Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3153/23.6T8FAR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
PROCURAÇÃO FORENSE
Data do Acordão: 04/03/2024
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: Em sede de processo judicial, existindo alteração do domicílio, não são os serviços de secretaria do Tribunal que têm de exercer o controlo sobre o conteúdo de qualquer procuração em ordem a apurar se se mantém a morada da arguida, mas antes deve ser esta – ou o seu mandatário – que, através de requerimento autónomo, está obrigada a disponibilizar os elementos de contacto a fim de ser perfectibilizada qualquer notificação.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3153/23.6T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo do Trabalho de Faro – J2
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I – Relatório:
(…) veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
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A reclamante interpôs recurso da decisão administrativa proferida pelo Centro Distrital de Faro do Instituto de Segurança Social IP que a condenou no pagamento de uma coima de € 11.000,00 (onze mil euros) e € 45,00 quarenta e cinco euros) de custas.
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Em 10/01/2018, à data da visita inspectiva, a arguida desenvolvia a sua actividade na Rua (…), Bloco B, n.º 1, 2.º-Esq., em Olhão (8700-516).
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Consta da procuração forense junta aos autos que a reclamante reside na Rua (…), Bloco 3, 1.º-Frente, em Olhão (8700-371).
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Em 15/12/2023, foi proferida sentença judicial no processo em causa, que julgou improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão administrativa condenatória.
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A decisão em causa não foi proferida na presença da Reclamante.
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Em 20/12/2023, foi enviada carta de notificação dirigida à arguida para a seguinte morada: Rua da (…), lote 46, (…), Olhão.
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A carta em causa não foi entregue ao destinatário e mostra-se devolvida ao Juízo do Trabalho de Faro no dia 04/01/2024.
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Em 29/01/2024, a arguida interpôs recurso dessa decisão.
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Em 09/04/2023, foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:
«Veio a arguida (…) interpor recurso da decisão final através de requerimento datado de 29.01.2024.
A sentença foi proferida nos autos em 15.12.2023 e notificada à arguida através de carta enviada em 20.12.2024.
De acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro: O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho ou da sua notificação do arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
Pelo exposto não se admite o recurso interposta por extemporâneo. Notifique».
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Em 23/02/2024, foi apresentada a presente reclamação, que sustenta não existir motivo para julgar extemporâneo o recurso, devendo, por isso, ser decretada a sua admissão e a subida imediata dos autos.
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Em abono da sua pretensão, a reclamante afirma que a notificação foi endereçada para morada distinta da constante da procuração forense junta aos presentes autos.
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Além das duas moradas supra referidas, estão insertas no sistema informáticas ainda os seguintes endereços:
· Avenida dos (…), n.º 13, 1.º-Dto., Olhão.
· Urbanização (…), lote 11, 3.º-Dto., Olhão.
· Travessa (…), lote 1, Olhão.
· Vale de (…), (…), Loulé.
· Rua (…), bloco B, 2.º-Esq.º, Olhão.
E, bem assim, o de duas pessoas colectivas:
· Ajuda (…).
· (…) – União de (…) (…) e (…).
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II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Estamos num domínio onde é aplicável quer o Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quer o Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e depois actualizado pelas Leis n.ºs 63/2013, de 27 de Agosto e 55/2017, de 17 de Julho).
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do Tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[1] do Código de Processo Penal, por força do disposto nos artigos 60.º[2] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social e 32.º[3] do Regime Geral das Contra-Ordenações.
As decisões judiciais que admitem recurso estão elencadas no artigo 73.º[4] do Regime Geral das Contra-Ordenações, disposição essa que é integralmente replicada no artigo 49.º[5] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social.
Ao nível do regime de recurso no que concerne ao prazo, embora ele seja distinto nos diplomas acima referidos, em sede de regime especial, que prevalece sobre o regime geral inscrito no artigo 74.º[6] [7], o recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste[8].
Aquilo que está em discussão é apurar se o recurso é tempestivo e qual o termo inicial para a contagem do respectivo prazo.
A reclamante sustenta que, não tendo sido efectuada a notificação da sentença, a qual que não foi proferida na presença da Reclamante, então não ocorreu a condição legal prevista no n.º 1 do artigo 50.º da Lei n.º 107/2009 de l4 de Setembro (Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais de Segurança Social) para o início da contagem do prazo de interposição de recurso.
Para justificar a falta de notificação afirma que foi violada a exigência da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º[9] da Lei n.º 107/2009, de 14/09 (Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social) e refere que a carta deveria ter sido enviada para o endereço constante da procuração.
A situação em causa não está abrangida pela esfera de protecção do artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, mas sim pela norma do n.º 2 do artigo 7.º[10] do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais de Segurança Social, ficando a cargo da interessada a comunicação, no prazo de 10 dias, qualquer alteração do domicílio.
Em sede de processo judicial, existindo alteração do domicílio, não são os serviços de secretaria do Tribunal que têm de exercer o controlo sobre o conteúdo de qualquer procuração em ordem a apurar se se mantém a morada da arguida, mas antes deve ser esta – ou o seu mandatário – que, através de requerimento autónomo, está obrigada a disponibilizar os elementos de contacto a fim de ser perfectibilizada qualquer notificação.
Em teoria e de acordo com as regras processuais, a arguida poderia ser notificada em qualquer uma das 7 moradas indicadas no sistema Citius ou na sede/delegação das duas associações acima referenciadas e não somente na morada indicada na procuração.
Todavia, face à multiplicidade de domicílios em causa, o Tribunal de Recurso também não pode afirmar sem margem para dúvidas que existiu uma intenção pré-deliberada da arguida no sentido de indicar diversos pontos de contacto, a fim de evitar a comunicação de qualquer acto processual – situação em que, por acréscimo, ainda litigaria de má fé – ou, se pelo contrário, ocorreu um erro dos serviços da segurança social ou do Tribunal na inserção de moradas, que conduziu à devolução da carta de notificação da sentença.
Por outras palavras, face aos dados disponibilizados na reclamação e à consulta oficiosa do processo judicial através do sistema Citius, não se pode afirmar inequivocamente que a conduta da requerente tenha contribuído para, em termos objectivos e por culpa própria, ocorresse o não conhecimento do acto de notificação da decisão condenatória.
Assim, na dúvida, como forma de maximizar o exercício do duplo grau de jurisdição, admite-se o recurso interposto, sem prejuízo da possibilidade do relator ter entendimento distinto, ao abrigo da norma consignada na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 405.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente à situação vertente.
E, por isso e apenas por isso, face a essa dúvida, deve dar-se prevalência à morada inserta na procuração, entendendo-se, assim, que o recurso em discussão é tempestivo, alterando-se a decisão reclamada.
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IV – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, concede-se provimento à reclamação, admitindo-se o recurso apresentado.
Sem tributação.
Notifique.
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Requisite o processo principal ao Tribunal recorrido.
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Processei e revi.
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Évora, 03/04/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

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[1] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[2] Artigo 60.º (Direito subsidiário):
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.
[3] Artigo 32.º (Do direito subsidiário):
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
[4] Artigo 73.º (Decisões judiciais que admitem recurso):
1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.
[5] Artigo 49.º (Decisões judiciais que admitem recurso):
1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º.
2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
[6] Artigo 74.º (Regime do recurso):
1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 73.º, o requerimento deve seguir junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Neste casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que será resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
[7] A propósito de divergências anteriores sobre o princípio da igualdade, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2009, para fixação de jurisprudência (in D.R. n.º 11, 1.ª Série, de 16-01-2009), veio a estabelecer: “Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação, quer o de apresentação da respectiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4, e 41.º do Regime Geral de Contra-ordenações (RGCO)”.
[8] Artigo 50.º (Regime do recurso):
1 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.
[9] Artigo 8.º (Notificação por carta registada):
1 - As notificações em processo de contra-ordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, nos seguintes termos:
a) Sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação;
b) Sempre que o notificando se recusar a receber ou assinar a notificação, o distribuidor do serviço postal certifica a recusa, considerando-se efetuada a notificação;
c) A notificação por carta registada considera-se efetuada na data em que seja assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando;
d) Se, por qualquer motivo, a carta registada for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando por via postal simples, considerando-se efetuada a notificação.
2 - As notificações referidas no número anterior podem ser efetuadas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, do sistema de notificações eletrónicas da segurança social, ou da caixa postal eletrónica, equivalendo ambas à remessa por via postal registada com aviso de receção.
3 - Na impossibilidade de concretizar a notificação prevista nos números anteriores, designadamente quando a sede ou o domicílio dos destinatários se situar fora do território nacional, a mesma pode ser feita por edital, nos seguintes termos:
a) Publicitação em anúncio no sítio na Internet da ACT e da segurança social de acesso público;
b) Considera-se feita no dia da publicitação do anúncio;
c) Produz efeitos após o prazo de dilação de três dias.
[10] Artigo 7.º (Notificações):
1 - As notificações são dirigidas para a sede ou para o domicílio dos destinatários, ou para caixa postal eletrónica, ou, ainda, publicitadas por edital.
2 - Os interessados que intervenham em quaisquer procedimentos levados a cabo pela autoridade administrativa competente devem comunicar, no prazo de 10 dias, qualquer alteração da sua sede ou domicílio.
3 - Se do incumprimento do disposto no número anterior resultar a falta de recebimento pelos interessados de notificação, esta considera-se efetuada para todos os efeitos legais, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
4 - As notificações no âmbito dos processos contra-ordenacionais referentes a matérias da segurança social são realizadas nos termos do Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto, que cria o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital.