Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4615/18.2T9STB.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a primitiva acusação não continha o elemento subjetivo do tipo, nem tão pouco a devida incriminação, o elemento subjetivo do tipo não pode ser acrescentado em audiência de julgamento, com recurso ao disposto no artigo 358º do CPP, atento o decidido no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, publicado a 18 de Janeiro, e, quanto à incorreta incriminação, esta impedirá necessariamente o adequado exercício do contraditório por parte da arguida.
- Acresce, que a reação judicial a uma acusação incompleta (quanto à omissão do elemento subjetivo do tipo legal de crime em causa) é o seu não recebimento, ou mesmo quando requerida a instrução, a não pronúncia do agente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

Nos autos de Instrução nº 4615/18.2T9STB, do Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, J2, da Comarca de Setúbal, datada de 02-04-2019, a Mmª Juiz proferiu a seguinte decisão instrutória:

“A arguida MFSRS encontra-se acusada (fls. 1510 a 1528) pelo Ministério público da prática de um crime de prevaricação previsto e punido pelos artºs 1º, 2º, 3º n.º 1 i), e 11º todos da Lei n.º34/887 de 16 de Julho.

A arguida não conformada veio requerer a abertura de instrução (fls.1564 e seg.) alegando em síntese que:

Foi julgada no proc. 61/09.7 T3STC que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 3, pelos mesmos factos que se encontra acusada nos presentes autos, tendo sido absolvida;

Pelo que, não pode a mesma ser acusada de novo pelos mesmos factos, sob pena da verificação da excepção do caso julgado por violação do princípio constitucional ne bis in idem;

E subsidiariamente, conclui pela verificação da ilegitimidade e da falta de interesse em agir do Ministério Público uma vez que no julgamento do referido processo o mesmo pugnou em alegações pela absolvição da arguida;

Acresce que, caso assim não se entenda não resulta da prova que a arguida tenha praticado o ilícito que lhe é imputado;

Podendo quanto muito indiciara prova factualidade subsumível ao crime de violação das regras urbanísticas previsto no art.º 18º A da Lei n.º 34/887 de 16 de Julho, sendo que o mesmo já se encontra prescrito atenta a data dos factos em apreço;

Termina requerendo a não pronúncia com o consequente arquivamento dos autos.

O Tribunal é competente.

Não existem nulidades.

Relega-se para a fundamentação o conhecimento das questões suscitadas pela arguida, nomeadamente, a verificação do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem.

Em sede de instrução procedeu-se à determinação da junção aos autos da certidão dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora e Supremo Tribunal e Justiça no âmbito do processo n.º 61/09.7 T3STC que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 3.

Realizou-se o debate instrutório com observância das formalidades legais.

Factos suficientemente indiciados (com relevo para os autos):

1) Os presentes autos tiveram origem na certidão do processo n.º 61/09.7 T3STC, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 3, em que a arguida foi julgada pelos factos constantes das acusação junta a fls. 956 a 972, cujo teor se dá por integralmente reproduzida.

2) No âmbito do referido processo, após a realização do julgamento e a produção de prova foi proferido a 2 de Novembro de 2016, pelo Tribunal Colectivo, o Acórdão junto a fls. 1491 a 1488, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde acordaram os Juízes que constituíam o colectivo “declarar a nulidade insanável da acusação, por insuficiente narração dos factos, dos elementos do tipo de crime, e falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em função do que, de acordo com o disposto nos art.ºs 119º e 122º n.º 1 do CPP, absolvem a arguida MFSRS da Instância Penal pro absolvida da instância Penal”.

3) Do Acórdão referido em 2) foi pelo Ministério Público interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo este por Acórdão de 27 de Junho de 2017 rejeitado o recurso interposto pelo Ministério Público por falta de interesse em agir - cfr. certidão do acórdão de fls. 1992 a 2013 v..

4) E, posteriormente o Ministério Público não conformado veio recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão sumária em 28 de Fevereiro de 2018, “decidiu rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, por o mesmo não ser admissível [artigos 432º, número 1, alínea b), 400º número 1, alínea c), 420º, número 1, alínea b), com referência ao artigo 414º, número 2, primeiro segmento, e número 3, todos do Código Processo Penal].- cfr. Certidão do acórdão do STJ de fls. 2014 a 2021

5) Extraída certidão do processo mencionado em 1) até à prolação do acórdão a que se alude em 2), veio o Ministério Público deduzir de novo acusação (para a qual se remete nos termos do preceituado no art.º 307º n.º 1 do CPP) pelos factos constantes da acusação referida em 1), constando para além desses, nomeadamente os seguintes factos:

“7º À data da emissão do alvará de loteamento n.º 2/94 vigorava o PDM de ….. publicado pela Portaria n.º 623/90, de 04 de Agosto e o PROTALI publicado pelo decreto regulamentar n.º 26/93, de 27 de Agosto, impondo-se o cumprimento das respetivas disposições legais. 8º No art.º 63º, al.ª c) do PDM de ….. referia-se que: “O número máximo de pisos acima do solo dos novos edifícios é o que se designa seguidamente (…) nos aglomerados urbanos (…………) o número máximo de pisos será definido nos respetivos Planos Gerais de Urbanização e Planos de Pormenor de Urbanização, tomando em consideração as volumetrias existentes, sobretudo nas zonas mais sensíveis.

9º O art.º 9º, n.º 11, al.ª, do PROTALI dispunha sobre o regime Frente Litoral (FL) que: “Na faixa litoral não são autorizadas construções com mais de 6,50 m. de altura, admitindo exceções, devidamente fundamentadas, no caso de estabelecimentos hoteleiros, permitindo-se a altura de 8.0m. desde que fique assegurada a sua integração da paisagem envolvente. (…)”

“ 29º Ao aprovar liminarmente o pedido de autorização de obras de construção, a arguida violou o Alvará de Loteamento n.º 2/94, único registado na CRP de ….., porquanto:

- de acordo com medição em planta, o projeto apresentava como área total de construção 309,10 m2 (excluindo a destinada a arrumos, estacionamento em cave, instalações técnicas e piscinas) indo para além dos 213 m2, permitidos pelo alvará;

-o projeto apresentava 235,35 m2 de área de implantação, correspondente ao piso em cave com frente livre, excluindo a área da piscina, sendo que o alvará n.º 2/94 permitia um máximo de 136m2, superando-o em cerca de 73%;

-o projeto violava igualmente a localização e configuração do polígono de implantação, os afastamento aos limites do lote, superando a altura máxima de 6,50 metros da fachada, conforme definido no alvará n.º 2/94 e no art. 9º, n.º 11, al. a) do PROTALI; nos termos do preceituado no art.º 307º n.º 1 do CPP) pelos factos constantes da acusação referida em 1), constando para além desses, nomeadamente os seguintes factos:

“7º À data da emissão do alvará de loteamento n.º 2/94 vigorava o PDM de ……. publicado pela Portaria n.º 623/90, de 04 de Agosto e o PROTALI publicado pelo decreto regulamentar n.º 26/93, de 27 de Agosto, impondo-se o cumprimento das respetivas disposições legais.

8ºNo art.º 63º, al.ª c) do PDM de ………. referia-se que: “O número máximo de pisos acima do solo dos novos edifícios é o que se designa seguidamente (…) nos aglomerados urbanos (………………….) o número máximo de pisos será definido nos respetivos Planos Gerais de Urbanização e Planos de Pormenor de Urbanização, tomando em consideração as volumetrias existentes, sobretudo nas zonas mais sensíveis.

9º O art.º 9º, n.º 11, al.ª, do PROTALI dispunha sobre o regime Frente Litoral (FL) que: “Na faixa litoral não são autorizadas construções com mais de 6,50 m. de altura, admitindo exceções, devidamente fundamentadas, no caso de estabelecimentos hoteleiros, permitindo-se a altura de 8.0m. desde que fique assegurada a sua integração da paisagem envolvente. (…)”

29º Ao aprovar liminarmente o pedido de autorização de obras de construção, a arguida violou o Alvará de Loteamento n.º 2/94, único registado na CRP de ……….., porquanto:

- de acordo com medição em planta, o projeto apresentava como área total de construção 309,10 m2 (excluindo a destinada a arrumos, estacionamento em cave, instalações técnicas e piscinas) indo para além dos 213 m2, permitidos pelo alvará;

-o projeto apresentava 235,35 m2 de área de implantação, correspondente ao piso em cave com frente livre, excluindo a área da piscina, sendo que o alvará n.º 2/94 permitia um máximo de 136m2, superando-o em cerca de 73%;

-o projeto violava igualmente a localização e configuração do polígono de implantação, os afastamento aos limites do lote, superando a altura máxima de 6,50 metros da fachada, conforme definido no alvará n.º 2/94 e no art. 9º, n.º 11, al. a) do PROTALI;

- mais incumpria os índices de implantação e de construção definidos na planta de síntese, respetivamente máximo de 0,30 e 0,40.

32ºA arguida tinha de ter rejeitado liminarmente o projeto, por a tanto estar obrigada pelos arts. 4º,n.º3, al. c), 11º, n.º 3, 29º, n.º 2, al. b) e 68º, al. a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL n.º 555/99, de 16/12, com as alterações do DL n.º 177/01, de 4/6), dadas as violações ao Alvará de Loteamento n.º 2/94 e ao art. 9º, n.º 11, al. a) do PROTALI. Por outro lado, a arguido invocou o deferimento de projetos semelhantes, bem sabendo que tal lhe estava vedado pela referida norma do RJUE (68º, al. a)). (…)”

“35º No entanto, a arguida deferiu o pedido no intuito de beneficiar o requerente, viabilizando a edificação de uma moradia que, para além de ilegal, apresentaria a volumetria, área de construção, número de pisos e altura de fachada atrás referidas, implantada na crista da falésia da costa de Sines, com o correspondente aproveitamento de vistas e valor patrimonial.”

Factos não suficientemente indicados do requerimento de abertura de instrução (com relevo para os autos e expurgadas as considerações de direito e factos conclusivo a mera negação dos factos constantes da acusação e consideração e sobre os elementos probatórios):

Inexistem quaisquer factos uma vez que a demais matéria alegada no requerimento de abertura de instrução é conclusiva e de direito.

MOTIVAÇÃO:

O tribunal atendeu, em conjunto aos seguintes elementos probatórios existentes nos autos:

- Certidão do processo n.º 61/09.7 T3STC que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 3;

- Certidão dos acórdãos proferidos no âmbito do processo supra referido Setúbal que se encontram juntos a fls. 1992 a 2021, que fazem prova da factualidade

Das Finalidades da Instrução

Nos termos do art. 286º do Código de Processo Penal, a instrução, no caso em apreço, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Para tal, importa aferir se resultam dos autos indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena, atento o preceituado no art. 308º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Tendo em conta as finalidades da instrução e delimitado o seu objecto em face da matéria controvertida nesta fase processual, importa determinar se nos autos se verifica em primeiro lugar a violação do princípio constitucional previsto no art.º 29º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa – adiante designada por CRP.

Enquadramento Jurídico

Da factualidade tida como suficientemente indiciada resulta que a arguida encontra-se acusada, nestes autos, da prática dos factos que são em tudo coincidentes com os da acusação do processo referido em A), subsumíveis ao crime de prevaricação. Confrontadas as duas acusações verifica-se que apenas foram acrescentados os factos referentes ao alegado benefício da arguida e às concretas normas jurídicas violadas com a sua actuação.

Concretizando, a arguida está acusada de, durante e no exercício das funções de vereadora da Câmara de ……., entre os anos de 2001 e 2009 no pelouro relativo à gestão urbanística, ter proferido decisão relativa à autorização de construção, referente ao loteamento do prédio denominado ……………. e, especificamente, à aprovação dos pedidos de autorização de obras de construção do lote 15.

Ora, tais factos já constavam da acusação do processo, a que se alude nos factos tidos como suficientemente indiciados, tendo a arguida sido julgada pelos mesmos.

Vale isto por dizer que, a essência da conduta da arguida é, em tudo idêntica.

O acórdão proferido pela 1ª instância nesses autos já transitou em julgado uma vez que, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso do Ministério Público, por falta de interesse em agir, assim como o fez o Supremo Tribunal de justiça que decidiu rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público.

Dos factos suficientemente indiciados extrai-se, sem qualquer margem para dúvidas, como bem referiu a arguida que estamos perante a verificação do caso julgado por violação do princípio constitucionalmente consagrado, “ne bis in idem”, no n.º 5 do art.º 29º da CRP, que prevê que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, ou seja, pela prática dos mesmos factos que, naturalmente, se subsumem ao mesmo tipo de crime.

Ora, como é bom de ver, é evidente no caso em apreço que a factualidade pela qual a arguida foi julgada, no âmbito do processo a que se alude na matéria suficientemente indiciada, é a mesma que consta da acusação dos presentes autos. Aliás, outra não podia ser a conclusão do tribunal já que os factos são, quer na sua essência, quer textualmente, os mesmos reportando-se, sem quaisquer dúvidas, ao “mesmo comportamento espácio – temporal”, ou seja, “ao mesmo pedaço de vida”, da arguida, não podendo deixar assim de ser entendido para efeitos do citado dispositivo constitucional.

Na verdade, o legislador não permite que o mesmo indivíduo possa ser julgado pelo mesmo crime, tendo-se de interpretar não como a imputação em termos de subsunção jurídica mas sim ao mesmo evento factual, seja este integrado ou não, por quem acusa ou julga, ao mesmo tipo legal. Dito de outra forma, o que releva para efeitos do princípio constitucional consagrado é a conduta de determinado indivíduo um momento e num local.

É precisamente esta a situação com que nos deparamos nos autos.

Com efeito, no âmbito do referido processo a arguida foi julgada pela mesma factualidade pela qual se encontra agora acusada. Salienta-se, aliás, tal como já supra mencionado, que a acusação é não só na sua essência coincidente como, textualmente igual, com excepção da alegação descrita na factualidade que não integra factos diversos, nem novos no que se refere à conduta alegadamente violadora por ter autorizado a construção. O que está em causa é a mesma decisão da arguida, no exercício das funções como Vereadora da Câmara de …., num dado momento, no que se refere ao mesmo lote.

O facto de ter sido na acusação dos presentes autos alegada a factualidade/elemento subjectivo específico e normas violadas, não determina que o comportamento que se pretende que seja judicialmente apreciado seja diverso, que não o é.

Desta feita, o Ministério Público não pode, após o julgamento e produção de prova, ter uma nova oportunidade, tendo por base os mesmos factos, para deduzir nova acusação, suprindo a deficiências da primeira, submetendo de novo a arguida a julgamento. A omissão de tais factos deveria, em sede decisão ter levado, sem mais, à absolvição da arguida.

Tal é, aliás, o entendimento que se extrai do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 1/2015 publicado de 18 de Janeiro, onde se decidiu que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»

Na verdade, o Acórdão Uniformizador nº 1/2015 “veio fixar o sentido oposto a tal entendimento [recurso ao mecanismo do art. 358º, nº 1 do C. Processo Penal], impedindo o recurso ao dito mecanismo para integrar a deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, onde se inclui a consciência da ilicitude e determinando, consequentemente, que a deficiente ou incompleta definição do tipo subjetivo de ilícito conduza, necessariamente, à absolvição”.- neste sentido vide Acórdão Relação de Coimbra de 2/03/2016 consultado www.dgsi.pt).

Ademais, somos de concordar que, o facto do acórdão proferido no citado processo ter sido pela verificação da nulidade insanável da acusação e ter absolvido a arguida da instância penal, o sentido dessa decisão, como o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Évora junto a fls. 1991 a 2013 entendeu, não pode deixar de se reconduzir “necessariamente à absolvição da arguida a que se reportam os art.ºs 374º n.º 3 e 376º do CPP, com o consequente arquivamento total do processo, que, após trânsito, faz caso julgado material e torna a decisão vinculativa dentro e fora do processo”.

A este propósito veja-se, a título meramente exemplificativo, o que a jurisprudência, que sufragamos, têm entendido sobre a verificação da excepção do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem (Vide RP 28/04/2011, RC de 03/02/2016 e 09/03/2016 todos consultados em www.dgsi.pt).

Diz a este respeito Tribunal da Relação de Coimbra de 02/12/2015, consultado na página cit.: “ A excepção de caso julgado materializa o disposto no art. 29.º, n.º 5 da CRP quando se estabelece como princípio a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória afirmando “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. II – O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).III – Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva. IV – Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição penal múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural. V – Caso julgado em substância significa decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandado que nasce da sentença. Aproximamo-nos assim à lapidar definição romana da jurisdição: quae finem controversiarum pronuntiatione iudicis accipit (que impõe o fim das controvérsias com o pronunciamento do juiz). VI – Para que a excepção funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, a imputação tem que ser idêntica, e a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (identidade de objecto

- eadem res). Trata-se da identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris) atribuída. As duas identidades que refere a doutrina unidade de acusado e unidade de facto punível têm sido assim consideradas: (i) Para que proceda a excepção de caso julgado requere-se que o crime e a pessoa do acusado sejam idênticos aos que foram matéria da instrução anterior à que se pôs termo no mérito de uma resolução executória. (ii) A identidade da pessoa refere-se só à do processado e não à parte acusadora para que proceda a excepção de caso julgado. VII – Se os factos são os mesmos e culminaram com uma sentença executória, ainda que o nomen juris seja distinto, é procedente a excepção de caso julgado. VIII – O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos. IX – Para a identificação de facto tem que tomar-se em linha de conta v.g. os critérios jurídicos de "objecto normativo" e "identidade ou diversidade do bem jurídico lesionado".X – A identidade do facto mantém-se ainda quando seja pelos mesmos elementos valorados no primeiro julgamento ou pela superveniência de novos elementos ou de novas provas deva considerar-se em forma diferente em razão do título, do grau ou das circunstâncias. O título refere-se à definição jurídica do facto, ao momen iuris do crime. A mutação do título sem uma correspondente mutação de facto não vale para consentir uma nova acção penal. XI – Em conclusão, para estabelecer a identidade fáctica para efeito de aplicar a excepção de caso julgado, não interessa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, nem importa tão pouco o grau de participação imputado ao sujeito.XII – Um terceiro requisito de procedibilidade, que tem relação estreita com a natureza do caso julgado, respeita a que o primeiro processo tenha sido findo totalmente e que não seja susceptível de meio impugnatório algum, para que justamente se possa reclamar os efeitos de inalterabilidade que acompanha as decisões jurisdicionais que passam à autoridade de caso julgado.

E, refere o acórdão da Relação de lisboa de 13/04/2011, consultado na página cit.: “Para que a excepção de caso julgado material funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, não importa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, nem tão pouco o grau de participação imputado ao sujeito.II - Na verdade, a expressão “mesmo crime” não dever ser interpretada, no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas antes como uma certa conduta ou comportamento, melhor, como um dado de facto ou acontecimento histórico que, por ser subsumível a determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um ilícito penal.”

Atentos os considerando acima palmados, só se pode concluir que estamos perante a verificação da excepção do caso julgado materializada na violação do princípio ne bis in idem, pois que a arguida foi já julgada pela factualidade descrita na acusação e pela imputação penal que da mesma consta, o que se decide.

Em face da verificação da excepção do caso julgado materializada na violação do princípio ne bis in idem fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela arguida, razão pela qual o tribunal não as aprecia.

Com efeito, em face de tudo o que se deixou exposto, outra não pode deixar de ser a decisão do tribunal senão a de não subter a causa a julgamento, por se verificar a referida excepção por violação do mencionado princípio constitucional o que determina a não pronúncia da arguida, assim se decidindo.

Pelo exposto ao abrigo do disposto no art. 308º, nº1, do CPP, decido:

Não pronunciar a arguida MFSRS pela prática do crime de que vinha acusada, por verificada a excepção de caso julgado por violação do princípio ne bis in idem.

Sem custas.

Notifique.”

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, nos termos da sua motivação constante de fls. 2040 a 2046, concluindo nos seguintes termos:

1. Por douta decisão instrutória proferida a fls. 2026-2037 dos autos supra epigrafados, entendeu a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo do disposto no art.º 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não pronunciar a arguida MFSRS pela prática de um crime de prevaricação, previsto e punido pelos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, al. i), e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, de que vinha acusada, por verificada a excepção de caso julgado por violação do princípio ne bis in idem, com o consequente arquivamento dos mesmos autos, tendo então alicerçado semelhante fundamento no facto de que “a arguida foi já julgada pela factualidade descrita na acusação e pela imputação penal que da mesma consta”, o que teria ocorrido no âmbito do Processo n.º 61/09.7T3STC, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal, Juiz 3;

2. Vistos os autos e considerando os elementos dos mesmos constantes, verifica-se, a nosso ver e salvo o mais elevado e devido respeito por posição diversa, que não deveria a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ter perfilhado semelhante entendimento (que determinou o arquivamento dos primeiros), já que contrário à lei, sendo certo que, tendo sido no âmbito do referido Processo n.º 61/09.7T3STC declarada a nulidade insanável da acusação (“de acordo com o disposto nos art.ºs 119.º e 122.º, n.º 1, do CPP”), veio tal nulidade a ser sanada no âmbito do Processo n.º 4615/18.2T9STB, “mantendo-se válidos e eficazes todos os actos praticados antes da acusação, nos termos do disposto no art.º 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”;

3. No âmbito do Processo n.º 61/09.7T3STC, proferiu o Ministério Público, encerrado/findo o inquérito, no mais, despacho de acusação, tendo, designadamente, nessa parte, imputado à arguida MFSRS a prática de factos então subsumidos a um crime de prevaricação, previsto e punido pelos art.ºs 26.º do Código Penal e 1.º, 2.º, 3.º, al. i), e 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;

4. Após a realização da audiência de discussão e julgamento, veio o Tribunal Colectivo a proferir acórdão onde foi decidido que “[p]elos expostos fundamentos e de harmonia com o disposto no art.º 283.º, n.º 3, als. b) e c) e no art.º 311.º, n.º 3, als. b) e c) do CPP, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo desta Instância Central Criminal, em declarar a nulidade insanável da acusação, por insuficiente narração dos factos, dos elementos do tipo de crime, e falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em função do que, de acordo com o disposto nos art.ºs 119.º e 122.º, n.º 1 do CPP, absolvem a arguida MFSRS da instância penal”;

5. Tal acórdão (pese embora a interposição de recursos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça) veio a transitar em julgado, tendo o Ministério Público, entretanto, requerido, e obtido, a entrega de certidão extraída do processado daqueles autos principais sob o n.º 61/09.7T3STC, a qual deu origem à instauração do supra epigrafado Processo n.º 4615/18.2T9STB;

6. Foi então proferido, no mesmo Processo n.º 4615/18.2T9STB, despacho de acusação, que refere, como nota preambular, no mais, que “[o] presente processado, embora autuado autonomamente, tem como objeto a sanação da nulidade da acusação proferida no inquérito n.º 61/09.7T3STC, declarada pelo Tribunal que procedeu a julgamento”, “[p]elo que cumpre sanar a nulidade, mantendo-se válidos e eficazes todos os atos praticados antes da acusação, nos termos do disposto no art.º 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal” e “[p]osto isto, deduzir-se-á nova acusação, em obediência ao decidido em primeira instância”;

7. Inconformada com tal acusação, peticionou a arguida MS a abertura de instrução, logo tendo aí pugnado, no mais, e para tanto invocando já ter sido julgada no âmbito do supra aludido Processo n.º 61/09.7T3STC relativamente às mesmas factualidade e imputação criminal, no sentido de “julgar procedente a verificação do caso julgado e da violação do princípio ne bis in idem, e consequentemente ser declarada extinta a ação penal contra a arguida pelos factos de quem vem acusada com consequente arquivamento definitivo dos autos, despronunciando-se a arguida do crime de que vem acusada”;

8. Finda a instrução, proferiu a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal a decisão instrutória ora recorrida, de não pronúncia, com fundamento na procedência daquela mesma arguição efectuada pela mencionada MS, sendo que não foram então devidamente tidos em conta nem a norma jurídica adjectiva atinente aos efeitos da declaração de nulidade na qual o Ministério Público fez radicar a sua legitimidade para deduzir acusação no âmbito do Processo n.º 4615/18.2T9STB (art.º 122.º do Código de Processo Penal) nem o preceito constitucional consagrador do princípio de direito penal ne bis in idem, originado na figura do “caso julgado” (art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa);

9. Atendendo a todos os fundamentos e ao preceituado legal supra enunciados, verifica-se, pois, em face do decidido pela Meritíssima Juiz a quo, que foi, em absoluto, e erradamente, desconsiderado na decisão instrutória ora recorrida – contrariamente ao disposto no regime legal atinente aos efeitos da declaração de nulidade previsto no aludido art.º 122.º do Código de Processo Penal – que, sendo inválida a acusação exarada naquele Processo n.º 61/09.7T3STC, também o demais processado subsequente o seria, nomeadamente, todos os actos (e correspondente tramitação) referentes à audiência de discussão e julgamento que teve lugar no âmbito de tal processo;

