Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
96/16.3T8BJA.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: COMPLEMENTO DE REFORMA
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: A atribuição de complemento de reforma em ata não vincula juridicamente a associação se para a sua validade é obrigatória a assinatura de membros da direção e tal não se verifica.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 96/16.3T8BJA.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (autora).
Apelada: Associação Comercial CC (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja.

1. A A. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra a ré, peticionando a condenação da desta no pagamento das atualizações do complemento de reforma desde 2008 e dos complementos de reforma em falta desde o ano de 2011, devidamente atualizados, quantias essas acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alega, para o efeito, e em suma, que, tendo trabalho para a ré, em 26.11.1999, reformou-se antecipadamente, após negociação e por acordo com a ré, na condição de esta lhe pagar um complemento de reforma até perfazer a idade mínima necessária para se reformar e, uma vez obtida a reforma, receberia um complemento vitalício.
Esses complementos de reforma destinavam-se a compensar as penalizações do sistema nacional de pensões que incidiam sobre as reformas antecipadas.
A ré efetuou o pagamento do complemento da reforma, acrescido dos valores correspondentes às atualizações anuais, até ao ano de 2005. Nos anos subsequentes, a ré não efetuou as atualizações anuais, tendo atualizado a situação apenas no ano de 2008, deixando de o fazer nos anos subsequentes. A partir do ano de 2011, a ré deixou de pagar qualquer complemento de reforma à autora, situação que se mantém até ao dia de hoje.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
Foi convocada uma audiência de partes, para a qual foi regularmente citada a ré, tendo-se, todavia, frustrado a conciliação entre as partes, pelas razões que da respetiva ata constam.

Regularmente notificada para contestar, a ré fê-lo, sustentando, em suma, que a ré atribuiu à autora um complemento de reforma até ela perfazer 65 anos de idade, o que ocorreu no ano de 2005.
Já quanto à atribuição de um complemento de reforma vitalício, defende a ré que a deliberação tomada nesse sentido é um ato não vinculativo, uma vez que a ata da assembleia geral não se encontra assinada pelos seus membros, para além de que a deliberação foi tomada sem a maioria dos seus membros, o que a torna num ato não vinculativo.
Defende também a ré que o pagamento de um complemento vitalício de reforma à autora não é comportável com a atual situação económica da associação, que não dispõe de capacidade financeira para suportar esses encargos.
Por fim, alega a ré a prescrição dos juros remuneratórios e moratórios cujo pagamento foi peticionado pela autora.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
Na resposta apresentada, alega a autora que a decisão de atribuição de um complemento de reforma após os 65 anos de idade foi deliberada por todos os membros da direção, ou seja, pelo presidente, o tesoureiro e o vogal, que se encontravam presentes na assembleia narrada na ata n.º 4/2001, sendo, como tal, válida.
A ré teve sempre tal deliberação como válida, tanto que efetuou o pagamento do complemento de reforma após a autora ter completado os 65 anos de idade.
Quanto à alteração das circunstâncias e às dificuldades económicas invocadas, alega a autora que é alheia a tais circunstâncias, devendo o valor peticionado ser pago.
No que à invocada prescrição dos juros concerne, refere a autora que tais valores não prescreveram, já que o último montante liquidado pela ré foi no ano de 2011, tendo tal pagamento interrompido o prazo de prescrição de cinco anos, o qual começou a correr novamente após essa liquidação.
Procedeu-se à elaboração de despacho saneador, tendo a instância sido julgada válida e regular.
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença, onde se incluiu a resposta à matéria de facto, que absolveu a ré do pedido.

2. Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
A. A recorrente trabalhou durante vários anos para a requerida.
B. Em 1999, sob proposta da requerida e após negociação entre ambas as partes, aceitou reformar-se antecipadamente.
C. Essa negociação foi dada como provada pela douta sentença proferida nos presentes autos - facto provado 2 e 3.
D. E dessa negociação resultou a atribuição de um complemento vitalício de reforma à recorrente - facto provado 4.
E. Que o aceitou como contrapartida da sua saída precoce da associação, sendo que ainda não teria atingido os 64 anos de idade – idade mínima legal para aposentação sem penalizações.
F. Os depoimentos das várias testemunhas confirmam estes factos.
G. A recorrida pagou esse complemento à recorrente durante sete anos, sem nunca ter duvidado da sua legitimidade.
H. Após os 65 anos da recorrente, a recorrida continuou a pagar o complemento e reforma, ainda que de valor inferior, o que fez até julho de 2011 - facto provado 10.
I. A decisão de atribuição desse complemento retira-se de uma ata, a ata n.º 4/2001, já junta aos autos como Doc. n.º 1 da P.I..
J. Essa ata é, para todos os efeitos, válida.
L. O acordo celebrado entre ambas as partes se enquadra-se nos efeitos pós-cessação do vínculo laboral.
M. Essa cessação ocorreu em 26.11.1999, e por essa razão não lhe será aplicável a Lei n.º 4/2007, publicada apenas 8 anos mais tarde.
N. O acordo celebrado entre as partes é assim válido e por essa razão deverá ser reconhecido à recorrente o direito a receber o complemento vitalício de reforma que dele teve origem.
O. O depoimento da testemunha do Sr. …devia ter sido considerado no seu todo, posto que, ao contrário do que alega o Tribunal “a quo”, a referida testemunha não tinha qualquer interesse direto em ver o direito da recorrente reconhecido, posto ter o seu direito há muito tempo judicialmente reconhecido por sentença transitada em julgado proferida no proc. n.º 82/07.4TTBJA, que correu termos na Comarca de Beja, Instância Central, Secção de Trabalho, J1.
P. Ficou assente que foi reconhecido à recorrente o direito ao complemento de reforma após os 65 anos, o que ficou provado pela ata 9/99 apresentada, bem como pelo depoimento das testemunhas arroladas pela ora recorrente, Facto dado como provado sob o Facto 10.
Q. Complemento esse que foi pago à recorrente mesmo após esta ter feito 65 anos de idade (em 2004), durante anos a fio (até 2011), demonstra e confirma a sua existência por parte da recorrida, que refletiu durante todos esses anos existir um motivo para efetuar esse pagamento.
R. Durante esse período, nunca a requerida propôs à recorrente deixar-lhe de pagar o complemento de reforma por alegada dificuldade financeira, que a existirem, não nos parece que por si só servissem de fundamento para fazer cessar essa sua obrigação;
S. Nos termos dos estatutos e do regulamento interno da recorrida juntos aos consta do seu art.º 23.º, que compete à direção gerir a associação, incluindo a administração dos seus funcionários.
T. Foi no uso dessa sua competência que a direção da associação atribuiu à recorrente o referido complemento de reforma, pelo que tendo o mesmo é válido, não enfermando de nenhum vício, pelo que deve ser dado como assente.
U. As associações não se enquadram no regime das sociedades comerciais que podem usar as atas como prova de existência de deliberações, conforme art.º 63.º do Código das Sociedades Comerciais, a estas aplica-se-lhe o princípio da liberdade de forma, previsto no art.º 219.º do CC.
V. O acordo celebrado entre recorrente e recorrida quanto à atribuição do complemento de reforma o mesmo adveio da relação laboral que existia entre ambos, já que a recorrente celebrou contrato individual de trabalho com aquela, que se prolongou por vários anos.
X. E nessa senda, o acordo que foi cumprido pela recorrida até julho de 2011, passou a integrar esse negócio jurídico, constituindo um efeito do seu contrato de trabalho, que contudo perdurou após a cessação do vínculo laboral, nos termos dos art.ºs 224.º e 236.º do CC.
Z. Essa cessação veio a ocorrer, em 26.11.1999, nos termos do art.º 343.º, al. c) do Código do Trabalho.
A1. O Tribunal “a quo” para fundamentar a sua decisão de não condenar a recorrida na obrigação de pagamento de qualquer prestação à ora recorrente, invocando a para o efeito, entre outros, a aplicação da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, designadamente o seu artigo 86.º Porém tal diploma foi publicado 8 anos depois da data de atribuição do referido complemento à recorrente, não lhe sendo aplicável.
B1. Ao contrário da situação apreciada no processo judicial que correu termos sob o proc. n.º 261/13.5TTBJA.E1 no Tribunal da Relação de Évora, cuja situação sub judice difere da dos presentes autos, posto que nesse caso a atribuição de complemento de reforma ocorreu já na vigência da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, conferido por deliberação constante de ata de 17.12.2007, por via da qual estaria sujeito às referidas normas, designadamente ao disposto na já aludida disposição contida no artigo 86.º do referido diploma legal, enquanto que a situação em apreciação nos presentes autos se refere a uma atribuição de complemento muito anterior, 8 anos, antes à publicação ( pois tal complemento de reforma à recorrente foi concedido a 26.11.1999, ata 9/99 ), e 4 anos após a recorrente perfazer 65 anos de idade, o que ocorreu em 3.2.2004.
