Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/22.0T8TNV.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DIREITO DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O artigo 58.º, alínea b), do CSC visa reprimir as deliberações abusivas, ou seja, as deliberações com finalidades extrassociais.
2 - Contendo a sua previsão os seguintes elementos objetivos e subjetivos: a) a adequação para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros; b) em prejuízo da sociedade ou de outros sócios; ou c) com a intenção de simplesmente prejudicar a sociedade ou os sócios.
3- A menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.
4- De forma a assegurar o direito à informação, o artigo 58.º, n.º 4, do CSC prevê como elementos mínimos de informação a prestar aos sócios convocados para assembleia geral: as menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8, relativo à convocação nas sociedades anónimas; a colocação de documentos para exame aos sócios, no local e data fixados legal ou estatutariamente.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 22/22.0T8TNV.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

AA, residente no condomínio ..., ..., Avenida ... de julho, ... ..., intentou a presente ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, contra a Banco 1..., CRL, com sede na Praça ..., ..., ... ..., pedindo que:

A) Sejam declaradas nulas ou, pelo menos, anuladas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada no passado dia 10 de dezembro de 2021, no âmbito da qual foi deliberado:

a) a alteração dos Estatutos, aprovada por um número de votos inferior aos 2/3 exigidos quer na lei quer nos estatutos (artigo 58.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo;

b) a alteração do Regulamento Eleitoral, aprovado por 92,85% dos votos (artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo);

B) Seja ordenado oficiosamente o registo da decisão que decretar a declaração de anulação das duas deliberações sociais na Conservatória do Registo Comercial ..., por averbamento ao número único de matrícula da Ré.

Alegou, para tanto e em síntese, que é associado da Ré e que no dia 10/12/2021 foi realizada uma assembleia geral que alterou os Estatutos da Ré e que alterou o seu Regulamento eleitoral.

Embora a convocatória fizesse menção a uma assembleia geral ordinária, na respetiva ata consta como sessão extraordinária da assembleia geral e, tratando-se de uma assembleia extraordinária a mesma não foi regularmente convocada, conduzindo à nulidade da assembleia.

Caso se trate de mero erro de escrita, a ata é inválida, gerando a ineficácia das deliberações sociais e a nulidade da própria assembleia.

Na assembleia foi deliberado a alteração dos Estatutos sem que estivessem reunidos os votos favoráveis de 2/3 dos associados presentes, o que conduz à anulabilidade da deliberação.

Apesar de instada a entregar cópia da referida ata esta apenas lhe foi remetida no dia 23/12/2021, o que consubstancia a violação do direito à informação.

Também a deliberação da alteração do processo eleitoral dos órgãos sociais da Ré não recolheu os votos necessários de 2/3, o que conduz à sua anulabilidade.

Por outro lado, no que respeita à alteração do Regulamento Eleitoral consta da ata que a mesma foi aprovada por unanimidade, quando o Autor votou contra.

Acresce que ao Autor não foi previamente dado conhecimento das alterações a efetuar, não tendo sido entregue qualquer proposta de alteração ao Regulamento Eleitoral, o que também gera a anulabilidade da deliberação.

Conclui dizendo que, a não suspensão da eficácia das deliberações causará efeitos nefastos na reputação e credibilidade da Ré e a aprovação dos Estatutos afasta os associados da gestão da Ré, mostrando-se as deliberações abusivas e aprovadas em abuso de direito, o que determina igualmente a sua anulabilidade nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC.


*

Citada, a Ré contestou, por exceção, invocando a ilegitimidade do Autor para intentar a presente ação, alegando que o mesmo não votou nas deliberações sociais em causa, tendo-se recusado a votar e, impugnou os factos alegados pelo Autor, alegando que a menção a “Sessão extraordinária da Assembleia” se deveu a mero lapso de escrita, já retificado, e cuja retificação foi comunicada ao Autor, mostrando-se a ata válida.

Por outro lado, todas as maiorias exigidas para aprovação das alterações aos Estatutos e do Regulamento Eleitoral foram observadas na medida em que as mesmas são calculadas tendo por referência os votos expressos, não sendo contadas as abstenções.

Ao contrário do alegado pelo Autor, o artigo 28.º, n.º 3, dos Estatutos não era aplicável às deliberações porquanto este visa as assembleias especiais reguladas nos artigos 34.º e 35.º desses Estatutos.

Caso se entendesse que tal normativo era aplicável às deliberações tomadas em Assembleia Geral sempre o mesmo seria nulo por violação do disposto no artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo, nos termos do qual compete à Assembleia Geral alterar o Estatutos, invocando a Ré a exceção perentória de nulidade.

Concluiu pela improcedência da ação e, à cautela, deduziu reconvenção, peticionando a declaração de nulidade dos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos quando interpretados no sentido da necessidade de aprovação prévia em Assembleia Especial das deliberações a propor à Assembleia Geral.


*

Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pela Ré.

