Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3647/13.1TBSTB.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
LOTEAMENTO IRREGULAR
EDIFICAÇÃO
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Para se poder concluir pela existência de uma operação de loteamento, não será suficiente a mera divisão material do prédio em parcelas, ainda que com uma capacidade edificativa abstracta.
2 - Além disso, não basta que se verifique um qualquer tipo de construção numa das parcelas, pois torna-se ainda necessário que esteja em causa uma “edificação urbana”.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: P.3647/13.1TBSTB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

O Ministério Público intentou a presente acção declarativa inicialmente com processo sumário, e que agora segue os termos do processo comum, contra (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), pedindo a declaração de nulidade dos negócios jurídicos titulados pelas escrituras públicas outorgadas por cada um dos RR., entre Janeiro de 2000 e Abril de 2003, e nas quais declararam adquirir avos indivisos do prédio rústico denominado (…) ou Vale (…), porquanto através desses negócios não visaram a simples constituição de compropriedade, mas sim o fraccionamento material do prédio em lotes, o qual se encontra classificado no PDM como Espaço Agro Florestal Categoria II, não sendo permitida a constituição de loteamento, não tendo também os réus solicitado qualquer licenciamento nem a reconversão em AUGI, sendo por isso tais negócios nulos, nos termos do disposto no art.54º nº1 da Lei 91/95 de 2/9.
Devidamente citados para o efeito, contestaram os 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 12º, 15º, 16º e 22º RR., invocando, no essencial e no que ora interessa, que não procederam a qualquer loteamento, concluindo pela absolvição do pedido.
Foram habilitados os herdeiros dos primitivos RR., (…) e (…), entretanto falecidos.
Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, com vista à concretização dos alegados actos materiais de construção urbana, designadamente, quando foram edificadas tais construções, quais as respectivas características físicas e a utilização a que se destinam, sendo que o A. não acedeu a tal convite, nada tendo dito a tal respeito.
De seguida, foi lavrado saneador-sentença pela M.ma Juiz “a quo”, no qual conheceu, de imediato, do mérito da causa - o que fez ao abrigo do disposto no art.595º nº1 alínea b) do C.P.C. - tendo sido a acção julgada improcedente e, em consequência, os RR. absolvidos do pedido.

Inconformado com tal decisão dela apelou o Ministério Público, aqui A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
- A mera divisão física de prédio rústico faz presumir a constituição de loteamento no mesmo;
- Tais operações carecem de autorização do respectivo Município;
- A douta sentença, ao julgar de modo diverso, violou o disposto no art.54º nº1 da Lei 91/95.
- Pelo que deve ser a douta sentença ser revogada, no que se fará Justiça.
Pelos RR. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a mera divisão física de prédio rústico configura desde logo, ou faz presumir, uma operação de loteamento ilegal (pois carecia de autorização do respectivo Município), o que fere de nulidade os contratos de compra e venda celebrados entre os RR., nulidade essa que aqui deverá ser declarada para todos os efeitos, ao abrigo do estipulado no art.54º nº1 do D.L.91/95, de 2/9.

Antes de apreciar a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever:
1 – Por escritura pública outorgada em 21.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 2ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 1.000.500$00, o direito a 2571/17250 avos indivisos do prédio rústico denominado (…) ou Vale (…), composto de 17.250 m2 de terras de semeadura, árvores de fruta e vinha, sito na freguesia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da Secção F e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…).
2 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 3ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 100.000$00 cada, o direito a 436/17250 avos indivisos do mesmo prédio, e o direito a 436/17250 avos indivisos do mesmo prédio. 3 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 4ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 200.000$00, o direito a 640/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
4 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 5ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 100.000$00, o direito a 438/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
5 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 6ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 100.000$00, o direito a 349/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
6 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 7ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 200.000$00, o direito a 649/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
7 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender ao 8º réu, que declarou comprar, pelo preço de 100.000$00, o direito a 343/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
8 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 9º réu, que declarou comprar, pelo preço de 100.000$00 cada, o direito a 525/17250 avos indivisos do mesmo prédio e o direito a 375/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
9 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 10ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 200.000$00, o direito a 636/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
10 – Por escritura pública outorgada em 20.01.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 11ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 200.000$00, o direito a 773/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
11 – Por escritura pública outorgada em 26.04.2000 os 1ºs réus declararam vender aos 12ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de 100.000$00 cada, o direito a 465/17250 avos indivisos do mesmo prédio e o direito a 483/17250 avos indivisos do mesmo prédio. 12 – Por escritura pública outorgada em 24.03.2000 os 1ºs réus declararam vender ao 13º réu, que declarou comprar, pelo preço de 100.000$00 cada, o direito a 320/17250 avos indivisos do mesmo prédio e o direito a 343/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
13 – Por escritura pública outorgada em 24.03.2000 os 1ºs réus declararam vender ao 14º réu, que declarou comprar, pelo preço de 100.000$00 cada, o direito a 350/17250 avos indivisos do mesmo prédio e o direito a 374/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
14 – Por escritura pública outorgada em 10.04.2002 os 1ºs réus declararam vender aos 15º e 16º réus, que declararam comprar, pelo preço de € 1.496,39, o direito a 310/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
15 – Por escritura pública outorgada em 19.04.2001 o 17º réu declarou vender ao 18º réu, que declarou comprar, pelo preço de 300.000$00, o direito a 733/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
16 – Por escritura pública outorgada em 12.03.2003 os 19ºs réus declararam vender à 20ª ré, que declarou comprar, pelo preço de € 3.000,00, o direito a 308/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
17 – Por escritura pública outorgada em 21.04.2001 os 21ºs réus declararam vender aos 22ºs réus, que declararam comprar, pelo preço de € 5.000,00, o direito a 355/17250 avos indivisos do mesmo prédio.
18 – De acordo com o Plano Director Municipal do Concelho de Palmela (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/97, publicada no Diário da República I-B de 9/7/97) o prédio em causa insere-se nas categorias de Espaços Agro – Florestais, categoria II, Espaços Naturais.
19 – Os réus não solicitaram à Câmara Municipal de Palmela qualquer licenciamento de operação de loteamento e de obras de urbanização.

Apreciando agora a questão suscitada pelo recorrente - saber se a mera divisão física de prédio rústico configura desde logo, ou faz presumir, uma operação de loteamento ilegal (pois carecia de autorização do respectivo Município), o que fere de nulidade os contratos de compra e venda celebrados entre os RR., nulidade essa que aqui deverá ser declarada para os devidos efeitos - importa referir a tal propósito que, sobre tal matéria, o nº1 do art.54º do D.L.91/95, de 2/9, na sua redacção inicial (em vigor à data da celebração das escrituras públicas ora em causa), estipulava o seguinte:
- São nulos os negócios jurídicos entre vivos de que resultem ou possam vir a resultar a constituição da compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios rústicos, quando tais actos visem ou deles resulte emparcelamento físico em violação ao regime legal dos loteamentos urbanos.
Assim sendo, atenta a factualidade apurada nos autos, importa verificar o seguinte:
a) se das compras e vendas em causa celebradas entre os RR., resultou ou pode vir a resultar a constituição de compropriedade ou a ampliação do número de compartes dos prédios rústico em causa; e ainda,
b) se as mesmas visaram ou delas resultou emparcelamento físico, em violação ao regime legal dos loteamentos urbanos.
Importa, pois, analisar se, “in casu”, estes dois requisitos cumulativos estão preenchidos, pois só se isso ocorrer poderá esta acção obter vencimento.
No que tange ao primeiro dos requisitos acima referidos, afigura-se-nos inequívoco que o mesmo se verifica, uma vez que as compras e vendas em questão implicaram desde logo a constituição de compropriedade sobre o prédio em causa, objecto daquelas, ou, pelo menos, a ampliação do respectivo número de compartes (cfr. pontos 1. a 17. dos factos provados).