C1. Na realidade a Lei n.º 4/2007, foi publicada em 16 de janeiro, e entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 110.º da referida lei, e só não é assim relativamente ao disposto no art.º 68.º, relativamente ao qual, esta lei produz efeitos a partir do dia 1.1.2007, ou seja desde de data anterior ao da sua publicação.
D1. Esta lei aplica-se para futuro, a não ser o caso das novas normas que venham a instituir um regime mais favorável para o beneficiário, caso em que se aplicam retroativamente, o que é o caso do prazo da prescrição das dívidas à segurança social, agora de 5 anos que por ser menor ao prazo de 10 anos previsto no regime anterior, é aplicável às dívidas pré-existentes. Nesse sentido citamos o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo proferido em 25.2.2009 pela 2.ª secção no proc. n.º 47/09.
E1. Não se aplicam retroativamente, ferindo direitos adquiridos, dispondo esta lei, no seu Capítulo VIII relativo às disposições transitórias, expressamente o seguinte: Artigo 100.º Salvaguarda dos direitos adquiridos e em formação
O desenvolvimento e a regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação.
Artigo 103.º
Regimes especiais
Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação.
E1. A douta sentença, da qual aqui se recorre, a certa altura refere: “Nessa medida, não se traduzindo a prestação em causa numa obrigação sinalagmática, nada obstaria pois que a entidade empregadora viesse a deliberar em sentido inverso ao que antes afirmara, negando a atribuição de um complemento remuneratório devido após a concessão, em definitivo, da reforma da trabalhadora em causa, tendo mais a ré se vê atualmente confrontada com graves dificuldades financeiras impeditivas da continuidade do pagamento desse complemento.”
F1. Porem encontra-se juntos aos autos uma ata, datada de 29.11.2013 referente à assembleia extraordinária realizada pela recorrida, na qual a assembleia deliberou unilateralmente a revogação dos complemento de reforma com efeitos a partir da data da referida deliberação, ou seja com efeitos a partir de 29.11.2013.
G1. A Meretíssima Juíza “a quo” aceitou a junção aos autos do suprarreferido documento apresentado em plena audiência de julgamento, mas não valorou a prova nele contida, a qual era importante para a decisão da causa, limitando-se a condenar a recorrente no pagamento do valor correspondente a 2 UC, não fazendo sequer referência ao seu conteúdo.
H1. Na ata que documentou o que foi deliberado na Assembleia Geral Extraordinária realizada em 29.12.2016, a recorrida, nas pessoas dos seus membros, designadamente o Dr. …sobre a qual referiram que os acordos são para ser cumpridos. Também foi ali discutida a possibilidade de virem a ser renegociadas tais dívidas, acordos.
I1. Ora a 29.11.2013, haviam-se vencido complementos de reforma a favor da recorrente no valor de quantia de € 5 099,50 (€ 145,07 x 35 meses), valor, todos eles vencidos desde agosto de 2011 até ao mês de novembro de 2013, montante que segundo os termos da douta sentença, não poderiam ser ignorados, e tendo o Tribunal “a quo” conhecimento dos mesmos, deveria, ao invés da decisão proferida, e seguindo o seu próprio entendimento atrás explanado, no mínimo ordenar o pagamento dos complementos de reforma da recorrente vencidos durante esse período e não pagos, condenando a recorrida, no mínimo, no pagamento dos valores correspondentes a esse período, o que não fez.
J1. A ausência de pronúncia da sentença nesta parte, constitui a nosso ver uma total violação dos direitos legitimamente adquiridos pela recorrente, fazendo daquilo que foi deliberado por acordo das partes, letra morta, frustrando legítimas expetativas, ferindo o acordo vinculativo nos termos em que foi celebrado pelas partes, cuja disponibilidade a lei lhes concede.
L1.Constitui por isso uma franca violação dos direitos adquiridos, a qual se mostra injusta e inválida e nula e de nenhum efeito.
M1. A Associação é uma pessoa coletiva de direito privado, sendo-lhe aplicáveis as regras previstas no art.º 162.º do Código Civil. Nestes termos a associação aqui recorrida, como entidade privada que é, está sujeita ao princípio da consensualidade, para quem vigora a liberdade contratual, sendo livre de celebrar os contratos e acordos que bem atender.
N1. Resta apenas acrescentar que relativamente ao Sr. …, não faz qualquer sentido não levar em conta o seu depoimento, pois a sua posição nada tem a ver com a da recorrida. Pois o direito que esta reclama, já lhe foi reconhecido, além de existir jurisprudência que entende que neste tipo situações estes depoimentos são válidos, como é o caso do Acórdão RE, de 78.2.1997: Col. Jur., 1997, 1.º-316., pelo que a sua não valoração nessa parte, nestes autos é irregular.
O1. Por último, não menos importante será referir que a própria Lei n.º 4/2007, de 16.1. tão aqui referida, acautela situações formadas anteriores à sua publicação, sendo essa a situação destes autos, e ao dispor nesses termos, designadamente o seu art.º 20.º que regula o princípio da tutela dos direitos adquiridos e os direitos em formação, disposições essas que não poderiam passar alheias à formação da decisão o julgador como foram;
P1. O Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação da lei, e uma deficiente análise dos factos submetidos a julgamento, ao decidir como decidiu, ao julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito ao pagamento dos complementos de reforma formulado pela recorrente na ação.
Por todo o exposto, e em conclusão, requer aos venerandos desembargadores dignem:
Proceder à reapreciação da matéria de facto e de direito, designadamente na parte que considerou provada, tomando em consideração a prova documentada, em confronto com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” na parte em que refere que a recorrida era livre de revogar unilateralmente o acordo de pagar à recorrente o complemento de reforma vitalício, julgando integralmente improcedente a pedido apresentado pela recorrente ali autora, quando se encontra junta aos autos uma deliberação exatamente nesse sentido atribuindo tais efeitos resolutivos dessa obrigação apenas a partir de 29.11.2013, a qual ao arrepio da fundamentação plasmada na douta sentença “ a quo”, a mesma não atendeu aos créditos a esse título que se tinham vencido até à referida data nos referidos termos e que a autora, aqui recorrente nunca recebeu, o que constitui uma manifesta contradição entre o fundamento invocado e a decisão proferida plasmada na douta sentença da qual ora recorre.
Por todo o exposto, deve no mínimo nessa parte ser a referida decisão objeto de reformulação, substituindo-se aquela por outra, que condene pelo menos a recorrida a pagar à recorrente todos os valores vencidos a título de complemento de reforma entre o período compreendido entre agosto de 2011 e novembro de 2013, data em que a recorrida a revogou por deliberação unilateral.

3. Foi apresentada resposta, sem conclusões, onde a ré concluiu pela improcedência da apelação e pela confirmação da sentença recorrida e a dado passo refere:
No que respeita à validade ou invalidade da ata n.º 4/2001 junta aos autos como doc. n.º 1 da P.I.- questão aflorada na douta sentença em crise –sempre se dirá que, quem a assina não tem competência para tal decisão, pelo que a mesma só pode ser entendida como nula, por falta de forma e competência.
Sendo a mesma nula, não produz quaisquer efeitos jurídicos, e consequentemente, não poderá ser pago qualquer complemento de reforma, nem vitaliciamente, nem as prestações vencidas até novembro de 2013, que a recorrente ora requer.
A obrigação assumida pela ré, com a atribuição do complemento de reforma, tratou-se duma liberalidade, inadmissível em termos legais, porquanto se tratou de um complemento de reforma, que apenas é permitido ser criado através de diploma legal, e não através de uma mera deliberação social (tomada validamente, ou seja, respeitando todos os requisitos de competência e de forma que os estatutos assim impõem).
Assim, relativamente à competência da direção da recorrida, no que tange à atribuição de complementos de reforma, tal complemento é nulo porque padece de vários vícios: de forma, de competência, tratando-se a ata nº 4/2001 de um ato não vinculativo.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, a nulidade da sentença não foi efetuada de forma expressa e em separado no requerimento de interposição do recurso, pelo que não pode ser conhecida, e não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC, pelo que não pode ser reapreciada a matéria de facto.
Apelante e apelada foram notificadas e não se pronunciaram.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª – A nulidade da sentença.
2.ª – Reapreciação da matéria de facto.
3.ª - O complemento de reforma.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. A autora foi trabalhadora da ré;
2. Em 26.11.1999 a autora, após negociação com a ré, passou à situação de reforma antecipada por invalidez;
3. Na sequência de proposta da autora, a ré, em reunião de direção realizada em 26.11.1999, decidiu atribuir àquela um subsídio mensal de 45 000$00, durante 14 meses, atualizável em conformidade com o aumento aprovado para a categoria profissional que possui, até aos 65 anos de idade;
4. E em 15.06.2001 a direção da ré decidiu atribuir à autora, a partir dos 65 anos de idade, e com caráter vitalício, a quantia mensal de 25 000$00, a título de complemento de reforma, atualizável em conformidade com o aumento aprovado para a categoria profissional respetiva;
5. A autora completou 65 anos de idade em 03.02.2004;
6. Até ao ano de 2005, a ré pagou os complementos de reforma acrescidos das atualizações anuais aplicáveis;
7. Nos anos de 2006 e 2007 a ré não procedeu às atualizações dos complementos de reforma;
8. Essa atualização foi regularizada em 2008;
9. Após o ano de 2008 a ré não atualizou a pensão;
10. A ré pagou o complemento vitalício de reforma até julho de 2011;
11. Após essa data não procedeu a qualquer pagamento à autora;
12. A ata n.º 4/2001, na qual consta a decisão da direção de atribuição à autora de uma de reforma vitalícia, apenas se encontra assinada pelo Chefe de Serviços da ré, senhor DD;
13. A ré é uma associação patronal de empresários comerciais e de serviços, de direito privado e sem fins lucrativos, que goza e personalidade jurídica que se rege pelos seus estatutos;
14. De acordo com o artigo 12.º desses estatutos, compete, entre outras atribuições, à assembleia geral definir as linhas gerais de orientação da associação e apreciar e deliberar sobre outros assuntos para que tenha sido expressamente convocada, bem como exercer todas as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei e pelos estatutos;
15. A assembleia geral é constituída por todos os sócios no pleno gozo dos seus direitos e a mesa da assembleia geral é composta por um presidente, um vice-presidente e dois secretários;
16. A direção é composta por um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, dois vogais efetivos e dois vogais suplentes e compete-lhe, entre outras atribuições, gerir a associação praticando todos os atos necessários à realização dos seus fins, criar, organizar e dirigir os serviços, admitir pessoal e fixar-lhes a categoria e vencimento;
17. Compete ao presidente da direção representar a associação em juízo e fora dele;
18. A direção não poderá reunir nem deliberar se não estiver presente a maioria dos seus membros e cada membro efetivo dispõe de um voto, tendo o presidente voto de qualidade em caso de empate;
19. Para obrigar a associação são necessárias e bastantes as assinaturas de dois membros da direção, uma das quais deverá ser a do presidente ou, nas suas ausências ou impedimentos, a do vice-presidente;
20. Nos atos de gestão financeira, será sempre obrigatória a assinatura do tesoureiro ou de quem o substitua nos termos estatutários;
21. Os atos de mero expediente serão assinados pelo presidente da direção ou funcionário qualificado a quem sejam atribuídos poderes para tantos;
22. As deliberações serão tomadas por maioria dos votos dos membros presentes nas reuniões e constarão das respetivas atas.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos:
1.ª – A nulidade da sentença.
2.ª – Reapreciação da matéria de facto.
3.ª - O complemento de reforma.

B1) A invocada nulidade da sentença
Prescreve o artigo 77.º n.º 1 do CPT que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
Todavia, a apelante não alega em separado a nulidade que invoca no corpo das alegações.
Nesta conformidade, não pode este tribunal da Relação conhecer da nulidade invocada.

B2) Reapreciação da matéria de facto
A apelante, em parte alguma das alegações e conclusões especifica quais os factos que pretende ver reapreciados.
Refere genericamente determinados meios de prova, mas sem os relacionar com um facto concreto e preciso que queira impugnar. Parece resultar das alegações e das conclusões que a apelante refere a prova produzida, mas para fundamentar a justeza da atribuição do complemento de reforma e não a impugnação concreta de factos.
Assim, por não estarem preenchidos os pressupostos exigidos no art.º 640.º do CPC, não se conhece da impugnação da matéria de facto.

B3) O complemento de reforma
Está provado que as partes acordaram atribuir à A. um subsídio mensal de 45 000$00, durante 14 meses, atualizável em conformidade com o aumento aprovado para a categoria profissional que possui, até aos 65 anos de idade.
Esta parte do acordo não está em causa.
O que está em causa é o pagamento do complemento de reforma após a beneficiária ter completado 65 anos de idade, no montante mensal de 25 000$00, correspondente a € 124,70.
Quanto a esta questão, está provado que:
“A ata n.º 4/2001, na qual consta a decisão da direção de atribuição à autora de uma de reforma vitalícia, apenas se encontra assinada pelo Chefe de Serviços da ré, senhor DD;
A ré é uma associação patronal de empresários comerciais e de serviços, de direito privado e sem fins lucrativos, que goza e personalidade jurídica que se rege pelos seus estatutos;
De acordo com o artigo 12.º desses estatutos, compete, entre outras atribuições, à assembleia geral definir as linhas gerais de orientação da associação e apreciar e deliberar sobre outros assuntos para que tenha sido expressamente convocada, bem como exercer todas as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei e pelos estatutos;
A assembleia geral é constituída por todos os sócios no pleno gozo dos seus direitos e a mesa da assembleia geral é composta por um presidente, um vice-presidente e dois secretários;
A direção é composta por um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, dois vogais efetivos e dois vogais suplentes e compete-lhe, entre outras atribuições, gerir a associação praticando todos os atos necessários à realização dos seus fins, criar, organizar e dirigir os serviços, admitir pessoal e fixar-lhes a categoria e vencimento;
Compete ao presidente da direção representar a associação em juízo e fora dele;
A direção não poderá reunir nem deliberar se não estiver presente a maioria dos seus membros e cada membro efetivo dispõe de um voto, tendo o presidente voto de qualidade em caso de empate;
Para obrigar a associação são necessárias e bastantes as assinaturas de dois membros da direção, uma das quais deverá ser a do presidente ou, nas suas ausências ou impedimentos, a do vice-presidente;
Nos atos de gestão financeira, será sempre obrigatória a assinatura do tesoureiro ou de quem o substitua nos termos estatutários;
Os atos de mero expediente serão assinados pelo presidente da direção ou funcionário qualificado a quem sejam atribuídos poderes para tantos;
As deliberações serão tomadas por maioria dos votos dos membros presentes nas reuniões e constarão das respetivas atas”.
Constata-se que a deliberação constante da ata n.º 4/2001, onde é atribuído à autora o complemento de reforma de 25 000$00 por mês, está apenas assinada pelo Chefe de Serviços da ré, senhor DD.
Nos termos dos estatutos da ré, a direção é composta por um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, dois vogais efetivos e dois vogais suplentes.
Para obrigar a associação são necessárias e bastantes as assinaturas de dois membros da direção, uma das quais deverá ser a do presidente ou, nas suas ausências ou impedimentos, a do vice-presidente.
Nos atos de gestão financeira, será sempre obrigatória a assinatura do tesoureiro ou de quem o substitua nos termos estatutários.
No caso dos autos, a ata onde se atribui à autora o complemento de reforma de 25 000$00 mensais não está assinada por qualquer elemento da direção, mas apenas pelo chefe de serviços.
Daí que o aí constante não possa, nos termos dos estatutos da ré, obrigar esta a pagar à autora o complemento de reforma aí referido. A ré só estaria obrigada pagá-lo se a ata estivesse assinada por dois membros da direção, sendo que um deles teria que ser o presidente ou quem o substituísse. No caso, como a obrigação de pagar o complemento de reforma envolve encargos financeiros para a ré, seria ainda obrigatória a assinatura do tesoureiro.
Ora, nenhum destas formalidades se verifica, pelo que a atribuição do complemento de reforma constante da ata n.º 4/2001, não vincula juridicamente a ré.
É certo que a ré pagou o complemento de reforma durante algum tempo, sem qualquer explicação. Mas tal, só por si, não é suscetível de obrigar a ré a pagar o complemento de reforma. A única conclusão a que podemos chegar é que a ré pagou o complemento de reforma à autora enquanto quis, por sua vontade própria, sem estar obrigada juridicamente a fazê-lo, em face dos elementos dos autos.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmámos a sentença recorrida.
Sumário: a atribuição de complemento de reforma em ata não vincula juridicamente a associação se para a sua validade é obrigatória a assinatura de membros da direção e tal não se verifica.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de setembro de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço