro de julgamento nem a insuficiência da matéria de facto para a decisão, que, podendo determinar a respectiva anulação ao abrigo dos poderes mitigados de cassação do Tribunal da Relação (cf. art.º 662.º, n.º 2, al. c) in fine do CPC) não tem a virtualidade de afectar o valor formal da decisão.
Deste modo, e considerando os fundamentos invocados pelo recorrente, impõe-se concluir que a decisão proferida não padece do invocado vício.
*
Atendendo a quanto vem de ser exposto e ao teor das conclusões, pelas quais se fixa e delimita o objecto do recurso, constituem únicas questões a decidir:
i. indagar da verificação do imputado erro de julgamento no que respeita aos factos dados por assentes na sentença recorrida sob os n.ºs 8., 9. e 10; e
ii. determinar se se verificam os pressupostos da alteração da prestação alimentar a cargo do requerente.
*
i. O apelante, como se vê do teor das conclusões, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto no que à factualidade vertida nos pontos 8., 9. e 10. diz respeito, sustentando ter ocorrido claro erro de julgamento, uma vez que a prova para tanto considerada – declarações da progenitora e relatório constante de fls. 286 a 297 – não assume consistência bastante para suportar a decisão.
A recorrida progenitora pronunciou-se no sentido do recurso dever ser rejeitado nesta parte, por inobservância dos ónus prescritos no art.º 640.º do CPC. Mas sem razão o fez.
Com efeito, resultando claro das conclusões quais os factos impugnados e sentido em que, no entender do recorrente, deveria ter sido proferida decisão, certo é também que expôs e desenvolveu nas alegações, sede própria para o efeito, os argumentos nos quais estriba o imputado erro de julgamento, não se impondo, para tanto, que procedesse à localização das declarações, tendo por referência a gravação efectuada, uma vez que, conforme resulta dos termos da decisão, os meios probatórios considerados foram apenas, e conforme o recorrente destaca, as declarações da progenitora e o citado documento, tendo ainda a Mm.ª juíza feito apelo às “regras da experiência”.
Sendo portanto de conhecer a impugnação deduzida, estão em causa os seguintes factos:
“8. A (…) sofre de diversas intolerâncias e/ou alergias a determinados alimentos, designadamente ao trigo, à cevada, à aveia, à clara de ovo e ao leite (doc. fls. 286 a 297).
9. A requerida, para fazer face às intolerâncias alimentares da filha e/ou alergias alimentares, tem de proceder à substituição desses alimentos por outros de valor alimentar equivalente, mas mais dispendiosos (declarações da progenitora conjugadas com o doc. de fls. 286 a 297 e as regras da experiência comum).
10. A progenitora refere ter em média os seguintes gastos com o sustento da filha:
- 26,52 € / dia, ou seja, 795,60 €/mês com a alimentação;
- 1.265,50 €/ ano, ou seja, 105,50 €/mês com o vestuário e o calçado;
- 36,83 €/mês com produtos de higiene;
- 200 €/ mês (num total de 600 € : 3 pessoas) com a renda de casa;
- 33,33 €/ mês (num total de 100 € : 3 pessoas) com despesas domésticas (água, luz e gaz);
- 23,30 €/ mês (num total de 69,90 € : 3 pessoas) com TV e internet;
Tudo no total de 1.194,56 €/mês”.
Começando a apreciação da impugnação por este último ponto dir-se-á, liminarmente, que se trata de factualidade sem préstimo para a decisão a proferir[1]. Com efeito, dar-se como assente apenas e tão só que a requerida mãe referiu ter determinados gastos com o sustento da filha não significa que esses gastos sejam reais e efectivos pois, caso contrário, a Mm.ª juíza teria feito consignar que a requerida mãe suportava os descritos gastos, ainda que para tanto tivesse considerado como meio de prova exclusivo as declarações da própria, dependendo obviamente da credibilidade que, quanto a este aspecto, lhe merecessem. Sucede, porém, que ao dar como assente apenas e tão só que a requerida mãe declarou suportar tais gastos a Mm.ª juíza retirou qualquer relevância ao facto, por não se saber se ficou ou não convencida da realidade de tal afirmação.
Por outro lado, vistos os elementos constantes dos autos, verifica-se que nenhuma outra prova – documental ou por testemunhas – foi oferecida no sentido da confirmação das alegadas despesas com alimentação, vestuário, produtos de higiene, habitação, água, luz e gás, tv ou internet, sem embargo de se encontrar demonstrado, o que o recorrente não questiona, que vem sendo a requerida mãe a providenciar pela satisfação das necessidades da menor ao nível da alimentação, aqui se incluindo todos os referidos aspectos. Deste modo, e reconhecendo em parte a razão do recorrente, altera-se a factualidade constante do ponto 10., que passará a ser a seguinte: “A menor reside com a requerida mãe, que providencia pela sua alimentação, aquisição de produtos de higiene, vestuário e calçado, despendendo a este título montante não apurado”.
A este respeito impõe-se ainda observar a irrelevância da dúvida suscitada pelo recorrente quanto ao número de pessoas que integrarão o agregado familiar da requerida (cf. al. X) das conclusões). Com efeito, sobre o facto só agora trazido aos autos não foi produzida qualquer prova – o próprio recorrente não parece ter o mesmo como certo- pelo que não poderá obviamente ser aqui objecto de ponderação.
No que se refere aos pontos 8. e 9., louvou-se a Mm.ª juíza, em exclusivo, no doc. de fls. 286 a 297 e declarações da progenitora, tendo feito ainda apelo às regras da experiência comum para dar como provado que a requerida se vê forçada a substituir alguns alimentos por outros de valor alimentar equivalente, que são mais dispendiosos.
No que a estes pontos da matéria de facto diz respeito, cumpre esclarecer previamente que, contrariamente ao que o recorrente parece pressupor, não se trata de factos carecidos de prova documental, nomeadamente de declaração médica. Deste modo, inexistindo norma que limite os meios de prova permitidos, não pode afirmar-se que estamos perante prova nula ou proibida. Não obstante, não pode deixar de se reconhecer a justeza e pertinência das objecções que dirige ao dito relatório, desconhecendo-se efectivamente quem prescreveu a realização de tal estudo de tolerância alimentar, se os resultados foram objecto de validação por banda de clínico da especialidade e o que é que foi prescrito na sequência de tal validação. Tais elementos, naturalmente indispensáveis para que se pudesse tomar o referido “estudo” em linha de conta, não os trouxe a requerida aos autos, tendo-se limitado a alegar que a menor carece de se submeter a análises regulares que têm um elevado custo – sendo certo, porém, que o único estudo junto se reporta ao ano de 2013, contava a menor 8 anos de idade – e que a substituição dos alimentos não permitidos acarreta um acréscimo do custo da alimentação da ordem dos € 300,00 mensais.
Ora, sem deixar de ter presente que as declarações de parte são meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, não pode igualmente olvidar-se que na sua apreciação deve o julgador rodear-se das maiores cautelas, por ser próprio da condição humana ceder à tentação de oferecer uma versão dos factos favorável à sua pretensão. E tais cautelas, num processo com as características do presente, devem ser ainda maiores, dado que os progenitores da menor há anos que se encontram em conflito aberto, do que dá conta a pluralidade de apensos nascidos da regulação do exercício do poder paternal.
Deste modo, considerando que as declarações da progenitora não foram, a este respeito, corroboradas por qualquer outro meio de prova -e seria naturalmente fácil a junção aos autos de documentos comprovativos da prescrição das referidas análises, bem como do subsequente relatório de clínico da especialidade e aquisição dos tais dispendiosos produtos alimentares substitutivos- para lá do facto de o único documento junto datar do ano de 2013, desconhecendo-se portanto se a situação, ainda a ter-se verificado, se mantém, conclui-se pela insuficiência da prova produzida para sustentar a factualidade vertida nos pontos 8. e 9., que aqui se têm por não provados.
*
II. Fundamentação
De facto
Estabilizada, é a seguinte a factualidade a atender:
1. (…) nasceu em 5.9.2004 e encontra-se registada como filha de (…) e (…) (doc. fls. 69 do apenso A).
2. Por decisão da CRC foi homologado o acordo celebrado entre os pais, em 15.2.2005, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente:
“(…) Para fazer face às despesas com o sustento da menor, o pai pagará à mãe uma prestação mensal de € 650,00 (…) a actualizar anualmente conforme as taxas legais em vigor. (…)
Serão divididas em partes iguais as despesas médicas, escolares e todas as que se refiram à educação da menor” (fls. 7 do processo principal).
3. Apesar de o acordo ter sido celebrado no ano de 2005 requerente e requerido voltaram a viver juntos e separaram-se definitivamente em Junho/Julho de 2009 (sentença fls. 538 do apenso A).
4. Em 20.1.2010 foi emitida uma declaração pelo centro Infantil “Associação dos Amigos e Naturais do (…), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual consta nomeadamente o seguinte:
Declaramos, para efeitos de IRS, ter recebido durante a totalidade do ano de 2009 do(a) Exmo Sr(a). (…) a quantia de: € 947,50, pela frequência do nosso Centro Infantil do seu educando: (…)” (doc. fls. 32).
5. Ambos os progenitores entenderam matricular a (…) no Colégio (…) em Olhão (declarações da progenitora e alegações do pai no art.º 12º a fls. 6).
6. A criança foi matriculada no ensino pré-escolar do Colégio (…), em Olhão, no mês de Janeiro de 2010 (doc. fls. 33).
7. O atual agregado familiar da requerida/requerente é composto por si, pela filha e companheiro (declarações da progenitora).
8. e 9. Eliminados.
10. A menor reside com a requerida mãe, que providencia pela sua alimentação, aquisição de produtos de higiene, vestuário e calçado, despendendo a este título montante não apurado.
11. Em sede de julgamento foram apreciados, individualmente, os documentos apresentados pelos progenitores no apenso F, relativo a incumprimento de alimentos instaurado contra (…), tendo o Tribunal considerado parcialmente os valores reclamados nos termos seguintes:









12. A progenitora juntou ao apenso F as faturas de fls. 113 v a 152 tendo-se procedido à sua análise e considerados os seguintes elementos:


13. A criança continua a frequentar o estabelecimento de ensino particular Colégio (…) em Olhão (declarações da progenitora conjugado com os recibos emitidos por aquela juntos).
14. A progenitora pensa em abdicar de manter a filha a estudar no Colégio (…), encontrando-se a ponderar inscrever a (…) no ensino público (declarações progenitora).
15. A (…) frequenta equitação, o conservatório, o ballet e tem acompanhamento psicológico (declarações da progenitora).
16. Em Fevereiro de 2010 a pedopsiquiatra Dr.ª (…) encaminhou a criança para consultas de psicologia clínica (fls. 258 do apenso C; despacho de fls. do apenso C).
17. A (…) actualmente beneficia novamente de consultas de psicologia com uma regularidade acrescida, porquanto, no dizer da mãe, encontra-se a passar uma fase de pré-adolescência complicada, tendo a psicóloga da jovem (Dr.ª …) sugerido dever a jovem manter-se a frequentar o ensino particular (declarações da progenitora).
18. Em 24.4.2012, no apenso C, o progenitor foi condenado a pagar à ali requerente/mãe metade das despesas de saúde e escolares no período compreendido entre 14.7.2010 e 18.5.2011 num total de € 4.286,46 (despacho de fls. 230 a 233).
19. O progenitor voltou a não pagar as despesas de saúde e de educação a partir de Junho de 2011 (cfr. alegações da mãe a fls. 3 do apenso F).
20. Nos anos de 2011, 2012 e 2013 o salário base do progenitor na (…) foi de 2.394,69 € tendo, ainda, auferido retribuições acessórias conforme mapas de fls. 307 a 309 (doc. fls. 306 a 309).
21. No ano de 2011 o pai declarou auferir um rendimento bruto de € 70.166,32 (fls. 311 ss do apenso B-Vol II).
22. No ano de 2012 o pai declarou auferir o rendimento bruto de € 80.814,00 (fls. 314 ss do apenso B-Vol II).
23. No ano de 2013 o pai declarou auferir o rendimento bruto de € 65.089,50 (fls. 384 ss do apenso B-Vol II).
24. No ano de 2014 o pai declarou auferir o rendimento bruto de € 79.738,93 (fls. 388 do apenso B-Vol II).
25. No ano de 2015 o pai declarou auferir o rendimento bruto de € 140.613,89 (fls. 394 ss do apenso B-Vol II).
26. No ano de 2010 a mãe declarou à técnica da segurança social auferir um rendimento de cerca de € 4.000,00 por mês, tendo declarado no IRS ter auferido € 68.647,38 ilíquidos anuais proveniente de rendimentos do trabalho dependente, acrescendo o valor declarado de € 105.000,00 do valor da venda de um imóvel (fls. 308 ss do apenso A-Vol II e 432 a 437 deste apenso).
