Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MIGUEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS MENORES DECLARAÇÃO DILIGÊNCIAS DE PROVA | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | - A decisão que regula do exercício das responsabilidades parentais de forma provisória deve, nos termos do artigo 28.º, n.º 3, do RGPTC, ser precedida de uma averiguação sumária, nesta se compreendendo não mais do que as diligências que o Tribunal tenha por convenientes; - Se a jovem, com 14 anos, manifesta resistência ao contacto com os progenitores, é adequado o regime que, em linha com as providências tomadas previamente em sede de promoção e proteção, mantenha a residência da jovem junto de outro familiar e restrinja os convívios com os progenitores. - O Tribunal não está vinculado à posição expressa pela jovem aquando da sua audição, sendo todavia relevante e atendível a sua vontade, quando é ademais compatível com os factos dados como provados. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 142/24.7T8FAR-B.E1 - Recurso de Apelação Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Família e Menores de Faro - Juiz 1 Recorrente – (…) Recorridos – Ministério Público e (…) * Sumário: (…)** Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora* 1. RELATÓRIO1.1. O Ministério Público, por apenso ao processo de promoção e proteção com o n.º 142/24.7T8FAR, instaurado a favor da menor (…), nascida em 5 de Agosto de 2010, propôs Ação Tutelar Comum contra (…) e (…). Pede que: “- seja decretada a confiança da menor, aos cuidados de (…), com quem reside e em cujo agregado se encontra plenamente inserida, onde lhe têm sido assegurados os cuidados necessários ao seu normal desenvolvimento; - seja mantido pelos progenitores o exercício das responsabilidades parentais em tudo o que com a sua guarda/confiança não se mostre inconciliável, podendo visitar a menor mediante prévio contacto com a avó, sem prejuízo das suas actividades escolares e do seu descanso; - seja fixada uma pensão de alimentos a cargo dos progenitores, de acordo com as circunstâncias a averiguar”. Alega, em síntese que a jovem é filha dos requeridos, encontrando-se contudo a viver com a avó paterna. No âmbito do processo principal, em 09.02.2024, foi aplicada à jovem a medida de promoção e proteção de Apoio Junto de Outro Familiar – a avó paterna – com a duração de um ano, medida que foi declarada cessada em 10.02.2025 “por não subsistirem indicadores de perigo”. A jovem mantém-se, desde então, integrada no agregado familiar da avó paterna, a qual continua a prestar-lhe todos os cuidados e a assegurar as necessidades inerentes à sua saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento. A jovem pretende continuar a residir com a avó paterna e verifica-se um desligamento dos progenitores face à jovem. É necessário que sejam reguladas as responsabilidades parentais da jovem, permanecendo junto da avó para possa beneficiar de estabilidade e segurança ao contrário do que aconteceria caso voltasse a estar aos cuidados dos progenitores, atentas as fragilidades pessoais destes. Foi designada data para realização de conferência, na qual estiveram presentes a jovem, os progenitores e a avó paterna, os quais foram ouvidos. Na impossibilidade de acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, foi a solicitada a “elaboração de relatório sobre as condições de vida da avó paterna, da jovem e dos progenitores”. 1.2. A promoção do Ministério Público, por decisão de 27.05.2025, foi provisoriamente regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas à jovem, em síntese, nos seguintes termos: - a residência foi fixada junto da avó paterna, a quem incumbirá o exercício das responsabilidade parentais quanto aos atos da vida corrente da jovem, sendo a sua encarregada de educação. - as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da jovem serão exercidas pela avó paterna e por ambos os progenitores; - a jovem poderá conviver com ambos os progenitores aos fins de semana e/ou férias, sem pernoitas e respeitando a vontade/motivação da jovem, de modo a não comprometer o acompanhamento psicológico de que beneficia, - Os progenitores contribuirão com uma quantia mensal não inferior a € 200,00 (duzentos euros), a título de pensão de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta da avó paterna, que deverá indicar. - A referida quantia será anual e, automaticamente, atualizada, a partir de maio de cada ano, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo I.N.E., relativa ao ano anterior. - Os progenitores e a avó paterna suportarão na proporção de 1/3 para cada um, as despesas de saúde (médicas e medicamentosas), na parte não comparticipada, mediante a apresentação de cópia do respetivo recibo ou fatura, o mesmo sucedendo no tocante às despesas escolares da jovem com livros, material didático, matriculas e propinas, devendo quem efetua a despesa apresentar a fatura/recibo no prazo de 10 dias e o pagamento ser efetuado no mesmo prazo. Concomitantemente, foi determinada a realização de Audição Técnica Especializada. 1.3. O progenitor, inconformado com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo: “1- A decisão recorrida fixou, de forma provisória mas com efeitos práticos duradouros, a residência da menor (…) junto da avó paterna, com regime de convívios profundamente restritivo e condicionado à vontade da menor, sem pernoitas. 2- Tal decisão foi aceite pelos progenitores sem assistência jurídica, numa conferência de pais onde não estavam acompanhados por mandatários, o que viola o princípio do contraditório e o direito à informação e defesa. 3- A falta de apoio jurídico adequado feriu os princípios da igualdade de armas, do processo equitativo e do acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), vícios que comprometem a validade do acordo prestado em juízo. 4- Não foi realizada qualquer perícia psicológica ou avaliação imparcial e multidisciplinar aos progenitores, nem foi promovido incidente de inibição ou limitação das responsabilidades parentais. 5- A sentença ancorou-se essencialmente em relatórios sociais e declarações da menor e da avó, sem contraditório técnico nem prova pericial que sustente de forma objetiva e imparcial a suposta incapacidade parental. 6- A imposição de um regime de visitas condicionado à vontade da menor, sem pernoitas nem plano de reaproximação progressivo, é desproporcional, inaceitável e contrária aos princípios da intervenção mínima e do superior interesse da criança. 7- A decisão atribuiu à menor um poder excessivo sobre o regime de convívios, transferindo para esta uma carga emocional inadequada e promovendo, de facto, uma alienação parental judicialmente validada. 8- A residência junto da avó, inicialmente informal e provisória, foi convertida, sem base legal nem avaliação técnica, em regime de guarda de facto, violando o princípio da legalidade e da proporcionalidade. 9- A vontade da menor, embora relevante, não pode ser critério exclusivo da decisão, sobretudo quando há indícios de influência afetiva prolongada, sem que se tenha promovido a necessária avaliação psicológica da sua autonomia emocional. 10- A sentença recorrida enferma de múltiplas inconstitucionalidades, designadamente: violação do direito ao contraditório (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), do direito à prova, da imparcialidade da decisão, da proteção da vida familiar (artigos 36.º e 67.º da CRP) e do princípio da proporcionalidade. 11- A omissão de diligências instrutórias essenciais, como a realização de perícias aos progenitores e à menor, compromete a legalidade material da decisão e viola o princípio da proteção da confiança. 12- O tribunal abdicou da sua função de promoção da unidade familiar, cristalizando uma solução desequilibrada, juridicamente injustificada e emocionalmente nociva para a menor. 13- Impõe-se, pois, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a realização de perícias aos pais e à menor, com vista à reavaliação técnica da situação familiar e à promoção de um plano estruturado de reaproximação parental, incluindo convívios com pernoita. 14- O afastamento da menor do seio familiar natural, sem decisão formal de inibição do poder paternal e sem avaliação técnica da parentalidade, representa uma ingerência desproporcionada no direito-dever dos pais à convivência e educação da filha. 15- A reconfiguração do regime atual deve assentar em critérios técnico-científicos, com acompanhamento multidisciplinar e previsão de fases de reaproximação afetiva, garantindo o superior interesse da menor e os direitos constitucionais dos progenitores”. Pede que 1. seja “revogada a decisão recorrida, que fixou a residência da menor (…) junto da avó paterna e impôs um regime de convívios restritivo;” 2. seja “determinada a fixação da residência da menor junto dos seus progenitores, em regime de guarda conjunta ou alternada, com convívios regulares com a avó, se necessário, mas nunca em substituição da relação parental direta;” 3. “Subsidiariamente, caso assim não se entenda”, seja “ordenada avaliação psicológica e social independente dos progenitores e da menor, com vista à implementação de um plano progressivo de reintegração familiar com convívios ampliados, incluindo pernoitas e supervisão técnica se necessário”. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo do seguinte modo: “1. O recorrente insurge-se contra a decisão provisória, proferida a 27 de maio de 2025, que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais da jovem (…). 2. A responsabilidade parental traduz-se num conjunto de poderes deveres, numa situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais, que devem ser exercidos no interesse da criança com o objetivo primordial de proteção e promoção dos interesses daquele, com vista ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. 3. Este exercício deverá ser pautado pelo superior interesse da criança. 4. A circunstância de se tratar duma decisão de natureza provisória não implica que o Julgador esteja dispensado de cumprir o ritualismo mínimo inerente à decisão, designadamente a discriminação dos factos que considera provados e relevantes para sustentar a sua posição aplicando-lhe o direito que tiver por adequado. 5. As decisões provisórias/cautelares revestem natureza sumária, com uma justificação circunscrita aos aspetos que ao caso importem e, por isso, forçosamente simples e sucinta, ainda que esclarecedora. 6. A conclusão alcançada na decisão recorrida, determinando, provisoriamente, que a residência da jovem seja fixada junto da avó paterna, e que a jovem possa conviver com ambos os progenitores aos fins de semana e/ou férias, sem pernoitas e respeitando a vontade/motivação da mesma, é a conclusão lógica, não se surpreendendo entre tal decisão e os respetivos fundamentos qualquer vício de raciocínio. 7. Tendo esclarecido quanto à convicção do Tribunal, e enunciado a justificação / fundamentação jurídica de tal decisão. 8. A Mmª Juiz a quo disse o que queria dizer e decidiu bem, em total sintonia com os factos provados e com respeito pela lei, defendendo e fazendo cumprir o superior interesse da jovem (…). 9. Impondo-se concluir que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício ou inconstitucionalidade, tendo respeitado o princípio do contraditório, bem como a vontade da jovem. 10. A decisão recorrida acautela o superior interesse da jovem, e apresenta-se proporcional à situação em causa”. Pugna pela manutenção da decisão recorrida. * 2. QUESTÕES A DECIDIRPerante as conclusões das alegações do Recorrente, a única questão que importa apreciar é a de saber se deve ser alterado o regime provisório fixado a respeito da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à jovem (…). * Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.* 3. FUNDAMENTAÇÃO3.1. FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão recorrida, foram considerados provados os seguintes factos: “1. A criança (…), nascida em 5 de agosto de 2010, atualmente com 14 anos de idade, está registada como filha de (…) e (…). 2. No âmbito do processo de promoção e proteção n.º 142/24.7T8FAR foi, em 9 de fevereiro de 2024, aplicada à jovem a medida de promoção e proteção de Apoio Junto de Outro Familiar, designadamente a avó paterna com a duração de um ano. 3. O processo de promoção e proteção teve na sua génese conflitos entre os progenitores e a avó paterna, estando a criança exposta a tais situações e manifestando a intenção de “não estar viva”, recusando qualquer tipo de ajuda para retoma dos convívios e vinculação afetiva aos progenitores. 4. O estabelecimento de ensino que a jovem (…) frequentava considerou que a instabilidade emocional resultante do conflito entre os progenitores e a avó manifestava-se ao nível da estruturação da sua personalidade e ao nível de desempenho escolar. 5. A nível da saúde a jovem apresentava um quadro psico de 300.2 – perturbação de ansiedade generalizada, apresentando uma grande dificuldade relacional com os pais, tendência para o isolamento, relacionamento com o irmão mais novo muito difícil demonstrando por vezes agressividade. 6. Foi necessário acompanhamento psicológico, pois a criança mantinha recusa em querer contactar com os pais, de quem sentia medo. 7. Em 10 de Fevereiro de 2025 a medida protetiva de apoio junto de outro familiar foi declarada cessada por não subsistirem indicadores de perigo. 8. À data da cessação da medida, a (…) frequentava o 9º ano de escolaridade na Escola (…), em (…), e no período remanescente escolar frequentava apoio escolar particular, três vezes por semana, e natação, duas vezes por semana. Ao nível de saúde a (…) é seguida pela médica de família, Dra. (…), em consulta de Nutrição no Centro de Saúde de (…); em consulta de Psicologia pela Dra. (…), no CAFAP de (…) e em consulta de Pedopsiquiatria pela Dra.(…), no H. D. Estefânia, em Lisboa, às quais comparece acompanhada da avó paterna. 9. A (…) está bem integrada na escola, é assídua, pontual, revela interesse escolar, tem bom aproveitamento, evidencia adequada prestação de cuidados de higiene/apresentação e beneficia de adequado acompanhamento familiar, tendo como encarregada de educação a avó paterna a qual é descrita como presente, interessada no seu desenvolvimento e colaborante com os agentes educativos. 10. Do acompanhamento pelo CAFAP, resulta que a (…) está mais estável e adequada e manifesta a pretensão de permanecer no agregado familiar da avó paterna com contactos / convívios com os progenitores de acordo com disponibilidade/motivação dos envolvidos. 11. No que respeita a projeto de vida da (…) a Dra. (…), Psicóloga que a acompanha considera compaginante do seu bem-estar e estabilidade a permanência no atual enquadramento familiar (junto da avó paterna) onde beneficia de estrutura instrumental e afetiva essencial ao seu harmonioso desenvolvimento. 12. A jovem continua a integrar o agregado familiar da avó paterna, a qual continua a prestar todos os cuidados e a assegurar as necessidades inerentes à saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento da criança. 13. A jovem pretende continuar a residir com a avó paterna e fazer convívios com os pais, sem pernoitas. 14. Os pais pretendem que a jovem fique a residir com eles alegando reiterado incumprimento do acordo de promoção e proteção. 15. A avó trabalha por conta própria na área das limpezas, declarando auferir um rendimento que estimou em € 200,00 mensais. 16. Na área da agricultura, recolhe alimentos para a sua subsistência e do seu agregado. 17. Vive com a neta e o marido, reformado, que aufere cerca de € 653,00. 18. Vivem em casa própria. 19. O progenitor trabalha na área da publicidade (estampagem de t-shirts) e declarou auferir cerca de € 1.140,00. 20. A progenitora é assistente operacional em lar de terceira idade e declarou auferir cerca de € 842,00. 21. Vivem em casa arrendada com um filho de 8 anos de idade 22. Declararam a título de renda de casa a quantia de € 500,00”. * 3.2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSOSão as conclusões que delimitam o objeto do recurso. O Recorrente não pede a reapreciação da matéria de facto. Assim, sem prejuízo do disposto no artigo 662.º do CPC, os factos a atender no recurso são aqueles que o Tribunal recorrido deu como demonstrados. * Antes, porém, de entrarmos na apreciação do regime fixado no despacho de 27 de maio e das razões de discordância do Recorrente, importa dizer que tal regime resultou de decisão que, na falta de acordo entre as partes, considerou ser aquele melhor acautelava o interesse da jovem.Não têm, pois, fundamento as reservas suscitadas pelo Recorrente nas conclusões 2 e 3, já que o regime sobre que versa a decisão recorrida não resultou de qualquer acordo – antes o contrário – que a pretensa falta de “assistência jurídica” dos progenitores pudesse ter determinado. Deste modo, carece de sentido, a invocação da falta de apoio jurídico adequado, de violação dos princípios do contraditório, da igualdade de armas, do processo equitativo e do acesso à justiça e do direito à informação e defesa. * Debrucemo-nos, então, sobre o regime fixado e as razões da oposição do Recorrente, não sem antes sublinharmos alguns aspetos que consideramos importantes para a apreciação do recurso.Em primeiro lugar, a idade da jovem. A (…) nasceu no dia 05.08.2010. Contava, à data da prolação da decisão recorrida, com 14 anos de idade e tem, nesta data, com 15 anos. Se é verdade que a vontade que expressou não é decisiva na fixação do regime de residência e convívios em que iriam assentar, nos tempos mais próximos, aspetos essenciais da sua vida, não é menos verdade que a sua opinião tem significado na perceção que o Tribunal tem da adequação do regime fixado e da resistência maior ou menor que pode encontrar, por parte da jovem, na sua execução. Estamos perante uma jovem em plena adolescência, sendo fundamental que se encontre comprometida com a regulação, mesmo que provisória, do exercício das responsabilidades parentais. Acresce que a vontade expressa pela menor não resultará de mero capricho. Recordemos que o Tribunal deu como provado que o processo principal – um processo de promoção e proteção instaurado a favor da menor – teve na sua origem uma situação de conflito entre os progenitores e a avó paterna, a que a jovem estava exposta, manifestando a intenção de “não estar viva”, recusando qualquer tipo de ajuda para retoma dos convívios e vinculação afetiva aos progenitores. A nível da saúde, apresentava um quadro de perturbação de ansiedade generalizada, com grande dificuldade de relacionamento com os pais, tendência para o isolamento, e agressividade para com o irmão mais novo. Teve acompanhamento psicológico, por recusar contactar os pais, de quem sentia medo. Um dos princípios orientadores da intervenção em sede tutelar cível é o princípio da audição da criança. Diz-nos, o artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do RGPTC que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”. E, o artigo 5.º, n.º 1, do mesmo diploma, que “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”. O Tribunal recorrido em obediência ao princípio da participação do jovem nas matérias que lhe digam respeito, ouviu a menor. Dificilmente se compreenderia, portanto, que em face da posição manifestada por uma jovem com a idade e maturidade da (…), o Tribunal decidisse contrariamente à vontade que exprimiu, a qual está, de resto, em consonância com os factos apurados, para mais quando o seu envolvimento e a adesão ao regime fixado são fundamentais para o sucesso da sua execução. Em segundo lugar, também em linha com que o acabámos de dizer, é importante notar que, no âmbito do processo de promoção e proteção que constitui o processo principal, a jovem foi confiada e está aos cuidados da avó desde pelo menos julho de 2023. Em 10 de Fevereiro de 2025 a medida protetiva foi declarada cessada por se considerar, naquele contexto, que não subsistiam indicadores de perigo, situação que pode sofrer alteração caso a jovem, sem qualquer apoio nesse sentido, passe a integrar o agregado dos pais, ademais perante a resistência que manifesta aos contactos com os progenitores, o que colocaria decisivamente em causa, sem justificação, os progressos alcançados com a intervenção em sede de promoção e proteção. Em terceiro lugar, devemos dizer que estamos perante uma decisão provisória, que radica na necessidade de, uma vez declarada cessada a medida protetiva, acautelar a indefinição da situação da menor que resultou do arquivamento do processo de promoção e proteção, permanecendo a menor, sem determinação do Tribunal nesse sentido, aos cuidados da avó paterna. O artigo 28.º, n.º 1, do RGPTC dispõe que “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão” e o n.º 3 que “Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes”. Vale isto por dizer que a exigência de instrução do processo, prévia à tomada decisão, se encontra, no caso das providências a que alude o artigo 28.º do RGPTC, de alguma forma mitigada. E, se não é razoável admitir que o Tribunal avance para uma decisão provisória sem se munir de quaisquer elementos de prova, também não será razoável exigir que o faça de forma exaustiva, que de resto, no caso concreto, seria até incompatível com a fase processual embrionária em que se encontrava foi proferida a decisão. Sem embargo, diremos que o Tribunal recorrido fundamentou de forma adequada a decisão, quer de facto, quer de direito, baseando-se, no que à matéria de facto diz respeito, nas declarações prestadas pela jovem, pela avó e pelos progenitores mas também – e não poderia ser de outra forma – nos elementos que resultavam do processo de promoção e proteção, até porque deste que resultou a necessidade da instauração da ação tutelar comum em que nos movemos. Resumindo, não cremos que o recorrente tenha razão quando afirma que o Tribunal, para prolação da decisão recorrida, no contexto do artigo 28.º do RGPTC, tenha omitido a realização de “diligências instrutórias essenciais”. * Foquemo-nos, agora, na apreciação da (in)adequação do regime fixado.Antecipando desde já a nossa posição a este respeito, diremos que não vislumbramos, nesta fase, que fosse possível a fixação de outro regime e, portanto, que o Tribunal pudesse ter tomado outra decisão. O artigo 1907.º do CC, sob a epígrafe “Exercício das responsabilidades parentais quando o filho é confiado a terceira pessoa”, dispõe que: “1 - Por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918.º, o filho pode ser confiado à guarda de terceira pessoa. 2 - Quando o filho seja confiado a terceira pessoa, cabem a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções. 3 - O tribunal decide em que termos são exercidas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pelo disposto no número anterior”. Refere-se o artigo 1918.º do CC, às situações de “Perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho”, estipulando que “Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 1915.º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência”. As providências adequadas à manutenção de uma situação de inexistência de risco, para a jovem, passam pela sua permanência no agregado da avó paterna – que integra desde pelo menos julho de 2023 – e por uma limitação aos convívios entre a jovem e os progenitores, não sem que o Tribunal recorrido tenha tido o cuidado de estabelecer que “no que se refere às questões de particular importância, e de modo a não afastar os progenitores das decisões mais importantes para a vida da jovem, deverão as questões de particular importância para a vida da jovem ficar a cargo da avó paterna e de ambos os progenitores”. No que se refere aos convívios, lê-se, na decisão recorrida: “Com efeito, as crianças têm o direito de manter uma relação pessoal e contacto direto com o progenitor com quem não residam, a não ser que tal seja contrário ao seu superior interesse (artigo 9.º, n.º 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança). Em regra, a convivência com ambos os progenitores é essencial para o desenvolvimento psíquico e social da criança, que “precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade” (Princípio 6.º da Declaração dos Direitos da Criança). O direito a convívios visa assegurar, precisamente, o indicado, através da manutenção da presença dos pais na vida da criança, possibilitando a continuidade e a consolidação de relações pessoais, a manutenção da vinculação e a partilha afetiva com o progenitor com quem a criança não reside e com a família alargada. É, portanto, do interesse da criança manter uma presença tendencialmente igualitária, mas pelo menos efetiva, de ambos os progenitores na sua vida, de modo a não crescer vendo na figura, no caso, paterna um estranho. Mas pode não ser assim. Em casos excecionais o interesse da criança pode impor o afastamento deste seu direito. Neste sentido, dita o artigo 1906.º, n.ºs 5 e 8, do Código Civil, que o tribunal determinará, em harmonia com os interesses do menor de idade incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, os direitos de visita, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes. Assim, conjugando a vontade da jovem, a sua saúde mental e de modo a manter e reforçar os laços dos progenitores com a jovem, determino que a jovem possa conviver com ambos os progenitores aos fins de semana e/ou férias, sem pernoitas e respeitando a vontade/motivação da jovem, que vai completar 15 anos de idade no próximo mês de agosto, de modo a não comprometer o acompanhamento psicológico de que beneficia, visando apaziguar os ressentimentos e o medo que, ainda, evidencia da agressividade que relatou do pai e que foi visível ao Tribunal durante a sua audição e que importa acima de tudo proteger e acautelar. Uma justiça amiga das crianças deve escutar a vontade das mesmas e decidir em conformidade quando esteja acautelado o seu superior interesse, o que manifestamente se verifica in casu”. Nada mais adequado. Por isso, ainda que se conceda que, aquando da fixação de um regime com caráter duradouro, haja necessidade de ponderar que, por via de acompanhamento especializado, os convívios entre a jovem e os progenitores possam ser tendencialmente alargados e que, progressivamente, sejam removidos os constrangimentos que em sede cautelar foram colocados, não cremos que os convívios, neste momento, pudessem ter ficado contemplados de outra forma. Como nota final, diremos tão só que, pelas razões expostas não se afigura que a decisão recorrida enferme de “múltiplas inconstitucionalidades” e/ou tenha incorrido em “violação do direito ao contraditório (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), do direito à prova, da imparcialidade da decisão, da proteção da vida familiar (artigos 36.º e 67.º da CRP) e do princípio da proporcionalidade”. Por isso, deve manter-se a decisão recorrida, sendo de julgar improcedente a apelação. * 4. DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em: - julgar improcedente a apelação e, em consequência, - confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo Recorrente.Notifique. Évora, 27.11.2025 Miguel Jorge Vieira Teixeira Helena Bolieiro Maria Gomes Bernardo Perquilhas |