Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5430/20.9T8STB-B.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: CITAÇÃO
DISPENSA
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Antes de decidir pela dispensa da audição do devedor prevista no artigo 12.º do CIRE e inclusivamente pela sua não citação para deduzir oposição ao pedido de insolvência, o tribunal deve ter o cuidado de ordenar todas as diligências que razoável e prudentemente seja possível realizar para localizar o devedor sem atrasar excessivamente o processo, já que só essa demora excessiva pode justificar aquela dispensa.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5430/20.9T8STB-B.E1 (2.ª secção)

Banco (…), SA intentou a presente acção de insolvência contra (…), solteiro, contribuinte fiscal n.º (…), nascido em 14/02/1978, na freguesia de (…), concelho de Lisboa e residente na Rua do (…), CCI 4316, 2955-276 Pinhal Novo.

Alegou, em síntese, a existência de um crédito a seu favor no montante de € 474.896,41 e o facto de o requerido se encontrar em situação de insolvência nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b), e) e iv) da alínea g), do CIRE.

Não foi conseguida a citação do devedor, tendo a mesma sido dispensada nos termos do artigo 12.º do CIRE, por não ser possível obter informação sobre o seu paradeiro.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, declarou a insolvência do requerido.

Inconformado recorreu o requerido tendo concluído nos seguintes termos:

1- O ora recorrente é pessoa singular.

2- Não foi citado para a acção nem ouvido nos autos.

3- Reside na actual morada desde 2016.

4- Tal é do conhecimento da A. na acção pois financiou a aquisição do imóvel

para habitação própria.

5- Tal é do conhecimento de todos os credores que ali o têm contactado.

6- O recorrente só tomou conhecimento da douta sentença ora em recurso após

ter sido proferida, porém a tempo de deduzir embargos e recorrer, tendo

desde logo arguido a falta de citação.

7- O ora recorrente nunca sessou pagamentos e sempre negociou com os

credores o pagamento dos seus compromissos tendo as necessárias as

condições financeiras para cumprir.

8- A douta sentença ora em recurso violou, pois, o disposto nos artigos 187.º, a), 188.º, n.º 1, c) e 197.º do CPC e ainda nos artigos 12.º, 29.º e 30.º do CIRE.

O recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

Factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso.

O requerente indicou como domicílio do ora recorrente o declarado nos documentos de constituição da dívida reclamada – Rua (…), Pinhal Novo.

Foi tentada a citação por via postal para a morada supra referida, não tendo a mesma sido recebida.

Das bases de dados oficiais, tanto das Finanças, como da Segurança Social consta como domicílio do ora recorrente o indicado no requerimento inicial.

O grosso da dívida reclamada é constituída pelo financiamento do requerente para aquisição pelo ora recorrente de um imóvel destinada à habitação sito na Av. (…), Lote 59, Lagoa da (…), Venda do (…).

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognação, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC).

A questão a decidir é a de saber se se verificava fundamento bastante para a dispensa de audiência do requerido.

Consagra o artigo 12.º do CIRE a possibilidade de dispensa da citação do devedor antes da (eventual) declaração de insolvência quando, por causa de residir no estrangeiro ou ter paradeiro desconhecido, a sua audiência acarrete demora excessiva.

Deve sempre que possível , ouvir-se um representante do devedor, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto.
O juízo a formular pelo tribunal – a demandar, designadamente, apelo a critérios de conveniência, adequação, razoabilidade e proporcionalidade – há-de, assim, resultar da ponderação dos interesses em jogo e da avaliação de todo o circunstancialismo envolvente.

Nomeadamente, será de ponderar se a “deslocação” do contraditório para momento posterior à prolação da sentença (situação que, sendo menos lesiva que a definitiva preterição do contraditório, está longe, porém, de equivaler à dedução da defesa antes de tomada qualquer decisão, com a consequente produção de prova a ser levada a cabo por ambas as partes, em condições de igualdade) encontra “justificação” no contexto da tramitação processual a que, como já salientámos, deve subjazer um propósito de eficiência (Ac. TRE de 30-11-2016 processo n.º 40/14.2T8OLH-B.E1, disponível em www.dgsi.pt).

Antes de decidir pela dispensa da audição do devedor prevista no artigo 12.º do CIRE e inclusivamente pela sua não citação para deduzir oposição ao pedido de insolvência, o tribunal deve ter o cuidado de ordenar todas as diligências que razoável e prudentemente seja possível realizar para localizar o devedor sem atrasar excessivamente o processo, já que só essa demora excessiva pode justificar aquela dispensa.

Omitidas estas diligências e não realizada a citação do filho do devedor mencionado nos autos, a dispensa da audição do devedor (mesmo que seja efectivamente desconhecido o seu paradeiro) determinada nesse contexto enferma de falta de requisitos legais, cometendo-se o vício da falta de citação que gera a nulidade dos actos processuais subsequentes.

Em processo de insolvência, a citação depende de despacho judicial (artigo 29.º, n.º 1, do CIRE e 226.º, n.º 4-a), do Código de Processo Civil). Tal não significa, contudo, que, uma vez determinada a citação, não incumba à secretaria diligenciar oficiosamente pela sua efectivação. E diligenciar com eficiência, o que implica, em muitos casos, e sem precedência de despacho, praticar em simultâneo vários actos (pense-se, por exemplo, na expedição de uma carta registada com AR e na pesquisa junto das bases de dados), em vez de aguardar o insucesso de um para proceder a novas diligências.

Idêntica eficiência é exigível ao juiz; e sem necessidade de impulso da parte, quando dos autos constam elementos que permitam desenvolver as diligências com vista à citação.

No caso concreto, o requerente da insolvência indicou como domicílio do ora recorrente aquele que constava dos documentos juntos aquando da constituição de dívida incumprida.

Todavia, grande pare do crédito vencido e não paga é constituído pelo financiamento concedido pelo requerente da insolvência ao ora recorrente e destinado à aquisição de imóvel para habitação, sito na Av. (…), Lote 59, Lagoa da (…), Venda do (…).

Frustradas as diligências com vista à citação, no domicílio indicado no requerimento inicial e constando dos autos elementos que, com plausibilidade, permitiam admitir que o requerido havia fixado residência no imóvel entretanto adquirido, impunha-se ali levar a cabo diligências com vista à sua citação.

Omitidas estas diligências que deveriam ter sido determinada no referido contexto, enferma a dispensa de citação de falta de requisitos legais, cometendo-se o vício da falta de citação que gera a nulidade dos actos processuais subsequentes.

Pelo exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, mais declarando a nulidade da citação, bem como a dos actos subsequentes.

Custas a final.

Évora, 14 de Julho de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso