Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
999/15.2PBEVR-A.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE VIOLAÇÃO
TENTATIVA
FORTES INDÍCIOS
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - «Fortes indícios» serão aqueles que, no contexto de um determinado estado de desenvolvimento da investigação se apresentem particularmente claros, inequívocos e fiáveis.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No inquérito nº 999/15.2PBEVR, que corre termos no MP junto da Comarca de Évora, Instância Local de Évora e foi distribuído, para o efeito do exercício das funções judiciais dessa fase processual, à Exmª Juiz da Secção de Instrução Criminal da mesma Comarca, pela mesma Exmª Juiz foi proferido, em 18/2/16, um despacho com o seguinte teor:

I - A detenção do arguido foi legal porque efetuada nos termos do disposto no art.º 257º do C. P. Penal e 30º da Lei 112/2009 de 16/9 e o arguido presente para interrogatório no prazo máximo de 48 horas (art. 141.º do Cód. Proc. Penal).

II - Indiciam fortemente os autos que:

O arguido A. mantém um relacionamento amoroso com V há, aproximadamente, um ano.

Por vezes, o arguido A. pernoita na residência de V, sita na Rua…, em Évora.

Juntamente com V. a seu cargo e sob a sua assistência e proteção vive a filha menor da mesma, R, de nove anos de idade.

Sucede que, logo após o início da relação, A., fazendo uso da sua superioridade física e de uma ascendência autoritária, começou a exercer violência física, a ameaçar, a perseguir, a controlar, a ofender verbalmente e a tentar manter relações sexuais com V contra a vontade da mesma, o que fez repetidamente no interior da mencionada residência, algumas vezes na presença da menor R.

No quadro do descrito comportamento, em data não apurada, mas entre Agosto e Outubro de 2016, V. encontrava-se a trabalhar, no Hostel…, em Évora, quando aí surgiu A., que, sem que nada o fizesse prever ou justificasse, desferiu uma bofetada na face da mesma.

Já no dia 26 de Outubro de 2015, pelas 22H00, A. dirigiu-se à residência de V, alegando que ia buscar bens de sua propriedade que nesse local tinha deixado.

No interior da residência, A. dirigiu-se a V. e disse à mesma “vaca, puta, não és minha, não és de ninguém (…)”.

Ato contínuo, A. caminhou na direção de V. com intenção de agredir a mesma, o que só não fez por a mãe dele, que se encontrava no local, se ter colocado entre ambos.

Ainda nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, A. pegou num vaso de plástico e arremessou o mesmo na direção de V., só não a atingindo por a mesma se ter desviado.

Já no dia 24 de Janeiro de 2016, no interior da residência, na sequência de uma discussão verbal, A. desferiu uma bofetada na face de V.

Ato contínuo, colocou as mãos sobre o corpo de V. e, fazendo força, empurrou a mesma, fazendo-a cair em cima da cama.

Após, A. aproximou-se da cama e começou a despir V., a fim de com ela manter relações sexuais, contra a vontade da mesma.

Entretanto, V. debateu-se, impedindo, desse modo, A. de a despir.

Então, A. agarrou, com uma das mãos, um dos braços de V., colocou o seu corpo sobre o corpo dela e, com a outra mão, desferiu diversas bofetada na face da mesma.

Decorrido algum tempo, V. com as pernas, empurrou o corpo de A., conseguindo libertar-se do mesmo.

Ainda nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, A. disse a V. “se chamares a polícia acabo com a tua filha.”

Já no dia 25 de Janeiro, de manhã, também no interior da residência, na presença da menor R, A. desferiu um estalo na face de V.

De imediato, a menor R. disse que à frente dela ninguém batia na mãe, tendo A. dito à menor “cala-te sua merda.”

De seguida, ao aperceber-se que V. se encontrava a falar com a filha, A. disse que não queria segredos, proibiu-as de falar em Moldavo e retirou o telemóvel à primeira, impedindo-a de contactar com as autoridades e de pedir ajuda.

Depois de abandonar a residência de V, após a ter tentado agredir novamente, A. começou a perseguir a mesma e a dizer-lhe que se ela contasse faria mal à menor R.

No dia 15 de Fevereiro, no interior da residência, depois do jantar, A. disse a V. que fosse deitar a menor, tendo esta respondido que a menor ainda tinha trabalhos de casa para fazer.
De imediato, A. desferiu uma bofetada na face de V.

Então, V. disse a A. que se não estivesse bem que fosse para casa dos pais.

Ato contínuo, A. desferiu um soco na testa de V, que, em consequência, perdeu os sentidos.
Pouco tempo depois, A. disse à menor R que calasse a boca.

Durante a noite, A. disse repetidamente a V que ela não queria saber dele e que se fosse contar a alguém nem sabia o que ele lhe fazia, impedindo-a de dormir.

No dia 16 de Fevereiro de 2016, uns tios de A. foram à residência de V a fim de falarem com o mesmo.

Depois de os tios de A. terem saído da referida residência, este começou a dizer a V que ela tinha ido contar aos tios, que não prestava e que era uma merda, e desferiu uma bofetada na face da mesma, o que fez na presença da menor R.

Então, V disse a A. que ele não prestava para nada, tendo este, de imediato, desferido um soco na boca daquela, na presença da menor R.

Ato contínuo, A. agarrou na perna de V e disse “agora vais ver quem é que é homem.”

Então, V disse “nem penses, á frente da minha filha não me fazes uma coisa dessas, que eu também posso fazer uma coisa á frente da minha filha”.

Após, V foi para a cozinha da residência, tendo telefonado aos tios de A. e pedido ajuda aos mesmos.

Decorridos breves instantes, apareceram os tios de A., que tentaram acalmar o mesmo.

Por sentir receio, V foi para a residência de um amiga, sita na Rua…, em Évora, tendo A. começado a telefonar repetidamente quer para o telemóvel daquela quer para o telefone fixo da referida residência.

Decorrido algum tempo, por V não ter atendido os telefonemas, A. dirigiu-se à residência sita na Rua----, em Évora, e bateu à porta, diversas vezes, dizendo “até já Verinha.”

De seguida, A. colocou-se no interior do veículo, de matrícula ---PN, em que se fazia transportar, e imobilizou o mesmo por baixo de uma das janelas da mencionada residência, dizendo, de modo a que V ouvisse, “acabo contigo amanhã”.

Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, A. tinha com ele duas navalhas, com 7,5 centímetros de lâmina.

Ainda no quadro do referido comportamento, por diversas vezes, A. disse a V que se ela não era dele não era de ninguém e que fazia mal à filha dela.

Ao agir da forma descrita, A. sabia que molestava a saúde física de V que a ofendia na sua honra e consideração, que fazia com que ela receasse pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, que desrespeitava a sua capacidade de decidir com quem se relacionar sexualmente, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.

Ao atuar da forma descrita, ciente de que agia contra a vontade e sem consentimento de V e de que desrespeitava a sua capacidade de decidir com quem se relacionar sexualmente, A. quis exercer e exerceu força física sobre a mesma, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada, com o único propósito de com ela manter ato sexual com introdução do pénis na vagina e de, assim, satisfazer os seus instintos libidinosos, o que só não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade.

A. atuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

III - Fundamentam a indiciação supra os elementos de prova constante dos autos, designadamente:
5. Autos de notícia, participações e aditamentos – cfr. fls. 3 a 5, 12, 13, 41 a 43, 49, 70;
6. Autos de inquirição – cfr. fls. 23, 24, 55 a 58;
7. Auto de apreensão – cfr. fls. 52, 68, 69;
8. Autos de exame – cfr. fls. 78 e 79.

O Tribunal tomará também em consideração, na ponderação da medida de coação a aplicar, o teor do crc do arguido.

IV - Entende o Tribunal que os factos se encontram fortemente indiciados e integram a prática pelo arguido A., em autoria material e concurso real, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1, al. b) e ns.º 2, 4, 5 e 6 do Código Penal e de um crime de violação na forma tentada p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 164.º do Cód. Penal.

V – O crime de violência doméstica em referência é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos e o de violação com pena de prisão de 3 a 10 anos, especialmente atenuada nos termos previstos no art. 23.º e 73.º do Cód. Penal.

Integrando-se no conceito de criminalidade violenta (art. 1.º, al. j), do Cód. Proc. Penal) admitem, em abstrato, a aplicação de qualquer uma das medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, incluindo a de prisão preventiva (art. 202.º, n.º 1, al. b), desse mesmo diploma).

Os factos acima melhor relatados e fortemente indiciados, revelam que o arguido não aceita a separação, mantendo comportamentos persecutórios relativamente à ofendida.

Esta apresentou, pela primeira vez, queixa em outubro, após a primeira agressão, acabando por referir que não pretendia procedimento criminal, aceitando desde logo a suspensão provisória do processo, por a sua intenção ser a de lograr que o arguido parasse com os comportamentos.

Solicitou o auxílio de familiares do arguido (pais e tios) e de uma amiga para a ajudarem a por cobro os comportamentos violentos do arguido.

A vítima encontra-se amedrontada, receosa pela respetiva vida e integridade física bem como da sua filha menor, tanto mais que o arguido, que se faz sempre acompanhar das duas navalhas (entretanto apreendidas), verbaliza constantes ameaças, não só à sua vida e integridade física mas também da filha da vítima, menor de idade.

O arguido é ciumento, impulsivo e tem comportamentos obsessivos, reclamando insistentemente maior atenção e carinho da parte da vítima, sem que revele real compreensão pela situação laboral e familiar desta.

Encontra-se desempregado.

Estas circunstâncias constituem reconhecidos fatores de agravamento do risco.

Estamos perante um caso típico de violência doméstica, em que o escalar de violência é rápido e intenso, sem que o agressor revele qualquer respeito pela vontade da vítima, que manifestamente menospreza em função das suas necessidades emocionais.

A ofendida é de nacionalidade estrangeira, viúva, com uma filha menor a cargo (órfão de pai) que sustenta sozinha e sem qualquer rede de apoio familiar em Portugal.

Estamos, assim, perante uma vítima especialmente vulnerável, que importa proteger de modo muito efetivo.

Desde o início do ano que o arguido incorreu num escalar de violência, e de intensificação da obsessão que mantem pela vítima, procurando coagi-la, inclusivamente a atos de natureza sexual.

O arguido atuou na presença da filha da vítima, menor de idade, indiferente à presença da mesma e às consequências que poderiam resultar dos seus atos, incluindo para a menor, estranha ao conflito e obsessão que mantem pela vítima, sabendo que a criança não tem neste país qualquer outro familiar que a apoie.

É patente que o arguido não admite a separação, continuando a afirmar o seu amor pela vítima e o desta por si.

Os factos indiciados, revelam a propensão para um comportamento violento, insensibilidade às consequências dos seus atos e dificuldade de controlo dos impulsos por parte do arguido, bem como total desconsideração pela vítima e pela filha menor desta, violando grosseiramente os deveres de respeito a que está obrigado.

Sendo certo que o arguido não tem antecedentes criminais, não revela consciência da gravidade dos factos, nem do carácter ilícito da respetiva conduta, que desvaloriza, mostrando-se insensível às consequências dos seus atos e centrado apenas nas suas necessidades imediatas, sendo manifesto que não está disposto a “prescindir” da vítima, não aceitando o fim do relacionamento.

Estas circunstâncias indiciam o perigo de que o arguido, quer em razão da sua personalidade, quer em razão da natureza dos crimes, continue com a prática de atos da mesma índole ou mais graves, acreditando-se ser elevado o risco de letalidade.

O ascendente emocional e físico que o arguido tem relativamente à vítima e a especial vulnerabilidade da mesma, indiciam também o perigo de que o arguido procure obstar à aquisição e conservação da prova, condicionando o depoimento da vítima, da filha da mesma e dos familiares que testemunharam algumas das situações relatadas.

Verificando-se, por isso os requisitos indicados nas alíneas b) e c) do art. 204.º do Cód. Proc. Penal, importa aplicar medida de coação adequada às exigências cautelares dos presentes autos.

Atendendo a que a atuação do arguido revela traços de personalidade violenta e de descontrole emocional rápido, em escalada recente de agravamento dos comportamentos obsessivos para com a vítima, cuja vontade se recusa a respeitar, o Tribunal entende que nenhuma outra medida de coação se revela adequada a acautelar o risco de letalidade que, neste caso, é agravado, que não a que vem promovida.

Tendo em consideração todas as circunstâncias acima mencionadas, entende o Tribunal que apenas uma medida de coação privativa da liberdade é adequada a acautelar os perigos enunciados, sendo necessária a tal fim e proporcional à medida da pena que previsivelmente será aplicada em julgamento e essencial à imediata salvaguarda da integridade física da vítima e da filha menor desta.

Sendo certo que a medida de coação de prisão preventiva apenas pode ser aplicada quando nenhuma das outras medidas de coação se revele adequada (art. 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 3 do CPP e 28.º da CRP) entende-se que tal ocorre na situação em apreço, atendendo à premente necessidade de proteção da vítima.

De entre as medidas privativas da liberdade, entende o Tribunal que a atuação do arguido é particularmente reveladora de uma personalidade impulsiva, desviante e descompensada, que não será contida por uma medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que fiscalizada com meios técnicos de controlo à distância ou com a medida de proibição de contactos, cujo controlo efetivo não pode ser alcançado em tempo útil em face dos meios que o arguido tem ao seu dispor, como já demonstrou. Note-se que a intervenção dos familiares do arguido e da amiga da vítima não foi suficiente para o demover e o arguido também tentou furtar-se à fiscalização das autoridades cujo auxílio a vítima solicitou, o que revela o desprezo que o arguido tem pelo cumprimento de regras e o desrespeito que revela pela autoridade.

Conforme, já referimos, impõe-se, por isso, a aplicação de uma medida de coação que salvaguarde de modo efetivo a proteção da vítima.

Não revelando o arguido ter interiorizado a ilicitude da conduta, ter vontade efetiva de alterar o seu comportamento e assistindo-se nos últimos meses a um escalar dos comportamentos violentos para com a vítima, vivendo a mesma em clima de pânico a que não consegue por si só pôr termo, apenas a medida de coação de prisão preventiva se nos afigura adequada à salvaguarda das exigências cautelares, sendo para o efeito necessária e proporcional à pena que se antevê aplicada em sede de julgamento.

Pelo exposto, nos termos dos arts. 1.º, al. j), 191.º a 194.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, als. b) e c) do Cód. Proc. Penal, determina-se que o arguido A. aguarde os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.
Notifique e comunique».

Do despacho transcrito o arguido A. interpôs recurso, devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões (mantendo-se a numeração original, iniciada em IV) :

IV- Em 18 de fevereiro de 2016, o ora Recorrente foi presente ao Tribunal de Instrução Criminal de Évora, o qual em sede de primeiro interrogatório judicial, decretou a sua prisão preventiva, enquanto suspeito da prática de «autoria material e concurso real, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152 n.º 1 al. b) e n.ºs 2, 4, 5 e 6 do Código Penal e de um crime de violação na forma tentada p. e p. pelos art.ºs 22, 23 e 164 so Código Penal.»

V- Pelo que, o Recorrente encontra-se preso no estabelecimento Prisional de Beja desde essa data.

VI- Na sua fundamentação, o Douto Tribunal «a quo» fundamentou a sua decisão no parágrafo V, fls 12: «Os factos acima melhor relatados e fortemente indiciados, revelam que o recorrente não aceita a separação, mantendo comportamentos persecutórios relativamente à ofendida.»

VII- Mais, «O recorrente é ciumento, impulsivo e tem comportamentos obsessivos, reclamando insistentemente maior atenção e carinho da parte da vítima, sem que revele real compreensão pela situação laboral e familiar desta. Encontra-se desempregado. Estas circunstâncias constituem reconhecidos fatores de agravamento de risco.»

VIII- Continuando, «Sendo certo que o recorrente não tem antecedentes criminais, não revela consciência da gravidade dos factos, nem do carácter ilícito da respetiva conduta, que desvaloriza, mostrando-se insensível às consequências dos seus atos e centrado apenas nas necessidades imediatas, sendo manifesto que não está disposto a prescindir da vítima, não aceitando o fim de um relacionamento. Estas circunstâncias indiciam o perigo de que o recorrente, quer em razão da sua personalidade, quer em razão da natureza dos crimes, continue com a prática de atos da mesma índole ou mais graves, acreditando ser elevado o risco de letalidade.»

IX- Mais, «o ascendente moral e físico que o recorrente tem relativamente à vítima e a especial vulnerabilidade da mesma, indiciam também o perigo de que o recorrente procure obstar à aquisição e conservação da prova, condicionando o depoimento da vítima, da filha da mesma e dos familiares que testemunharam algumas das situações relatadas. Verificando-se por isso os requisitos indicados nas alíneas b) e c) do artigo 204º do Cod. Proc. Penal, importa aplicar medida de coação adequada às exigências cautelares dos presentes autos.»

X- Considerando por isso, o Douto Tribunal a quo que seria de aplicar a medida de coação mais gravosa, a prisão preventiva, fazendo uso da seguinte fundamentação: «Sendo certo que a medida de coação de prisão preventiva apenas pode ser aplicada quando nenhuma das outras medidas de coação se revele adequada entende-se que tal ocorre na situação em apreço atendendo a premente necessidade de proteção da vítima.»

XI- Apesar da Douta fundamentação do Tribunal a quo, o ora recorrente com ela não se conforma, porquanto:

XII- O ora recorrente tem 28 anos de idade e não tem antecedentes criminais, nem sequer foi nunca indiciado pela prática de crimes.

XIII- Os factos em investigação baseiam-se tão só na versão apresentada pela ofendida.

XIV- É verdade que o recorrente manteve um relacionamento amoroso com a ofendida V, tendo com ela coabitado nos últimos meses, até a detenção.

XV- O recorrente apesar de estar desempregado, manteve uma procura ativa de emprego estando inscrito em todas as instituições públicas para que mais facilmente consiga um trabalho, sendo que por altura da detenção aguardava o ingresso num curso de formação profissional onde iria ganhar uma bolsa pecuniária.

