Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1120/23.9YLPRT.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: ARRENDAMENTO DE DURAÇÃO LIMITADA
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
PRAZO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, no que se refere aos contratos de arrendamento habitacionais com prazo certo, quando renováveis, visou garantir um prazo mínimo de renovação de três anos.
II. O legislador permite que as partes convencionem um prazo contratual inferior - ainda que não a 1 ano, caso em que será este o período de vigência, nos termos do n.º 2 do art.º 1095.º – e, bem assim, que excluam a renovação do contrato, a tanto se reportando a ressalva inicial.
III. Estipulando as partes a renovação, a expectativa de maior estabilidade que lhe é inerente e o objectivo declarado pelo legislador de 2019, de estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano (…)”e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…” justificam a imposição da prorrogação do prazo do contrato por períodos mínimos de 3 anos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1120/23.9YLPRT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Loulé – Juiz 2


I. Relatório
(…), (…), S.A. instaurou contra (…) procedimento especial de despejo, pedindo a entrega da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3.º andar direito do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), n.º 3, 3.º Dto., em (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) daquela freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé com o n.º (…).
Em fundamento alegou em síntese que é a dona da fracção, por a ter adquirido a (…) – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, a quem sucedeu na posição de locadora. Mais alegou ter-se oposto à renovação do contrato com efeitos a partir de 30/4/2023, conforme comunicou ao R. por carta registada enviada com a antecedência legalmente imposta e por este recepcionada. Não tendo este procedido à entrega voluntária da fracção no termo do contrato, conforme estava obrigado, tal confere à demandante o direito de recorrer a juízo para obter a desocupação do locado.
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Notificado pelo BNA, o requerido deduziu oposição, peça na qual alegou que a senhoria não declarou rendas para efeitos de IRS nos anos de 2022 e 2023, pelo que o requerimento não preenche os requisitos do n.º 4 do artigo 15.º do Procedimento Especial de Arrendamento; não lhe foi dada a faculdade de exercer o direito de preferência na compra da fracção autónoma; é portador de uma incapacidade permanente global de 30%, encontrando-se desempregado, factos que diz serem impeditivos da denúncia do contrato de arrendamento, obstando à pretendida entrega da fracção locada.
Após pronúncia pela autora, foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição e, tendo julgado verificados os pressupostos que permitiam à A. recorrer ao procedimento especial de despejo, declarou válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento por esta comunicada ao arrendatário, determinando, consequentemente, que o requerido procedesse à entrega do locado, tendo ainda autorizado a entrada no domicílio após trânsito.

Tendo entretanto pedido a substituição da patrona inicialmente nomeada, veio o requerido interpor o presente recurso e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso tem como objectivo A SENTENÇA que declarou verificados os pressupostos para recurso ao procedimentos especial de despejo e declarou válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pela Requerente, e decidiu ainda que deverá o Requerido proceder à entrega do arrendado, e ainda autorizou a entrada no domicílio, após trânsito.
2.ª O Réu e ora recorrente entende que houve erro de julgamento, o Tribunal a quo considerou válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa com base na carta registada com aviso de recepção que a Requerente enviou ao Requerido em 14.07.2022, comunicando-lhe a oposição à renovação do contrato de arrendamento e que o mesmo cessaria os seus efeitos em 30-04-2023, data em que deveria desocupar o locado.
3.ª Do contrato de arrendamento junto aos autos verificamos que foi celebrado em 01 de Maio de 2015, pelo prazo de 5 anos, com termo em 30-04-2020, sendo renovável por 1 ano, salvo denúncia das partes.
4.ª A Lei 13/2019, de 12/2, veio dar nova redacção ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, passando a referir o seguinte “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se este for inferior”.
5.ª. No caso dos autos, caso houvesse oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo Requerente, este estaria em vigor imperativamente até 30-04-2025, e nunca o mesmo cessaria os seus efeitos em 30-04-2023.
6.ª Vem o Requerido referir que em 30-04-2020, data da renovação do contrato de arrendamento (início do contrato em 01-05-2015, prazo de duração 5 anos, final do contrato 30-04-2020), encontrava-se já em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, entrada em vigor no dia seguinte, que veio estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
7.ª A nova redacção do artigo 1906.º do Código Civil passou a estabelecer:
1) Salvo disposição em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior (…).
8.ª Como a Lei 13/2019, de 12,02, não contém qualquer norma de direito transitório para aplicação da nova redacção do referido artigo 1906.º do Código Civil aos contratos em curso, pelo que a questão terá de ser solucionada com recurso ao princípio geral de aplicação das leis no tempo previsto no artigo 12.º do Código Civil.
9.ª O n.º 1 do citado artigo estabelece que as leis só se aplicam para o futuro, no entanto o seu n.º 2 distingue dois tipos de leis, as primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas constituídas antes da Lei Nova mas em curso à data do seu inicio de vigência.
10.ª Assim a nova redacção do artigo 1096.º do Código Civil introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, é de concluir que a situação se enquadra na 2.ª parte do artigo 12.º do Código Civil.
11.ª Posto isto, não restam dúvidas que ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos é aplicável a redacção do artigo 1906.º, introduzida pela lei 13/2019, de 12-02, a qual se encontrava em vigor aquando da renovação do contrato de arrendamento que se verificou em 30-04-2020.
12.ª Assim, o contrato de arrendamento não se renovou por períodos de um ano, mas imperativamente por períodos de 5 anos, cessando os seus efeitos em 30-04-2025 e não em 30-04-2023, como foi decido pelo Tribunal a quo.
13.ª O prazo de renovação do contrato de arrendamento, de acordo com a nova redacção do artigo 1906.º do Código Civil, será imperativamente o que prevê o seu n.º 1 “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração…”.
14.ª Face ao exposto, este contrato renovou-se automaticamente em 30-04-2020, por igual período da sua duração, 5 anos, sendo que o mesmo estava ainda em vigor aquando da oposição à renovação, comunicação enviada pelo Requerente ao Requerido e que ocorreu em 14-07-2022.
15.ª A comunicação efectuada pelo Requerente ao Requerido em 14-07-2022, onde manifestava a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando que o contrato cessaria os seus efeitos em 30-04-2023, não respeita o prazo estabelecido no artigo 1096.º do Código Civil, com a redacção dada pela Lei n.º 13/2029, não produzirá assim efeitos contra a o requerido pois, como já vimos, o seu contrato de arrendamento está em vigor até 30-04-2025.
16.ª Face a tudo o exposto, com o devido respeito por entendimento diferente, deveria o Tribunal a quo ter decidido com base na nova redacção do artigo 1096.º do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, não declarando válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pela Requerente e, por conseguinte, não ser o Requerido condenado a proceder à entrega do imóvel, devendo sim o Requerido ser Absolvido, isto, porque o contrato de arrendamento ainda está em vigor até 30-04-2025.
Concluiu pedindo que no provimento do recurso seja revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue inválida e ineficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento atenta a nova redacção dada ao artigo 1096.º do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02.
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Contra-alegou a apelada, suscitando a título prévio a extemporaneidade do recurso ou, quando assim não for entendido, a sua rejeição, uma vez que a questão suscitada é nova, não podendo ser conhecida por este Tribunal, defendendo finalmente a sua improcedência, fundamentos que assim sintetizou:
“A. A Sentença foi notificada às partes em 04/10/2023.
B. As alegações de recurso foram apresentadas a 04/11/2023.
C. O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15.º-S (aditado à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela Lei n.º 31/12, de 14 de agosto) e do artigo 638.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Civil (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proc. n.º 427/19.4YLPRT.L1.S1).
D. O presente recurso deverá ser liminarmente indeferido, por extemporâneo.
E. Considerando o alegado em sede de oposição pelo requerido, sempre se dirá que o recurso apresentado estriba-se na interpretação a dar à nova redacção do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, que passou a referir que ”Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se este for inferior”.
F. Tal alegação não foi em momento alguma abordada quer pelo Requerido em sede de oposição, nem tão pouco consta dos fundamentos da Sentença.
G. O recurso visa a reapreciação dos factos trazidos aos autos pelas partes e que possam ter sido objeto de incorreta interpretação ou subsunção.
H. “As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do N.C.P.C., não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.” Cfr. 154/12.3TBMGR.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. No recurso apresentado o requerido apenas alega factos novos, inexistindo qualquer pedido de reapreciação do já apreciado pelo Tribunal a quo, devendo como tal ser liminarmente rejeitado
J. Celebraram as partes um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, com início em 1 de Maio de 2015, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
K. Sendo o arrendamento celebrado por prazo certo, automaticamente renovável pelos períodos contratualmente estabelecidos de um ano.
L. Ficaram ainda estipulados contratualmente, de acordo com a lei, os prazos de denúncia, bem como de revogação do contrato.
M. O contrato esteve vigente oito anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbanos destinados à habitação passíveis de renovação, consagrado no n.º 3 do artigo 1097.° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.
N. Nos termos da redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.
O. A propósito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).
P. As partes admitem e aceitam, tal como já resultava da posição assumida nos articulados, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.
Q. Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9.º do Código Civil, o n.º 1 do artigo 1096.° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual inicial.”
R. O que está em discussão é saber se o disposto no artigo 1096.º do Código Civil tem carácter imperativo ou supletivo e, em consequência, qual o prazo da Renovação em curso: é de 5 anos, de três anos ou de 1 ano.
S. Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2022, processo 7855/20.0T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt., a redação da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, «porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que possa afirmar-se que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
T. Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas o arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, págs. 82-95 [Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, pág. 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-Jéssica-ferreira1584.pdf]: “Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação.
U. Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano – Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, pág. 31, em anotação ao artigo 1096. ° do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma.
V. Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n.° 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.
W. Por outro lado, "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica." (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n.° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.
X. A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei, quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.
Y. Este argumento é reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos artigos 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1097.º e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1098.º).
Z. No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, pág. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, pág. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e págs. 686-687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam.”
AA. Assim, ainda que reconhecendo que as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam também aos contratos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor, a autora afasta essa aplicação quanto às normas supletivas, onde integra a nova duração supletiva do prazo de renovação:
“Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do artigo 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.
BB. Não nos parece, porém, que as disposições supletivas da nova lei, como por exemplo a nova duração supletiva dos contratos de arrendamento para fins habitacionais e na renovação dos contratos por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, se apliquem aos contratos celebrados antes de fevereiro de 2019, aos quais se continuarão a aplicar as normas supletivas vigentes aquando da sua celebração, solução esta que era, aliás, a consagrada no artigo 59.º da Lei n.º 6/2006 e a que decorre do próprio n.º 2 do artigo 12.º, pois embora se trate da regulação do conteúdo da relação jurídica, estas normas não se abstraem dos factos que lhe deram origem.
C. Na verdade, ao celebrarem o contrato, as partes nortearam os seus interesses e arquitetaram o equilíbrio das suas relações com base na lei vigente, a qual se deve, por isso, considerar “como incorporada no contrato (lex transit in contractum) por ter sido como que tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”.
DD. Pelo que se entende que a comunicação de oposição de renovação do contrato por parte da Requerente/Autora, enquanto senhoria, é válida, eficaz e tempestiva, tendo produzido os seus efeitos, pelo que o contrato de arrendamento cessou em 30.04.2023.
EE. Ainda que se entendesse pela aplicação do artigo 1096º de forma imperativa, interpretação com a qual não se concorda, sempre se diria, no que respeita à aplicação da Lei no tempo que:
A compreensão desta matéria implica uma reflexão sobre a forma como se foi renovando o contrato em apreço, de acordo com o respetivo teor e com a legislação, entretanto, aplicável.
FF. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (Pedro Lima Gonçalves), a redação do artigo 1096.º, terá aplicação?
Sim, se essa for a primeira renovação. Não, se a primeira renovação já tiver decorrido anteriormente à entrada em vigor da Lei 13/2019.
GG. No caso concreto, o contrato iniciou-se em 01/5/2015, tendo tido a sua primeira renovação (por um ano) a 1/6/2020. Como tal, à data da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, havia já operado a primeira renovação do contrato.
HH. Tendo, então, sido renovado sucessivamente a 1 de junho dos anos subsequentes, por períodos de um ano, até que a senhoria, ora Recorrente, se opôs à renovação, nos termos legais.
II. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente do artigo 1096.º do Código Civil.
JJ. Devendo como tal ser substituída por outra que, julgando o contrato validamente resolvido, defira a ordem de despejo requerida.
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A Sr.ª juíza pronunciou-se no sentido do recurso ser tempestivo.
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Questão prévia: da tempestividade do recurso
A apelada defendeu a extemporaneidade do recurso interposto, por ter sido ultrapassado o prazo de 15 dias aplicável ao caso por força das disposições conjugadas dos artigos 15.º-S, seus n.ºs 5 e 8, aditado à Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, e 638.º, n.º 1, do CPC.
Pronunciou-se a Mm.ª juíza pela tempestividade do mesmo. E com razão o fez, antecipa-se.
Com efeito, não se questionando a natureza urgente do procedimento, expressamente declarada pela lei, como resulta dos invocados n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, e aqui aplicável[1], tal importa a redução do prazo de recurso para 15 dias (cfr. artigo 638.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC), conforme assinala a apelada. Todavia, no caso concreto que nos ocupa, releva para determinar o início da contagem do prazo o facto de a patrona inicialmente nomeada ao requerido ter sido entretanto substituída, decisão notificada à nova patrona nomeada por ofício datado de 13 de Outubro.
Conforme correctamente se assinala no despacho a este propósito proferido, pese embora o artigo 29.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, que veio regulamentar a Lei de Acesso ao Direito, preveja, no seu artigo 29.º, que todas as notificações entre a OA, os tribunais e os profissionais participantes no sistema de acesso ao direito devam realizar-se por via electrónica, através do sistema gerido pela própria Ordem, a verdade é que, conforme ali também se assinala, é tal portaria omissa quanto ao momento em que se presume efectuada a notificação. Deste modo, e por identidade de situações, deve ter-se por analogicamente aplicável quanto resulta das disposições conjugadas dos artigos 5.º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, e 248.º do CPC, donde, presumir-se que a notificação da Il. patrona nomeada em substituição da anterior teve lugar no 3.º dia posterior à data da certificação da elaboração/expedição daquele ofício, no caso, o dia 16 de Outubro.
Releva ainda aqui relembrar o acórdão do TC n.º 515/2020, de 13 de Outubro, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado. Daqui decorre que tendo o requerente do apoio judiciário de ser obrigatoriamente notificado da nomeação, notificação sem a qual não se inicia a nova contagem do prazo interrompido, e sendo certo que a notificação ao aqui apelante há-de ter sido feita mediante carta registada, nunca enviada antes desse mesmo dia 13 de Outubro, funciona a presunção estabelecida no artigo 249.º, n.º 1, do CPC, pelo que se presumiria notificado também a 16 de Outubro. Iniciando o prazo a sua contagem a 17, dia imediato, o seu término ocorreu no dia 31. Tendo o recurso dado entrada em juízo no dia 4 de Novembro, correspondente ao 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo (o dia 1/11 é feriado nacional), e mostrando-se paga a multa devida nos termos do artigo 139.º do CPC, é o mesmo tempestivo, com o que improcede a questão prévia suscitada pela apelada.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir indagar se a apelada se opôs validamente à renovação do contrato de arrendamento celebrada com o apelante, o que vincula à prévia determinação do prazo de renovação aplicável ao caso.
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II. Fundamentação
De facto
Sem impugnação é a seguinte a factualidade constante da sentença recorrida com relevo para a decisão.
1. Por documento particular datado de 01.05.2015 e subscrito pelas partes, foi celebrado entre (…) – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional e o ora Requerido um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, tendo por objecto o imóvel a que corresponde a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3.º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), n.º 3, 3.º-Dto., em (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) daquela freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé com o n.º (…).
2. A (…) – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional pagou, em 05.05.2015, o imposto do selo relativo ao contrato referido em 1).
3. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 01.05.2025 e termo em 30.04.2020, tendo as partes acordado na sua renovação por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, salvo denúncia por qualquer uma (vide cláusula 2.ª do acordo celebrado – doc. de fls. 2 a 4 destes autos).
4. Foi estipulada uma renda inicial de € 250,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
5. A fracção autónoma identificada em 1. foi vendida à ora Requerente mediante negócio de compra e venda titulado, encontrando-se a aquisição registada a seu favor através da Ap. (…), de 2022/01/31.
6. A Requerente remeteu ao Requerido, para a morada do arrendado, carta registada com aviso de recepção datada de 14.07.2022, comunicando-lhe a oposição à renovação do contrato de arrendamento e que o mesmo cessaria os seus efeitos em 30.04.2023, data em que deveria desocupar o locado.
7. O Requerido recebeu a carta referida em 6) no dia 18.07.2022.
8. A Requerente juntou, no requerimento de despejo apresentado no BNA, o comprovativo do pagamento do imposto do selo referido em 2).
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De Direito
Da cessação do contrato de arrendamento por válida oposição à sua renovação.
Mostra-se assente nos autos sem controvérsia que entre (…) – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, na qualidade de senhoria, e o Requerido, na qualidade de arrendatário, foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação permanente deste, pelo prazo de 5 anos, com início em 01.05.2015, mediante o pagamento de uma renda inicial de € 250,00 (artigos 1022.º, 1023.º, 1067.º e 1092.º e seguintes do Código Civil[2]). Adquirido está também que tendo a agora apelada adquirido, por compra, a fracção autónoma objecto daquele contrato, sucedeu nos direitos e obrigações da locadora, conforme prevê o artigo 1057.º.
Resulta ainda da matéria de facto assente que, pretendendo fazer cessar o contrato, a aqui autora, locadora, enviou ao arrendatário, ora recorrente, carta registada com A/R, por este recepcionada no dia 18 de Julho, dando conta da sua oposição à renovação do contrato que teria lugar em 1 de Maio de 2023, cabendo agora decidir se, conforme pretende e foi reconhecido na sentença recorrida, o contrato teve o seu termo em 30 de Abril de 2023 ou antes, como sustenta o recorrente, foi objecto de renovação automática em 1 de Abril de 2020 pelo período de 5 anos, pelo que o seu termo, a não se verificar nova renovação, ocorre apenas no dia 30 de Abril de 2025.
Previamente, importa esclarecer que pese embora a questão agora colocada no recurso não tenha sido suscitada, nestes exactos termos, na oposição deduzida, a verdade é que o arrendatário não deixou de questionar a licitude da oposição à renovação deduzida. Acresce que, sendo um dos entendimentos possíveis o de que o artigo 1096.º, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, contém norma imperativa, a sua violação seria sempre de conhecimento oficioso, ainda que dependente do prévio exercício, pelas partes, do contraditório. Ora, tendo recorrente e recorrida explanado na alegação e contra alegação quanto a este respeito entenderam conveniente, inexiste obstáculo a que a questão enunciada seja conhecida, pelo que dela nos ocuparemos de seguida.
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A indagação sobre a validade e eficácia da oposição deduzida pela senhoria depende, em primeira linha, da determinação do prazo da prorrogação aplicável ao contrato ajuizado, em face da renovação prevista pelas partes.
Visando a lei nova também os contratos em curso e tendo a comunicação sido enviada quando se encontrava já em vigor (a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, entrou em vigor no dia imediato), é esta a aplicável, suscitando-se a questão de saber, à luz do que dispõe o artigo 1096.º, na redacção por aquela lei introduzida, i. se se mantém válida a convenção das partes que, tendo estipulado um prazo de vigência inicial de 5 anos, previu a sua renovação automática por períodos iguais e sucessivos de apenas 1 ano, caso não se verificasse oposição de qualquer uma das partes; ii. se vigora o prazo imperativo -imperatividade mínima- de 3 anos referido no preceito; iii. ou antes, como defende o recorrente, o contrato se deve ter como renovado por período igual ao inicial, de 5 anos portanto, estando o seu termo previsto para 30/4/2025.
Reconhecendo as muitas dificuldades interpretativas colocadas pela redacção do preceito e sua conjugação com o que dispõem os artigos 1094.º, 1095.º e 1097.º, dando origem a divergências jurisprudenciais e doutrinárias de vulto[3], antecipando a decisão diremos, em concordância com o entendimento que vingou no acórdão do STJ de 20/9/2023, no processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt[4], e que incidiu sobre contrato em tudo idêntico ao dos presentes autos, que “Na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos”. Vejamos:
É certo, como fazem notar os defensores da natureza integralmente supletiva da norma em questão, que o legislador permite que as partes convencionem um prazo contratual inferior -ainda que não a 1 ano, caso em que será este o período de vigência, nos termos do n.º 2 do artigo 1095.º – e, bem assim, que excluam a sua renovação, sentido que concordantemente é atribuído à ressalva inicial do artigo 1096.º. Logo, sustentam, terá de se admitir, até por um argumento “ad maiori ad minus”, que lhes seja permitido convencionarem o período de renovação que bem entenderem – igual ao termo inicial, maior ou menor, de 1 ou 2 anos, como bem lhes aprouver.
Trata-se de argumento que, todavia, não temos por decisivo, o que com o maior respeito se afirma. Na verdade, quando não se convencione a possibilidade de renovação, inexiste expectativa por banda de qualquer uma das partes que o contrato se prolongue para lá do prazo inicial (podendo, ainda neste caso, ocorrer excepcionalmente a renovação, nos termos prevenidos no artigo 1056.º). Já não assim, porém, quando as partes convencionem a renovação, pela expectativa de maior estabilidade que lhe é inerente, o que justifica a diferença de regime. E tanto assim é que, quanto a estes contratos, quando celebrados por período inferior a 3 anos, a lei veio assegurar de forma imperativa, diferindo a eficácia da oposição que vier a ser deduzida à 1.ª renovação, um prazo de vigência de pelo menos 3 anos (cfr. artigo 1097.º, n.º 3), salvo caso de necessidade do locado para habitação do próprio senhorio ou seus descendentes em 1.º grau (cfr. o n.º 4 do preceito). Nos casos em que ocorreu renovação por aplicação do n.º 1 do artigo 1096.º, é nosso entendimento que o legislador de 2019 quis, de forma idêntica, garantir a vigência de contrato sempre por períodos não inferiores a 3 anos, interpretação que se harmoniza com aqueles que foram os seus objectivos declarados – a lei anuncia, logo no seu artigo 1.º, epigrafado de “Objeto”, que vem estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…” (é nosso o sublinhado) – não se verificando, em nosso entender, e com o maior respeito por opinião contrária, a, pelos defensores da natureza integralmente supletiva da norma apontada, contradição lógica entre os dois preceitos. Com efeito, é, a nosso ver, inegável, que o arrendatário num contrato com previsão de renovação automática faz opções assentes numa expectativa de estabilidade que merece ser tutelada, seja ao nível do emprego que aceita ou da escola que escolhe para os filhos frequentarem, para mencionar apenas dois exemplos, estabilidade que a lei visou garantir através da duração mínima dos sucessivos períodos de vigência que, assim, et pour cause, assume natureza imperativa. Fora deste limite mínimo, as partes são livres para excluir a renovação automática ou fixarem outra duração, sentido em que deve ser interpretada a ressalva inicial do preceito.
Faz-se ainda notar que, não fosse esta a intenção do legislador e não se vê razão para o aditamento do segmento “ou de três anos se esta for inferior”, tanto mais que, como se chama a atenção no acórdão do STJ acima citado, a menção de um prazo mínimo “não deixa de causar algum alerta, que é ampliado pelos antecedentes históricos (…) de fixação imperativa (pelo menos segundo entendimento de alguns, defensável pelas razões expostas) de limites mínimos de renovação dos contratos de arrendamento habitacional com prazo certo”.
A referência aos antecedentes históricos abrange o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02), que na sua versão inicial previa a celebração de contrato de arrendamento para habitação com prazo certo com a duração mínima de cinco anos (artigo 1095.º, n.º 2, do CC), automaticamente renovável por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estivessem contratualmente previstos (artigo 1096.º, n.º 1), cessando mediante declaração de oposição à renovação que, no caso do senhorio, deveria ter a antecedência mínima de um ano antes do termo do contrato ou da renovação (artigo 1097.º) e também o artigo 100.º, n.º 1, do RAU , que previa a renovação automática dos contratos de duração limitada “celebrados nos termos do artigo 98.º” por períodos mínimos de três anos, se outro não estivesse especialmente previsto.
A referência a prazos mínimos de renovação, então como agora, suscitou dúvidas interpretativas, de que o legislador se terá dado conta uma vez que, como se refere no acórdão que vimos acompanhando, “ao traçar o quadro de adaptação ao NRAU dos arrendamentos constituídos à luz da(s) lei(s) pretérita(s)”, optou, “no regime transitório, pela expressão clara da imperatividade da duração mínima de três anos na renovação do arrendamento habitacional” (cfr. artigo 26.º, n.ºs 1 e 3, do RAU, na sua redacção original).
Tendo a Lei n.º 31/2012 eliminado um prazo mínimo para a duração dos arrendamentos de prazo certo, apenas mantendo o limite máximo de 30 anos (artigo 1095.º do CC), passou a prever no artigo 1096.º a sua renovação automática por períodos de igual duração, ressalvando todavia a possibilidade de as partes convencionarem diversamente (cfr. segmento inicial do n.º 1 do preceito), do que resultava a natureza supletiva da norma, quer quanto à possibilidade de renovação, quer do prazo da mesma. Tendo o legislador de 2019 reintroduzido o limite mínimo de 3 anos – desnecessário se quisesse manter a natureza supletiva da norma, tal qual a mesma se apresentava – e tendo presente o objectivo prosseguido com as alterações que levou a cabo, somos a concluir que se trata de um limite imperativo.
Em suma, e conforme se refere no acórdão citado: “(…) o n.º 3 do artigo 1097.º do CC aí está, dando consistência ao disposto no artigo 1096.º, n.º 1, norma esta que, tendo em conta a totalidade da sua redação (elemento literal da interpretação das leis), conjugada com o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º (elemento sistemático da interpretação da lei), à luz do objetivo tido em vista com a publicação da Lei n.º 13/2019 (elemento teleológico ou racional da interpretação das leis) e os já mencionados antecedentes históricos nesta matéria (elemento histórico da interpretação das leis), segundo a melhor interpretação (artigo 9.º do CC), por um lado possibilita a contratualização não renovável de arrendamentos habitacionais e, por outro lado, quando se perfila um arrendamento habitacional renovável, impõe (em benefício do arrendatário) uma expetativa mínima de três anos para a sua renovação”.
Reconhece-se, claro está, que, conforme vem pertinentemente observado no voto de vencido aposto ao acórdão deste mesmo TRE de 25 de Janeiro de 2023[5], o entendimento propugnado poderá ter o efeito perverso de promover a celebração de contratos de curta duração e sem previsão da sua renovação. Não é propriamente uma novidade (relembre-se[6] a prática, para muitos abusiva, de ser incluída no contrato, aquando da sua celebração, a oposição por parte do senhorio à primeira renovação no âmbito de vigência do NRAU, que previa a obrigatoriedade da prorrogação, e cujo efeito prático era igual ao da então proibida estipulação de não renovação), e parece não ser argumento bastante para contrariar a que se afigura ser a interpretação mais conforme àquela que se sabe ser a intenção do legislador, sendo certo ainda que se contém na letra do preceito e se harmoniza com as demais opções (cfr. artigo 9.º do CC)[7].
De volta ao caso concreto, temos que o contrato, tendo sido celebrado para vigorar inicialmente durante 5 anos, se renovou automaticamente, por nenhum dos contraentes ter deduzido oposição à renovação, no dia 1 de Maio de 2020, já no âmbito da vigência da Lei 13/2019, logo, de acordo com o n.º 1 do artigo 1096.º, na interpretação aqui adoptada conforme se deixou exposto, pelo período de 3 anos (alargamento do período de 1 ano contratualmente previsto), tendo o seu termo previsto para 30 de Abril de 2023.
Tendo a locadora comunicado a sua oposição à renovação com a antecedência legalmente prescrita (cfr. artigo 1097.º, n.º 1, alínea b), ela tornou-se eficaz, fazendo cessar o contrato naquela data, o que determina a improcedência da oposição deduzida, com a consequente condenação do requerido a proceder à entrega do imóvel, nos termos do artigo 15.º-I da Lei n.º 6/2006. Tal como foi decidido e aqui se confirma.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo da isenção subjectiva que lhe foi oportunamente concedida.
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Sumário: (…)
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Évora, 08 de Fevereiro de 2024
Maria Domingas Simões
José Tomé de Carvalho
Rui Machado e Moura

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[1] Actualmente no n.º 10 do mesmo preceito, redacção dada pela Lei 56/2023, de 6 de Outubro.
[2] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[3] Vide, por todos, António Barroso, “O arrendamento urbano habitacional e não habitacional: o prazo e a sua renovação”, na Revista de Direito Comercial, acessível em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/64f61d8f6534052a1619388a/1693851025712/2023-25+-+1139-1225.pdf
[4] Que contou com o voto de vencido do Exm.º Sr. Conselheiro Jorge Arcanjo.
[5] No processo 3934/21.5T8STB.E1, acessível em www.dgsi.pt
[6] Com António Barroso, no citado “O arrendamento urbano…” citado, pág. 63.
[7] É, aliás, o entendimento seguido nos acórdãos deste mesmo TRE de 18/12/2023, processo 607/22.5YLPRT.E1, 23/11/2023, processo 1182/23.9 YLPRT.E1, 10/11/2022, processo 983/22.0 YLPRT.E1, 10/11/2022, processo 126/21.7T8ABF.E1 e o acima citado de 25/1/2023, processo 3934/21.5T8STB.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.