Foi definido como objeto do litígio:

“Tendo em conta os pedidos formulados cumpre ao Tribunal apreciar e decidir se as deliberações sociais tomadas na Assembleia de 10/12/2021 padecem de vício suscetível de determinar a sua nulidade, anulação ou ineficácia, bem como se se verifica a exceção perentória de nulidade quando interpretados no sentido da necessidade de aprovação prévia em Assembleia Especial das deliberações a propor à Assembleia Geral e, em caso afirmativo, se pode ser invocada e conhecida como exceção e, não sendo o caso, decidir dessa nulidade em sede de reconvenção.”

Foram ainda as partes notificadas de que o estado da causa habilitava o conhecimento, de imediato, do mérito da ação, nada tendo oposto.

Após o que, foi proferido saneador sentença que decidiu:

1) Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos;

2) Julgar totalmente procedente, por provada, a reconvenção deduzida pela Ré e, “em consequência, a exceção perentória de caducidade para a propositura da ação de anulação da deliberação social do dia 30/06/2017” e, consequentemente, declaro a nulidade do disposto nos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos da Ré na redação em vigor à data da realização da assembleia de 10/12/2021 e enunciados na alínea N) dos factos provados quando interpretados no sentido da necessidade de aprovação em Assembleia Especial das deliberações sobre as matérias previstas no artigo 38º, alínea g), do Código Cooperativo previamente à apresentação das propostas para discussão na Assembleia Geral, por violação do citado artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo que constitui norma imperativa.

Inconformado, veio o Autor, vencido na ação e na reconvenção, recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

A. Primeiramente, as deliberações sociais tomadas relativamente ao Ponto Um da Ordem de Trabalhos são violadoras dos artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos à data da assembleia geral.

B. Os Estatutos, à data da assembleia geral, no artigo 35.º previam que os referidos assuntos, fossem primeiro deliberados em sede de Assembleia Especial, presidida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, e com a condição da apresentação de deliberações à Assembleia Geral.

C. Deste modo, as referidas alterações, que de algum modo dizem respeito ao artigo 28.º, n.º 3, dos Estatutos, deviam ter sido previamente deliberadas em sede de Assembleia Especial, e não foram, gerando-se uma violação da deliberação social prevista no Ponto Um da Ordem de Trabalhos.

D. Razão pela qual deliberações do Ponto Um e do Ponto Dois da Ordem de Trabalhos são anuláveis, por violação da Lei e dos Estatutos, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.

E. De seguida, as deliberações tomadas no Ponto Um e do Ponto Dois da Ordem de Trabalhos são anuláveis por serem prejudiciais quer para a cooperativa, quer para os associados e todos aqueles que dela beneficiam, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

F. As alterações efetuadas prejudicam os núcleos associados, que, se antes tinham alguma competência para deliberar previamente certo assuntos, e tinham um papel relevante na vida da cooperativa, com as alterações dos Estatutos perderam a sua ‘’voz’’ e capacidade de ter uma aproximação na vida da cooperativa como sempre foi habitual.

G. As deliberações em causa constituem instrumento para a prossecução de interesses que não trazem benefícios à Recorrida ou aos seus associados, antes pelo contrário, pelo que são anuláveis nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

H. E ainda, as deliberações tomadas no Ponto Um e Ponto Dois da Ordem de Trabalhos são anuláveis por violação do direito de informação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais.

I. Não foram devidamente prestadas e disponibilizadas quaisquer informações na convocatória da Assembleia Geral, sobre as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar quer dos Estatutos da Recorrida, quer do Regulamento Eleitoral.

J. Só fazendo uma morosa e densa leitura comparativa entre os Estatutos propostos na convocatória e os Estatutos vigentes é possível destrinçar as alterações propostas para os novos Estatutos, e o mesmo se verifica para o Regulamento Eleitoral.

K. Assim, na ausência de adequada informação prévia à Assembleia Geral, a deliberação deve ser considerada anulável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais.

L. Por fim, contestação apresentada pela Recorrida, esta deduziu reconvenção contra a Recorrente, formulando o pedido de declaração da nulidade do disposto nos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos, quando interpretados no sentido de necessidade de aprovação em Assembleia Especial das deliberações previamente à apresentação das propostas para discussão na Assembleia Geral.

M. Esta norma não deve ser interpretada no sentido de se estar a limitar a competência da Assembleia Geral prevista no artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo, mas sim como uma forma de aproximação dos associados à vida da cooperativa, permitindo compreender qual é a vontade dos Associados previamente à deliberação da Assembleia Geral.

N. Razão pela qual, não está a ser violada a competência da Assembleia Geral nos termos do artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo, devendo, por isso, a decisão do pedido reconvencional alterada para improcedente.

Assim requer seja revogada a Sentença recorrida, e substituída por Acórdão que:

a) Revogue a decisão do Tribunal a quo, na parte em que este determina que não se verifica qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 10 de dezembro de 2021;

b) Revogue a decisão do Tribunal a quo, na parte em que este determina a nulidade do disposto nos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos da Recorrida na redação à data da Assembleia Geral de 10 de dezembro de 2021, quando interpretada no sentido da necessidade de aprovação em Assembleia Especial das deliberações sobre as matérias previstas no artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo.

