Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3035/17.0T8LLE.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Para que a Autora obtenha êxito com a presente ação, nos termos do n.º4 do art.º 17.º da lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, tinha que alegar e provar como pressupostos do direito de sub-rogação legal: a existência de um contrato de seguro ao abrigo do qual a Autora teve que pagar à lesada a indemnização devida pelo acidente de trabalho; ter efetivamente realizado o pagamento; a existência de responsáveis pelos factos que originaram o acidente de trabalho; e exercer a sub-rogação dentro do prazo de 3 anos a contar desse cumprimento.
II - O alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º3 do art.º 498.º do Cód. Civil não é aplicável ao exercício de sub-rogação previsto no n.º4 do art.º 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, como tem sido defendido reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I- Relatório.
BB, S.A. intentou a presente ação declarativa comum de condenação contra CC, S.A.; DD, S.A. e EE, Companhia de Seguros, S.A., com os demais sinais dos autos, peticionando a condenação solidária da 1.ª e 2.ª Rés no pagamento da quantia de €5.991,33, sem prejuízo da transferência da responsabilidade civil da 2.ª para a 3.ª Ré, por via do contrato de seguro celebrado entre ambas, bem como os juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré CC, S.A. um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mediante o qual garantiu a responsabilidade civil pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho de que fossem alvo trabalhadores desta. No dia 3 de Outubro de 2012 uma das trabalhadoras da 1.ª Ré sofreu um acidente de trabalho, tendo a Autora suportado os encargos com a reparação dos danos resultantes desse sinistro, que discriminou.
E considerando que a responsabilidade pela ocorrência do sinistro é imputável à 1.ª e 2.ª Ré, invocando a sub-rogação no direito da lesada, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 4 da Lei 98/2009, de 3 de Setembro, pretende obter o pagamento das quantias que suportou.
Regularmente citadas, as Rés contestaram, por exceção, invocando a prescrição do direito da Autora, por se encontrar decorrido o prazo prescricional de 3 anos a que alude o artigo 498.º, n.º2 do Código Civil.
Notificada para o efeito, a Autora respondeu à exceção perentória de prescrição, pugnando pela sua improcedência, sustentando que a factualidade invocada em sede de petição inicial e que provocou o acidente de trabalho configura a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º1 do Código Penal, sendo de 5 anos o prazo prescricional por via do disposto no n.º 3 do referido artigo 498.º do Código Civil.
Após foi proferido saneador sentença que julgou procedente a invocada exceção de prescrição do direito e absolveu as rés do pedido.
Desta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, e após alegações formulou as seguintes conclusões:
A. O âmbito do presente recurso cinge-se à apreciação da seguinte questão:
I. Aplicação do alargamento do prazo prescricional previsto no artigo 498º n.º 3 do Código Civil, nas situações previstas no artigo 498º, nº 2, por via da sub-rogação legal do direito da sinistrada, a Exma. Senhora TELMA …, de que a seguradora se encontra investida ao reclamar os créditos pagos em sede de acidente de trabalho às responsáveis pelo acidente em causa.
Assim,
B. O direito de sub-rogação de que a Seguradora recorrente é titular funda-se em responsabilidade civil extracontratual por facto considerado crime – ofensa à integridade física por negligência- cujo prazo prescricional do procedimento criminal é de 5 anos (Cfr. artigos 118º n.º 1 al c) e 148º, nº1º do Código Penal)
C. O artigo 498º, nº 1 do Código Civil determina que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
D. E o n.º 2 do mesmo preceito estipula que prescreve igualmente no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
E. Contudo, o artigo 498.º, n.º 3 do Código Civil vem ainda estabelecer que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
F. Da conjugação dos preceitos legais acabados de elencar, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, o prazo prescricional aplicável nos presentes autos é de 5 anos (prazo prescricional legalmente aplicável ao crime de ofensa à integridade física por negligência).
G. Com efeito, o direito de sub-rogação invocado pela Seguradora recorrente beneficia, portanto, do alargamento do prazo de prescrição alargado contemplado no artigo 498º, nº 3 do Código Civil.
H. Corroborando este entendimento, e a título de mero exemplo, veja-se:
I. a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 07/07/2010, disponível em www.dgsi.pt,
II. o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/09/2009, proferido no âmbito do Processo n.º 2270/04.6TBVLG.P12, disponível na íntegra em www.dgsi.pt; e
III. o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/01/2015, proferido no âmbito do Processo n.º 143/13.0TBVLN.G1.
I. Face ao exposto, dúvidas não subsistem que deverá ser aplicável ao caso sub judice o prazo de prescrição decorrente do disposto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil.
J. A douta decisão ora posta em crise, ao consignar entendimento diverso, incorreu em flagrante violação, entre o demais, do disposto nos artigo 498º n.º 2 e 3 do Código Civil, o que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais, nomeadamente para revogação da sentença recorrida.
Terminou pedindo a revogação da sentença.
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Contra-alegaram a 2.ª e 3.ª Rés, sustentando a bondade da decisão recorrida e pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se o prazo de prescrição de três anos previsto para o exercício do direito de regresso no n.º2 do art.º 498.º do C. Civil pode ser alargado nas situações a que alude o seu n.º3.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto relevante para responder à questão colocada é a seguinte:
a) A Autora, enquanto seguradora, pretende ser ressarcida, por via do direito de regresso, nos termos do art.º 17.º/1 e 4 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, da quantia total de € 5991,33 que pagou à lesada, vítima de acidente de trabalho, assim discriminadas:
1. € 4 417,89, relativos a perdas de vencimento que pagou à lesada entre 5/11/2012 a 17/04/2013 ( art.º 41 da p.i);
2. € 1 123,00, referentes a despesas hospitalares que suportou entre 6/11/2012 e 5/4/2013 ( art.º 42.º da p.i.);
3. € 215,58, referentes a deslocações efetuadas pela lesada entre 10/01/2013 e 13/4/2013.
b) A presenta ação foi instaurada em 22/09/2017 e as rés foram citadas em 28 de setembro de 2017.
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2. O Direito.
2.1. Prescrição do direito à indemnização.
A questão colocada consiste em saber se o disposto no n.º3 do art.º 498.º do C. Civil se aplica à hipótese prevista no n.º 2, que se reporta à existência de direito de regresso, ou à sub-rogação legal nos termos do n.º4 do art.º 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, ou apenas se aplica à situação prevista no seu n.º1.
Na sentença recorrida entendeu-se que o prazo de 3 anos a que se refere o art.º 498.º, n.º 2, do C. Civil, mostra-se decorrido à data da propositura da presente ação e posterior citação, não podendo beneficiar do alargamento previsto no seu n.º3, e, em consequência, decidiu que o direito da recorrente estava prescrito.
Dissente a recorrente, defendendo que se deve aplicar o n.º 3 desse preceito legal, ou seja o alargamento do prazo de prescrição quando o facto ilícito constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, no caso, cinco anos.
Mas sem razão.
Com efeito, na sentença recorrida exarou-se:
“Assim, importa ter em consideração que a presente ação foi intentada em 22 de Setembro de 2017 (cfr. fls. 182) e que as Rés foram citadas em 28 de Setembro de 2017 (cfr. fls. 183, 184 e 185).
Relativamente à prescrição que, in casu, nos ocupa, dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”, sendo que, nos termos do seu n.º 2 “Prescreve igualmente no prazo de três anos a contar do cumprimento o direito de regresso entre os responsáveis”.
Por sua vez estabelece o seu n.º 3 que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo é este o prazo aplicável.”.
É esta a norma que a Autora invoca para fazer valer a tempestividade do exercício do seu direito.

Contudo, vem entendendo a jurisprudência, que as razões que justificam o prazo curto de prescrição nas ações de direito de regresso são igualmente válidas para o direito do sub-rogado e, por via analógica, aplicado a este o prazo do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil, iniciando-se o mesmo apenas com o cumprimento – veja-se, entre outros, os Acs. STJ de 25.03.2010, proc.2195/06.0TVLSB; de 10.01.2013, proc. 157-E/1996.G1.S1; de 07.02.2017, proc. 3115/13.1TBLLE; Ac. TRL de 16.06.2015, proc. 21090/13.0T2SNT; Ac. TRE de 10.03.2016, proc. 436/12.4TBMRA; Ac. TRP de 23.02.2012, proc. 7503/10.7TBMAI; Ac. TRC de 27.05.2014, proc. 1953/08.6TBPL e Ac. TRG de 29.09.2016, proc. 133/15.9T8BGC, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Importa, assim, apreciar se a extensão do prazo prescricional previsto no n.º 3 tem aplicação nas situações previstas no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil.
Há aqui que fazer a interpretação destas disposições legais utilizando os critérios do artigo 9.º do Cód. Civil.
À primeira vista e utilizando o elemento literal de interpretação, podia-se dizer que a extensão do prazo prevista no citado n.º 3 tanto se aplica ao prazo do n.º 1 – de prescrição do direito do lesado – como ao prazo previsto no n.º 2 – do direito de regresso, como sustenta a Autora.
Porém, pensamos que pela utilização do elemento lógico de interpretação teremos de chegar a entendimento contrário, nomeadamente pela utilização do elemento racional.
A razão de ser da introdução do preceito do n.º3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no n.º 1.
É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais (cfr. Antunes Varela, In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, pág. 628).
Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso.

Não decorrendo da letra da lei, expressamente, se o alongamento do prazo de prescrição respeita apenas ao direito de indemnização do lesado ou a este e à ação de regresso entre responsáveis, ambas as soluções já têm sido defendidas e a questão encontra-se amplamente debatida a propósito do prazo de prescrição aplicável ao direito de regresso das seguradoras (artigo 19.º do DL nº 522/85, de 31/12), sendo a orientação dominante na jurisprudência do STJ a de que o alongamento do prazo respeita apenas ao direito do lesado não abarcando o direito de regresso das seguradoras.
Neste sentido, o Ac. do STJ de 18.10.2012, proferido no proc. 6/10.8TBCVL-A.C1.S1, com indicação de outros acórdãos, onde se escreveu: “Sobre esta problemática este Supremo tem vindo a decidir pacifica e uniformemente no sentido de que o direito de regresso da seguradora que satisfaz uma indemnização ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, causador de acidente que originou os danos objeto daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos, previsto no nº 2 do art.º 498º do C.C. não se aplicando ao mesmo prazo a extensão do nº 3 (cfr. Ac. do STJ de 5/06/2012, acessível in www.dgsi.pt, relator Cons.º João Camilo, bem como os Acs. deste Supremo aí citados)”.
Este entendimento foi também sufragado no Acs STJ 27.10.2009, proc. 844/07.2TBOET.L1l; de 04.11.2010, proc. 2564/08.1TBCB.A.C; de 17.11.2011, proc. 1372/10.4T2AVR.C1.S1 e de 29.11.2011, proc. 1507/10.7TBPNF.
Sobre serem idênticas as razões que implicam a não aplicação do prazo alongado do nº 3 do artigo 498.º do Código Civil ao sub-rogado são, também, esclarecedores os Acs. do STJ de 05.06.2012, proc. nº 32/09.3TBSRQ.L1S1 e de 07.05.2014, proc. 8304/11.0T2SNT; Ac. TRE de de 19.11.2015, proc. 3406/12.9TBSTB; Acs. do TRP de 09.04.2015, proc. 11173/12.OTBVNG.P1; de 27.05.2014 proc. 62/10.2TBCNF.P1; Ac. TRL de 06.11.2012, proc. nº 6022/09.9TVLSB.L1-7, entre muitos outros, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
É esta também a orientação que sufragamos.
Assim, no seguimento desta jurisprudência pacífica e uniforme, impõe-se concluir que a melhor interpretação dos números 1, 2 e 3 do citado artigo 498.º aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no n.º 1 e pode ser alongado nos termos do seu n.º 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso e de sub-rogação é sempre o previsto no seu n.º 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no nº 3” – fim de citação.
Ora, apesar de no caso concreto tratar-se de verdadeira sub-rogação legal, a verdade é que não podemos deixar de acompanhar a orientação seguida na decisão recorrida, tendo em conta a jurisprudência unânime que tem vindo a ser firmada no STJ a propósito desta concreta questão.
Na realidade, prescreve o n.º4 do art.º 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro [1]:
O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.” – nosso sublinhado.
Este preceito legal corresponde no essencial ao anterior texto do n.º4 do art.º 31.º da Lei n.º 100/97 de 13/9, exceto na parte em que nele se previa expressamente o “direito de regresso”, em vez da “sub-rogação”.
Porém, mesmo no âmbito da vigência dessa disposição legal era entendimento unânime na doutrina e jurisprudência que, apesar de a Lei falar em direito de regresso, o que se tratava era de um verdadeiro direito de sub-rogação. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/9/2014, proc. n.º 7022/12.7T2SNT.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“I - O regime legal enunciado no n.º 4 do art. 31.º da Lei n.º 100/97, de 13-09 (Lei dos Acidentes de Trabalho), muito embora se possa retirar do sentido das palavras que integram o seu texto que o direito que se pretende exercer, e aí consignado, constitui aparentemente um direito de regresso, a doutrina e a jurisprudência vem entendendo a este propósito que a expressão literal contida naquele normativo está muito aquém da ideia que o legislador nele quereria incutir e que naquele normativo se retrata mais rigorosamente uma sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente.
II - A seguradora/demandante, porque satisfez ao lesado o crédito indemnizatório que à ré impedia por força do regime legal acomodado aos acidentes de trabalho, tomando o lugar desta na titularidade de tal direito de crédito, nos termos do proposto no n.º 1 do art. 593º do CC (o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam) haverá de ser ressarcida da quantia assim entregue.”
Veja-se ainda a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/10/2006, Proc. n.º 1208/05.8TBTMR.C1:
“A expressão “direito de regresso“ está plasmada impropriamente, devendo interpretar-se corretivamente como tratando-se de um verdadeiro direito de sub-rogação, com o regime jurídico previsto nos arts.590 e segs. do CC, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecentes ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 103, pág.30, Ac do STJ de 24/6/2004, C.J. ano XII, tomo II, pág. 113, Ac RC de 4/12/84, C.J. ano IX, tomo V, pág.82, de 28/3/89, C.J. ano XIV, tomo II, pág.57 ).
A sub-rogação, como forma de transmissão das obrigações, atribui ao sub-rogado o mesmo direito do credor, enquanto o direito de regresso é um direito nascido ex novo na esfera jurídica daquele que extinguiu, ou à custa de quem foi extinta a obrigação.
Em bom rigor, trata-se de um direito próprio, nascido de sub-rogação legal (art.592.º do CC) e não voluntária (art.589 do CC), que lhe advém do facto de, enquanto Seguradora do trabalho, ter pago indemnizações cujo cumprimento cabia, em primeira linha, ao responsável pelo acidente.”
Ora, como é consabido, “a sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso é um direito nascido ex-novo na titularidade daquele que extinguiu ( no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta” – cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4.ª edição, pág. 334.
Assim, o terceiro que paga pelo devedor só fica sub-rogado nos direitos do credor com o pagamento; enquanto não o fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor.
Por isso, para que a Autora obtivesse êxito com a presente ação teria que alegar e provar como pressupostos do direito de sub-rogação legal: a) a existência de um contrato de seguro ao abrigo do qual a Autora teve que pagar a indemnização devida pelo acidente de trabalho; b) ter efetivamente realizado o pagamento; c) a existência de responsáveis pelos factos que originaram o acidente de trabalho; d) exercer a sub-rogação dentro do prazo de 3 anos a contar do cumprimento.
Com efeito, no que respeita ao último dos apontados requisitos, tem vindo a ser defendido sistematicamente pelo Supremo Tribunal de Justiça a inaplicabilidade do prazo alargado de prescrição previsto no n.º3 do art.º 498.º do C. Civil ao exercício do direito de regresso ou sub-rogação, como se dá conta no recente acórdão de 19/05/2016, proc. n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1 ( Maria da Graça Trigo), disponível em www.dgsi.pt, proferido sob caso idêntico ao dos presentes autos, que acompanhamos, no qual se escreveu:
“O problema do eventual alargamento do prazo de prescrição tem sido resolvido, de forma reiterada, em sentido negativo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. os acórdãos de 04/11/2008, proc. nº 08A3119, de 27/10/2009, proc. nº 844/07.2TBOER.L1, de 04/11/2010, proc. nº 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, 16/11/2010, proc. nº 2119/07.8TBLLE.E1.S1, de 17/11/2011, proc. nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1, de 29/11/2011, proc. nº 1507/10.7TBPNF.P1.S1, de 06/12/2011, proc. nº 797/07.7TBVCD.P1.S1 e de 18/10/2012, proc. nº 56/10.8TBCVL-A. C1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt; e ainda, relativamente a situações de sub-rogação legal no direito do lesado, nos acórdãos de 05/06/2012, proc. nº 32/09.3TBSRQ.L1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 8304/11.0T2SNT-AL1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt, e de 03/12/2015, proc. nº 11173/12.0TBVNG.P1.S1, in sumarios.stj.pt).
Enuncia-se, de forma breve, a argumentação utilizada para se recusar o alargamento do prazo por aplicação do nº 3, do art.º 498º, do CC: (i) O direito de regresso da seguradora é um direito novo, distinto do direito de indemnização do lesado, estando o prazo de prescrição daquele direito expressamente previsto no nº 2, do art. 498º, do CC, pelo que o seu eventual alargamento nunca se poderia admitir por aplicação automática do regime de prescrição do direito do lesado, antes exigiria encontrar justificação autónoma; (ii) Ora, na ação de regresso “não está já em causa, em termos diretos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida mas antes um segundo
momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo” (acórdão do Supremo Tribunal de 27/10/2009, cit.); (iii) Em última análise, sendo o direito da seguradora um direito novo, que não corresponde a uma situação de responsabilidade civil extracontratual, não se verifica a ratio legis do art. 498º, nº 3, do CC. Com efeito, “A razão de ser da introdução do preceito do nº 3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no nº 1. É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu
dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais” (acórdão do Supremo Tribunal de 05/06/2012 (proc. nº 32/09.3TBSRQ.L1.S1, cit.), explicação que, ainda que inserida em caso relativo ao direito do FGA, sub-rogado no direito do lesado, é válida em termos gerais” – fim de citação.
Quanto ao prazo de prescrição na sub-rogação, lê-se no Acórdão do STJ de 07/05/2014, proc. nº 8304/11.0T2SNT-AL1.S1 (Granja da Fonseca):
“Tal direito funda-se numa base contratual, adveniente de ter cumprido a obrigação de ressarcimento a que estava vinculado, e não num direito de indemnização de lesado sobre o autor do facto danoso, fundado no instituto da responsabilidade extracontratual. Por conseguinte, o alongamento do prazo de prescrição a que alude o n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, não lhe é aplicável”.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão desta Relação, de 8/9/2016, 793/14.8TBVNO.E1, disponível em www.dgsi.pt, sustentando que “ O alargamento do prazo de prescrição previsto no art.º 498.º, n.º 3, Cód. Civil, não se aplica aos casos de direito de regresso”.
Esta é também a nossa interpretação.
Com efeito, como decorre da expressão utilizada no n.º2 do art.º 498.º do CC, “a contar do cumprimento”, o início da contagem do prazo de prescrição será o do momento em que o pagamento for efetuado.
Se assim é, não faria qualquer sentido que o legislador pretendesse atribuir à seguradora o mesmo prazo de prescrição concedido ao lesado, previsto para o ilícito criminal (n.º3), para exercer o seu direito de regresso, sob pena desta beneficiar do dobro do prazo concedido ao lesado, pois que, nesse caso, a contagem do prazo de prescrição de cinco anos só se iniciaria a partir do pagamento da indemnização (n.º2), quando esta já havia sido determinada em ação própria proposta pelo lesado dentro desse prazo de 5 anos (n.ºs 1 e 3).
Ora o exercício do direito de regresso, ou da sub-rogação legal, da seguradora, tem por fundamento o contrato de seguro celebrado com a entidade patronal do lesado e ter cumprido a obrigação emergente de ressarcimento dos danos a que se vinculou, e não num direito de indemnização de lesado sobre o autor do facto danoso, fundado no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
Daí que o direito deva ser exercido a partir do momento do cumprimento dessa obrigação, facto que condiciona e legitima o seu exercício, e não do facto gerador de responsabilidade civil por facto ilícito, previsto apenas para o lesado desse facto (n.º1).
E não se vislumbram que outros propósitos, evidentemente não explicitados, poderia ter o legislador para estender esse prazo alargado ao exercício do direito de regresso, que a mera interpretação da letra da lei não consente e que o seu espírito afronta.
Ora, como é consabido, a interpretação não deve cingir-se apenas à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº 1, do C. Civil).
O texto legal é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, ou como ensina Oliveira Ascensão, “O Direito”, 13.ª edição, pág. 396, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”, pelo que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, como flui do nº 2 do art.º 9.º do C. Civil.
Acresce que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º3 do art.º 9.º do CC)
Assim, e porque a letra do texto legal não impede essa interpretação, parece-nos, tal como a maioria da jurisprudência citada, que o espírito dessa norma (n.º2 do art.º 498.º do CC), no confronto com a previsão do seu n.º1, aponta claramente para a exclusão do alargamento do prazo a que alude o seu n.º3, ou seja, esta disposição legal refere-se às situações previstas no seu n.º1 [2].
E porque a recorrente intentou a presente ação em 22 de setembro de 2017, pretendendo ressarcir-se dos montantes que pagou à lesada até abril de 2013, significa que já havia decorrido mais de 4 anos sobre esse efetivo pagamento, ou seja, depois do decurso do prazo prescricional de 3 anos – art.º 498.º/2 do C. Civil.
Por isso, a sentença recorrida aplicou devidamente o preceito legal em causa aos factos pertinentes, ancorando-se na orientação jurisprudencial quase unânime sobre a questão colocada, pelo que não merece censura.
Improcede a apelação.
Vencido no recurso, suportará a apelante as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Para que a Autora obtenha êxito com a presente ação, nos termos do n.º4 do art.º 17.º da lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, tinha que alegar e provar como pressupostos do direito de sub-rogação legal: a existência de um contrato de seguro ao abrigo do qual a Autora teve que pagar à lesada a indemnização devida pelo acidente de trabalho; ter efetivamente realizado o pagamento; a existência de responsáveis pelos factos que originaram o acidente de trabalho; e exercer a sub-rogação dentro do prazo de 3 anos a contar desse cumprimento.
2. O alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º3 do art.º 498.º do Cód. Civil não é aplicável ao exercício de sub-rogação previsto no n.º4 do art.º 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, como tem sido defendido reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça.

V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Évora, 2018/10/18
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Diploma legal que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, sucedendo à Lei n.º 98/2009, de 13 de setembro.
[2] Não ignoramos o Acórdão do STJ, de 7/7/2010, proc. n.º 142/08.4TBANS-A.C1.S1 , consultável em www.dgsi.pt, que decidiu em sentido inverso, ou seja, que “O alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498º do Cód. Civil aplica-se não só às hipóteses previstas no n.º 1 mas também às previstas no n.º 2 do mesmo artigo, nomeadamente para o exercício do direito de regresso da seguradora contra condutor que, agindo sob influência do álcool, tenha por essa via dado causa a sinistro integrante de crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição do procedimento criminal superior a três anos”.