10. Sempre se devendo, assim, concluir no sentido da absoluta “invalidade” (e consequente “irrelevância jurídica”, para todos os efeitos legais) desse julgamento, com reporte ao qual veio a Meritíssima Juiz a quo a entender, erradamente, consubstanciar o procedimento penal objecto deste Processo n.º 4615/18.2T9STB uma segunda pretensão punitiva do Estado relativamente às mesmas arguida MS, factualidade e imputação criminal, legalmente inadmissível porquanto violadora do princípio ne bis in idem consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa;

11. Mais tendo então, de novo erradamente, sido desconsiderado, contrariamente ao disposto no mesmo regime legal (em matéria de efeitos da declaração de nulidade), que, devendo ter lugar o aproveitamento de todos os actos anteriores à prolação do libelo acusatório “inquinado” de nulidade insanável, logo cumpriria, como consequência da previsão vertida no art.º 122.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sanar tal nulidade, designadamente, sendo “repetida” a dedução de acusação, o que veio, validamente, nos termos legais, a ter lugar no âmbito do Processo n.º 4615/18.2T9STB, entretanto instaurado autonomamente relativamente aos supra aludidos autos principais sob o n.º 61/09.7T3STC;

12. No que tange à referência no acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo no âmbito do Processo n.º 61/09.7T3STC à absolvição da arguida MS “da instância penal”, cumpre mencionar que a aplicação dessa figura apenas foi tida como sustentável em casos de alteração substancial dos factos e até à revisão do Código de Processo Penal operada em 2007 (permitindo a dedução de outra acusação), sendo que após tal, em face da “nova” redacção conferida ao art.º 359.º do mesmo compêndio normativo, deixou de ser, de todo, legalmente admissível;

13. Ora, para além de semelhante figura da absolvição da instância não poder, sequer, ser invocável, entendemos, quanto a tal questão, que não foi proferida por aquele Tribunal Colectivo qualquer decisão de mérito, com enunciação dos factos provados e não provados e com a respectiva fundamentação de facto e de direito, que possa, minimamente, ser, in casu, equiparável à prolação de acórdão absolutório a que se reportem os art.ºs 374.º, n.º 3, al. b), e 376.º do Código de Processo Penal, sendo evidente a inobservância dos requisitos legais previstos no mesmo art.º 374.º que presidem à elaboração de sentença;

14. Tendo decidido como o fez a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, foi, assim, violado o preceituado legal vertido no art.º 122.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal e, por via disso, por erro de aplicação, o disposto no art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Pugna-se, assim, no sentido de ser dado provimento ao presente recurso e, por consequência, ser revogada a douta decisão instrutória ora posta em crise, a qual deverá ser substituída por outra que, em conformidade com o já expendido supra, julgue improcedente a verificação do caso julgado e da violação do princípio ne bis in idem e após apreciar as demais questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução apresentado pela arguida MS determine, a final, e em conformidade com o disposto no art.º 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a pronúncia ou a não pronúncia do mesmo sujeito processual.

A arguida MFSRS respondeu, nos termos que constam de fls. 2049 a 2114, pronunciando-se pela manutenção do decidido, e concluindo nos seguintes termos:

A) A douta decisão Instrutória da qual o Ministério Público interpôs o presente recurso a que ora se responde, encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito e não merece qualquer reparo, devendo, assim, ser mantida na ordem jurídica.

B) O Tribunal “a quo” ao decidir pela verificação da exceção do caso julgado e da violação do princípio ne bis in idem, com a consequente decisão de não pronúncia da arguida pela prática dos factos de que vem acusada e determinando o arquivamento dos autos não efetuou uma errada interpretação do disposto no artº 122º, nº 1, nº 2 e nº 3 do CPP e do artº 29º, nº 5 da CRP, bem pelo contrário.

C) A Acusação deduzida contra a arguida nos presentes autos é exatamente a mesma que foi deduzida no âmbito do Proc. nº 61/09.7T3STC – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Instância Central Criminal – Juiz 3 – no qual foi realizado o respetivo julgamento, tendo sido produzida toda aprova a qual se encontra documentada e no qual foi proferido acórdão pelo respetivo tribunal coletivo, nos termos do disposto no artº 374º, nº 3 al. b) e artº 376º, ambos do CPP, não se tendo verificado qualquer das situações a que aludem os artigos 358º e 359º ambos do CPP.

D) É esse, também, o entendimento desse Venerando Tribunal da Relação de Évora que no acórdão que proferiu em 27/06/2017, no Proc. 61/09.7T3STC.1, em sede da respetiva motivação que fundamentou a decisão de julgar procedente a ilegitimidade do Ministério Público por falta de interesse em agir, decidiu:

“(…) Conforme a arguida destaca em diversos trechos da sua resposta ao recurso e pudemos ouvir na gravação áudio das alegações orais proferidas em audiência de discussão e julgamento pela magistrada do MP, esta começou por manifestar o entendimento que a acusação não devia ter sido deduzida e concluiu dizendo concordar com todos os factos e questões suscitadas pela arguida na contestação (à exceção da prescrição), pelo que, como afirmou, a arguida deverá ser absolvida, não por insuficiência de prova mas por total ausência de prova, repetindo que, como começámos por dizer esta acusação nem devia ter existido.

Por outro lado, o acórdão recorrido decidiu, após audiência de discussão e julgamento, declarar a nulidade insanável da acusação, por insuficiente narração dos factos, dos elementos do tipo de crime, e falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em função do que, de acordo com o disposto nos arts. 119.º e 122.º, n.º 1 do CPP, absolvem a arguida M. da instância penal».

(…)

Ora, em primeiro lugar, resulta do confronto da posição assumida pelo MP em alegações orais com os termos da decisão proferida pelo tribunal recorrido, que é coincidente a situação processual e substantiva do arguido pretendida pelo MP – absolvição da arguida - e a que resulta da decisão do tribunal recorrido.

Na verdade, apesar de ser atípica a formulação do tribunal coletivo recorrido - absolvição da instância penal - o sentido desta decisão reconduz-se necessariamente à absolvição da arguida a que se reportam os artigos 374º nº3 b) e 376º, do CPP, com o consequente arquivamento total do processo, que, após trânsito, faz caso julgado material e torna a decisão vinculativa dentro e fora do processo com caráter definitivo, sendo certo que o acórdão recorrido não estabelece - nem se vislumbram – outros efeitos, alternativos ou cumulativos, que pudessem resultar da chamada absolvição da instância penal.

Em segundo lugar, importa ter em conta que a absolvição pretendida pelo MP e a absolvição decidida no acórdão recorrido assentam em fundamentos diferentes, pois nas alegações orais o MP considera que a absolvição da arguida é consequência da falta de prova dos factos constitutivos do crime de prevaricação imputado à arguida (ou qualquer outro), enquanto a decisão absolutória do tribunal coletivo assenta na nulidade insanável da acusação (sic).

(…)

Assim, mesmo que no caso sub judice se entenda com o MP recorrente que o acórdão recorrido fez errada aplicação das disposições da lei de processo que estabelecem o regime das nulidades processuais ou o procedimento a respeitar na decisão das diferentes questões que integram a Questão da culpabilidade a que se reporta o art. 368º do CPP, não pode deixar de entender-se que o acórdão recorrido proferiu já a decisão que o MP considerou nas alegações orais, ao absolver a arguida, ainda que com fundamento diverso, de mérito jurídico, no mínimo, muito discutível.

Por outro lado, como vimos, mesmo a considerar-se que o tribunal recorrido deixou de decidir questões que se lhe impunha decidir previamente (v.g. decisão sobre a matéria de facto, enquadramento jurídic-penal do factos), o MP não pode recorrer contra decisão de arquivamento ou sentença absolutória, sempre que esteja convicto da insubsistência dos fundamentos materiais da responsabilidade criminal, por falta de prova da factualidade típica, tal como resulta das suas alegações orais e não é sequer contrariado na sua motivação de recurso.

(…)” - – SIC. – Sublinhados e bold nossos.

E) Sendo que tal motivação consubstancia o percurso lógico, o qual mais não é do que o antecedente lógico que foi necessário à emissão da parte da decisão de rejeição do recurso, o qual integra, assim, o conteúdo do caso julgado formal e material, mormente no caso sub judice.

F) O Ministério Público não coloca em causa o segmento da decisão instrutória que decide que no caso concreto estamos perante o mesmo objeto processual, pelo contrário.

G) Não se concebe que o Ministério Público venha dizer que o julgamento efetuado no Proc. nº 61/09.7T3STC – é “inválido” e que não lhe pode ser atribuída “relevância jurídica” para fundamentar a dedução de uma acusação exatamente igual à anterior e dar origem a um processo – os presentes autos – cujo objeto processual é exatamente o mesmo do Proc. nº 61/09.7T3STC – o que faz em manifesta desconformidade com a nossa lei fundamental e com a nossa lei ordinária.

H) Sendo que no caso concreto não há lugar à aplicação do disposto no nº 1, nº 2 e nº 3 do artº 122º do CPP.

I) Ademais, nem o tribunal de primeira instância, nem esse Venerando Tribunal, ordenaram, fosse o que fosse nos termos do disposto no nº 2 e 3 do artº 122º do CPP, pelo contrário.

O Ministério Público, ao deduzir nova acusação contra a arguida com o mesmo objeto, em que nenhum ato de inquérito foi praticado, incorreu numa errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 48º, 53º, nº 1, nº 2 als. a), b) e c), tal como resulta das suas alegações orais e não é sequer contrariado na sua motivação de recurso.

(…)” - – SIC. – Sublinhados e bold nossos.

J) Sendo que tal motivação consubstancia o percurso lógico, o qual mais não é do que o antecedente lógico que foi necessário à emissão da parte da decisão de rejeição do recurso, o qual integra, assim, o conteúdo do caso julgado formal e material, mormente no caso sub judice.

K) O Ministério Público não coloca em causa o segmento da decisão instrutória que decide que no caso concreto estamos perante o mesmo objeto processual, pelo contrário.

L) Não se concebe que o Ministério Público venha dizer que o julgamento efetuado no Proc. nº 61/09.7T3STC – é “inválido” e que não lhe pode ser atribuída “relevância jurídica” para fundamentar a dedução de uma acusação exatamente igual à anterior e dar origem a um processo – os presentes autos – cujo objeto processual é exatamente o mesmo do Proc. nº 61/09.7T3STC – o que faz em manifesta desconformidade com a nossa lei fundamental e com a nossa lei ordinária.

M) Sendo que no caso concreto não há lugar à aplicação do disposto no nº 1, nº 2 e nº 3 do artº 122º do CPP.

N) Ademais, nem o tribunal de primeira instância, nem esse Venerando Tribunal, ordenaram, fosse o que fosse nos termos do disposto no nº 2 e 3 do artº 122º do CPP, pelo contrário.

O) O Ministério Público, ao deduzir nova acusação contra a arguida com o mesmo objeto, em que nenhum ato de inquérito foi praticado, incorreu numa errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 48º, 53º, nº 1, nº 2 als. a), b) e c), fundamentação que os atos praticados pela arguida não violam qualquer norma jurídica, o que se retira implicitamente dos respetivos fundamentos que integram o conteúdo e alcance da decisão e seus efeitos formais e materiais.

P) Nos termos do disposto no artº 29º, nº 5 da CRP “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime”, sendo que, tal como se decidiu no Acórdão do STJ, proferido no Proc. nº 05P4403, de 16/03/2006: “(…) a lei fundamental ao aludir ao duplo julgamento não pode ser entendida no seu estrito sentido técnico-jurídico, tendo antes de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não só a fase processual “rainha”, isto é, o julgamento, mas também outras situações análogas ou de valor equivalente, designadamente aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, todavia, tenha havido lugar àquele conhecido ritualismo.(…). “O que o artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, proíbe, é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal. “Ora, comportamento referenciado ao facto, como expressão da conduta penalmente punível, não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do “objecto do processo” (…) “Deste modo, de acordo com esta visão naturalística, ter-se-á de concluir que ainda que aqueles não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, certo é não poderem ser posteriormente apreciados, já que a sua apreciação violaria frontalmente a regra ne bis in idem, entrando em aberto conflito com os fundamentos do caso julgado.” (…) E no mesmo sentido, fazendo porém apelo a um critério não coincidente, já que não naturalístico, mas essencialmente normativo, especialmente no que concerne à problemática atinente aos poderes cognitivos do juiz, pronunciou-se Eduardo Correia (10), obviamente à luz da lei adjectiva de 1929. Refere aquele insigne penalista que o objecto ao qual é mister pôr o problema da identidade do facto como pressuposto do caso julgado há-de ser o próprio conteúdo da sentença, não só nos expressos termos em que é formulada, mas ainda naqueles até onde se podia e devia estender o poder cognitivo do tribunal. A força consuntiva de uma sentença relativamente a futuras condenações e processos há-de ser medida pelos devidos limites do seu objecto, ou seja, estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos ao seu julgamento. Deste modo, aquilo que, devendo tê-lo sido, não se decidiu directamente, tem de considerar-se indirectamente resolvido; aquilo que se não resolveu por via expressa deve tomar-se como decidido tacitamente.” – SIC. – Sublinhados e bold nossos.