Contra-alegou a Ré, assim concluindo:

A. O Autor, Apelante, excede o âmbito do recurso ao pedir que seja conhecida uma questão – saber se a Assembleia Geral de 10 de dezembro de 2021 deveria ter sido precedida da realização de Assembleias Especiais para aprovação dos Ponto Um e Ponto Dois da Ordem de Trabalhos – que não suscitou na petição inicial e sobre a qual o Ilustre Tribunal a quo não se pronunciou, pelo que, nesse aspeto, tal alegação deverá ter-se por não escrita.

B. Caso assim não se entenda, a verdade é que tampouco a falta de realização das Assembleias Especiais seria idónea a gerar um vício da deliberação social ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 58.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que a exigência da sua realização como condição prévia a apresentar à Assembleia Geral a proposta de deliberação é nula, por violação do disposto no artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo, norma imperativa, na medida em que apenas à Assembleia Geral cabe deliberar sobre a alteração a estatutos.

C. As deliberações sociais correspondentes ao Ponto Um e Ponto Dois da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 10 de dezembro de 2021 foram aprovadas com a maioria prevista no artigo 28.º, n.º 2, dos Estatutos, assim como com o artigo 40.º, n.º 2, do Código Cooperativo.

D. As deliberações da Assembleia Geral de 10 de dezembro de 2021 reforçam os direitos dos associados, na medida em que expurgam os estatutos de normas feridas de nulidade e facilitam a apresentação de listas subscritas pelos associados e candidatas aos órgãos sociais da Ré, pelo que tampouco se verifica o vício plasmado no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

E. Não houve qualquer violação do direito de informação dos associados, na medida em que, aquando da convocatória, a Ré adotou uma das duas soluções possíveis, nos termos do artigo 377.º, n.º 8, do Código das Sociedades Comerciais: indicação de que o texto dos Estatutos e do Regulamento Interno ficaria à disposição dos acionistas na sede social para consulta das alterações propostas.

F. De resto, o Autor pediu e foi-lhe concedido acesso à informação preparatória da Assembleia Geral, pelo que tampouco se verifica o vício plasmado no artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais.

G. Nestes termos, deve manter-se a decisão do Tribunal a quo quanto aos pedidos formulados pelo Autor, Apelante, nos exatos termos em que foi proferida.

H. Por fim, deve ser mantida a declaração de nulidade dos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos quando interpretados no sentido de necessidade de aprovação prévia em Assembleia Especial das deliberações a propor à Assembleia Geral, por tal consubstanciar uma violação da competência exclusiva da Assembleia Geral, tal como estabelecida no artigo 38.º, al. g) do Código Cooperativo.

I. Subsidiariamente, deverá o objeto do presente recurso ser ampliado para retificar a matéria de facto dada como provada sob as alíneas S) e T), em face do Documento n.º 5 junto com a Contestação, passando o teor dos factos descritos nas referidas alíneas a ter a seguinte redação:

a. Alínea S) – A 19 de novembro de 2021 foram remetidos ao Autor, por email, cópia da convocatória, da proposta de alteração de Estatutos e de Regulamento Eleitoral, conforme Documento n.º 5 junto com a Contestação da Ré.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, e em consequência ser a decisão do Tribunal a quo mantida nos exatos termos em que foi proferida, com todas as legais consequências.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), são as seguintes as questões a decidir, limitadas a erro de direito:

1. Se as deliberações sociais tomadas violam normas procedimentais da Lei e dos Estatutos à data da assembleia geral;

2. Se as deliberações tomadas são anuláveis por serem prejudiciais quer para a cooperativa, quer para os associados e todos aqueles que dela beneficiam;

3. Se as deliberações tomadas são anuláveis por violação do direito de informação.


III

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A Ré é uma Cooperativa de Responsabilidade Limitada, com o capital social, variável e ilimitado, no mínimo de € 5.000.000,00 – (cfr. artigo 8.º dos Estatutos junto como doc. n.º 1 com a petição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

B) …E tem como objeto social o “exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da atividade de agente da Caixa Central, nos termos previstos na Lei e no contrato de agência que entre ambas venha a ser celebrado. As operações de crédito agrícola são as que, como tal, forem definidas pela Lei, podendo a Banco 1..., CRL, cumpridas as regras prudenciais, efetuar operações de crédito com finalidades distintas até ao limite do legalmente previsto. A Banco 1..., CRL, pode promover a melhoria das condições do exercício da sua atividade, através da participação em Agrupamentos Complementares de Empresas, constituídos no âmbito do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo” – (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

C) A atual designação social da Ré resulta dos processos de fusão das Caixas de Crédito Agrícola de ..., ..., ... e ....

D) Constituem órgãos sociais da Ré a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e o Revisor Oficial de Contas – (cfr. artigo 16º dos Estatutos), com a composição constante da Certidão Permanente acima junta.

E) A Assembleia Geral é presidida pelo Sr. Dr. BB.

F) O Autor é associado da Ré ....

G) …Tendo ocupado o Cargo de Presidente do Conselho de Administração no período compreendido entre 06/12/1995 e 09/03/2020.

H) Através da Convocatória de 3 de novembro de 2021, foram convocados “todos os associados que se encontrem no pleno gozo dos direitos, a reunirem-se em Assembleia Geral Ordinária, no dia 10 de dezembro de 2021, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º e dos artigos 24.º e 25.º dos Estatutos”.