Na verdade, resulta claro que os 1ºs RR. venderam, a diversos outros RR., várias parcelas indivisas do prédio rústico denominado (…) ou Vale (…) e não a totalidade do referido prédio.
Ora, como afirma Mota Pinto, na compropriedade cada um dos comproprietários não é proprietário de uma qualquer parcela concreta da coisa, tendo apenas direito a uma mera quota ideal, que incide sobre uma parte não especificada da coisa (cfr. Direitos Reais, 1970/71, pág.258), nada impedindo todavia que os comproprietários possam acordar no uso separado das várias partes do prédio (cfr. Ac. do STJ de 11/6/2003, relator Araújo de Barros, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo porém que, sendo ideal essa quota, o uso da coisa comum por um dos contitulares não constitui posse exclusiva ou posse superior à dele.
Já no que respeita ao segundo dos requisitos supra mencionados – saber se as compras e vendas em causa visaram ou delas resultou emparcelamento físico, em violação ao regime legal dos loteamentos urbanos – importa ter presente que o conceito de loteamento urbano surge ao longo dos vários diplomas legais como evolutivo, permanecendo sempre, como ponto principal, o fraccionamento ou divisão de prédios para efeitos de construção (cfr., nesse sentido, Fernanda Oliveira e Dulce Lopes, Implicações Notariais e Registrais das Normas Urbanísticas, Almedina, 2004, pág.46).
Mas, a evolução do aludido conceito foi mais acentuada com a entrada em vigor do actual regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), aprovado pelo D.L.555/99, de 16/12, com as várias alterações que, entretanto, foram introduzidas em tal diploma.
Ora, o regime que foi introduzido por este diploma alargou o conceito de loteamento que passou a integrar, para além das operações tradicionais de divisão fundiária, também as de emparcelamento e de reparcelamento de prédios para efeitos de edificação urbana, passando, assim, a assumir-se como característica essencial dos loteamentos a transformação fundiária, ou seja, a recomposição predial.
A este propósito, a alínea i) do art.2º do citado D.L.555/99 diz-nos o que são “operações de loteamento” - as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento.
Daqui resulta que o referido diploma, na redacção originária do art.2.º, estipulou a possibilidade de constituição de lotes não apenas através da divisão, mas também através de operações de emparcelamento ou de reparcelamento.
E o emparcelamento urbano consiste na acção voluntária de anexação de prédios autónomos, da qual resulta a constituição de um lote, destinando-se este, imediata ou subsequentemente à construção urbana (cfr. nesse sentido, Fernanda Oliveira e Dulce Lopes, ob. cit., pág.74).
Sobre esta problemática afirmam Fernanda Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs que não serão operações de loteamento, as que se traduzam numa mera divisão fundiária que, não obstante darem origem a novas unidades prediais, as quais terão a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planificação lhe defiram, não criam lotes urbanos, ou seja, novas unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa e estabilizada por acto administrativo (cfr. RJUE Anotado, 3ª ed., págs.56 e segs.).
Por isso, resulta claro quanto a nós que, para se poder concluir pela existência de uma operação de loteamento, não será suficiente a mera divisão material do prédio em parcelas, ainda que com uma capacidade edificativa abstracta.
Além disso, não basta que se verifique um qualquer tipo de construção numa das parcelas, pois torna-se ainda necessário que esteja em causa uma “edificação urbana”.
E, quanto ao significado ou o conceito de “edificação” podemos ver a alínea a) do art.2º do citado D.L 555/99, a qual estipula:
- a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência.
Tecidas que foram estas considerações, e voltando agora ao caso dos autos, apenas se dirá que bem andou a Julgadora “a quo” ao sustentar que não é pelo facto do prédio rústico em causa (denominado … ou Vale …) ter sido alienado a vários comproprietários que se poderá concluir que estes tinham, como objectivo final ou prioritário, a construção de qualquer “edificação urbana”, nem se poderá afirmar – como sustenta o recorrente nas suas alegações de recurso (sem todavia o concretizar com factos…) – que “é a experiência comum que o dita” (qual experiência?)!
E, muito embora não se exija que no prédio em causa e no imediato se edifiquem prédios urbanos, a verdade é que a declaração de nulidade de tais negócios jurídicos, ao abrigo do disposto no art.54º nº1 da Lei 91/95, exige a violação ao regime legal dos loteamentos urbanos previstos no citado D.L.555/99, o que – de todo – não ocorreu no caso dos presentes autos.
Por isso, sufragamos por inteiro o que, a tal respeito, afirmou a Julgadora “a quo” na decisão recorrida e que, de imediato, passamos a transcrever:
- No caso em apreço, alega o autor que nas referidas parcelas os réus executaram trabalhos como a colocação de estacas, vedações e diversas construções em madeira ou em alvenaria e tijolo com cobertura de chapa de zinco ou em fibrocimento.
Todavia, não alegou, e consequentemente não poderá provar, quais foram os réus que construíram e em que parcelas, nem quais as concretas características físicas das construções, bem como o fim a que se destinam.
É que, por exemplo, a construção de uma vedação ou de uma casa de arrumos, ainda que em tijolo, para guardar alfaias e utensílios agrícolas, não constitui uma construção urbana, pois esta denominação é adequada apenas a edifícios, nem sequer obsta à utilização dos solos que integram o prédio rústico para os fins florestais indicados no Plano Director Municipal.
O simples facto de o prédio ter sido alienado a vários comproprietários, ainda que conjugado com a eventual utilização individual do terreno, mediante divisão física com vedações, não constitui factualidade suficiente para se concluir que os mesmos tiveram ou venham a ter como finalidade a construção de qualquer edificação urbana.
Nem foi alegado que, nos 12 ou 13 anos volvidos até à propositura da acção, algum dos adquirentes do prédio tenha levado a cabo uma “edificação urbana”.
Ante a factualidade alegada, não resta senão concluir que a mesma não é adequada a integrar a violação das normas que regem a matéria das operações de loteamento e, em particular, do disposto pelo art. 54.º n.º 1, da Lei n.º 91/95.
Motivo pelo qual se entende que, mesmo que se provassem os factos alegados na petição inicial, sempre a acção seria de improceder, o que assim se declara, desde já, com a consequente absolvição de todos os réus do pedido.

Assim sendo, forçoso é concluir que, “in casu”, não é possível declarar a nulidade das transacções efectuadas entre os RR, pois não está verificado o segundo requisito (cumulativo) a que alude o art.54º nº 1 da Lei 91/95, ou seja, que as compras e vendas em causa visaram ou delas resultou emparcelamento físico, em violação ao regime legal dos loteamentos urbanos.
Nestes termos, uma vez que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pelo A., ora apelante, não tendo sido violado o preceito legal por ele indicado.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Para se poder concluir pela existência de uma operação de loteamento, não será suficiente a mera divisão material do prédio em parcelas, ainda que com uma capacidade edificativa abstracta.
- Além disso, não basta que se verifique um qualquer tipo de construção numa das parcelas, pois torna-se ainda necessário que esteja em causa uma “edificação urbana”.
- O simples facto de o prédio ter sido alienado a vários comproprietários, ainda que conjugado com a eventual utilização individual do terreno, mediante divisão física com vedações, não constitui factualidade suficiente para se concluir que os mesmos tiveram ou venham a ter como finalidade a construção de qualquer edificação urbana, nem, tão pouco, foi alegado que, nos 12 ou 13 anos volvidos até à propositura da acção, algum dos adquirentes do prédio tenha levado a cabo uma “edificação urbana”.
- Ante a factualidade alegada, não resta senão concluir que a mesma não é adequada a integrar a violação das normas que regem a matéria das operações de loteamento e, em particular, o disposto no art. 54º, nº 1, da Lei 91/95.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelo A., confirmando-se integralmente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Sem custas, por delas estar isento o A.
Évora, 09 de Fevereiro de 2017
Rui Manuel Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda Mira Branquinho
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).