Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/14.8TBTNV.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1. A “perda de chance” consubstancia a perda de possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo considerado como um dano autónomo, intermédio, configurável como dano emergente e ressarcível diferentemente do dano final, já que nestas circunstâncias a fixação da indemnização total ou a sua recusa pura e simples não satisfazem o escopo da justiça material.
2. Apenas serão indemnizáveis as chances “sérias e reais”, pelo que importa averiguar se a possibilidade perdida gozava de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido.
3. A apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado da ação administrativa de impugnação do despedimento deve ser realizada a partir da perspetiva do tribunal (Administrativo) que teria julgado essa ação, e não na perspetiva do tribunal judicial que julga a presente ação de indemnização por perda de chance.
Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório:
AA intentou a presente ação declarativa comum de condenação contra BB e mulher, CC, e DD Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 130.000,00, por danos causados pelo R. marido no exercício da sua atividade profissional de advogado.
Alegou para o efeito que o R. BB, na qualidade de advogado, aceitou patrociná-la numa ação contra a sua entidade patronal, visando pôr em causa a cessação do contrato de trabalho a termo, por conter uma cláusula nula justificativa do termo resolutivo, nulidade essa que o converteria em contrato sem termo. Tal ação deveria ser posta no prazo de um ano a contar de 20.04.2011, não tendo o R. interposto a ação, dizendo estar a aguardar o trânsito em julgado do processo-crime contra a administração da sua entidade patronal. Caso a nulidade tivesse sido invocada, a A. estaria vinculada à entidade patronal por tempo indeterminado, pelo que, decorrido o prazo para interpor a ação, a A. ficou impossibilitada de exercer o seu direito.
Com a sua atuação, o R. causou-lhe um prejuízo patrimonial no valor de € 100.000,00, calculado com base no facto de a ação demorar cerca de três anos, período findo o qual a A. seria reintegrada e a entidade patronal condenada a pagar-lhe as remunerações até ao trânsito em julgado, e ainda danos não patrimoniais no valor de € 30.000,00.
E justificou a demanda contra a DD Seguros, S.A., por ser esta que assegura a responsabilidade civil profissional dos advogados, garantindo o pagamento das indemnizações exigidas a advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
Contestou o Réu BB, alegando que delineou uma estratégia na qual a ação laboral aguardaria o desfecho do Proc. N.º 47/09.1 TAPSR que se encontrava a correr termos, no qual a A. acusava a administração da EE de corrupção e abuso de poder, e onde pretendia deduzir pedido de indemnização em valor superior ao que obteria com a impugnação do contrato de trabalho. Com a absolvição dos arguidos, a A. revogou-lhe a procuração em 08.10.2012 e também ele renunciou à procuração em 11.10.2012, pelo que, a partir de tal data não lhe assiste a obrigação de propor qualquer ação e concluiu pedindo a condenação da A. como litigante de má-fé.
Citada a R. DD Seguros, S.A., veio alegar que o sinistro em causa está excluído das condições especiais da apólice, impugnando os factos alegados pela A.
Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, a 2.ª R. CC foi absolvida da instância.
Saneado o processo e realizado o julgamento foi proferida a competente sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os Réus do pedido.
Desta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes:
A) A douta sentença recorrida não apreciou a caracterização do contrato individual de trabalho celebrado entre a EE e a Autora, como estando sujeita ao regime jurídico do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.
B) Não apreciou a nulidade da cláusula segunda, número três, cuja consequência jurídica é a invalidade desta cláusula, tomando-o, ope legis, um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
C) Consequentemente o despedimento foi nulo com direito à Autora de optar pela sua reintegração, bem com o pagamento das remunerações que iria auferir como se estivesse ao serviço.
D) Tendo aceite a procuração para esse fim o R. deveria ter proposto a ação no Tribunal da Comarca ou informar a Autora que mudou de entendimento e/ou renunciar ao mandato o que não foi feito.
E) Pelo que a Autora perdeu a oportunidade de vir a ser reintegrada no seu posto de trabalho.
F) E de ser ressarcida pelos prejuízos patrimoniais e morais devidos pelo despedimento ilícito.
A douta sentença deve ser anulada e substituída por douto acórdão que dê provimento à ação porque violou: o princípio constitucional da igualdade da acesso á função pública em condições de igualdade - artigos 47.º/2 e 50.º/1 da Constituição da República Portuguesa. Os princípios constitucionais da segurança no emprego e do direito ao trabalho - Artigos 53.º e 58.º da C. R. Portuguesa. O princípio administrativo da boa-fé - Artigo 6°/1 do Código do Procedimento Administrativo. Ao celebrar o contrato individual de trabalho com a Autora e fazendo constar nele um facto objetivamente falso (conteúdo da cláusula segunda) excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, e, fazendo uso dessa falsidade factual para a despedir, exerceu ilegitimamente um direito, pelo que violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
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A Ré Seguradora contra-alegou, defendendo a bondade e manutenção da decisão.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se Autora tem direito a reclamar do Réu a indemnização peticionada pelo facto de este incumprir o contrato de mandato forense.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto fixada na 1.ª instância, que não vem questionada, é a seguinte:
1 - A A. candidatou-se a um concurso público publicado pela EE em Junho de 2007, tendo sido classificada em primeiro lugar, entre mais de duzentos concorrentes.
2 - Quer o anúncio do concurso, quer a ata da classificação final do mesmo, declaram que EE pretende recrutar pessoal para a constituição de reservas de recrutamento para celebração de contrato de trabalho a termo.
3 - A A. celebrou com a EE, um contrato individual de trabalho a termo resolutivo certo, de que existe cópia a fls. 24-29, que teve início em 20.04.2009 e cessou em 19.04.2011.
4 - No contrato consta na Cláusula Segunda (Justificação do Termo Certo) o seguinte:
1. O Centro de Saúde tem verificado um acréscimo excecional nas atividades administrativas, dado o número de profissionais disponíveis ser deficiente.
5 - Nessa altura, (entrada ao serviço da A) aposentaram-se três funcionárias administrativas, bem como a chefe da Secretaria.
6 - Na cláusula terceira do contrato de trabalho (Objeto do Contrato atividade contratada) consta:
3. a A. exercerá as funções correspondentes às de Assistente Técnico, da Carreira de Assistente Técnico. ( ... )
5. O conteúdo funcional de categoria e carreira é a seguinte:
a) Assegura a transmissão de comunicação entre os vários órgãos e estes e os
particulares, através do registo, redação e classificação e arquivo de expediente e outras formas de comunicação;
b) Assegura trabalhos em computador;
c) Trata informação, recolhendo e efetuando apuramentos estatísticos elementares e elaborando mapas, quadros ou utilizando qualquer outra forma de transmissão eficaz dos dados existentes.
d) Recolhe, examina, confere e procede à escrituração de dados relativos às transações financeiras e contabilísticas, podendo assegurar movimentação de fundo de maneio.
e) Recolhe, examina e confere elementos constantes de processos, anotando faltas ou anomalias e providenciando pela sua correção e andamento, através de ofícios, informações ou notas em conformidade com a legislação existente.
f) Organiza, calcula e desenvolve os processos relativos à situação de pessoal e
à aquisição ou manutenção de material, equipamento, instalações ou serviços.
7 - As funções concretamente exercidas pela A. eram as seguintes:
a) Atendimento telefónico;
b) Expediente Geral;
c) Marcação/Desmarcação ou Ativação de consultas;
d) Marcação de consultas de especialidade;
e) Marcação de exames;
f) Inscrição de novos utentes;
g) Organização do receituário de utentes por médicos de família;
h) Divisão, organização e arquivamento de resultados de exames nos processos médicos.
i) Atribuição e isenção de taxas moderadoras;
j) Elaboração dos respetivos mapas e formulários de acompanhamento no envio de citologias e exames para laboratórios;
k) Marcação de exames radiológicos;
1) Avisar utentes de marcações e/ou desmarcações de consultas e exames;
m) Avisar utentes do horário de transportes solicitados para deslocação a consultas ou exames;
n) Reembolso e serviços de urgência básica;
o) E ainda funções de Secretaria, Gestão, Contabilidade e Tesouraria.
8 - A A. auferia a remuneração mensal ilíquida (catorze meses por ano) de € 683,13, acrescida de € 4,27 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
9 - Por carta datada de 21.03.2011, de que existe cópia a fls. 30, a ULSNA, E.P.E., informou a A. de que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado entre ambas caducaria a 19.04.2011, data em que cessaria.
10 - O R. Dr. BB exerce a profissão de advogado há dezenas de anos, está inscrito no Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, e é titular da Cédula Profissional na X.
11 - Tem a sua inscrição em vigor, exercendo a sua atividade no escritório.
12 - No exercício da sua atividade profissional, aceitou patrocinar a A. para mover uma ação judicial de direito laboral contra a EE, tendo redigido a procuração forense, de que existe cópia a fls. 22, datada de 02.05.2011, que a A. assinou e lhe entregou para os indicados fins, "concedendo-lhe os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos e os especiais para promover quaisquer procedimentos judiciais ou administrativos contra a EE, relacionados com o contrato de trabalho que oportunamente celebrou com aquela entidade.
13 - O R. Dr. BB transmitiu à A. o seu parecer quanto ao motivo justificativo não era nem formal nem substancialmente verdadeiro.
14 - Para fazer valer o seu direito em tribunal, designadamente, para que cláusula segunda fosse declarada nula e o contrato sem termo, com a sua consequente reintegração no posto de trabalho, com a mesma categoria profissional, de Assistente Técnico da Carreira de Assistente Técnico, a A. assinou e entregou ao R., no seu escritório, a procuração forense referida.
15 - O R. não propôs a ação.
16 - O Réu transmitiu à A. que a ação só deveria ser proposta após o trânsito em julgado do processo-crime que estava a decorrer no Tribunal, contra a Administração da EE.
17 - No processo comum singular, Proc. n.º 47/09.1 T APSR, em que eram arguidos FF, diretor do Centro de Saúde, GG, HH e II, membros do conselho de Administração da EE, a quem era imputada a prática em coautoria de um crime de abuso de poder, no qual interveio a aqui A. como assistente, deduzindo pedido de indemnização civil, no montante de € 50.000,00, por danos não patrimoniais, que não foi admitido, por intempestivo, em 11.06.2013, foi proferida sentença, na qual foram os arguidos absolvidos do crime imputado.
18 - Por requerimento junto ao Proc. n.º 47/09.1 TAPSR, em 08.10.2012, a A. revogou a procuração conferida ao R. BB.
19 - Por requerimento junto ao Proc. n.º 47/09.1 TAPSR, em 11.10.2012, o R. BB renunciou à procuração conferida pela A.
20 - A A. ficou deprimida.
21 - A R. DD Seguros, S.A. segura a responsabilidade civil profissional dos advogados, garantindo o pagamento das indemnizações que possam ser exigidas aos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, a título de Responsabilidade Civil Profissional, nomeadamente, com base em erro, omissão, ou negligência, no exercício da atividade profissional de advocacia, no valor de 150,000,00 €, com uma franquia fixa de 5.000,00 € e retroatividade ilimitada.
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2. O direito.
1. A recorrente peticionou a condenação do Réu BB no pagamento de indemnização por danos morais e patrimoniais sofridos, por este, na qualidade de advogado, não ter dado execução ao mandato conferido pela procuração forense para intentar ação destinada a por em causa a cessação do contrato de trabalho a termo certo, por nulidade da cláusula justificativa, visando obter a sua reintegração na entidade administrativa. Sustenta que pelo incumprimento do mandato perdeu a oportunidade de vir a ser reintegrada no seu posto de trabalho, tendo direito a ser ressarcida pelos prejuízos patrimoniais e morais devidos pelo despedimento ilícito.
Na decisão recorrida, entendeu-se que “Os prejuízos invocados pela A. podem ser enquadrados dentro da figura da "perda de chance" ou "perda de oportunidade", que é entendida como a quebra da possibilidade concedida ao lesado, de poder aceder a algum desfecho ou resultado positivo, constituindo e, nessa medida, como dano autónomo indemnizável que é reconhecível na esfera do lesado, por perda de um potencial, gerada por uma conduta culposa”.
E assentando nos factos provados, concluiu a 1.ª instância:
Assim, não está demonstrada nos autos a probabilidade de que a não interposição da ação resultou de ato negligente ou da inércia do 1.º R., que não a interpôs, não existindo uma relação de probabilidade direta entre a cessação do contrato e a inércia do 1.º R. em interpor a referida ação, por ainda dispor de prazo para o fazer na data em que a A. revogou a procuração.
De facto, ainda que assim não fosse, não se pode concluir que, caso o 1.º R. tivesse interposto a ação esta seria procedente e a A. manteria o contrato de trabalho.
Resulta assim que não se verifica nenhum nexo de probabilidade entre a omissão do 1.º R. de não interpor a ação e a caducidade do contrato de trabalho da A., pelo que fica prejudicada a atribuição de uma indemnização com recurso à equidade, por perda de chance”.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
2. Não vem questionado que a conduta do Dr. BB é ilícita e culposa, presunção que decorre aliás do art.º 799.º/1 do C. Civil, não demonstrando, como lhe competia, factos que revelem não lhe ser subjetivamente exigível ou censurável esse comportamento, de modo a ilidir essa presunção, sendo responsável pelo prejuízo que causou à Autora pela não interposição da competente ação com vista a obter a “nulidade do despedimento” e sua reintegração ao serviço ( art.ºs 483.º e 798.º do C. Civil), concordando-se com a decisão recorrida no que respeita ao enquadramento jurídico da natureza do contrato celebrado ente a Autora e o 1.º Réu, porquanto estamos no âmbito da responsabilidade civil de advogado, por nessa qualidade o 1.º Réu contratou com a Autora, na qualidade de mandatário forense, para instaurar essa ação, a quem, nos termos do disposto no art.º 1157º do C. Civil, competia, com autonomia própria da natureza técnica dessa atividade e com observância das regras deontológicas vigentes à data no Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 16 de Janeiro), quer do atual (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), defender os interesses legítimos do seu cliente, utilizando com zelo e diligência, o seu saber profissional, decorrendo do mandato forense uma obrigação de meios e não de resultado (cf. , entre outros, Acórdão do STJ de 5/5/2015, proferido no proc. n.º 614/06.5TVLSB.L1.S1).
E quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, verificado o respetivo nexo de causalidade entre o dano e o facto danoso – art.º 562.º e 563.º do C. Civil.
3. Tem vindo a ser defendida, na doutrina e pela jurisprudência, a teoria de que a “perda de chance” consubstancia a perda de possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo considerado como um dano autónomo, intermédio, configurável como dano emergente e ressarcível diferentemente do dano final, já que nestas circunstâncias a fixação da indemnização total ou a sua recusa pura e simples não satisfazem o escopo da justiça material [1].
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 5/5/2015 (Silva Salazar), “A perda de chance” deve ser considerada como um dano atual, autónomo, consubstanciado numa frustração irremediável (dano), por ato ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida, ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, não fosse essa omissão (nexo causal).
Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer.”

E adianta-se ainda nesse aresto, citando vária jurisprudência do STJ, “há já uma parte significativa da nossa jurisprudência e doutrina recentes que admite a possibilidade legal de a indemnização por responsabilidade civil contratual ou extracontratual abranger o dano traduzido na perda de probabilidade (perda de chance) de obtenção de uma futura vantagem, resultante da interposição de uma conduta omissiva de um terceiro que dessa forma a afastou, considerando essa mesma perda um dano autónomo. Para alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal, a probabilidade atual, e não meramente futura, da obtenção dessa vantagem, e a frustração da mesma determinada por ato ou omissão de terceiro, pode constituir só por si um bem digno de proteção jurídica”.

Como também se sentenciou no Acórdão do STJ, de 1/7/2014 ( Fonseca Ramos), “Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance” como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil – mas, antes, introduzir, como requisito caracterizador dessa autonomia, que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade, séria, real, de não fora a atuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a atuação omitida, se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro”.

Idêntico entendimento defende Nuno Santos Rocha, ob. cit. pág. 59, admitindo serem indemnizáveis apenas as “chances sérias e reais”, afirmando ser necessário “averiguar se as possibilidades perdidas gozavam de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido para que a sua perda possa ser considerada como relevante a nível ressarcitório”.
Orientação também defendida por Patrícia Cordeiro da Costa, ob. pág. 98, sustentando que “só se enquadram na noção de chance as possibilidades relevantes e consistentes de obter um resultado útil e de que gozava concretamente o lesado”. E adianta que “ na perda de chance exige-se a certeza da existência de uma possibilidade séria de conseguir uma vantagem ou de evitar uma desvantagem; mas está-se perante a incerteza de que tal vantagem/evitamento de desvantagem teriam sido alcançados caso o facto do agente não tivesse ocorrido”.
Por sua vez, o dano indemnizável pela perda de chance há-de corresponder não ao dano final verificado mas ao correspondente ao grau de probabilidade de se alcançar o efeito útil desejado, pois “o dano de perda de chance está numa relação muito próxima com o resultado útil que se pretenderia alcançar, e é por isso que o valor do primeiro terá de ser aferido em função da probabilidade que o segundo teria de se efetivar” – cf. Nuno Santos Rocha, ob. cit. pág. 66/67. E explicita o Autor: “Logo, por se reportar à vantagem esperada, a quantificação do dano da “perda de chance” ficará dependente do grau de probabilidade que havia de aquela poder realmente acontecer”.
E tendo em conta a natureza autónoma do dano “perda de chance”, o citado Autor realça: “O que acontece é que o valor da indemnização das “chances” perdidas será sempre inferior ao valor que se iria obter caso se estivesse a indemnizar pelo dano final, o que é facilmente percetível por se estar a reparar a possibilidade de um resultado, e não o próprio resultado”.
Na mesma linha argumentativa se pronunciou a Jurisprudência citada, nomeadamente o Acórdão do STJ de 5/5/2015, afirmando, e em consonância com a doutrina aí citada, que “ o dano da perda de chance tem sido classificado como dano presente, como realidade atual e não futura embora consistindo na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, admitindo ou sugerindo que se trata, em si, de um bem jurídico digno de tutela, devendo o respetivo quantum indemnizatório ser calculado em atenção ao valor da oportunidade perdida, ou seja, das probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar do aproveitamento da chance, e não do benefício esperado, se bem que, perante a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de determinar o valor exato dos danos, haja que recorrer a critérios de equidade, sempre na base do grau de probabilidade de obtenção da vantagem pretendida”.
4. No caso concreto, podemos adiantar, com razoável segurança, que os factos apurados não permitem concluir haver sérias e reais probabilidades da Autora poder obter vencimento da sua pretensão se a ação administrativa fosse instaurada, ou seja, que viesse a obter a confirmação da nulidade do cláusula contratual e conversão do contrato de trabalho a termos por prazo indeterminado e consequente reintegração no serviço público.
Dito de outro modo, como se sublinha na decisão recorrida, a sua perda de chance processual em resultado da não interposição dessa ação, pelo incumprimento dos deveres do mandatário forense, perdendo a possibilidade de ser reintegrada nos serviços públicos, não era credível, não tinha razoável grau de êxito, o que afasta a teoria da perda de chance.
Com efeito, a Autora celebrou com a EE, um contrato individual de trabalho a termo resolutivo certo, com início em 20.04.2009 e cessou em 19.04.2011, tendo sido indicado como fundamento para o termo certo: “ O Centro de Saúde tem verificado um acréscimo excecional nas atividades administrativas, dado o número de profissionais disponíveis ser deficiente”.
E por carta datada de 21.03.2011, a EE informou a Autora de que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado entre ambas caducaria a 19.04.2011, data em que cessaria.
O R. Dr. BB, advogado, no exercício da sua atividade profissional, aceitou patrocinar a Autora para mover uma ação judicial de direito laboral contra a EErelacionados com o contrato de trabalho. Com efeito, para fazer valer o seu direito em tribunal, designadamente, para que cláusula segunda fosse declarada nula e o contrato sem termo, com a sua consequente reintegração no posto de trabalho, com a mesma categoria profissional, de Assistente Técnico da Carreira de Assistente Técnico, a A. assinou e entregou ao R., no seu escritório, a procuração forense referida.
Esta procuração foi revogada em 08/10/2012, sendo que até essa data o Réu não propôs essa ação.
5. Ora, a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, ao abrigo do qual foi celebrado o mencionado contrato de trabalho entre a Autora e a EE, regime este inteiramente aplicável ao caso concreto, pois à data dos factos não tinha sido publicada a Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e revogou aquele diploma legal.
Assim, vejamos alguns dos aspetos mais relevantes desse regime (Lei n.º 59/2008):
O art.º 92.º fixa o regime imperativo do contrato a termo resolutivo, prevendo expressamente no seu n.º2 que o contrato “não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no presente Regime”; O art.º 93.º estabelece os pressupostos do contrato a termo resolutivo, nomeadamente “Para fazer face ao aumento excecional e temporário da atividade do órgão ou serviço” ( n.º1, al. h); compete à entidade pública indicar o motivo, o qual deve constar do contrato (art.ºs 94.º e 95.º); o art.º 103.º estabelece que o “ O contrato a termo certo dura pelo período acordado, não podendo exceder três anos, incluindo renovações, nem ser renovado mais de duas vezes, sem prejuízo do disposto em lei especial”; E caduca no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora pública ou o trabalhador não comuniquem, por escrito, 30 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o renovar ( art.º 252.º/1); Todos os créditos resultantes do contrato e da sua violação ou cessação, extinguem -se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato ( art.º 245.º/1); a impugnação do despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, perante os tribunais administrativos e de acordo com Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( art.º 274.º/1 e 2.
6. Assim, parece inquestionável que a pretendida ação com vista à declaração de nulidade da cláusula segunda do mencionado contrato de trabalho, passando o mesmo a contrato sem termo, com a sua consequente reintegração da recorrente no posto de trabalho, teria de ser proposta no competente Tribunal Administrativo e Fiscal, tendo em conta o citado regime legal e o disposto no art.º 4.º, n.º3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redação dada pelo art.º 10.º da Lei n.º 59/2008), que admite expressamente não ficar excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas:
E resulta ainda que essa ação deveria ter sido proposta no prazo de um ano a contar da cessação do contrato e consequente despedimento, sendo que ficou apurado que um ano e cinco meses após a entrega da procuração para intentar a ação, o 1 ° R. não a tinha proposto, precludindo, assim, o direito da Autora o fazer, sendo certo que à data da revogação da procuração já havia decorrido mais de um ano sobre a cessação do contrato.
Todavia, como se deixou dito, era altamente provável que essa ação estava votada ao fracasso, face ao que decorre expressamente do n.º2 do art.º 92.º: o contrato não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.
É certo que essa probabilidade deve ser aferida relativamente à viabilidade séria de procedência dessa ação. A probabilidade de êxito da ação administrativa tem de ser aferida em função dum “juízo sobre o juízo” dessa ação, ou como vem afirmado no Acórdão do STJ de 9/7/2015, “ se seria suficientemente provável o êxito daquela ação, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal”.
Dito de outro modo, a apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado da ação administrativa deve ser realizada a partir da perspetiva do tribunal (Administrativo) que teria julgado essa ação, e não na perspetiva do tribunal judicial que julga a presente ação de indemnização por perda de chance.
Assim, e pelas razões jurídicas apontadas e que fluem do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas mencionado, é perfeitamente razoável considerar altamente improvável que obteria o resultado pretendido com essa ação – anulação da cláusula 2.ª do contrato e sua conversão a termo indeterminado, com consequente reintegração no serviço público.
Acresce que, como já foi igualmente sublinhado, o dano de perda de chance é distinto do dano final, em que a indemnização por aquele deve refletir essa diferença.
A reparação da perda de chance deve ser medida, pois, com relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava” – cf. Patrícia Cordeiro da Costa, ob. cit. págs. 144/145.
Como vem realçado na citada jurisprudência, “No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada” - cf. Acórdão do STJ de 1/7/2014 (Fonseca Ramos).
E a verdade é que a recorrente, para além de não demonstrar ser séria e real a probabilidade de poder obter vencimento da sua pretensão, o que afasta o direito a qualquer indemnização no âmbito da teoria da perda de chance, não demonstrou também a existência de qualquer prejuízo indemnizável. E, sem dano, não pode haver direito à reparação.
Carece, pois, de fundamento, a presente apelação, bem como a invocação das disposições constitucionais, como os princípios da igualdade da acesso á função pública em condições de igualdade, da segurança no emprego e direito ao trabalho, bem como as de direito administrativo, já que são alheias ao conhecimento do mérito desta ação, face à sua causa de pedir e pedido, ou seja, não compete a este tribunal apreciar a validade ou invalidade do contrato de trabalho em causa e suas consequências jurídicas, substituindo-se ao tribunal administrativo competente, mas os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana.
Decorrentemente, é de manter a decisão recorrida, a qual não merece censura.
Vencida no recurso, suportará a apelante as custas devidas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. A “perda de chance” consubstancia a perda de possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo considerado como um dano autónomo, intermédio, configurável como dano emergente e ressarcível diferentemente do dano final, já que nestas circunstâncias a fixação da indemnização total ou a sua recusa pura e simples não satisfazem o escopo da justiça material.
2. Apenas serão indemnizáveis as chances “sérias e reais”, pelo que importa averiguar se a possibilidade perdida gozava de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido.
3. A apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado da ação administrativa de impugnação do despedimento deve ser realizada a partir da perspetiva do tribunal (Administrativo) que teria julgado essa ação, e não na perspetiva do tribunal judicial que julga a presente ação de indemnização por perda de chance.

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V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Évora, 2016/10/06

Tomé Ramião


José Tomé de Carvalho


Mário Coelho


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[1] ) Na doutrina: Nuno Santos Rocha, “ A «Perda de Chance» Como Uma Nova Espécie de Dano, 2014, Almedina; Patrícia Cordeiro da Costa, “Causalidade, Dano e Prova” A Incerteza na Responsabilidade Civil, 2016, Almedina; Rute Teixeira Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico: Reflexões Sobre a Noção de Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, 2008, Coimbra Editora.
Na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STJ de 10/03/2011 (Távora Victor); de 29/11/2012 (Moitinho de Almeida); 4/12/2012 (Alves Velho); de 5/02/2013 (Hélder Roque); de 30/05/2013 ( Serra Batista); de 6/3/2014 (Pinto de Almeida); de 1/7/2014 (Fonseca Ramos); de 5/5/2015 (Silva Salazar); de 9/7/2015 (Tomé Gomes), disponíveis em www.dgsi.pt.