I) Da Convocatória constava a seguinte Ordem de Trabalhos:

“1. Discussão e votação da alteração global dos Estatutos da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficará à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

2. Discussão e votação da alteração global do Regulamento Eleitoral da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficará à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

3. Outros assuntos de interesse para a Instituição.”,

e que “Se à hora marcada, não se encontrar presente mais de metade dos Associados, a Assembleia Geral reunirá, em segunda convocatória, uma hora depois, com qualquer número.”

J) Consta da Ata (n.º...1) relativa à assembleia realizada em 10/12/2021 que: “Aos dez dias do mês de dezembro do ano de dois mil de vinte e um, pelas dezoito horas, reuniu em segunda convocatória a Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da Banco 1..., CRL.

(…)

A convocação da presente sessão Extraordinária da Assembleia Geral, assinada pelo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral com data de três de novembro de dois mil e vinte e um, foi efetuada por aviso prévio publicado nos jornais, “O Público”, “o Almonda” e “Cidade de Tomar”, no prazo legal. A Assembleia reuniu com a presença de 14 (catorze) associados, conforme lista de Registo de Presenças anexa e com a seguintes ordem de trabalhos:

Ponto Um - Discussão e votação da alteração global dos Estatutos da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficou à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

Ponto Dois - Discussão e votação da alteração global do Regulamento Eleitoral da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficou à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

3. Outros assuntos de interesse para a Instituição.

(…)

O Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral procedeu à leitura da Ordem de Trabalhos, e colocou à discussão o ponto um da ordem de trabalhos – “alteração global dos Estatutos da Banco 1..., CRL” (…)

O associado Senhor AA (…) Seguidamente pediu a confirmação de que documentos preparatórios da presente Assembleia Geral foram aqueles que lhe foram enviados, questionando se não existiria mais nenhum relacionado com os Estatutos que sobre esse particular apenas lhe foi enviado uma “proposta de alteração global dos Estatutos”.

(…) Prosseguiu referindo que se recusava sequer a votar o Ponto um da Ordem de Trabalhos porque o mesmo constitui uma ilegalidade porque viola as disposições conjugadas dos artigos 34.º, 35.º e 28.º dos Estatutos em vigor.

(…)

Tomou a palavra o associado Senhor AA fez a seguinte declaração “Declaração de voto: Eu não participo da discussão e votação do ponto um da Ordem de Trabalhos porque ele é ilegal não podia ser apresentado nesta reunião porque viola os Estatutos, sendo ilegal.”

Passou-se à votação do ponto um, contabilizando-se quatro (4) abstenções e 9 (nove) votos a favor.

Prosseguindo a condução dos trabalhos, o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou o ponto um aprovado por maioria de dois terços.

---- O Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral colocou à discussão o ponto dois da ordem de trabalhos – “alteração global do Regulamento Eleitoral da Banco 1..., CRL”, (…)

O associado Senhor AA tomou a palavra e disse renovar a anterior declaração de voto: “Considero o ponto (dois da Ordem de Trabalhos) ilegal e por isso não participo na votação.”

Passou-se à votação do ponto dois, que foi aprovado com 13 (treze) votos a favor.

Prosseguindo a condução dos trabalhos, o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou o ponto dois aprovado por unanimidade.

(…)

O associado, Senhor AA declarou que pretende que lhe seja disponibilizada a ata da presente reunião, bem como a lista de sócios presentes, que se destina a fins judiciais pois irá impugnar judicialmente.

(…)”

K) Consta ainda da referida ata, após as assinaturas, a seguinte menção “Em tempo se exara: por lapso de escrita, identificou-se na Assembleia Geral realizada no passado dia 10 de Dezembro de 2021 como sendo uma “sessão extraordinária” da Assembleia Geral da Banco 1..., CRL, quando se queria fazer constar “sessão ordinária”. Assim, onde se lê “sessão extraordinária” deverá ler-se “sessão ordinária”.

Esta ratificação vai ser assinada pelos elementos que integram a mesa (…)”

L) Na Assembleia Geral, encontravam-se presentes 14 associados, e 7 membros dos órgãos sociais, mais concretamente os Membros da Mesa da Assembleia: BB, na qualidade de Presidente da Mesa, CC e DD; Os Administradores EE na qualidade de Presidente, FF e GG; e os sócios funcionários HH, II, JJ, KK, LL e MM.

M) Com a alteração dos Estatutos da Ré, para além do mais, foram eliminados o n.º 3 do artigo 28.º (atual artigo 31.º) e alterado o artigo 20.º, n.º 4 (correspondente ao atual artigo 18.º com a seguinte redação: “Os membros (os membros) da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho de Administração e do Conselho fiscal são eleitos pela Assembleia Geral, que poderá ser Ordinária ou Extraordinária, por maioria simples dos votos, de entre todos os Associados no pleno gozo dos seus direitos, por escrutínio secreto, de entre as listas que satisfaçam, além dos demais requisitos legais: (…)

b) sejam subscritas pela maioria dos membros do Conselho de Administração ou Administração Provisória em funções ou por um mínimo de cinco (5) por cento dos Associados no pleno gozo dos seus direitos, sendo que cada associado, bem como os Administradores, só poderão subscrever uma lista. (…) ”, cfr. doc. junto sob o n.º 7 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

N) Constava dos Estatutos da Ré que:

“Artigo 10.º

(Categorias de Associados)

(…)

6. Os associados inscritos na Banco 1..., CRL, são agrupados nos seguintes núcleos:

a) O Núcleo de ..., que se compõe pelas agências sitas no Município .... e Freguesia ..., concelho ...;

b) O Núcleo de ..., que se compõe pelas agências sitas no Município ...;

c) O Núcleo de ..., que se compõe pelas agências sitas no Município de ..., com exceção da Freguesia ...;

d) O Núcleo do ..., que se compõe pelas agências sitas nos Municípios de .... e ....

(…)

Artigo 20.º

(Eleições)

(…)

4. As listas concorrentes serão remetidas ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral com a antecedência mínima de sessenta dias em relação à data da Assembleia Geral Eleitoral e serão subscritas pelo Conselho de Administração cessante, em deliberação tomada por maioria dos seus membros, ou, por 10% dos sócios.”

(…)

Artigo 24.º

(Competência)

Sem prejuízo do mais que for previsto na lei e nos estatutos, compete à Assembleia Geral:

(…)

g) Decidir da alteração dos Estatutos;

(…)

Artigo 25.º

(Reuniões)

1. As reuniões da Assembleia Geral são convocadas com, pelo menos, quinze dias de antecedência (…).

2. (…)

3. A convocatória que deverá conter a ordem de trabalhos e o dia, hora e local da reunião (…)

(…)

Artigo 26.º

(Funcionamento)

(…)

2. Se à hora marcada para a reunião, não estiver presente o número suficiente de associados, a Assembleia reunirá com qualquer número, uma hora depois.

(…)

Artigo 28.º

(Votação)

1. Nas reuniões da Assembleia Geral cada associado dispõe de um voto, qualquer que seja a sua participação no capital social.

2. Na aprovação das matérias constantes das alíneas d), f) e g) do artigo vigésimo quarto e, ainda, na decisão de exoneração da Caixa Central é exigida maioria qualificada de, pelo menos, dois terços dos votos expressos.

3. Fica sujeita à aprovação prévia por maioria de dois terços dos Associados Presentes, a apresentação e votação na Assembleia Geral de deliberações sobre:

a) Encerramento de agências principais, existentes em ..., ..., ..., e ...;

b) Alteração dos Estatutos no que respeita à existência de secções de votos nas agências referidas na alínea anterior;

c) Alteração dos Estatutos no que respeita à exigência de em cada mandato, o Núcleo do ... deter a presidência de pelo menos um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL e pelo menos um dos restantes núcleos, designadamente, ..., ..., e ..., também deter a presidência de pelo menos um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL;

d) Alteração dos Estatutos no que respeita à exigência de cada órgão social ter membros oriundos dos círculos eleitorais, de modo que em cada mandato, o Núcleo do ... esteja representado em cada um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL e pelo menos um dos restantes núcleos, designadamente, ..., ..., e ..., também esteja representado em cada um desses órgãos sociais.

(…)

Secção V

Das Assembleias Especiais

Artigo 34.º

(Composição e convocação)

As Assembleias Especiais, uma por cada um dos quatro núcleos de Associados, são compostas pelos associados constantes no registo existente nas respetivas agências.

Artigo 35.º

A Assembleia especial é presidida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, competindo-lhe deliberar sobre as matérias previstas no artigo vigésimo oitavo, número três por maioria de dois terços dos votos expressos e como condição da apresentação da apresentação de deliberações à Assembleia Geral, sendo convocada e reunindo de acordo com as normas aplicáveis à Assembleia Geral, devidamente adaptadas.

(…)”

O) Por email de 16/12/2021, o Autor solicitou à Ré o envio de cópia da Ata da Assembleia Geral, cfr. doc. n.º 8 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

P) Por email de 17/12/2021, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral respondeu ao Autor que: “Ex. mo Senhor,

Venho informar V/Exa de que oportunamente lhe será enviado o solicitado no email abaixo”, cfr. doc. n.º 9 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Q) A adenda referida em K) foi comunicada por email ao Autor em 10/12/2021.

R) A referida Ata n.º ...1 foi remetida pela Ré ao Autor em 23/12/2021.

S) Aquando da convocatória foi remetida ao Autor a Proposta de alteração aos Estatutos.

T) E a proposta de alteração ao Regulamento Eleitoral foi posteriormente remetida ao Autor na manhã do dia 10/12/2021.

Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

1. Importa apreciar como primeira questão do recurso se as deliberações sociais tomadas violam normas procedimentais da Lei e dos Estatutos na redação à data da assembleia geral.

Pretende o apelante que as deliberações sociais tomadas relativamente ao Ponto Um da Ordem de Trabalhos são violadoras dos artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos à data da assembleia geral, porquanto os mesmos no artigo 35.º previam que os referidos assuntos, fossem primeiro deliberados em sede de Assembleia Especial, presidida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e, com a condição da apresentação de deliberações à Assembleia Geral.

Desse modo, as referidas alterações aos Estatutos deviam ter sido previamente deliberadas em sede de Assembleia Especial, e não foram, gerando desse modo uma violação da deliberação social prevista no Ponto Um da Ordem de Trabalhos. Sendo por isso anuláveis, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código Sociedades Comerciais.

Na verdade, a questão ora colocada em sede de recurso não coincide inteiramente com a forma como foi colocada na petição.

Nesta, as mesmas normas dos Estatutos foram invocadas para fundamentar o desrespeito pela maioria qualificada nelas prescritas, como se afere dos artigos 76.º a 78.º da petição, ora transcritos:

“76º - De facto, compete à Assembleia Geral alterar o Estatutos, nos termos do g) do artigo 38.º do Código Cooperativo.

77º - No entanto, essa alteração tem de ser precedida de um conjunto de requisitos que, no caso concreto, mais uma vez, não foram observados, pelo que a mesma será inválida.

78º - Nos termos do n.º 2 do artigo 40º do Código Cooperativo, “é exigida maioria qualificada de, pelo menos, dois terços dos votos expressos na aprovação das matérias constantes das alíneas g), h), i), j), e m) do artigo 38.º deste Código ou de quaisquer outras para cuja votação os estatutos prevejam uma maioria qualificada.”

Em sede de recurso, o apelante invoca as mesmas normas para fundamentar a falta de realização prévia de uma Assembleia Especial para efeitos de aprovação dos Estatutos, o que, poderia ser considerado como questão nova.

Contudo, tal questão foi conhecida em sede de apreciação do pedido reconvencional, podendo, por isso, ser nesta sede reapreciada.

Vejamos então, em primeiro lugar, se as normas dos artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos à data da assembleia geral, são aplicáveis ao caso e se, por essa via, a matéria levada a discussão e votação sobre o Ponto Um, impunha prévia deliberação em sede de Assembleia Especial.

O Ponto Um reporta-se a – “Discussão e votação da alteração global dos Estatutos da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficou à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.”

Dispunha o artigo 20.º, n.º 4, dos Estatutos, em vigor à data que:

“4. As listas concorrentes serão remetidas ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral com a antecedência mínima de sessenta dias em relação à data da Assembleia Geral Eleitoral e serão subscritas pelo Conselho de Administração cessante, em deliberação tomada por maioria dos seus membros, ou, por 10% dos sócios.”

Regia, por sua vez o artigo 28.º, n.º 3, dos mesmos Estatutos que:

“3. Fica sujeita à aprovação prévia por maioria de dois terços dos Associados Presentes, a apresentação e votação na Assembleia Geral de deliberações sobre:

a) Encerramento de agências principais, existentes em ..., ..., ..., e ...;

b) Alteração dos Estatutos no que respeita à existência de secções de votos nas agências referidas na alínea anterior;

c) Alteração dos Estatutos no que respeita à exigência de em cada mandato, o Núcleo do ... deter a presidência de pelo menos um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL e pelo menos um dos restantes núcleos, designadamente, ..., ..., e ..., também deter a presidência de pelo menos um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL;

d) Alteração dos Estatutos no que respeita à exigência de cada órgão social ter membros oriundos dos círculos eleitorais, de modo que em cada mandato, o Núcleo do ... esteja representado em cada um dos órgãos sociais da Banco 1..., CRL e pelo menos um dos restantes núcleos, designadamente, ..., ..., e ..., também esteja representado em cada um desses órgãos sociais.”

E os artigos 34.º e 35.º dos mesmo Estatutos previam que:

Artigo 34.º:

“As Assembleias Especiais, uma por cada um dos quatro núcleos de Associados, são compostas pelos associados constantes no registo existente nas respetivas agências.

Artigo 35.º

“A Assembleia especial é presidida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, competindo-lhe deliberar sobre as matérias previstas no artigo vigésimo oitavo, número três por maioria de dois terços dos votos expressos e como condição da apresentação da apresentação de deliberações à Assembleia Geral, sendo convocada e reunindo de acordo com as normas aplicáveis à Assembleia Geral, devidamente adaptadas.

O artigo 20.º, n.º 4, dos Estatutos, na redação à data da assembleia, está previsto para um processo eleitoral, daí referir “as listas concorrentes”, não tendo âmbito de previsão no presente caso.

Por isso à alteração do Regulamento Eleitoral não é aplicável o disposto no artigo 20.º, n.º 4, dos Estatutos que respeita à Assembleia Geral Eleitoral, tal como o não é o artigo 28.º, n.º 3, que tem uma previsão específica não cobrindo a alteração efetuada.

Vejamos.

O artigo 9.º do Código Cooperativo determina que às cooperativas se aplique, subsidiariamente, o Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas.

Dispõe o artigo 40.º do Código Cooperativo (Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto) que:

«Artigo 40.º

Votação

1 - Nas assembleias gerais das cooperativas de primeiro grau, cada cooperador dispõe de um voto, qualquer que seja a sua participação no respetivo capital social.

2 - É exigida maioria qualificada de, pelo menos, dois terços dos votos expressos na aprovação das matérias constantes das alíneas g), h), i), j), e m) do artigo 38.º deste Código ou de quaisquer outras para cuja votação os estatutos prevejam uma maioria qualificada.