XVI- Apesar de não contribuir monetariamente para o sustento da habitação o recorrente tratava de tudo o resto em casa, ajudando a ofendida no dia-a-dia, inclusive com a filha menor desta, sendo ele o responsável por a ir levar e buscar a escola, levar à explicação e até estudar com a mesma.

XVII- O recorrente tem uma estrutura familiar muito sólida e que o apoia incondicionalmente, bem como à ofendida e sua filha menor tratando-as igualmente por “filha” e “neta”.

XVIII- O recorrente tentou da melhor forma ser uma figura “paterna” para a menor órfã e nunca a maltratar ou ameaçar.

XIX- O recorrente admitiu que teve discussões com a ofendida, algumas motivadas pela omissão desta de uma relação amorosa anterior, outras por motivos fúteis do dia-a-dia relacionados com a gestão financeira da economia comum do casal.

XX- Contudo, o recorrente nunca tentou manter relações sexuais com a ofendida, contra o consentimento/ vontade desta e a única versão que existe sobre esse facto é apenas a da ofendida e nada mais.

XXI- Tão pouco o recorrente alguma vez agrediu a ofendida com estalos ou chapadas, fazendo-a perder os sentidos.

XXII- À data da detenção, recorrente e ofendida ainda não tinham acabado definitivamente a relação, sendo que neste preciso momento essa rutura definitiva ainda não aconteceu, mesmo com o recorrente preso preventivamente.

XXIII- Isto é, mesmo com o recorrente preso preventivamente, a ofendida por não possuir medo nem receio do mesmo, nem por querer acabar definitivamente a sua relação amorosa, com ele tem tentado manter contacto.

XXIV- Por esse motivo não vinga o alegado facto de que «o recorrente não aceita a separação», pois que, tal efetivamente ainda não aconteceu.

XXV- Recorrente e ofendida nutrem ainda um sentimento de amor muito forte que os une, maior ainda do que tudo aquilo que os separa.

XXVI- A ofendida não dependeu nunca do recorrente para manter o seu nível de vida, nem tão pouco sofreu restrições quanto aos seus atos pelo mesmo, é decisão da mesma manter o contacto com o recorrente, por esse motivo esta não é uma especialmente vulnerável.

XXVII- O recorrente é descrito pelos familiares como um rapaz simples, trabalhador, dedicado, reservado e amigo da família, sendo aliás ele um dos grandes suportes do pai e mãe, que por serem pessoas doentes e debilitadas precisam de alguma assistência.

XXVIII - Aliás a sua evidente ingenuidade e simplicidade na maneira de ser e de ver a vida foram patentes aquando da sua detenção, interrogatório judicial e aplicação de prisão preventiva, tentado da forma que lhe era possível, apesar do nervosismo que assola qualquer um nessa situação, tentar colaborar e cooperar com a justiça.

XXIX- Do ponto de vista social o recorrente é tido por todos como uma pessoa pacífica e humilde, encontrando-se perfeitamente inserido no meio em que vive, quer familiar quer socialmente.

XXX- O recorrente compreendeu a gravidade dos factos que lhe são imputados, apenas com ele não se conforma por não corresponderem à realidade.

XXXI- Sendo que os sentimentos de nervosismo e perplexidade com que se deparou aquando da sua detenção, decorrem da surpresa dos factos indiciados e do afastamento dos mesmos quanto a realidade.

XXXII- Ora, dado o escasso suporte probatório que existe quanto aos factos indiciados, por se subsumirem quase exclusivamente ao depoimento da ofendida, e tendo em conta que um dos pilares do Estado de Direito Democrática é o Princípio da liberdade do cidadão (artigo 27º da CRP), só em situações em que existe um comprovado receio do prejuízo dos direitos da vítima se deverá limitar essa liberdade.

XXXIII- A prisão preventiva está sujeita nãos só as condições gerais de aplicação – artigos 191º a 195º do CPP- de onde decorrem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, mas também aos requisitos previstos no artigo 204º do CPP, sendo a sua aplicação de ultima ratio.

XXXIV- No caso concreto, o recorrente entende que não se mostram preenchidos os pressupostos da prisão preventiva, pois,

XXXV- A sua atuação não revela uma personalidade impulsiva, desviante e descompensada, mas sim uma incompreensão sobre aquilo que lhe é transmitido como indiciário dos crimes supra mencionados e aquilo que viveu.

XXXVI- O recorrente consegue compreender a gravidade e o alcance dos crimes imputados e por pretender que os mesmos sejam clarificados de modo inequívoco suportará qualquer medida de coação que não a prisão preventiva.

XXXVII- Por esse motivo é necessário que, no caso concreto, exista um juízo de prognose subsumidos aos indícios existentes, para se aferir se será efetivamente proporcional e adequado a manutenção da prisão preventiva.

XXXVIII- Na decisão de aplicação da medida de coação que aplicou a prisão preventiva o Douto tribunal a quo não valorou, conforme devia, a inserção familiar e social do recorrente e a sua ausência de antecedentes criminais.

XXXIX- Ora, no caso concreto, considerando-se que o perigo de continuidade de atividade criminosa ou perturbação do inquérito surgiria caso o recorrente conseguisse alcançar a ofendida, tal poderia ser conseguido aplicando-lhe uma medida de coação de permanência na habitação, ainda que cumulada com a proibição de contactos com a ofendida, conforme artigos 200 e 201 do CPP.

XL- A medida de coação de permanência da habitação, no caso concreto na casa dos pais, onde sempre viveu até se ter mudado para Évora e coabitado com a ofendida, e a proibição de contactos com a ofendida, garantiriam as exigências processuais adequadas para o decurso da investigação.

XLI- Mais, tendo em consideração que a medida de obrigação de permanência na residência é fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, sendo a habitação dos seus pais no Monte---, Estremoz, seria praticamente impossível que residindo a ofendida em Évora e distando entre uma localidade e outra 76km esta alguma vez corresse qualquer tipo de perigo ou fosse comprometida/ manipulada qualquer tipo de prova.

XLII- A medida de obrigação de permanência na residência com meios de controlo e a proibição de contactos, distando uma localidade e outra 76km, compreenderia perfeitamente um controlo efetivo e em tempo útil de qualquer tipo de manobra que constituísse perigo do recorrente para com a ofendida.

XLIII- Assim, entende o recorrente que no caso particular a aplicação da prisão preventiva não foram observados os princípios e regras que lhe são subjacentes, designadamente da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade, o que torna a mesma ilegal, por violação entre outros dos artigos 18º n.2 e 28º n.2 da CRP e dos artigos 191º, 192º n.2, 193º, 202º e 204º do CPP.

XLIV- Os referidos preceitos deveriam ter sido interpretados no sentido de ser suficiente, face a prova vertida no processo, a ausência de antecedentes criminais, as necessidades de cautela e prevenção geral e especial do processo e a colaboração com a justiça, a aplicação de outra medida de coação menos gravosa do que a aplicada efetivamente.

XLV- Caso V.Ex.ª considerem aplicável a medida de coação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, a mesma poderá ser cumprida no Monte---, Estremoz, casa dos progenitores do recorrente, os quais prestariam o seu consentimento, nos termos da Lei.

Termos em que deve o mui Douto Despacho recorrido ser substituído por outro que revogue a prisão preventiva aplicada ao recorrente e aplique outra medida de coação que respeite os princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação, controlada por meios de videovigilância.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Não se tendo conformado com o despacho judicial, de 18 de Fevereiro de 2016, que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, veio o arguido A. dele interpor recurso;

2. Em síntese, alega, que não existem fortes indícios da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, 4 e 5, do Código Penal, sendo ofendida V. ;

3. Mais alega que as medidas de coacção de proibição de contactos e obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância são suficientes e adequadas para afastar o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;

4. Não assiste razão ao arguido A.;

5. Como meios para acautelar o regular e eficaz desenvolvimento do processo e da execução das decisões nele proferidas, permite o Código Processo Penal que a liberdade pessoal dos arguidos possa ser restringida em termos muito precisos, nas formas tipificadas (princípio da legalidade), sob condições muito rígidas e sempre por despacho judicial;

6. São condições gerais de aplicação das medidas de coacção: a existência de um processo criminal, comum ou especial, já instaurado, no decurso do qual a pessoa que vai ser sujeita a uma medida de coacção foi constituída arguida (vd. artigo 192.º, n.º 1, do Código Processo Penal), a inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal (vd. artigo 192.º, n.º 2, do Código Processo Penal), o fumus comissi delicti (vd. artigos 192.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Penal) e pericula libertatis (vd. artigo 204.º do Código Processo Penal);

7. Verificando-se as condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido uma medida de coacção, deve em concreto ser-lhe aplicada, entre as previstas na lei, aquela que se revelar mais adequada a salvaguardar e realizar naquele caso as finalidades da sua aplicação (acautelar determinada exigência processual) e se mostrar proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (vd. artigo 193.º, n.º 1, do Código Processo Penal);

8. Nos autos não há dúvidas de que existe um Inquérito instaurado e a correr termos, de que A. é arguido e de que não existem causas de isenção de responsabilidade ou de extinção de procedimento criminal;

9. Por outro lado, entende-se que existem fortes indícios de o mesmo ter cometido um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, 4 e 5, do Código Penal;

10. Tais indícios fortes resultam de uma apreciação e análise efectuadas, de acordo com as regras da experiência comum, aos depoimentos de V. e aos restantes elementos constantes dos autos;

11. No que respeita ao pericula libertatis concorda-se na íntegra com o Tribunal a quo na parte em que considera que existem perigos concretos de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, de perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova.

12. Perigos cuja verificação concreta o arguido A. não põe em causa.

13. Uma vez que se verificam as condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido A. uma medida de coacção, entende-se que lhe foram aplicadas as que se revelaram mais adequadas às exigências cautelares que emergiam dos autos, proporcionais à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (vd. artigo 193.º, n.º 1, do Código Processo Penal), não merecendo qualquer reparo o despacho recorrido, ao contrário do que defende o arguido.

14. O arguido encontra-se fortemente indiciado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, 4 e 5, do Código Penal;

15. O crime de violência doméstica em causa é punido com pena de prisão até cinco (5) anos.

16. Tal crime integra o conceito de criminalidade violenta, nos termos do disposto no artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal.

17. Como afirma, no despacho de 18 de Fevereiro de 2016, o Tribunal a quo:

18. “Atendendo a que a actuação do arguido revela traços de personalidade violenta e de descontrole emocional rápido, em escalada recente de agravamento dos comportamentos obsessivos para com a vítima, cuja vontade se recusa a respeitar, o Tribunal entende que nenhuma outra medida de coacção se revela adequada a acautelar o risco de letalidade que, neste caso, é agravado, que não a que vem promovida.

19. Tendo em consideração todas as circunstâncias acima mencionadas, entende o Tribunal que apenas uma medida de coacção privativa da liberdade é adequada a acautelar os perigos enunciados, sendo necessária a tal fim e proporcional à medida da pena que previsivelmente será aplicada em julgamento e essencial à imediata salvaguarda da integridade física da vítima e da filha menor desta.

20. Sendo certo que a medida de coacção de prisão preventiva apenas pode ser aplicada quando nenhuma das outras medidas de coacção se revele adequada (art. 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 3 do CPP e 28.º da CRP) entende-se que tal ocorre na situação em apreço, atendendo à premente necessidade de protecção da vítima.

21. De entre as medidas privativas da liberdade, entende o Tribunal que a actuação do arguido é particularmente reveladora de uma personalidade impulsiva, desviante e descompensada, que não será contida por uma medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que fiscalizada com meios técnicos de controlo à distância ou com a medida de proibição de contactos, cujo controlo efectivo não pode ser alcançado em tempo útil em face dos meios que o arguido tem ao seu dispor, como já demonstrou. Note-se que a intervenção dos familiares do arguido e da amiga da vítima não foi suficiente para o demover e o arguido também tentou furtar-se à fiscalização das autoridades cujo auxílio a vítima solicitou, o que revela o desprezo que o arguido tem pelo cumprimento de regras e o desrespeito que revela pela autoridade.

22. Conforme, já referimos, impõe-se, por isso, a aplicação de uma medida de coacção que salvaguarde de modo efectivo a protecção da vítima.

23. Não revelando o arguido ter interiorizado a ilicitude da conduta, ter vontade efectiva de alterar o seu comportamento e assistindo-se nos últimos meses a um escalar dos comportamentos violentos para com a vítima, vivendo a mesma em clima de pânico a que não consegue por si só pôr termo, apenas a medida de coacção de prisão preventiva se nos afigura adequada à salvaguarda das exigências cautelares, sendo para o efeito necessária e proporcional à pena que se antevê aplicada em sede de julgamento.”

24. Na verdade, as medidas de coacção de proibição de contactos e de permanência na habitação não constituem medidas idóneas a acautelar os perigos evidenciados.

25. Como é intuitivo, a medida de coacção de proibição de contactos é, no presente caso, face aos manifestos perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito, ineficaz, na medida em que a sua inobservância, sendo discreta, passa sem verificação, para não falar da impossibilidade de controlar, por exemplo, conversas presenciais, chamadas telefónicas, correio electrónio, conversas em redes sociais, etc.

26. Se se quiser ser realista, ter-se-á de reconhecer que essa medida só surtiria efeito se houvesse vigilância permanente do arguido A.

27. Sobre a impraticabilidade de o fazer, nem vale a pena discorrer, de evidente que é.

28. Já no que respeita à obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância entende-se que, também, a mesma é ineficaz.

29. Na verdade, atentos os comportamentos de ciúme, impulsividade, possessividade, agressividade e obsessão do arguido A, manifestos na sua recusa em perspectivar o fim do relacionamento amoroso ou em aceitar que o sentimento que V. nutre por ele não seja idêntico ao que ele nutre por ela, bastarão uma violação da medida e apenas umas horas, para que o arguido consiga tirar a vida à ofendida ou atingi-la na sua integridade física em termos graves, tudo sucedendo num ápice antes de os agentes da autoridade, por mais lestos que sejam, terem tempo de o localizar e de chegar ao local.

30. Deste modo, nenhuma das referidas medidas elimina os referidos perigos.

Termos em que deve se negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido da respectiva improcedência, o qual foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do despacho recorrido pretendida pelo recorrente, tal como transparece das conclusões por ele formuladas, centra-se nas seguintes questões:

a) Inexistência de fortes indícios da prática pelo recorrente dos factos descritos no despacho sob recurso, mormente ter agredido fisicamente a ofendida e ter tentado manter com esta, contra a vontade dela, relações sexuais;

b) Aplicação, em lugar da medida de coacção de prisão preventiva imposta, de medida não privativa de liberdade ou mesmo pela medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica (doravante OPHVE), eventualmente cumulada com a proibição de contactos com ofendida, por se entender suficiente e adequada à satisfação das exigências cautelares que possam eventualmente suscitar-se.

Os pressupostos da decretação de medidas coactivas encontram-se assim definidos pelo art. 204º do CPP:

Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

O nº 1 do art. 202º estabelece os requisitos específicos da aplicação da prisão preventiva:

Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos.

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta.

De acordo com definição da al. j) do art. 1º do CPP, entende-se por criminalidade violenta «as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos».

O recorrente pretende que lhe seja aplicada, em vez da prisão preventiva a que está sujeito, a medida de OPHVE, cujo regime de aplicação é estabelecido pelo art. 201º do CPP:

1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

2 - A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.

3 - Para fiscalização do cumprimento das obrigações referidas nos números anteriores podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos na lei.

Propugna também o recorrente que a medida de OPHVE seja cumulada com a de proibição de contactos com a ofendida, cuja sede legal é o nº 1 do art. 200º CPP:

Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de:
(…)
d) Não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios.

Em matéria de medidas de coacção, vigora o princípio da legalidade previsto no nº 1 do art. 191º do CPP:

A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.

A aplicação das mesmas medidas subordina-se aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, conforme disposto no art. 193º do CPP:

1 - As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.

3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.

Sustenta ainda o recorrente que o despacho recorrido violou as disposições do nº 2 do art. 192º do CPP, do nº 2 do art. 18º e nº 2 do art. 28º, ambos da CRP, cujo teor a seguir reproduzimos:

- Nº 2 do art. 192º do CPP
Nenhuma medida de coacção ou de garantia patrimonial é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

- Nº 2 do art. 18º da CRP
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

- Nº 2 do art. 28º da CRP
A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.

O crime de violência doméstica, cuja prática é indiciariamente imputada ao arguido, é punível, em abstracto, com pena de prisão até um limite máximo de 5 anos.

Por seu turno, o nº 1 do art. 167º do CP comina ao crime de violação uma penalidade abstracta de 3 a 10 anos de prisão.

Sendo indiciariamente imputado ao arguido o cometimento de um crime de violação sob a forma tentada, é-lhe aplicável, por força do disposto no nº 2 do art. 23º do CP, a moldura punitiva cominada ao crime consumado sujeita a atenuação especial, a qual, nos termos do art. 73º nº 1 do CP, se concretiza na redução do limite máximo em um terço e do limite mínimo para um quinto, o que nos conduz a um quadro penal que vai de 7 meses e 6 dias até 6 anos e 8 meses de prisão.

Consequentemente, ambos os crimes imputados ao arguido no despacho sob recurso, podem justificar, nos termos do art. 202º do CPP, a aplicação da prisão preventiva: o de violação tentada, por força da própria moldura punitiva e o de violência doméstica, porque é de reconduzir, de acordo com a interpretação geralmente aceite, ao conceito de «criminalidade violenta».

A lei processual penal não define o que deva ser considerado «fortes indícios», para o efeito da aplicação de determinadas medidas de coacção, como a prisão preventiva, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o conceito de «indícios suficientes», no contexto da formação da decisão de acusar ou de pronunciar.

Nesta conformidade, teve alguma aceitação o entendimento jurisprudencial, segundo qual «fortes indícios» corresponderiam a um grau de indiciação mais intenso do que «indícios suficientes».

Nesse sentido, «fortes indícios» seriam os «indícios mais que suficientes».

Pensamos que não tem de ser necessariamente assim.

Tanto um como outro dos referidos conceitos lidam com «indícios», ou seja com sinais da existência de determinado facto e não com a prova definitiva do mesmo.

Contudo, a noção de «indícios suficientes» intervém num momento processual em que a fase investigativa do processo criminal (inquérito ou inquérito e instrução, conforme o caso) se encontra finda e em que o juízo que importa emitir consiste numa prognose sobre se os elementos de prova indiciária reunidos tornam mais provável uma ulterior condenação do arguido em julgamento do que a sua absolvição, impondo-se ao MP acusar ou ao Juiz de Instrução pronunciar, sempre que tal questão seja respondida afirmativamente – vd. arts. 283º nºs 1 e 2 e 308º nºs 1 e 2 do CPP.

O conceito de «fortes indícios» não é projectado no enunciado juízo de prognose, intervindo, na maioria dos casos, num momento processual anterior, em que a investigação se encontra por vezes ainda numa fase incipiente.

Nesta ordem de ideias, serão «fortes indícios» aqueles que, no contexto de um determinado estado de desenvolvimento da investigação se apresentem particularmente claros, inequívocos e fiáveis.

No presente recurso, o arguido questiona o juízo de indiciação apenas na base de o mesmo se ter apoiado, em termos exclusivos, na versão da ofendida.

É verdade que foi determinante na formação de convicção indiciária da Exª Juiz de Instrução o depoimento testemunhal prestado pela queixosa V., vertido no auto de fls. 54 a 58 (reproduzido a fls. 51 a 54 deste apenso de recurso), o qual não se mostra, por ora, corroborado por outros elementos de prova.

De todo o modo, o arguido não indica qualquer razão pela qual o Tribunal «a quo» não devesse ter reconhecido credibilidade ao depoimento da queixosa, para além do facto de se encontrar desacompanhado de outros meios de prova e de estar em contradição com a versão dos factos por ele arguido propugnada.

Uma vez confrontado o depoimento da queixosa, verifica-se que o mesmo, para além de confirmar factos julgados fortemente indiciados pelo despacho recorrido, consubstancia um relato coerente e plausível, não deixando transparecer qualquer tipo de parcialidade ou propósito de prejudicar o arguido.

Quando foi proferido o despacho sob recurso, a investigação dos factos participados encontrava-se, tanto quanto transparece para o presente apenso de recurso, em estado a bem dizer rudimentar.

Não restam dúvidas de que os factos em causa carecem de uma melhor averiguação, nomeadamente ao nível da prova testemunhal, pois, a julgar pelo depoimento da queixosa, alguns dos episódios por ela relatados terão sido presenciados por terceiros.

No presente estado de coisas, o depoimento da queixosa fornece-nos, desde já, uma base indiciária, que se nos afigura sólida e digna de confiança.

Nesta conformidade, a referida base indiciária é de molde a integrar, de acordo com o critério adoptado, o conceito de «fortes indícios», de acordo com o critério adoptado, para o efeito da aplicação da medida coactiva prevista no art. 202º do CPP.

Consequentemente, terá a pretensão recursiva de improceder, na vertente da impugnação do juízo de indiciação.

Quanto à eventualidade de as exigências cautelares poderem ser satisfeitas mediante um regime de vinculação processual menos gravoso para o arguido, importa dizer o despacho recorrido justificou a aplicação da prisão preventiva ao ora recorrente com a verificação dos perigos de perturbação do inquérito, em virtude o arguido poder vir a condicionar, por acção sua os depoimentos da queixosa e de outras pessoas, que seja necessário inquirir como testemunhas, e de continuação da actividade criminosa – als. b) e c) do art. 204º do CPP.

Nesta parte, o arguido apoia-se, sobretudo na invocação de factos atinentes à sua personalidade e às suas conduções de vida, os quais, na sua maioria, não foram sequer considerados no despacho recorrido, pelo que tão pouco poderão sê-lo no presente acórdão, por força do princípio da identidade de objecto entre a decisão recorrida e a que conheça do recurso, que vigora nos recursos ordinários.

De entre os factos agora invocados pelo arguido, o único a que foi tido em conta no despacho, que lhe aplicou a prisão preventiva, reside na ausência de antecedentes criminais por parte dele.

A falta de antecedentes criminais constitui sempre um dos factores que o Tribunal terá de ponderar em ordem ao ajuizamento da existência de um perigo de continuação da actividade criminosa por determinado arguido, militando, por definição, em sentido contrário à verificação desse perigo.

Daí não se segue, porém, que a detecção do perigo de continuação da actividade criminosa na pessoa de um arguido delinquente primário seja uma impossibilidade, como o recorrente parece pressupor.

Na verdade, o referido perigo poderá ser logicamente inferido de quaisquer factos que o denunciem.

No caso, a Exª Juiz de Instrução inferiu o perigo de continuação da actividade criminosa em relação ao ora recorrente em razão das características da própria conduta indiciada e das facetas da personalidade do arguido, que esses factos revelam.

No despacho recorrido, julgou-se fortemente indiciado que o arguido levou a efeito, num lapso de tempo que pode ter variado entre 4 e 6 meses, seis episódios comportamentais dirigidos a ofender uma diversidade de bens jurídicos pessoais da queixosa, designadamente, a integridade física, a honra e consideração, o sentimento de segurança e, numa das situações, a liberdade sexual.

Tais episódios são demonstrativos da parte do arguido de uma postura ciumenta e possessiva em relação à ofendida, com quem mantinha uma relação amorosa, e de uma personalidade inclinada a «resolver» por meios violentos os problemas relacionais.

Neste contexto, a eventualidade de o arguido vir a reeditar contra a queixosa condutas da natureza das indiciadas nos autos surge como fortemente plausível.

No despacho sob censura, a Exª Juiz de Instrução evocou a possibilidade de a conduta do arguido dirigida contra a ofendida, a não lhe ser colocado um travão, pela intervenção da autoridade judiciária, poder vir a ter um desfecho letal.

Recentemente, a atenção da opinião pública foi polarizada por várias situações de violência doméstica, que culminaram na morte da vítima.

Ainda assim, e sem embargo da imperatividade de se evitar, por todos os meios possíveis, semelhantes desfechos, quando possam ser previsíveis, não é isso que sucede na grande maioria dos casos.

É certo que o arguido, no último dos episódios criminosos em que esteve envolvido, declarou propósitos homicidas relativamente à ofendida («acabo contigo amanhã»), mas a experiência demonstra que, o mais das vezes, as ameaças de morte não são seguidas da passagem ao acto.

Contudo, no caso em presença, também se mostra indiciariamente demonstrado que o arguido, quando emitiu tal declaração de intenção homicida, tinha em seu poder duas navalhas, cada uma com 7,5 cm de lâmina.

As referidas navalhas, pelas suas dimensões, não são susceptíveis de integrar alguma hipótese legal de «arma proibida», mas nem por isso deixam de ser armas e, quando manuseadas adequadamente, podem ser utilizadas para tirar a vida outrem.

Nesta perspectiva, a possibilidade de as condutas do arguido, ofensivas de bens jurídicos pessoais da queixosa, virem a desembocar na perda da vida desta, ganha alguma consistência, o que, naturalmente, redobra as exigências cautelares.

Tendo em atenção o tipo de condutas delituosas que o arguido poderá, previsivelmente, desencadear contra a ofendida, a medida de coacção de OPHVE apenas permitiria sinalizar saída do arguido da residência a que estivesse confinado, mas não seria de molde a garantir uma resposta das autoridades em tempo útil de evitar que ele chegasse junto dela, mesmo que entre a residência de um e de outra mediasse uma distância como aquela que separa Évora de Estremoz.

Neste contexto, afigura-se-nos evidente a irrelevância da cumulação, também defendida pelo recorrente, da medida de proibição de contactos com a ofendida com a prevista no art. 201º do CPP, pois a primeira, mais ainda do que a segunda, é uma medida coactiva cujo cumprimento se encontra, em última análise, à mercê da vontade do arguido a ela sujeito.

No que se refere ao perigo de perturbação do inquérito, concordamos com o juízo emitido pelo Tribunal «a quo» no sentido de que o arguido, pela personalidade que revelou através dos factos indiciados nos autos, oferece sério risco de vir a condicionar, por meio de violência ou ameaça de violência, os depoimentos da ofendida, da filha menor desta e de outras pessoas que terão presenciado os factos participados, sendo tal prova pessoal indispensável à descoberta da verdade.

Ora, a medida de OPHVE também se revela ineficaz para prevenir o aludido perigo, já que o arguido sempre poderia levar a efeito a actividade de condicionamento da prova testemunhal, a partir da residência, mediante a utilização de meios de comunicação à distância ou o concurso de terceiros.

É certo que os autos revelam a ofendida, tanto quanto é possível avaliar, como uma pessoa dotada de um assinalável grau de energia, pois apresentou em demora queixa-crime, produziu declarações incriminatórias do denunciado e, a julgar pelo seu depoimento, resistiu com sucesso a uma tentativa de violação.

Nesta conformidade, a ofendida, em razão das suas características de personalidade, não será facilmente intimidável.

Contudo, este Tribunal não pode deixar de ser sensível, como foi o Tribunal «a quo», a todo um conjunto de condicionantes objectivas, que são de molde a fragilizar a posição da ofendida, perante eventuais manobras do arguido tendentes a falsear o seu depoimento: cidadã estrangeira extracomunitária, a criar sozinha uma filha menor, sem estrutura familiar de apoio.

O nº 1 do art. 191º do CPP estabelece o princípio da legalidade, segundo o qual só podem se aplicadas as medidas de coacção previstas na lei, pelo que o mesmo, manifestamente, não foi violado.

Tão pouco foi transgredida a norma do nº 2 do art. 192º do CPP, já que os factos julgados indiciados pelo despacho recorrido não deixam transparecer a ocorrência de qualquer causa de exclusão da responsabilidade penal do arguido ou de extinção do procedimento criminal, nem o recorrente sequer a concretiza.

Os nºs 1, 2 e 3 do art. 193º fazem vigorar, em matéria de medidas de coacção os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

O despacho recorrido ajuizou que qualquer outra medida de coacção que não a prisão preventiva, incluindo a OPHVE, seria insuficiente para prevenir os perigos de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa pelo arguido, tendo este Tribunal concordado com tal ajuizamento, pelo que não pode ter havido postergação ilegítima dos princípios da necessidade e da adequação.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, diremos apenas os crimes de violação tentada e de violência doméstica, cuja prática foi indiciariamente imputada ao arguido pelo despacho recorrido, são puníveis com penas de prisão de alguma severidade, a que já fizemos referência, o que faz com que a aplicação ao arguido, caso venha a ser condenado em sede de julgamento, de uma pena privativa de liberdade se anteveja com uma probabilidade consistente.

Ainda assim, tendo em conta, em particular, a primodelinquência do arguido, a possibilidade de aplicação de uma pena substitutiva da prisão efectiva não se encontra excluída.

No entanto, a concretização de tal hipótese depende uma miríade de factores

Neste contexto, a imposição ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva não é incompatível com princípio da proporcionalidade.

Quanto à também invocada violação de normas e princípios da Constituição da República, importa ter em consideração que, conforme decorre do disposto no art. 28º da CRP, a prisão preventiva consubstancia uma derrogação prevista pela própria Lei Fundamental não só do direito à liberdade pessoal, consagrado no art. 27º da CRP, mas também do próprio princípio da presunção de inocência, pois admite que alguém seja privado de liberdade, não com fundamento numa sentença condenatória transitada em julgado, mas apenas perante a verificação da existência de «fortes indícios» da prática de um crime de certa gravidade.

Neste contexto, uma vez reunidos, como sucede em relação ao arguido ora recorrente, os pressupostos de aplicação da prisão preventiva fixados pela lei processual penal, os quais se situam dentro do perímetro traçado pelas normas constitucionais, que prevêem tal instituto privativo de liberdade, não se vislumbra como pode a decisão recorrida ter contrariado alguma norma ou princípio da Lei Fundamental.

Como tal, improcede o recurso por completo.

II. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso em apreço e manter inalterada a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com taxa de justiça no valor de 2 UC.
Notifique.

Évora, 12/7/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)