27. No ano de 2011 declarado para efeitos de liquidação de IRS ter auferido o rendimento bruto anual de € 38.605,62 (fls. 442 do apenso B-Vol II).
28. No ano de 2012 a mãe declarou auferir um rendimento bruto anual de € 26,434,55 proveniente de trabalho dependente (fls. 417 v e ss do apenso B-Vol II).
29. No ano de 2013 a mãe declarou auferir um rendimento bruto anual de € 47.048,40 (fls. 419 v e segs do apenso B-Vol II).
30. No ano de 2014 a mãe declarou auferir o rendimento bruto anual de € 16.924,52 (fls. 421 v e ss do apenso B-Vol II).
31. No ano de 2015 a mãe declarou auferir o rendimento bruto anual de € 12.814,32 (fls. 424 e ss do apenso B-Vol II).
31.a) A entidade pagadora da requerida mãe, a que corresponde o nr. de contribuinte (…), foi em todos os anos abrangidos pelas declarações a (…) – Centro de Estudos de Higiene e Segurança no trabalho, Lda., de que a ora apelada era sócia e a única gerente, actualmente com a denominação de (…) formação profissional unipessoal, Lda” (facto aditado ao abrigo do disposto no art.º 607.º, n.º 4 do CPC, aplicável aos acórdãos ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 663.º do CPC, atento o teor das declarações de rendimentos e docs. 13 a 15 juntos com a petição inicial).
32. Actualmente a prestação alimentícia mensal a cargo do requerido cifra-se em € 790,00 (cfr. cláusula da actualização; despacho de fls. 230 do apenso C e índice de preços ao consumidor publicados pelo INE), suportando ainda metade das despesas com saúde e educação da menor devidamente comprovadas.
*
B. Factos não provados
Os restantes alegados nomeadamente que:
A mensalidade do colégio faça parte integrante da prestação de alimentos devida à (…) (art.º 13 de fls. 6);
A (…) frequentasse a escola pública, tendo passado a frequentar o ensino particular por opção exclusiva da progenitora;
A menor sofra de diversas intolerâncias e/ou alergias a determinados alimentos – designadamente ao trigo, à cevada, à aveia, à clara de ovo e ao leite (doc. fls. 286 a 297).
- A requerida, para fazer face às intolerâncias alimentares da filha e/ou alergias alimentares, tenha de proceder à substituição desses alimentos por outros de valor alimentar equivalente, mas mais dispendiosos;
- A progenitora suporte em média os seguintes gastos com o sustento da filha:
- 26,52 € / dia, ou seja, 795,60 €/mês com a alimentação;
- 1.265,50 €/ ano, ou seja, 105,50 €/mês com o vestuário e o calçado;
- 36,83 €/mês com produtos de higiene;
- 200 €/ mês (num total de 600 € : 3 pessoas) com a renda de casa;
- 33,33 €/ mês (num total de 100 € : 3 pessoas) com despesas domésticas (água, luz e gaz);
- 23,30 €/ mês (num total de 69,90 € : 3 pessoas) com TV e internet, no total de 1.194,56 €/mês”.
*
De Direito
Da alteração da prestação alimentícia
Pese embora a decisão proferida tenha abrangido também o incidente de incumprimento suscitado pela progenitora da menor (apenso F), o apelante restringiu o recurso ao segmento da decisão que negou a sua pretensão de ver a prestação alimentar reduzida, insistindo nesta via de recurso que deverá ser fixada em montante não superior a € 500,00, continuando a suportar “50% com as despesas consideradas extraordinárias, designadamente as respeitantes a matrícula, seguro escolar, vestuário escolar, medicamentos e tratamentos clínicos, devidamente comprovadas”.
O requerente e ora apelante fundamentou o pedido de alteração na circunstância de a prestação lhe ter sido exigida pela requerida com base numa situação de insuficiência de rendimentos para sustentar a menor, o que se veio a verificar não corresponder à verdade, mais alegando que tem vindo a despender a título de prestação montantes superiores a € 1.150,00, o que se afigura excessivo, considerando que a progenitora se encontra igualmente obrigada.
Nos termos do art.º 42.º do RGPTC anexo à Lei 141/2015, de 8 de Setembro, e aplicável aos presentes autos (cf. art.º 5.º) “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais” (cf. n.º 1), impondo-se portanto apurar se ocorreu ou não alteração das circunstâncias existentes à data da fixação, por acordo, da prestação alimentar que justifiquem a sua alteração no sentido pretendido pelo recorrente.
