Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | SÉRGIO ABRANTES MENDES | ||
Descritores: | NEGLIGÊNCIA MÉDICA RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
Data do Acordão: | 04/19/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
Sumário: | I - O ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta actuação do agente, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura. II - O erro médico pode ser definido como a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida de um doente. E pode ser cometido por imperícia, inconsideração ou negligência. III – Se uma compressa é deixada no interior do corpo de um paciente sujeito a uma intervenção cirúrgica, verificar-se-á sempre negligência do médico cirurgião, na medida em que lhe compete cumprir e fazer cumprir os procedimentos impostos pelas regras da arte e designadamente verificar se nenhuma anomalia ocorreu no decurso da operação, se por si ou por outrem havia sido deixado qualquer objecto no corpo do paciente. | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação Cível n.2403/06-2 Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Na acção de condenação com forma ordinária pendente no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Portimão sob o n.322/04.1TBPTM em que é autor ANTONIO ……………. e réus HOSPITAL ……………… SA e RUI…………………., veio o demandante interpor recurso da decisão absolutória proferida de fls. 485 a 507 dos autos. * Admitido o recurso por despacho de fls.519, o recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta, em síntese:1. O 2.º Réu agiu com negligência, tendo existido ilicitude no seu comportamento. 2. O 1.º R. (Hospital) tem responsabilidade civil nos mesmos termos já que responde pelos seus actos como o comitente em relação ao comissário. 3. Há, assim, o dever de indemnizar, face ao disposto no art. 798.º e 562.º e seguintes do Código Civil. 4. A douta decisão recorrida fez errada aplicação do direito, em particular, da norma contida nos art. 798.º, 799.º e 562.º do Código Civil, tendo ainda violado o disposto no art. 668.º n.1 alíneas c) e d) do CPCivil. 5. Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene solidariamente os RR no pedido constante da petição inicial. * Nas contra alegações oferecidas, os demandados ora recorridos sustentam a bondade da decisão proferida.* Foram colhidos os vistos legais.Encontra-se dada como assente a seguinte matéria de facto:
* Tudo visto e ponderado, cumpre decidir: Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), duas são as questões fundamentais a dirimir: - Uma, relativa à responsabilidade do Hospital Particular do Algarve, SA; - Outra, respeitante à responsabilidade do médico demandado, Dr. Rui Manuel Caro de Sousa. I Da responsabilidade do Hospital Particular do Algarve, SA Conforme resulta da leitura da parte final da petição inicial, o A. faz alicerçar a pretensão deduzida contra o hospital demandado no facto de o acto médico gerador da obrigação de indemnizar ter sido praticado no seu próprio estabelecimento hospitalar (onde o 2.º réu presta a sua actividade profissional), resultando do disposto no art. 800.º n.1 do CCivil a sua responsabilidade (art. 133.º e 134.º a fls. 15). Na douta contestação apresentada, o R. Hospital Particular do Algarve, SA vem sustentar que se limitou a facultar o uso das suas instalações porquanto a intervenção cirúrgica a que o autor foi sujeito ocorreu no âmbito de um contrato de prestação de serviços que o R. Rui ………… celebrou com a Companhia de Seguros Allianz mediante o qual se obrigava a tratar os doentes que aquela companhia enviasse para cirurgia (fls.87 verso). Ora, de acordo com o circunstancialismo dado como assente: a) No dia 27 de Junho de 2001, o Autor sofreu rotura traumática (parcial) da coifa dos rotadores, ao nível do ombro esquerdo, em consequência de um acidente de trabalho. (A) b) A reparação pelos danos causados por tal acidente encontrava-se abrangida por um contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a companhia de seguros “Allianz”, ao abrigo da apólice n. 322348. (B) c) O autor participou o referido acidente à identificada companhia de seguros. (C) d) Por indicação da companhia de seguros o Autor foi em 3/8/01 submetido a intervenção cirúrgica no Hospital Particular do Algarve, ora primeira Ré, tendo tal intervenção sido executada pelo ora segundo Réu. (D) e) O 2° Réu celebrou com a Companhia de Seguros Allianz um contrato de prestação de serviços, mediante o qual se obrigou a tratar os doentes que aquela lhe enviasse para cirurgia. (77°) f) A 1ª Ré facultou ao 2° Réu as suas instalações e o equipamento e o pessoal não médico ou de enfermagem para que a intervenção pudesse ser realizada. (78°). Perante o condicionalismo agora explanado e atento o preceituado no art. 800.º do Código Civil, não se vislumbra fundamento legal para a responsabilização do hospital demandado, pois, como sustenta o Prof. Vaz Serra, o devedor que se aproveita de auxiliares no cumprimento da obrigação, fá-lo por seu risco e, portanto, deve responder pelos factos desses mesmos auxiliares que, ao fim e ao cabo, são um instrumento seu para o cumprimento (“Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos in BMJ n. 72). No caso concreto, não se acha constituída nenhuma relação obrigacional entre o Hospital R. e o demandante, achando-se, desse modo, afastada a previsão legal constante do n.1 do preceito legal atrás referido (Prof. Almeida Costa, Obrigações, pg. 732). Bem andou, pois, o ilustre Juiz “a quo” ao absolver do pedido o Hospital Particular do Algarve, SA. II Da responsabilidade do R. Rui …………… Estando em causa saber a quem imputar responsabilidades pelo facto de na intervenção cirúrgica aludida nos autos (efectuada pelo R. Rui …………..) ter sido deixada uma compressa no interior do corpo do A. (o que acabaria por despoletar todo um conjunto de danos cujo ressarcimento agora se pretende), na douta sentença recorrida o ilustre julgador “a quo”, não obstante considerar provado o nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo A. e a intervenção cirúrgica (art. 26.º e 27.º da base instrutória), acabou por concluir pela absolvição do pedido já que, em seu entender, o demandado logrou afastar a existência de culpa. Sem pretendermos respigar toda a problemática sobre a responsabilidade civil dos médicos no exercício da actividade profissional, importará, antes de mais, relembrar o facto, já por nós focado aquando do tratamento da questão relativa à responsabilidade do Hospital do Algarve, SA, de não existir qualquer vínculo contratual entre o A. e o R. Rui ………………, o que, em nossa opinião, reconduz a questão aos domínios da responsabilidade civil extracontratual. De qualquer modo, não hesitamos em seguir a posição assumida por Miguel Teixeira de Sousa (“Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica”, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDUL, 1996, pág. 137), para quem “a posição do médico não deve ser sobrecarregada através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu nem poderia garantir”, e por isso, “o regime de ónus da prova deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual”. Mas, tal como se defende na douta decisão recorrida, o importante é aferir da existência de ilicitude ou culpa do agente, na perspectiva de omissão dos mais elementares cuidados científicos e técnicos, inerentes à actividade médica, e isto, independentemente dos domínios em que tal discussão poderá ser colocada (responsabilidade civil contratual ou extracontratual). Serve isto para dizer que a existência de licitude ou ilicitude ter-se-á de aferir pelo cumprimento ou incumprimento do serviço médico prestado uma vez que todo e qualquer ser humano tem direito a ser diagnosticado e tratado à luz de conhecimentos técnico/científicos adequados (Sérvulo Correia, As Relações Jurídicas de Prestação de Cuidados pelas Unidades de Saúde do Serviço Nacional de Saúde, in Direito da Saúde e Bioética, págs. 40 e 41), isto é, com recurso às chamadas “regras da arte”, verdadeiras balizas não só do direito (subjectivo) do paciente como também do dever do prestador da assistência médica (vd. também o Ac. RL de 29.06.2006 da autoria do ilustre Desembargador Esagui Martins in www.dgsi.pt). É, pois, em função da análise dessa realidade complexa que é possível extrair a conclusão de que estão preenchidos os requisitos legais constantes do art. 483.º do Código Civil, ou seja: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Neste contexto, parece-nos, salvo o devido respeito, que “a conclusão absolutória” extraída pelo julgador de 1.ª instância face à matéria de facto dada como provada, não é a mais correcta, tanto mais que o mesmo ilustre Magistrado não deixa de reconhecer – lançando mão de um ensinamento do Prof. Álvaro Dias – que “ O ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta actuação do agente, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura “. A circunstância de, no acto da intervenção cirúrgica a que o A. foi sujeito, ter participado uma enfermeira instrumentista (art. 85.º) com as funções constantes da resposta ao quesito 89.º (controlo, por contagem, dos ferros, das compressas, das agulhas, das lâminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados) e o facto de não se ter verificado qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar, quer durante a cirurgia quer no final da mesma (art. 90.º), de modo algum podem levar à conclusão de que não existiu negligência médica por parte do R. médico, sendo de todo inaceitável a afirmação de que ao R. Rui Caro de Sousa “ . . . não era exigível que admitisse ter ficado qualquer compressa no corpo do A. . . . “ – fls. 505. Como muito judiciosamente refere o desembargador Pimentel Marcos no Ac. RL de 29.04.2005 (www.dgsi.pt), “ O erro médico pode ser definido como a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida de um doente. E pode ser cometido por imperícia, inconsideração ou negligência “. Ora, à luz deste conceito, aceitar o entendimento plasmado na douta sentença recorrida de que a responsabilidade pelo facto de ter sido deixada uma compressa no corpo do A. era da enfermeira instrumentista, seria o mesmo que sufragar o entendimento de que o médico operador não estava obrigado a retirar essa mesma compressa. A enfermeira instrumentista desempenha uma papel coadjuvante no acto da intervenção cirúrgica, considerada em toda a sua globalidade, e se é verdade que, “in casu”, existe responsabilidade pelo não cumprimento integral das suas funções, o mesmo deverá ser dito do R. já que, em primeira linha, cumpria-lhe verificar se nenhuma anomalia se verificava no decurso da operação do A., nomeadamente, se por si havia sido deixado qualquer objecto no corpo do paciente. Neste contexto, dúvidas algumas se suscitam quanto à responsabilidade do R. Rui Manuel Caro de Sousa, importando agora, à luz do que se acha disposto nos art. 562.º a 564.º do CCivil, aferir da bondade do “quantum” indemnizatório reclamado pelo demandante em função dos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da ilicitude verificada. Conforme decorre da leitura da parte final do petitório, o A. reclama a condenação solidária dos RR no pagamento das seguintes quantias: a) € 44.400, 00 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) relativos aos anos de 2002 e 2003 e decorrentes do encerramento do estabelecimento, calculados na base de perda de rendimento mensal de € 1.850, 00 x 24 meses. b) € 155.400, 00 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) resultantes da perda de ganhos futuros calculados até aos 45 anos de idade, ou seja, considerando mais 7 anos de actividade, tudo na base de um lucro anual de € 22.200, 00. c) € 25.000, 00 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) consubstanciados na perda de investimento no estabelecimento comercial. d) € 25.000, 00 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) consubstanciados na perda do trespasse do estabelecimento comercial. e) € 75.000, 00 a título de danos não patrimoniais. Com interessa para a boa decisão da causa nestes aspectos muito particulares, importa considerar: Por indicação da companhia de seguros o Autor foi em 3/8/01 submetido a intervenção cirúrgica no Hospital Particular do Algarve, ora primeira Ré, tendo tal intervenção sido executada pelo ora segundo Réu. (D) No ano fiscal de 2000 o Autor participou rendimentos ilíquidos de 5.464.382$00, ou seja € 27.256,22 (vinte e sete mil duzentos e cinquenta e seis euros e vinte e dois cêntimos) (L) No ano fiscal de 2001 o Autor participou um lucro de € 6.787,29 (seis mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte e nove cêntimos). (M) O Autor, à data da intervenção cirúrgica referida em D) supra, tinha trinta e cinco anos de idade. (N) O período de convalescença médio de uma intervenção cirúrgica de cariz semelhante à que o A. foi sujeito, sem a verificação de quaisquer complicações, é de cerca de dois meses. (35.º). Em consequência da intervenção cirúrgica aludida em D) o autor esteve inactivo nove meses, desde a data da intervenção até 3 de Junho de 2002 (36.º) Em 27/6/01 o Autor era proprietário de um estabelecimento de panificação, na Figueira. (37°) Era o Autor quem procedia à preparação, fabrico e distribuição de todos os produtos de pastelaria e panificação que comercializava. (39°) E era a mulher do Autor quem o coadjuvava em tal actividade, executando todas as demais tarefas instrumentais e acessórias que não careciam de especiais conhecimentos ou emprego da força física. (40°) Durante 9 meses o Autor não pôde confeccionar e preparar os produtos que vendia no seu estabelecimento comercial e não pôde conduzir o seu veículo de distribuição porta a porta. (41°) O Autor tinha iniciado a sua actividade comercial, por conta própria, cerca de dezoito meses antes do facto referido em D). (42°) Na data da intervenção cirúrgica aludida em D) o autor estava na fase da angariação de clientela e fidelização dos clientes que já possuía em carteira. (43°) Nessa data, o Autor fornecia os produtos do seu comércio a cerca de vinte “pontos de venda”, constituídos por pastelarias, cafés, restaurantes e mini-mercados. (44°) A mulher do Autor não conseguia dar resposta ás encomendas habituais dos clientes. (45°) A mulher do A. padecia de obesidade mórbida e doença do foro cardiológico. (46°) O A. não contratou qualquer trabalhador. (47°) Tendo em conta que os produtos comercializados pelo autor (pão e bolos) visam a satisfação de necessidades diárias dos seus clientes estes procuraram fornecedores alternativos. (48°) O A. foi perdendo clientes. (49°) O A. no final de 2001 encerrou o estabelecimento por não ter encomendas suficientes. (50°) Os proventos resultantes da actividade do estabelecimento acima descritos consubstanciavam a única fonte de rendimento do Autor e respectivo agregado. (51°) O Autor deixou de poder fazer face ás despesas diárias de alimentação e subsistência do agregado, dos compromissos assumidos com a aquisição de habitação, com a aquisição de veículo afecto ao seu comércio e com a aquisição de mercadorias. (52°) O Autor perspectivava atingir até ao final de 2004 um número de clientes não inferior a cinquenta. (53°) Era previsível que o lucro médio mensal resultante da sua actividade a partir de 2004 fosse de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). (54°) Cada cliente geraria um lucro médio mensal líquido de € 50,00 (cinquenta euros). (55°) O A. trabalhou como empregado de limpeza. (56°) Pelo facto de ter encerrado o seu estabelecimento comercial o Autor teve necessidade de recorrer à ajuda financeira de familiares e amigos. (57°) O Autor manter-se-ia activo naquelas funções até aos 45 anos. (60°) Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho o Autor sentia angústia profunda, uma vez que dos proventos da sua actividade dependia não apenas a sua subsistência mas também a do seu agregado. (64°) O autor estava ciente que estava a ser destruído o seu plano de vida, no que tange à sua actividade profissional. (65°) O Autor tinha investido todo o seu empenhamento e economias na criação do seu estabelecimento. (66°) O Autor sentiu-se profundamente triste, revoltado e frustrado. (67°) O A. após a alta clínica ausentou-se para o estrangeiro. (68°) O Autor sentiu-se só e sentiu-se distante dos seus familiares. (69°) Nomeadamente do seu filho que muito sentiu a falta de carinho e afecto do pai. (70.º) O estado de saúde da sua esposa agravou-se com a sua ausência. (71°) O que aumentou o sentimento de angústia do Autor. (72°) O filho do A. teve problemas psicológicos. (73°) O A. sofreu dores durante o período de convalescença. (75°) O referido nas respostas dadas aos art°s 41°, 45°, 48°, 49°, 50°, 52°, 57°, 64°, 65° e 67° resultou da inactividade do A. (76°) * Ora, atentas as regras do ónus da prova consignadas no art. 342.º n. 1 do Código Civil, o que se provou foi que o Autor perspectivava atingir até ao final de 2004 um número de clientes não inferior a cinquenta (53°), que era previsível que o lucro médio mensal resultante da sua actividade a partir de 2004 fosse de €2.500,00 (54°) e que cada cliente geraria um lucro médio mensal líquido de € 50,00 (55°). Por força do condicionalismo de facto agora enumerado, nomeadamente, o constante das respostas aos quesitos 54.º e 55.º, o valor médio mensal de € 2.500, 00 reclamado pelo A. a partir de 2002, apenas poderá ser considerado desde 2004 já que o facto de se perspectivar alguma coisa a partir de determinada data não significa mais do que um anseio ou desejo a atingir, realidade bem diferente do conceito de previsibilidade, o qual, necessariamente, será indissociável de normalidade e/ou razoabilidade das premissas em que assenta e que encontra eco no próprio ordenamento jurídico (“ A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado deixou de obter em consequência da lesão “ – art. 563.º do Código Civil). Assim sendo, o valor do dano patrimonial (lucro cessante) a considerar para os anos de 2002 e 2003 terá de ser encontrado com base nos elementos contabilístico/financeiros mais consentâneos com a realidade, isto é, com os valores declarados ao fisco pelo A. para o 1.º semestre de 2001 (No ano fiscal de 2001 o Autor participou um lucro de € 6.787,29). Deste modo, os montantes indemnizatórios a considerar neste particular para os anos de 2002 e 2003 serão no montante de € 27.149, 16 [1] (vinte e sete mil cento e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos). No que respeita aos lucros cessantes verificados desde 2004 até ao termo da vida activa considerado pelo A. (45 anos de idade), parece-nos de atender a pretensão dada a razoabilidade verificada, considerando-se, desta feita, o valor previsível de lucro mensal atrás consignado (€ 2.500, 00). Assim, 84 meses x (€ 2.500, 00 - € 650, 00) = € 155.400, 00. No tocante aos danos patrimoniais relativos à perda de investimento no estabelecimento comercial e da impossibilidade em levar a cabo o trespasse do estabelecimento comercial, as respostas (não provado) à matéria dos quesitos 61.º, 62.º e 63.º inviabilizam o atendimento desta parte do pedido. Por fim, importa considerar o montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais cujo ressarcimento se pretende, sendo de realçar, no entanto que, a este propósito, o demandante só logrou provar que: O Autor deixou de poder fazer face ás despesas diárias de alimentação e subsistência do agregado, dos compromissos assumidos com a aquisição de habitação, com a aquisição de veículo afecto ao seu comércio e com a aquisição de mercadorias. (52°) Pelo facto de ter encerrado o seu estabelecimento comercial o Autor teve necessidade de recorrer à ajuda financeira de familiares e amigos. (57°) Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho o Autor sentia angústia profunda, uma vez que dos proventos da sua actividade dependia não apenas a sua subsistência mas também a do seu agregado. (64°) O autor estava ciente que estava a ser destruído o seu plano de vida, no que tange à sua actividade profissional. (65°) O Autor tinha investido todo o seu empenhamento e economias na criação do seu estabelecimento. (66°) O Autor sentiu-se profundamente triste, revoltado e frustrado. (67°) O A. sofreu dores durante o período de convalescença. (75°) Perante o condicionalismo agora realçado, a primeira conclusão a extrair é a de que, contrariamente ao alegado, o A. não logrou provar que se viu forçado a procurar no estrangeiro ocupação remunerada por impossibilidade de a obter em Portugal (art. 102.º da petição inicial e resposta ao quesito 68.º) daí resultando a não consideração da matéria de facto constante das respostas aos quesitos 69.º a 73.º. Deste modo, tendo em atenção que os padecimentos sofridos pelo A. e atrás realçados merecem, sem dúvida, a tutela do direito (art. 494.º e 496.º do CCivil), parece-nos que o valor de € 15.000, 00 estará de acordo com a natureza dos danos a ressarcir e com os parâmetros indemnizatórios deste tipo de casos. O recurso às regras do bom senso e da equidade determinam que se proceda ao cálculo indemnizatório no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso (Ac. De 12.10.06, Proc. 06B2461 em que foi Relator o Conselheiro. Ferreira Girão. www.dgsi.pt). Face a todo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente António ……………. e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, condenam o R. Rui ………….. a pagar ao A. a quantia de € 197.549, 16 (cento e noventa e sete mil quinhentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos). Custas por recorrente e recorrido na proporção de vencidos (sem prejuízo da situação de apoio judiciário de que beneficia o recorrente). Notifique e Registe. Évora, 19 de Abril de 2007 Sérgio Abrantes Mendes Luís Mata Ribeiro Sílvio José de Sousa ______________________________ [1] € 6.787, 29 x 2 x 2 |