(…)»

Dispondo o artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais que:

«Artigo 386.º - Maioria

1 - A assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato; as abstenções não são contadas.»

Na medida em que compete, exclusivamente, à Assembleia Geral a tomada de deliberação sobre as alterações estatutárias, não pode esta Assembleia Geral estar, por qualquer forma, condicionada, a tomada de decisões prévias por parte dos associados no âmbito de Assembleias Especiais.

As deliberações das Assembleias Especiais não poderão constituir condição prévia para o exercício da competência específica da assembleia geral que, como estabelece o artigo 33.º, n.º 1, do Código Cooperativo, é o órgão supremo da cooperativa.

Assim:

«1 - A assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa, sendo as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, obrigatórias para os restantes órgãos da cooperativa e para todos os seus membros.

2 - Participam na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos.

(…)».

Como referiu e bem a Ré na sua contestação, a interpretação do artigo 28.º, n.º 3, dos Estatutos no sentido de que uma deliberação da Assembleia Geral de alteração estatutária dependeria da prévia aprovação em Assembleias Especiais violaria o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Cooperativo e no artigo 386.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades anónimas, pelo que, sempre seria nula por contrária à lei.

Também os artigos 34.º e 35.º dos Estatutos não são aplicáveis ao caso porque, estão em causa deliberações tomadas em Assembleia Geral, e não deliberações adotadas nas assembleias especiais, reguladas nos referidos artigos, pelo que as maiorias neles plasmados não têm qualquer aplicabilidade ao caso dos presentes autos.

A questão foi decidida em sede de pedido reconvencional.

Afirmando a sentença:

“Peticionou a Ré a declaração de nulidade dos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos quando interpretados no sentido da necessidade de aprovação prévia em Assembleia Especial das deliberações previamente à apresentação das propostas para discussão na Assembleia Geral.

Dando-se por reproduzido o acima exposto relativamente ao artigo 28.º, n.º 3, dos Estatutos na redação em vigor à data da realização da assembleia geral, e considerando que o artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo prevê que é da competência exclusiva da assembleia geral alterar os estatutos, bem como aprovar e alterar os regulamentos internos (norma imperativa que não pode ser afastada), a interpretação de que as deliberações das assembleias especiais sobre os temas constantes do artigo 28.º, n.º 3, constituiriam condição prévia para o exercício da competência específica da assembleia geral conduz à nulidade daquele preceito por violação da norma imperativa do artigo 38.º, alínea g), do Código Cooperativo.

Em conclusão e com os fundamentos que antecedem, deverá proceder a reconvenção deduzida pela Ré.”

O que merece a nossa concordância.

Interpretar o disposto nos artigos 28.º, n.º 3, 34.º e 35.º dos Estatutos como constituindo uma efetiva condição para apreciação pela Assembleia Geral das alterações aos Estatutos seria manifestamente uma interpretação nula, porque contrária a lei imperativa, lei que confere à Assembleia Geral, de forma incondicionada, tais poderes.

Ao contrário do pretendido pelo apelante as deliberações sociais tomadas não violam normas procedimentais da Lei e dos Estatutos à data da assembleia geral.

Improcede, por consequência, a primeira questão do recurso,

2. Importa ora apreciar se as deliberações tomadas são anuláveis por serem prejudiciais quer para a cooperativa, quer para os associados e todos aqueles que dela beneficiam, nos termos do artigo 58.º, nº 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

Dispõe tal norma:

«Artigo 58.º - Deliberações anuláveis

1 - São anuláveis as deliberações que:

(…)

b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;

(…)»

Este preceito visa reprimir as deliberações abusivas. No fundo, estão em causa as deliberações com finalidades extrassociais. Visa-se o abuso de direito, como figura geral, aqui equivalendo à violação da lei.

O artigo 58.º, alínea b), contém os seguintes elementos previsivos: a) a adequação para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros; b) em prejuízo da sociedade ou de outros sócios; ou c) com a intenção de simplesmente prejudicar a sociedade ou os sócios.

A menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.

“O exercício do voto, pode, como em qualquer situação jurídica, incorrer em abuso do direito (artigo 334.º CC). Para tanto ele deverá defrontar o núcleo axiológico fundamental do sistema, expresso pela locução boa fé e concretizado através de dois princípios mediantes: (a) a tutela da confiança legítima; (b) a primazia da materialidade subjacente – António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, (4ª ed. revista e atualizada), pág. 304.

“As deliberações sociais, podem, por essa via, incorrer em abuso de direito, violando, através de alguma destas figuras (que não são taxativas), o artigo 334.º do CC. Quando isso suceda segue-se o regime da nulidade , por violação de um princípio injuntivo – 56.º/1, d). O 58.º/1, b), não pretende objetivamente, ocupar o lugar do 334.º CC; nem faria sentido que, violado este preceito, se seguisse a mera anulabilidade” – Idem, pág. 304.

Não entrando na discussão quanto ao regime sancionatório aplicável na ocorrência de abuso de direito, nulidade ou anulabilidade, importa aferir se as deliberações em causa são prejudiciais quer para a cooperativa, quer para os associados e para todos aqueles que dela beneficiam.

Nomeadamente se prejudicam os núcleos associados que, se antes tinham alguma competência para deliberar previamente certo assuntos, e tinham um papel relevante na vida da cooperativa, com as alterações dos Estatutos perderam a sua ‘’voz’’ e capacidade de ter uma aproximação na vida da cooperativa, como alega o apelante.

Lê-se na sentença que:

“Ora, analisada a factualidade provada não se descortina qualquer facto que permita concluir que as deliberações da alteração dos Estatutos ou da alteração do Regulamento Eleitoral sirvam para satisfazer o propósito de qualquer um dos associados conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente prejudicar aquela ou estes.

Com efeito, as deliberações em causa não se mostram abusivas nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC e não constituem qualquer abuso de direito na conceção do artigo 334.º do Código Civil.

Em conclusão, não se verifica qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 10/12/2021, devendo a ação improceder totalmente, com custas a cargo do Autor.”

Analisando os factos dados como assentes nas alíneas M) e N), não se vê, efetivamente, como podem tais deliberações prejudicar a Ré, ou os cooperadores da Ré, comportando vantagens especiais para qualquer um dos associados ou terceiros.

Veja-se, por exemplo, a alteração introduzida no artigo 20.º, n.º 4, dos Estatutos.

Do preceituado no artigo 20.º, n.º 4, dos Estatutos constava anteriormente que “As listas concorrentes serão remetidas ao Presidente da mesa da Assembleia Geral com a antecedência mínima de sessenta dias, em relação à data da Assembleia Geral Eleitoral e serão subscritas pelo Conselho de Administração cessante, em deliberação tomada por maioria dos seus membros, ou, por 10% dos sócios.”

Com a alteração aprovada, tal norma deixou de existir, sendo que a matéria na mesma regulada transitou para o artigo 18.º, alínea b), do qual consta que “Os membros da mesa da Assembleia Geral, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal são eleitos pela Assembleia Geral, que poderá ser Ordinária ou Extraordinária, por maioria simples dos votos, de entre os associados no peno gozo dos seus direitos, por escrutínio secreto de entre listas que satisfaçam, além dos demais requisitos legais e estatutários, os seguintes. B) sejam subscritas pela maioria dos membros do Conselho de Administração ou Administração provisória em funções ou por um mínimo de cinco (5) por cento dos Associados no pleno gozo dos seus direitos, sendo que cada Associado, bem como os Administradores, só poderão subscrever uma lista;”.

A introdução de uma redução da percentagem de associados necessária para subscrever uma lista que pode concorrer a eleições de 10% para 5% configura, como defende a Ré, a introdução de uma vantagem para os cooperadores que, assim, necessitam de reunir um número inferior de assinaturas para submeter uma lista a apreciação e eleição.

O que, naturalmente, representa a introdução de uma vantagem ao facilitar o exercício de direitos aos cooperadores.

Está o decidido devidamente justificado e fundamentado, impondo-se, por isso, a improcedência da segunda questão do recurso.

3. Finalmente importa apurar se as deliberações tomadas são anuláveis por violação do direito de informação.

Pretende o apelante que não foram devidamente prestadas e disponibilizadas quaisquer informações na convocatória da Assembleia Geral, sobre as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar quer dos Estatutos da Recorrida, quer do Regulamento Eleitoral. Só fazendo uma morosa e densa leitura comparativa entre os Estatutos propostos na convocatória e os Estatutos vigentes é possível destrinçar as alterações propostas para os novos Estatutos, e o mesmo se verifica para o Regulamento Eleitoral. Assim, na ausência de adequada informação prévia à Assembleia Geral, a deliberação deve ser considerada anulável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais.

Dispõe tal norma que:

«1 - São anuláveis as deliberações que:

(…)

c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação».

O artigo 58.º, n.º 4, prevê como mínimos: as menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8, relativo à convocação nas sociedades anónimas; a colocação de documentos para exame aos sócios, no local e data fixados legal ou estatutariamente.

Mostra-se assente que:

- Da Convocatória de 19/11/2021, recebida pelo apelante constava a seguinte Ordem de Trabalhos:

“1. Discussão e votação da alteração global dos Estatutos da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficará à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

2. Discussão e votação da alteração global do Regulamento Eleitoral da Banco 1..., CRL, nos termos constantes da proposta cujo texto integral ficará à disposição dos Associados na sede da Banco 1..., CRL a partir do dia 19 de Novembro de 2021.

- Aquando da convocatória foi remetida ao apelante a Proposta de alteração aos Estatutos.

- E a proposta de alteração ao Regulamento Eleitoral foi posteriormente remetida ao apelante na manhã do dia 10/12/2021. Data da assembleia geral.

Com efeito, a informação necessária e útil esteve disponível na sede da apelada para consulta a partir do dia 19 de novembro de 2021.

Não ocorreu, pois, qualquer violação do direito mínimo à informação.

Impondo-se a improcedência da terceira e última questão do recurso.

Síntese conclusiva: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 25 de janeiro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Ana Margarida Leite (1ª Adjunta)

José Tomé de Carvalho (2º Adjunto)