No caso vertente os progenitores da menor (…) chegaram a acordo no ano de 2005, contava a menor 5 meses de idade, tendo então ficado estabelecido que “(…) Para fazer face às despesas com o sustento da menor, o pai pagará à mãe uma prestação mensal de € 650,00 (…) a actualizar anualmente conforme as taxas legais em vigor. (…)
Serão divididas em partes iguais as despesas médicas, escolares e todas as que se refiram à educação da menor”.
O assim acordado ficou todavia de alguma forma suspenso, uma vez que requerente e requerido reataram depois disso a vida em comum, vindo a separar-se definitivamente em Junho/Julho de 2009, altura em que o acordo tornou a vigorar, vindo o progenitor a dar entrada do incidente de alteração que agora se aprecia no ano imediato e com os fundamentos indicados.
Não estando em causa, por não alegada, qualquer diminuição nos gastos da menor – o que seria difícil de configurar, porquanto, ressalvadas situações excepcionais, os gastos tenderão a aumentar com o crescimento – teria o recorrente que fazer prova da alegada alteração da situação económica da progenitora. A este respeito alegou – v. art.º 60.º do requerimento inicial – que a prestação de alimentos lhe foi exigida com base na insuficiência de rendimentos da progenitora para sustentar a menor. Tal facto, refira-se, não foi objecto de impugnação por parte da requerida na resposta apresentada, tendo-se antes limitado a refutar que fossem equivalentes os rendimentos de um e outro dos progenitores à data, que o requerente despendesse valores superiores aos que a própria suporta no que respeita à satisfação das necessidades da menor, assinalando finalmente que “uma coisa seria o salário por si auferido e outra, bem diferente, os eventuais resultados financeiros de uma sociedade da qual era apenas sócia e gerente”.
Comprovado está ainda, por força das declarações de rendimentos que pela requerida vieram a ser apresentadas, que efectivamente, e pelo menos desde 2010, vem beneficiando de rendimentos do trabalho dependente prestado para a sociedade (…), Lda., da qual era sócia e única gerente, e que surge sempre como sendo a entidade pagadora. Os rendimentos por si auferidos sofreram todavia uma evolução acentuadamente negativa, passando de € 68.647,38 ilíquidos no ano de 2010 – no qual declarou ainda a venda de um imóvel pelo valor de € 105.000,00 – para € 38.605,62 em 2011; € 26,434,55 no ano de 2012; € 47.048,40 em 2013, sofrendo uma redução drástica nos anos de 2014 e 2015 sem que os autos forneçam qualquer indício quanto às razões que conduziram um trabalhador dependente, porque de trabalho dependente se trata, a ver o seu salário reduzido para ¼ no espaço de 2 anos, invertendo a tendência de recuperação que então se verificava, pese embora se trate de sociedade de que a requerida era então a sócia e única gerente. De todo o modo, considerando que, em bom rigor, não refutou quanto foi alegado pelo requerente quanto à sua situação à data em que foi celebrado o acordo de regulação e verificando-se que pelo menos desde 2010 aufere proventos do seu trabalho que lhe permitem participar na satisfação das necessidades da menor sua filha, existe fundamento para que se aprecie a requerida alteração da prestação alimentar então fixada.
No que se refere aos rendimentos do trabalho auferidos pelo requerido, a que haverá naturalmente que deduzir os impostos e contribuições devidos e que atingem uma percentagem de quase 50% como se vê das declarações juntas, tendo registado pouca variação entre 2010 e 2014, sofreram um aumento muito substancial no ano de 2015, desconhecendo-se no entanto se se trata de ganhos extraordinários e não repetíveis ou de uma tendência duradoura. De todo o modo, e mesmo considerando os anos anteriores, estamos perante um rendimento líquido mensal da ordem dos € 6.500,00, bastante superior portanto ao da progenitora a qual, em todo o caso, reúne condições para prestar o seu contributo.
Cumpre aqui referir, a propósito, que que na fixação dos alimentos deverá o juiz considerar, não apenas o estrito montante pecuniário em dado momento auferido pelo devedor, mas antes considerar toda a sua situação patrimonial, incluindo a sua capacidade laboral ou potencialidades para desenvolver uma actividade geradora de rendimentos, conforme a requerida já demonstrou conseguir fazer com êxito.
Conforme é sabido – di-lo a lei com clareza – por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo também a instrução e educação do alimentado no caso deste ser menor (cf. art.º 2003.º do CC[2], nos seus n.ºs 1 e 2).
A medida dos alimentos é fixada de acordo com o binómio necessidades do alimentado e possibilidades do devedor de alimentos (cf. art.º 2004.º), devendo ainda revestir a forma de prestações pecuniárias mensais (artigo 2005º, nº 1, do CC), salvo se, por acordo, os pais decidirem de outro modo ou se aquele que for obrigado a prestar alimentos mostrar que os não pode pagar como pensão mas somente em sua casa e companhia (artigo 2005º, nº 2).
No que se reporta ao dever dos progenitores proverem ao sustento dos filhos encontra-se expressamente previsto no art.º 1878.º, por cujos termos compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes e prover ao seu sustento.
A obrigação de prestar alimentos ao filho menor a cargo dos progenitores, conforme resulta do antes citado art.º 2003.º, contempla não apenas a satisfação das necessidades básicas do alimentando, mas ainda o necessário à promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional, devendo ainda ser fixada em montante que assegure o nível de vida de que gozava enquanto ainda beneficiava do convívio de ambos os progenitores.
Por outro lado, recaindo as responsabilidades parentais sobre ambos os progenitores em condições de plena igualdade (cf. art.º 36.º, n.º 2, da CRP), daqui não decorre, “(…) porém, no que especificamente concerne à obrigação alimentar, que cada progenitor contribua com “rigorosamente metade” do necessário ao sustento e manutenção dos filhos. Sobre cada progenitor impende o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição – cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas. Aliás, se os menores ficarem apenas a cargo da mãe (ou do pai), a quem passaram a ser exigidos todos os cuidados, tarefas e sacrifícios com a assistência e o acompanhamento diários daqueles, sempre se justifica, por regra, que a contribuição do progenitor que não detém a guarda seja de montante substancialmente superior à do outro”[3].
De regresso ao caso dos autos, e considerando que na decisão deverão ser considerados os elementos mais recentes que o tribunal tiver ao seu dispor, estamos na presença de uma menor com 13 anos de idade, ao que se apurou sem necessidades especiais, com a eventual excepção constituída pelo acompanhamento de uma psicóloga que lhe tem vindo a ser disponibilizado.
Apurou-se ainda que o ora apelante suporta uma prestação no valor mensal actualizado de € 790,00, a que acresce o pagamento de metade das despesas com educação, médicas e medicamentosas, desde que devidamente comprovadas, sabendo-se que a este título suportou entre Julho de 2010 e Maio de 2011, o montante de € 4.286,46, numa média mensal de € 428,00, perfazendo portanto um total superior a € 1.200,00 mensais, montante que não será actualmente inferior.
A progenitora, por seu turno, para lá de dever suportar idêntico montante no que se refere às despesas com saúde e educação, providencia pela satisfação das necessidades de habitação da menor, aceitando-se que tal represente, segundo um critério de razoabilidade, um encargo de € 250,00/mês, aqui se incluindo os custos fixos atinentes à água, luz, gás, tv e net, conforme alegou, suportando deste modo sensivelmente metade do valor despendido pelo recorrente, despendendo os progenitores com a menor (…) o montante de € 1.878,00 mensais.
Pois bem, já se disse que os alimentos devidos aos menores devem permitir que este beneficie do padrão de vida de que gozava antes da ruptura da relação dos progenitores, participando naturalmente do nível de vida de que estes usufruem. Não obstante, a verdade é que as necessidades de uma criança com 13 anos são idênticas à de outra criança com a mesma idade, ainda que de origem mais humilde. Assim, poderá a (…) beneficiar, como efectivamente beneficia, da frequência de um estabelecimento de ensino privado, mas não carece de vestir mais roupa para se proteger do frio ou de tomar mais refeições, podendo obviamente uma e outras serem de diferente qualidade. Daqui decorre, já se antecipa, que o custo mensal total de € 1.878,00 se afigura efectivamente algo exagerado, mesmo considerando o nível retributivo dos progenitores. Com efeito, por mais privilegiada que seja a condição económica dos pais de uma criança, está sempre em causa a satisfação das suas necessidades e se, como referido, o critério de fixação da prestação não é o do estritamente indispensável, daqui não se segue que deva ser satisfeito todo e qualquer capricho do menor.
De todo o modo, e ainda a entender-se que o apurado montante corresponde ao necessário para cobrir as necessidades da menor (…), considerando aquele que tem sido o seu padrão de vida e o histórico remuneratório de ambos os progenitores, afigura-se não existir fundamento bastante para que a participação da progenitora se fixe em metade apenas do contributo do progenitor.
Ponderando quanto vem de se dizer, tendo presente que as despesas com a saúde e educação da menor são suportadas em partes iguais por requerente e requerida, os custos com a habitação, incluindo já tv e net, que se avaliaram em € 250,00 mensais, são inteiramente suportados pela progenitora, os restantes gastos com alimentação, vestuário, produtos de higiene, num critério de razoabilidade, e tendo já em atenção o padrão de vida que tem vindo a ser proporcionado à (…) não deverão ultrapassar os € 700,00 mensais, dos quais € 600,00 serão suportados pelo apelante e o restante pela requerida, justificando-se a diferenciação pela diferença de rendimentos percebidos por um e outra, com o que procede, ainda que parcialmente, o presente recurso. Esclarece-se, a propósito, que o tribunal não estava vinculado à proposta de acordo que chegou a ser discutida, nos termos da qual a prestação sofria uma redução para o montante de € 500,00, uma vez que em contrapartida a requerida formulava exigências que nunca foram aceites pelo recorrente (e não diziam apenas respeito às despesas cujo pagamento era reclamado no apenso F). De resto, a homologação de qualquer acordo, conforme é sabido, depende sempre da validação do tribunal à luz do interesse superior da criança, princípio norteador de qualquer decisão que se tome no âmbito desta jurisdição.
Em nota final, e pese embora em bom rigor o recorrente não tenha suscitado tal questão nas conclusões com que rematou o recurso, consigna-se ainda que, atendendo ao princípio da irrepetibilidade das prestações de alimentos, que vale igualmente para os alimentos definitivos (cf. art.º 2007, n.º 2, podendo ver-se no sentido do texto o acórdão do TRG de 25/1/2006, processo 2498/05-2, acessível em www.dgsi.pt), e impossibilidade de fazer operar a compensação mesmo em relação às prestações vencidas (cf. art.º 2008.º, n.º2, na sua parte final), a redução da prestação valerá apenas para o futuro.
Com efeito, e pese embora o n.º 2 do art.º 2007.º se reporte especificamente aos alimentos provisórios, pensamos que por maioria de razão tal solução valerá para os alimentos definitivos. Na verdade, se o legislador entendeu dever proteger o requerente de alimentos que viu reconhecido o seu direito no âmbito de um procedimento cautelar – no qual, como se sabe, o julgador dispõe apenas de prova perfunctória, satisfazendo-se com a aparência do direito, o “bonus fumus iuris” – subtraindo-o ao confronto com a obrigação de restituir o indevidamente recebido quando o reconhecimento do direito lhe vem finalmente a ser recusado no âmbito da acção principal, por maioria de razão merece protecção o credor de boa-fé que foi consumindo os alimentos antes fixados e recebidos na pendência de incidente de alteração que veio a decidir no sentido da sua redução[4].
*
III. Decisão
Em face a tudo o que se deixou exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, reduzindo a prestação alimentar a cargo do requerido para o valor de € 600,00 mensais, mantendo-se quanto ao mais a decisão apelada.
Custas a cargo de recorrente e recorrido na proporção de metade.
*
Évora, 12 de Abril de 2018
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Maria da Conceição Ferreira

__________________________________________________
[1] De que são igualmente exemplo os pontos 14. e 17. quando se aqui se alude ao “dizer da progenitora”, embora sem relevância para a decisão.
[2] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[3] Assim, Des. Amália Pereira dos Santos “O DEVER (JUDICIAL) DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS A MENORES”, acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/O-dever-judicial-de-fixacao-de-alimentos-a-menores.pdf
[4] Faz-se ainda notar que dos arestos citados pelo recorrente (nota 12 das alegações) nenhum diz respeito a repetição do indevido, nem tão pouco a casos em que tenha ocorrido redução da prestação antes fixada. E mesmo no aresto do TRL de 19/2/2013, proferido no processo 4861/08.7TBSXL.L1-1, no qual se concluiu que “A redução do montante da pensão alimentícia (decretada pela sentença recorrida) pode e deve produzir efeitos a partir da data da propositura da acção da alteração dos alimentos, de harmonia com a regra geral contida no art.º 2006.º do Código Civil” não se ocupou da, naturalmente diversa, questão da repetição do excesso de prestação.