Q) No caso presente verifica-se a exceção de caso julgado dada a identidade de factos ou objeto do processo, identidade da acusada e resolução transitada em julgado.

R) A proteção e o respeito pelo caso julgado encontram-se consagrados na Constituição, designadamente nos artigos artº 1, artº 2º, artº 18º, nº 1 e nº 2, conjugados ainda com o artº 29º, nº 5, artº 111º, nº 1 e artº 205º, nº 2, todos da CRP, sendo que, é sabido que o caso julgado serve, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, 3.ª ed., reimp., Coimbra, 1996, p. 494); e que, fundando-se a proteção da segurança jurídica relativamente a atos jurisdicionais, em último caso, no princípio do Estado de direito (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 257), se trata, sem qualquer dúvida, de um valor constitucionalmente protegido.

S) E a lei Fundamental não pode deixar de reconhecer o caso julgado como uma necessária emanação do princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1.º da CRP).

T) A ideia de caso julgado penal entronca num propósito de proteção do indivíduo face ao arbítrio do Estado-julgador – “ne bis in idem”, sendo que, quando o legislador constituinte protege, ainda que indiretamente a força de caso julgado penal não visa proteger, de modo abstrato, a confiança de todos nos tribunais, enquanto órgãos que administram a Justiça em nome do Povo, mas antes visa, de modo concreto, assegurar que o cidadão acusado e julgado pela prática de um crime não fica permanentemente sujeito a uma reapreciação da sua responsabilidade penal, sendo certo que o princípio da segurança jurídica, que tem o caso julgado como seu postulado destacado, assume-se como basilar do Estado de Direito Democrático.

U) A garantia pessoal do cidadão perante o jus puniendi, é proclamado como basilar do Estado de Direito, e encontra também plena consagração nos textos internacionais pertinentes à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, nomeadamente no artigo 14°, n° 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e no art. 4° do Protocolo n° 7 à CEDH;

V) E, esta questão não está dissociada no princípio da proteção da confiança, sendo que, como refere Gomes Canotilho, “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pg. 257).

W) A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, por dois critérios: - a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar; e quando for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, devendo recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias. – Cfr. artº 18º, nº 2 da CRP.

X) E, o Ministério Público não tem qualquer legitimidade para deduzir a mesma acusação, pautando a sua conduta em manifesta contradição com a posição que assumiu em sede do julgamento nas suas alegações orais a que alude o artº 360º do CPP, no âmbito do Proc. nº 61/09.7T3STC.

Y) Ademais, em 02/11/2017, foi proferida SENTENÇA, transitada em julgado em 11/12/2017, no âmbito do Proc. nº 327/11.6BEBJA, junto do TAF de Beja, a que alude no introito da acusação deduzida no Proc. nº 61/09.7T3STC, sendo que nessa sede se decidiu pela validade dos atos praticados pela arguida. – a arguida não praticou qualquer ação, típica, ilícita, culposa e punível.

Z) O Recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, e consequentemente deve manter-se a verificação, no caso sub judice, da exceção do caso julgado e consequentemente do princípio ne bis in idem, com a declaração de extinção da ação penal contra a arguida pelos factos de quem vem acusada com consequente arquivamento definitivo dos autos, mantendo-se a não pronuncia da arguida do crime de que vem acusada, sob pena de errada interpretação e aplicação do disposto no artº 48º, 53º, nº 1 e nº 2 als. a), b) e c), artº 122º, nº 1, nº 2 e nº 3, artº 374º, nº 3 al. b) e artº 376º, nº 1 todos do CPP, e consequente violação do disposto no artº 1, artº 2º, artº 18º, nº 1 e nº 2, conjugados ainda com o artº 29º, nº 5, artº 111º, nº 1 e artº 205º, nº 2, todos da CRP, e bem ainda da violação do disposto no artigo 14°, n° 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e no art. 4° do Protocolo n° 7 à CEDH;

AA) SEM CONCEDER, na hipótese de se entender ser de revogar a douta decisão instrutória – o que não se admite mas que aqui se refere por mero dever de patrocínio – tal tem como consequência que os autos baixem à primeira instância para conhecimento das demais questões incluindo prévias para que o digníssimo Tribunal “a quo” conheça das mesmas, a saber:

• DA ILEGALIDADE DA ACUSAÇÃO DEDUZIDA CONTRA A ARGUIDA – DA ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEDUZIR ACUSAÇÃO CONTRA A ARGUIDA/FALTA DE INTERESSE EM AGIR – Da Errada interpretação e aplicação do disposto no artº 48º, artº 53º, nº 1 e nº 2 als. a), b) e c), artº 122º, nº 1, nº 2 e 3, artº 360º, nº 1, artº 374º, nº 3 al. b), artº 376º, nº 1, todos do CPP – Errada Interpretação e aplicação do disposto no artº 1º, artº 2º, nº 2 ambos da Lei nº 47/86, de 15/10 (EMP); Violação do disposto no artº 1º, 2º, 18º, nº 1 e nº 2, todos da CRP. – Venire contra factum proprium. – Violação do disposto no artigo 14°, n° 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e no art. 4° do Protocolo n° 7 à CEDH.

• DA TOTAL AUSÊNCIA DA TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA/ DA INEXISTÊNCIA DE AÇÃO, TIPICA, ILICITA, CULPOSA E PUNIVEL. – Da violação do disposto no artº 1º, artº 13º, 14º, do CP; Dos artºs 1º, artº 3º, nº 1 al. i), artº 11º da Lei nº 34/87, de 16/07; E, anda por mera cautela do artº 18º-A da Lei nº 34/87, de 16/07. – DO CASO JULGADO – Cfr. sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.; Violação do disposto no artº 1º, 2º, artº 3º, nº 2, 18º, nº 1, nº 2, artº 29º, nº 1, artº 2º, nº 9, artº 111, nº 1, artº 202º, nº 1 e nº 2, artº 205º, nº 2, artº 211º, nº 1, artº 212º, nº 3 todos da CRP

• SEM PRESCINDIR de tudo o que vai supra expendido e REQUERIDO – DA APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL À ARGUIDA: - Aplicação do disposto no artº 18º-A da Lei nº 34/87, de 16/07, alterada pelas Leis nºs 108/2001, de 28/11, 30/2008, de 10/07, 41/2010, de 03/09, 4/2011, de 16/02, 4/2013, de 14/01, por força do disposto no artº 29º, nº 4 da CRP e artº 2º, nº 4 do CP e artº 15º, n.º 1, “in fine”, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o artigo 49º, n.º 1, “in fine”, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ex vi do artº 16º, nº 1 da CRP.

• E, consequentemente - DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL – Cfr. artº 118º, nº 1, al. c), conjugado com o disposto no artº 121º, nº 3 do CP.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao Ministério Público, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, as quais se prendem com a pronúncia da arguida pela prática do crime de prevaricação, ou não, atento o princípio ne bis in idem.

Vejamos então:

Conforme dispõe o artigo 286º, nº 1, do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

No caso em apreço a abertura da instrução foi solicitada pela arguida, já que o Ministério Público se decidiu pela acusação.

Juntos que foram alguns documentos e realizado o debate instrutório, a Mmª Juiz de instrução proferiu despacho de não pronúncia.

É este despacho que ora está em causa, cumprido avaliar da sua correção.

O caso concreto:

No Processo Comum Coletivo nº 61/09.7T3STC, da secção criminal da Instância Central de Setúbal, J3, da Comarca de Setúbal, conforme consta de fls. 1824 a 1831 dos autos, procedeu-se ao julgamento da arguida MFSRS, pela prática, em autoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 1º, 2º, 3º. al. i) e 11º, todos da lei nº 34/87, de 16 de Julho.

Como se pode ver das aludidas atas de julgamento foi produzida prova em audiência de julgamento, tendo sido proferidas, igualmente, as alegações finais, nas quais o Ministério Público pediu a absolvição da arguida.

A fls. 1846, consta a final da parte decisória do acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo, donde se pode ler.” Acordamos Juízes que constituem o Tribunal Coletivo desta Instância Central Criminal, em declarar a nulidade insanável da acusação, por insuficiente narração dos factos, dos elementos do tipo de crime, e falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em função do que, de acordo com o disposto nos artigos 119º e 122º, nº 1 do CPP, absolvem a arguida MFSRS da Instância Penal.”

O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação de Évora, constando o respetivo acórdão de fls. 1847 a 1888 dos autos, tendo este deliberado, a final: “Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o disposto nos artigos 401º, nº 2, 414º, nº 2 e 420 nº 1 b), todos do CPP, acordam os Juízes da 2ª subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público por falta de interesse em agir”

De novo inconformado, recorreu o Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça, estando a decisão sumária aí proferida a fls. 1890 a 1903 dos autos, lendo-se, a final: “ Termos em que, pelos fundamentos expostos, se decide rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, por o mesmo não ser admissível (artigos 432, nº 1, al. b), 400º, nº 1, al. c), 420º, nº 1, al. b), com referência ao artigo 414º, nº 2, primeiro segmento e nº 3, todos do Código de Processo Penal.

Assim sendo, terminada que foi esta saga de recursos, e dadas as respetivas decisões, temos que transitou em julgado o acórdão proferido na 1ª Instância, ao qual já se fez referência, e que pode ser lido a fls. 1833 a 1846, dizendo este no parágrafo que antecede a decisão: “Em face de tudo o exposto verifica-se a nulidade insanável da acusação nos termos do artigo 383º, nº 3 als. b) e c) e artº 311º, nº 3, al. b) e c) ambos do CPP.

De salientar que este acórdão julgou a arguida pela prática do crime descrito na acusação de fls. 1775 a 1791 do autos.

Entretanto, o Ministério Público requereu certidão do dito processo nº 61/09.7T3STC, a qual deu origem a este Processo nº 4615/18.2T9STB, no qual foi proferida acusação contra a mesma arguida, a fls. 1510 a 1528, tendo esta vindo requerer a abertura da instrução que deu origem à decisão instrutória ora em causa.

Como o próprio Ministério Público o admite, a figura da extinção da instância penal, aquando de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, deixou de ser admissível com a revisão da redação do artigo 359º do CPP, operada pela Lei nº 48/2007, de 28/08.

Por outro lado, também não nos encontramos perante factos autonomizáveis em relação ao objeto do processo, já que é todo esse objeto que está em causa, e não apenas um excedente de factos, cuja existência resultou apurada de audiência de julgamento a que se tenha procedido.

É certo que a sentença proferida no Processo nº 61/09.7T3STC pode não obedecer aos requisitos constantes dos artigos 374º e 376º do CPP; porém, competia ao Ministério Público ter reagido atempadamente quanto a esse aresto, sendo que cumpre não esquecer que o mesmo já transitou em julgado materialmente.

Ora, a matéria objetiva em causa no processo nº 61/09.7T3STC e neste processo nº 4615/18.2T9STB é a mesma.

O primitivo acórdão apontou faltas à acusação sobre a qual recaía, muito embora o tenha feito após a produção de prova em audiência de julgamento, na qual o Ministério Público pediu a absolvição da arguida.

A acusação sobre a qual recaiu a decisão instrutória sub judice como que remenda a acusação proferida no processo nº 61/09.7T3STC, segundo a orientação dada pelo acórdão daí constante.

Do ponto de vista da arguida, esta está a ver-se a braços com a justiça, por duas vezes, pela prática dos mesmos factos.

A isso se opõe o princípio ne bis in idem.

A primitiva acusação não continha o elemento subjetivo do tipo, nem tão pouco a devida incriminação.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo não pode ser acrescentado em audiência de julgamento, com recurso ao disposto no artigo 358º do CPP, atento o decidido no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, publicado a 18 de Janeiro.

Quanto à incorreta incriminação, esta impedirá necessariamente o adequado exercício do contraditório por parte da arguida.

Acresce, que a reação judicial a uma acusação incompleta (quanto à omissão do elemento subjetivo do tipo legal de crime em causa) é o seu não recebimento, ou mesmo quando requerida a instrução, a não pronúncia do agente.

Afigura-se-nos inadmissível que o Ministério Público, por circunstância relacionada com um acórdão judicial, venha agora colher o respetivo benefício, isto é, a possibilidade de proferir uma nova acusação sobre a mesma materialidade, quando a primitiva estava ferida de nulidade.

Como tal, entende-se que a não pronúncia se deve manter.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.

Sem tributação.