Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/11.3JAPTM.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: CRIME DE PECULATO
TITULAR DE CARGO POLÍTICO
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
1. O tipo legal de peculato previsto no art. 20.º da Lei 34/87 de 16 de julho, abrange a apropriação de dinheiro ou qualquer coisa móvel que seja acessível ao agente em razão das suas funções - em contraponto com a entrega do dinheiro ou coisa ao agente ou à sua posse – sem que esta acessibilidade revista forma específica ou vinculada ou, em todo o caso, corresponda a situação material sobreponível à posse ou detenção do dinheiro ou coisa apropriada, hipóteses em que o crime de peculato aproxima-se da estrutura típica do crime de furto qualificado e não do crime comum de abuso de confiança

2. Em face dos termos amplos do tipo legal previsto no art. 20.º da Lei 34/87 (como no art. 375.º do C.Penal) e das razões de política criminal que visa satisfazer, não deixa de apropriar-se de dinheiro ou coisa que lhe seja acessível em razão das suas funções, o titular de cargo político (tal como o funcionário para efeitos do art. 375.º do C.Penal) que se aproveita das suas funções para se apropriar de dinheiro de que não tem a posse ou detenção material, mas que pode movimentar por intermédio de outras pessoas mediante ordens ou instruções emitidas no âmbito dessas mesmas funções.

3. A ação não deixa de ser típica se o bem for acessível ao agente em resultado de subterfúgios ou de atos ilícitos instrumentais praticados no âmbito dessas mesmas funções, uma vez que desse modo se mostra igualmente violado o bem jurídico primacialmente protegido pela incriminação, ou seja, a integridade (probidade) no exercício de funções de titulares de cargos políticos. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos na 2ª Secção criminal (J3) da Instância Central de Portimão da Comarca de Faro, foi pronunciado, na sequência de acusação do MP, A., casado, reformado, nascido a 11.01.1957, natural de M, por se indiciar suficientemente a prática, em autoria material e em concurso real, de:

- sete crimes de Peculato, na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 375º, nº 1, 386º, 30º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal; e

- quatro crimes de Falsificação de Documentos, na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 256º, nº 1, als. a) e b) e nº 4, 255º, al. a), 30º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal.

2. Município de M. constituiu-se Assistente e deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do Arguido no pagamento do montante de € 387.785,60, correspondente à soma da quantia de € 332.774, 94, devida a título de capital e de € 82.239,89 a título de juros vencidos, acrescidos de juros vincendos à taxa moratória legal até efetivo e integral pagamento, a título de compensação pelos danos patrimoniais infligidos ao Assistente (fls. 1025 e ss.).
3. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu:

« a) Alterar a qualificação jurídica dos factos e condenar o Arguido A. pela prática de:

- 7 (sete) crimes de Peculato, sendo seis na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 20º, nº 1 da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, 30º, nº 2 e 79º, nº 1 do Código Penal, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e 90 dias de multa por cada um dos mesmo; e

- 4 (quatro) crimes de Falsificação de Documentos (três dos quais na forma continuada) previstos e puníveis pelos artigos 256º, nº 1, al. a), b) e e) e 255º, al. a) do Código Penal, agravada nos termos do disposto no artigo 5º da mesma Lei nº 34/87, de 16 de Julho, nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um destes crimes;

b) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido e condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos de prisão e de 500 (quinhentos) dias de multa à taxa diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz o total de € 6.000,00, a que correspondem 333 (trezentos e trinta e três) dias de prisão subsidiária;

c) Suspender a execução da pena única de prisão de 5 anos por igual período de tempo, sob condição do Arguido proceder ao pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização ao Município de M., no prazo de 4 anos, devendo fazer prova nos autos;
(…)

e) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante Município de M, e consequentemente condenar o Demandado A. a pagar a quantia total de € 332.774,94 (trezentos e trinta e dois mil, setecentos e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da prática dos factos ilícitos respectivos e até integral pagamento;

4. – Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«1. A rejeição pelo recorrente do teor do Acórdão recorrido assenta na presença no próprio texto de elementos que por si ou conjugados com as regras da experiência são inconciliáveis e na errada subsunção dos factos provados ao direito aplicável.

2. Ocorre a contradição insanável a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir.

3. No Acórdão recorrido são considerados provados factos que são incompatíveis entre si:

4. Assim, escreveu-se nos pontos 18 e 19 que o arguido “(…) formou o propósito de fazer seus valores pertencentes ao Município de M, fazendo uso das sobreditas faturas já liquidadas, as quais colocou de novo a pagamento”, sendo que renovou tal propósito nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, colocando repetidamente as mesmas faturas a pagamento como se descreve: (…)

5. Segue-se um quadro descritivo onde surgem, de um lado, diversas ordens de pagamento, as respetivas datas, a identificação das faturas repetidas pagas através dessas ordens de pagamento e, de outro lado, o número de identificação dos cheques que as pagaram, respetivas datas e valores.

6. Da leitura deste quadro, conjugada com a matéria vertida nos factos 30 a 33 dos factos provados, resulta claro que ao arguido ficou provado que a este foram entregues as quantias constantes daqueles cheques.

7. Montantes estes cuja soma aritmética é de 335.661,00 € (trezentos e trinta e cinco milhares seiscentos e sessenta e um euros).

8. No entanto, da leitura do quadro transcrito no ponto 34 dos factos provados e ainda do ponto 35 resulta claro que o tribunal deu como provado que o arguido, relativamente às faturas se apropriou afinal “(…) de, pelo menos, 305.545,71€ (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), tendo integrado esse montante no seu património.

9. Contudo, ou o recorrente é condenado por ter obtido para si os valores dos cheques ou então o tribunal tinha de explicar porque é que dá como provada a apropriação de um montante diferente que não corresponde à sua soma aritmética.

10. O tribunal nada diz sobre esta incompatibilidade e dá como provado que o recorrente recebeu o dinheiro proveniente dos cheques mas também que esse dinheiro ascendeu “(…) pelo menos, a 305.545,71 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e um cêntimo), tendo integrado esse montante no seu património.”

11. Montante a que apela posteriormente no ponto 42 ao somá-lo com o montante do ponto 38.

12. Estes dois factos, conjugados com os restantes já referidos são incompatíveis ou inconciliáveis entre si.

13. Acresce que nenhum dos valores inscritos nos cheques identificados no quadro transcrito no ponto 19 dos factos provados corresponde à exata soma das faturas por pagamento repetido de que o recorrente foi acusado e condenado.

14. Vejamos:
- O cheque n.º 1586421273 foi sacado no valor de 20.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1981 e 1982 que sustentam o cheque somam apenas 19.566,31;
- O cheque n.º 2723408358 foi sacado no valor de 20.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2830 que sustenta o cheque somam apenas 18.338,51€;
- O cheque n.º 43300947897 foi sacado no valor de 15.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 3329 e 3330 que sustentam o cheque somam apenas 12.810,45 €;
- O cheque n.º 8348710500 foi sacado no valor de 17.500,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2005 que sustenta o cheque somam 17624,16 €;
- O cheque n.º 6548710502 foi sacado no valor de 5.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2190 e 2191 que sustentam o cheque somam apenas 4.809,78 €;
- O cheque n.º 3848710505 foi sacado no valor de 15.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2797 que sustenta o cheque somam 15.581,15 €;
- O cheque n.º 7248710512 foi sacado no valor de 25.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 1284 que sustenta o cheque somam apenas 12.801,89 €;
- O cheque n.º 6348710513 foi sacado no valor de 9.800,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 1514 somam apenas 4.891,16 €;
- O cheque n.º 4548710515 foi sacado no valor de 24.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2617 e 2618 somam 24.829,00 €;
- O cheque n.º 9748710520 foi sacado no valor de 25.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2964 e 2965 somam 25.503,96 €
- O cheque n.º 1648710529 foi sacado no valor de 32.800,00, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 564 somam 25.099,48 €
- O cheque n.º 5948710535 foi sacado no valor de 25.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1799 e 1800 somam 25.603,97
- O cheque n.º 0548710541 foi sacado no valor de 20.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2815 e 2816, somam apenas 19.318,99;
- O cheque n.º 0348710552 foi sacado no valor de 25.420,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2180 e 2181 somam 22.968,18
- O cheque n.º 1948710561 foi sacado no valor de 28.270,00, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 510 somam apenas o valor de 17.396,00;
- O cheque n.º 7148710566 foi sacado no valor de 27.871,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1983, 1984 e 1985 somam apenas 26.349,88;

15. Estas diferenças de valores bem patentes no elenco dos factos provados e sem necessidade de recurso a qualquer meio de prova mostram que de acordo com o critério de um homem médio e as regras da experiência comum as funcionárias da contabilidade tanto emitiram cheques com valores inferiores ou muito superiores à soma das faturas que em cada momento a acusação e o tribunal afirma terem sido pagas repetidamente através desses meios.

16. Ora, uma coisa é assinar cheques para pagar faturas ainda que falsificadas nas suas datas e valores, mas na ignorância desse facto outra é emiti-los sem que estes encontrem suporte integral nos documentos apresentados para justificar a emissão dos respetivos cheques.

17. Os factos que resultam do quadro vertido no ponto 19 do rol são também inconciliáveis com o facto dado como provado de que o arguido informou sempre a tesoureira e a assistente técnica de que necessitava de prover ao pagamento ao fornecedor das mencionadas quantias em numerário, pois como vimos os valores não são coincidentes – cf. ponto 29;

18. Assinala ainda em sede de fundamentação o Acórdão nos factos provados sob o já identificado ponto 42 que o arguido fez seus, ao menos, 332.744,94 euros.

19. Para tanto, em sede de exposição da motivação da matéria de facto afirma o tribunal que nos resta “(…) pois, a coincidência dos valores que o arguido admite ter desviado da Câmara Municipal com os valores depositados nas contas por si tituladas e não declaradas em sede de IRS”.

20. Estes valores reportam-se às conclusões da perícia detalhadamente apreciada e transcrita pelo Tribunal a páginas 22 do Acórdão, mas uma vez mais, o tribunal não efetuou o devido cruzamento com os factos que deu como provados.

21. Nos termos da perícia e seu aditamento o arguido e a então sua mulher dispuseram pelo menos de 369.641,43 euros, para além dos rendimentos declarados em sede de IRS.

22. Valores estes que, uma vez afastadas as justificações e os argumentos do arguido, permitem ao tribunal assinalar e sublinhar a coincidência de valores encontrados pela perícia enquanto elemento da respetiva motivação de facto.

23. Mas esta coincidência não existe de todo se considerarmos o famigerado quadro vertido no ponto 19 do rol dos factos provados e assinalarmos apenas as maiores disparidades.

24. De acordo com este quadro a primeira vez que o recorrente recebeu dinheiro foi em Agosto de 2004, mas de acordo com a perícia, no ano de 2003 já tinham passado pelas duas contas bancárias em causa 42.126,75 euros.

25. No ano de 2005 o arguido obteve 38.015,09 euros do Município, mas pelas contas em causa passaram 48.791,95 euros, ou seja, mais 10.776,86 e no ano de 2008 o arguido obteve do Município 23.658,18 euros, mas por aquelas contas passaram 47.471,95 euros ou seja, mais 23.813,77; já no ano de 2009 o arguido obteve do Município 43.746,18 euros, mas por aquelas, nesse ano passaram 67.050,00, ou seja, mais 23.303,82 euros.

26. Assim, dos referidos 369.641,43 euros referidos pela perícia relativos aos anos de 2003 a 2009, pelo menos 100.021,20 euros não teriam que ver com o dinheiro do Município e estes provam ainda que por aquelas contas circularam montantes elevados de valores ao longo do ano;

27. Pelo que a afirmação de que existe uma coincidência de valores entre os valores admitidos pelo arguido e os valores depositados naquelas contas é contraditória com os factos tidos por provados, pois estes demonstram que ela não existiu.

28. O arguido vem acusado da prática de sete crimes de peculato, previstos e punidos pelos art.º 375º n.º 1 e 386.º, 30.º n.º 2 e 79.º n.º 1 do CP

29. Através da incriminação da descrita conduta procurou o legislador tutelar, por um lado, bens jurídicos patrimoniais (um direito patrimonial do Estado) e, por outro lado, e predominantemente, a probidade e a fidelidade dos funcionários, para garantir o bom andamento, a legalidade e a imparcialidade da administração (neste sentido, Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, pág. 688 a 691).

30. Como se refere no Acórdão recorrido o crime de peculato é um crime específico impróprio, ou seja, na definição de Figueiredo Dias, um crime em que a qualidade do autor ou o dever que sobre ele impende não servem para fundamentar a responsabilidade, mas unicamente para a agravar, uma vez que só o agente com essa característica subjetiva relacional o pode cometer (vide Parte Geral do Direito Penal, Almedina).

31. Efetivamente, o agente do crime terá de ser um funcionário, tal como ele é definido no art.º 386º do CP, funcionário esse que, por força das suas funções, tem a posse do bem objeto do crime.

32. E é essa qualidade de funcionário ou, como é o caso, a qualidade de titular de cargo político que distingue o crime de peculato do crime de furto ou do crime de abuso de confiança e é ela que torna a ilicitude da conduta do agente mais grave.

33. No que à conduta típica concerne, o crime de peculato consiste na apropriação, em proveito próprio ou de terceiro, de uma coisa móvel alheia que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou a que o funcionário aceda, em razão das suas funções.

34. O conceito de posse deve ser “entendido em sentido lato, englobando quer a detenção material, quer a disponibilidade jurídica do bem, ou seja, as situações em que a detenção material pertence a outrem, mas o agente pode dispor do bem ou conseguir a sua detenção material mediante um ato para o qual tem competência em razão das suas funções”.

35. A acessibilidade ao bem deve contudo derivar das funções do agente, pelo que deverá existir uma efetiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objeto, não bastando a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação.

36. Assim, o agente deve ter a posse ou detenção do objecto “em razão das suas funções”.

37. Mas esta expressão deve ser interpretada restritivamente pois é necessário, para que uma determinada conduta seja subsumida ao tipo legal em análise, que a posse esteja na dependência funcional do exercício da função, pois a razão de ser desta punição agravada reside precisamente na violação, por parte do funcionário-agente, da confiança funcional que nele foi depositada ao ser-lhe conferida a posse do bem, entendendo-se esta posse, como já supra se referiu, por detenção material, guarda do bem ou disponibilidade jurídica, ou seja, a possibilidade de dispor do bem, não como proprietário, mas como fiel depositário e zelador dos bens, não se desviando dos fins legais.

38. O funcionário é punido desta forma agravada porque abusou das suas funções ou foi infiel às suas funções, traindo a confiança que lhe foi depositada ao lhe ser conferida a posse do bem.

39. É esta relação causal entre a posse e a função, de modo a que a apropriação viole a relação de fidelidade pré-existente que, no caso dos autos, inexiste.

40. O tribunal entende que o recorrente acedeu à posse daqueles valores por virtude das funções políticas de vereador responsável pelo pelouro financeiro que exercia à data dos factos no Município de M.

41. No entanto, não se provou que a posse ou detenção material de dinheiro para efetuar pagamentos em nome do município fizesse parte das funções do recorrente enquanto vereador.

42. O que se provou foi apenas que as suas funções incluíam o poder de assinar cheques do Município em conjunto com a tesoureira ou quem a substituísse, para efetuar pagamentos em nome daquele.

43. Nas suas funções não cabia a receção de numerário para proceder ao pagamento de credores;

44. Nem se provou que a tesoureira e a assistente técnica tinham nas suas funções a competência para promover o levantamento daqueles montantes.

45. Pelo que só com a violação por estas das suas funções foi possível ao recorrente aceder àqueles montantes.

46. Se se provou que era a tesoureira quem entregava o dinheiro ao recorrente, o que fazia para além dos seus poderes, como se poderá concluir que a posse ou detenção material dos valores por parte do recorrente advinha do exercício das suas funções?

47. Efetivamente, aqueles valores só chegavam à posse do recorrente através da ação de terceiros, no caso, a tesoureira ou a assistente técnica.

48. Como acima se referiu, a razão de ser desta punição agravada reside precisamente na violação, por parte do funcionário-agente, da confiança funcional que nele foi depositada ao lhe ser conferida a posse do bem.

49. Daí que o recorrente não tenha violado qualquer relação de fidelidade pré-existente e que não possa, pois, a sua conduta ser reconduzida ao crime de peculato.

Termos em que deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e, em consequência:

a) Conhecer e declarar-se a verificação da contradição insanável acima identificada, com as legais consequências;

b) Absolver-se o arguido da prática dos sete crimes de peculato por que foi condenado.»

5. – O assistente e o MP apresentaram as suas respostas pugnando pela total improcedência do recurso.

6.- Nesta Relação, a senhora magistrada do MP emitiu parecer no mesmo sentido.

7. – A decisão recorrida (transcrição parcial):

«A. Factos provados
1. O Arguido foi vereador da Câmara Municipal de M desde o ano de 1991, tendo exercido funções como vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro, nomeadamente nos mandatos autárquicos de 2001/2005 e 2005/2009.

2. No âmbito das funções que lhe encontravam atribuídas durante os mencionados executivos camarários, competia ao Arguido, para além do mais, autorizar a realização de despesas orçamentadas até ao limite estipulado por lei ou por subdelegação e autorizar o pagamento das despesas realizadas, nas condições legais.

3. No período em referência, o fornecimento de bens ao Município de M pelos fornecedores “Minimercado – …., Lda.” e “J… – Panificação” iniciava-se por mero contacto da funcionária chefe do serviço da cantina, solicitando directamente os bens sem prévia requisição a emitir pelos serviços de contabilidade.

4. Aquando da entrega dos bens por estes fornecedores, não era elaborado qualquer documento de conferência, nem assinada guia de remessa.

5. Posteriormente, os mesmos fornecedores emitiam a respectiva factura, que entregavam nos serviços de contabilidade camarária.

6. Uma vez aí, a factura era imediatamente lançada no sistema de contabilidade autárquica, sendo apostos na mesma, por quem a insere no programa informático, os algarismos correspondentes à classificação económica do orçamento de acordo com os códigos do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL).

7. E, com base nos dados introduzidos no programa informático, era então emitida uma ordem de pagamento, assinada depois pelo seu emitente, pelo responsável daquele serviço e pelo presidente ou vereador.

8. Conforme a ordem de pagamento, era também pelos serviços de contabilidade emitido um cheque, normalmente informatizado, igualmente assinado pelo presidente ou vereador.

9. Seguidamente, a ordem de pagamento era apresentada nos serviços de tesouraria, com as facturas a que respeita anexas, e bem assim, o cheque emitido pelos serviços de contabilidade devidamente assinado.

10. Ali, uma vez inscrita a ordem de pagamento no programa informático da tesouraria e assinada a mesma, bem como o cheque, pela tesoureira, era então efectuado o pagamento ao fornecedor, através do cheque emitido à sua ordem.

11. Realizado o pagamento, toda a documentação regressava aos serviços da contabilidade, incluindo o respectivo recibo, caso este fosse prontamente entregue pelo fornecedor.

12. Assim, relativamente ao fornecedor “Minimercado …, Lda.”, foram liquidadas as seguintes facturas:

DOCUMENTO ORDEM PAGAMENTO
FACTURA DATA VALOR NÚMERO DATA PAGAMENTO
302 17.07.2003 904,47€ 1394 20.08.2003
304 17.07.2003 1.023,02€ 1394 20.08.2003
306 17.07.2003 1.162,67€ 1394 20.08.2003
307 17.07.2003 466,44€ 1394 20.08.2003
309 17.07.2003 5.331,30€ 1394 20.08.2003
310 18.07.2003 727,94€ 1394 20.08.2003
312 18.07.2003 701,57€ 1394 20.08.2003
314 18.07.2003 718,41€ 1394 20.08.2003
316 18.07.2003 932,19€ 1395 20.08.2003
318 18.07.2003 707,28€ 2257 16.12.2003
320 18.07.2003 603,86€ 2257 16.12.2003
322 18.07.2003 912,91€ 2257 16.12.2003
324 18.07.2003 1.346,60€ 2257 16.12.2003
326 18.07.2003 1.085,54€ 2257 16.12.2003
327 18.07.2003 936,86€ 2257 16.12.2003
329 18.07.2003 1.159,88€ 2257 16.12.2003
331 18.07.2003 13.789,15€ 1180 23.07.2003
332 20.07.2003 12.292,86€ 1180 23.07.2003
333 20.07.2003 1.792,00€ 2258 16.12.2003
681 28.02.2005 1.188,47€ 1077 10.05.2005
682 28.02.2005 1.109,85€ 1077 10.05.2005
683 28.02.2005 1.263,61€ 1077 10.05.2005
689 28.02.2005 1.227,80€ 1077 10.05.2005
691 28.02.2005 1.289,90€ 1077 10.05.2005
699 28.02.2005 957,39€ 1076 10.05.2005
784 20.09.2005 17.396,00€ 2882 22.11.2005
785 20.09.2005 231,00€ 2882 22.11.2005
925 31.08.2006 20.208,32€ 2495 19.10.2006

13. Do mesmo modo, quanto ao fornecedor “J… – Panificação”, foram liquidadas as seguintes facturas:

DOCUMENTO ORDEM PAGAMENTO
FACTURA DATA VALOR NÚMERO DATA PAGAMENTO
1171 07.09.2002 3.649,90€ 2256 16.12.2003
1578 31.08.2005 5.410,00€ 2883 20.12.2005

14. Os pagamentos aos mencionados fornecedores foram sempre efectuados mediante cheque sobre a conta bancária nº 003504890000037923089, da Caixa Geral de Depósitos, agência de M, titulada pelo Município de M, emitido à ordem daqueles fornecedores.

15. Tendo perfeito conhecimento de todo o procedimento adoptado em termos de facturação, inscrição contabilística e pagamento descrito nos antecedentes nºs 3 a 11, o Arguido decidiu avocar a função específica da contabilidade de proceder ao lançamento de facturas e emissão de ordens de pagamento, relativas aos fornecedores “Minimercado – …, Lda.” e “J… – Panificação”.

16. Ao contrário das demais que eram imediatamente lançadas no sistema informático por qualquer um dos funcionários da contabilidade, tais facturas só eram lançadas pelo próprio Arguido ou por ordem sua de lançamento.

17. Por outro lado, à data, para além da técnica responsável pela contabilidade, e, na ausência desta, os assistentes técnicos de contabilidade, era o Arguido quem assinava as ordens de pagamento, no exercício das suas funções de vereador responsável pelo pelouro financeiro.

18. Sucede que, no decurso do ano de 2004, o Arguido formou o propósito de fazer seus valores pertencentes ao Município de M, fazendo uso das sobreditas facturas já liquidadas, as quais colocou de novo a pagamento.

19. Sendo que renovou tal propósito nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, colocando repetidamente as mesmas facturas a pagamento, tudo conforme se descreve:

ORDEM DE PAGAMENTO CHEQUES
N.º DATA FACTURAS N.º DATA VALOR
1981
1982 31.08.2004 312, 314, 318, 331
1171 1586421273 31.08.2004 20.000,00
2830 30.11.2004 320, 322, 324, 326, 327, 329, 332, 272 340
8358 30.11.2004 20.000,00
3329
3330 30.12.2004 302, 304, 306, 357, 309, 310, 316, 333 4130947897 30.12.2004 15.000,00
2005 04.08.2005 309, 332 8348710500 04.08.2005 17.500,00
2190
2191 26.08.2005 329, 1171 6548710502 26.08.2005 5.000,00
2797 10.11.2005 331, 333 3848710505 10.11.2005 15.000,00
1284 14.06.2006 304, 306, 307, 309, 310, 316, 322, 326, 329 7248710512 14.06.2006 25.000,00
1514 05.07.2006 682, 683, 689, 691 6348710513 05.07.2006 9.800,00
2617
2618 31.10.2006 333, 784, 785, 1578 4548710515 31.10.2006 24.000,00
2964
2965 07.12.2006 302, 312, 314, 318, 320, 324, 327, 331, 681, 699, 1171 9748710520 07.12.2006 25.000,00
564 16.03.2007 682, 683, 689, 691, 925 1648710529 16.03.2007 32.800,00
1799
1800 20.07.2007 324, 333, 681, 784, 785, 1171 5948710535 20.07.2007 25.000,00
2815
2816 29.11.2007 312, 331, 302, 314, 318, 320, 327, 699 0548710541 29.11.2007 20.000,00
2180
2181 05.09.2008 322, 332, 304, 306, 309, 326, 329 0348710552 05.09.2008 25.420,00
510 11.03.2009 784 1948710561 11.03.2009 28.270,00
1983
1984
1985 26.08.2009 306, 309, 322, 324, 681, 316, 329, 332, 333, 785 7148710566 26.08.2009 27.871,00

20. Acresce que, por diversas vezes, o Arguido rasurou tais facturas, alterando a data e/ou valor, para que, desta forma, passassem despercebidos os repetidos pagamentos dos valores já facturados e liquidados.

21. Assim, no dia 04.08.2005, o Arguido, na posse das facturas nº 309 e 332, emitidas pelo fornecedor “Minimercado – …, Lda.”, alterou as datas que nelas constavam, a primeira de 17.07.2003 para 17.07.2005 e a segunda de 20.07.2003 para 20.07.2005, substituindo os algarismos 3 pelos algarismos 5.

22. No dia 26.08.2005, o Arguido, munido das facturas nºs 329 do fornecedor “Minimercado –…, Lda.”, e 1171 do fornecedor “J… – Panificação”, a primeira, sem data aposta, mas emitida em 18.07.2003, lançou-a no sistema informático da contabilidade datada de 26.08.2005, e a segunda, alterou a data que nela constava, de 07.09.2002 para 01.09.2004, substituindo o algarismo 2 pelo algarismo 4.

23. Posteriormente, no dia 14.06.2006, o Arguido, na posse das facturas nº 306, 316 e 322, todas emitidas pelo fornecedor “Minimercado – …, Lda.”, alterou as datas que nelas constavam, a primeira, de 17.07.2003 para 17.07.2005, sendo que a lançou no sistema informático com data de 07.07.2005, a segunda e a terceira, de 18.07.2003 para 18.07.2005, substituindo os algarismos 3 pelos algarismos 5.

24. No dia 31.10.2006, o Arguido, na posse das facturas nºs 333, emitida pelo fornecedor “Minimercado – …, Lda.”, e 1578, emitida pelo fornecedor “J… – Panificação”, alterou as datas que nelas constavam, a primeira, datada de 20.07.2003, para 20.07.2005, e a segunda, datada de 31.08.2005 para 31.08.2006, substituindo o algarismo 3 pelo 5 e o 5 pelo 6.

25. No dia 07.12.2006, o Arguido, na posse das facturas nº 302, 312, 314, 318, 320, 324, 327, 331 e 681, todas elas emitidas pelo fornecedor “Minimercado –…, Lda.”, alterou as datas que nelas constavam: a factura nº 302, datada de 17.07.2003 para 17.07.2006; as facturas nºs 312, 314, 318, 320, 324, 327 e 331, datadas de 18.07.2003 para 18.07.2006, e a factura nº 681, datada de 28.02.2005 para 28.02.2006, substituindo os algarismos 3 e 5 pelo 6.

26. No dia 20.07.2007, o Arguido, mais uma vez na posse das facturas nº 333, do fornecedor “Minimercado – …., Lda.”, e 1171, do fornecedor “J… – Panificação”, alterou as datas que nelas constavam, a primeira, datada de 20.07.2005 para 20.07.2006, e a segunda, datada de 01.09.2004 para 07.09.2006, substituindo o algarismo 4 e 5 pelo 6.

27. No dia 29.11.2007, o Arguido lançou a pagamento a factura nº 331, no valor de € 13789,15, inscrevendo-a no sistema informático da contabilidade com o valor de € 13989,15.

28. Posteriormente, em 26.08.2009, o Arguido lançou a pagamento as facturas nºs 306 (no valor de € 1.162,67), 309 (no valor de € 5.331,30), 316 (no valor de € 932,19), 322 (no valor de € 912,91), 324 (no valor de € 1346,60), 332 (no valor de € 12.292,86) e 681 (no valor de € 1.188,47), inscrevendo-as no sistema informático da contabilidade com o valor de € 1.188,47, € 3.143,48, € 4.501,12, € 1162,67, € 3100,73, € 4974,98 e € 1346,60, respectivamente.

29. Em todas essas situações, o Arguido informou a tesoureira, e, na ausência desta, a assistente técnica de contabilidade que a substituía, de que necessitava de prover o pagamento ao fornecedor das mencionadas quantias, em numerário.

30. Como a tesouraria não dispunha de tais quantias em cofre, o Arguido ordenou então que fossem emitidos os sobreditos cheques sobre a conta bancária nº 003504890000037923089, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo Município de M, à ordem do próprio Município de M.

31. Para que se procedesse de imediato ao levantamento das quantias por eles tituladas junto da Caixa Geral de Depósitos, agência de M, as quais lhe deveriam ser entregues.

32. Estes cheques foram emitidos e assinados pela tesoureira e, na ausência desta, pela assistente técnica de contabilidade que a substituía, juntamente com o Arguido.

33. Após, incumbia à funcionária ML proceder ao seu levantamento na referida instituição bancária, tendo esta entregue as quantias correspondentes à tesoureira, que, por sua vez, as entregou ao Arguido, contra entrega da respectiva ordem de pagamento.

34. Deste modo, o Arguido obteve o pagamento repetido das mencionadas facturas, conforme se descreve:

DOCUMENTO ORDEM PAGAMENTO
FACTURA DATA VALOR NÚMERO DATA PAGAMENTO
17.07.2003 904,47€ 1394 20.08.2003
302 17.07.2003 904,47€ 3330 30.12.2004
17.07.2006 904,47€ 2964 07.12.2006
17.07.2006 904,47€ 2816 29.11.2007
17.07.2003 1.023,02€ 1394 20.08.2003
304 17.07.2003 1.023,02€ 3329 30.12.2004
17.07.2005 1.023,02€ 1284 14-.06.2006
17.07.2007 1.023,02€ 2181 05.09.2008
17.07.2003 1.162,67€ 1394 20.08.2003
17.07.2003 1.162,67€ 3329 30.12.2004
306 07.07.2005 1.162,67€ 1284 14.06.2006
17.07.2007 1.162,67€ 2181 05.09.2008
17.07.2008 1.188,47€ 1983 26.08.2009
17.07.2003 466,44€ 1394 20.08.2003
307 17.07.2003 466,44€ 3329 30.12.2004
17.07.2005 466,44€ 1284 14.06.2006
17.07.2003 5.331,30€ 1394 20.08.2003
17.07.2003 5.331,30€ 3329 30.12.2004
309 17.07.2005 5.331,30€ 2005 04.08.2005
17.07.2005 5.331,30€ 1284 14.06.2006
17.07.2007 5.331,30€ 2181 05.09.2008
17.07.2008 3.143,48€ 1983 26.08.2009
18.07.2003 727,94€ 1394 20.08.2003
310 18.07.2003 727,94€ 3329 30.12.2004
18.07.2005 727,94€ 1284 14.06.2006
18.07.2003 701,57€ 1394 20.08.2003
312 18.07.2003 731,57€ 1981 31.08.2004
18.07.2006 701,57€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 701,57€ 2815 29.11.2007
18.07.2003 718,41€ 1394 20.08.2003
314 18.07.2003 718,41€ 1981 31.08.2004
18.07.2006 718,41€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 718,41€ 2816 29.11.2007
18.07.2003 932,19€ 1395 20.08.2003
316 18.07.2003 932,19€ 3329 30.12.2004
18.07.2005 932,19€ 1284 14.06.2006
18.07.2008 4.501,12€ 1984 26-08-2009
18-07.2003 707,28€ 2257 16-12-2003
318 18-07.2003 707,28€ 1981 31.08.2004
18.07.2006 707,28€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 707,28€ 2816 29.11.2007
18.07.2003 603,86€ 2257 16.12.2003
320 18.07.2003 603,86€ 2830 30.11.2004
18.07.2006 603,86€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 603,86€ 2816 29.11.2007
18.07.2003 912,91€ 2257 16.12.2003
322 18.07.2003 912,91€ 2830 30.11.2004
18.07.2005 912,91€ 1284 14.06.2006
13.09.2007 912,91€ 2180 05.09.2008
18.07.2008 1.162,67€ 1983 26.08.2009
18.07.2003 1.346,60€ 2257 16.12.2003
324 18.07.2003 1.346,60€ 2830 30.11.2004
18.07.2006 1.346,60€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 1.346,60€ 1799 20.07.2007
18.07.2008 3.100,73€ 1983 26.08.2009
18.07.2003 1.085,54€ 2257 16.12.2003
326 18.07.2003 1.085,54€ 2830 30.11.2004
18.07.2005 1.085,54€ 1284 14.06.2006
18.07.2007 1.085,54€ 2181 05.09.2008
18.07.2003 936,86€ 2257 16.12.2003
327 18.07.2003 936,86€ 2830 30.11.2004
18.07.2006 936,86€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 936,86€ 2816 29.11.2007
18.07.2003 1.159,88€ 2257 16.12.2003
18.07.2003 1.159,88€ 2830 30.11.2004
329 26.08.2005 1.159,88€ 2190 26.08.2005
18.07.2005 1.159,88€ 1284 14.06.2006
18.09.2007 1.159,88€ 2181 05.09.2008
18.07.2008 4.908,83€ 1984 26.08.2009
18.07.2003 13.789,15€ 1180 23.07.2003
18.07.2003 13.789,15€ 1981 31.08.2004
331 18.07.2005 13.789,15€ 2797 10.11.2005
18.07.2006 13.789,15€ 2964 07.12.2006
18.07.2006 13.989,15€ 2815 29.11.2007
20.07.2003 12.292,86€ 1180 23.07.2003
20.07.2003 12.292,86€ 2830 30.11.2004
332 20.07.2005 12.292,86€ 2005 04.08.2005
20.07.2005 12.292,86€ 1284 14.06.2006
13.09.2007 12.292,86€ 2180 05.09.2008
20.07.2008 4.974,98€ 1984 26.08.2009
20.07.2003 1.792,00€ 2258 16.12.2003
20.07.2003 1.792,00€ 3329 30.12.2004
333 20.07.2005 1.792,00€ 2797 10.11.2005
20.07.2006 1.792,00€ 2617 31.10.2006
20.07.2006 1.792,00€ 1799 20.07.2007
20.07.2008 1.792,00€ 1985 26.08.2009
28.02.2005 1.188,47€ 1077 10.05.2005
681 28.02.2006 1.188,47€ 2964 07.12.2006
28.02.2006 1.188,47€ 1799 20.07.2007
28.02.2008 1.346,60€ 1983 26.08.2009
28.02.2005 1.109,85€ 1077 10.05.2005
682 28.02.2005 1.109,85€ 1514 05.07.2006
28.02.2007 1.109,85€ 564 16.03.2007
28.02.2005 1.263,61€ 1077 10.05.2005
683 28.02.2005 1.263,61€ 1514 05.07.2006
28.02.2007 1.263,61€ 564 16.03.2007
28.02.2005 1.227,80€ 1077 10.05.2005
689 28.02.2005 1.227,80€ 1514 05.07.2006
28.02.2007 1.227,80€ 564 16.03.2007
28.02.2005 1.289,90€ 1077 10.05.2005
691 28.02.2005 1.289,90€ 1514 05.07.2006
28.02.2007 1.289,90€ 564 16.03.2007
28.02.2005 957,39€ 1076 10.05.2005
699 27.02.2006 957,39€ 2964 07.12.2006
28.02.2006 957,39€ 2816 29.11.2007
20.09.2005 17.396,00€ 2882 22.11.2005
784 20.09.2006 17.396,00€ 2617 31.10.2006
20.09.2006 17.396,00€ 1799 20.07.2007
03.12.2007 17.396,40€ 510 11.03.2009
20.09.2005 231,00€ 2882 22.11.2005
785 20.09.2006 231,00€ 2617 31.10.2006
20.09.2006 231,00€ 1799 20.07.2007
20.09.2008 231,00€ 1985 26.08.2009
925 31.08.2006 20.208,32€ 2495 19.10.2006
31.08.2006 20.208,32€ 564 16.03.2007
07.09.2002 3.649,90€ 2256 16.12.2003
01.09.2002 3.649,90€ 1982 31.08.2004
1171 01.09.2004 3.649,90€ 2191 26.08.2005
11.07.2006 3.649,90€ 2965 07.12.2006
07.09.2006 3.649,90€ 1800 20.07.2007
1578 31.08.2005 5.410,00€ 2883 20.12.2005
31.08.2006 5.410,00€ 2618 31.10.2006

35. Assim, aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro que lhe permitia ter acesso e controlo sobre o destino destas quantias monetárias, o Arguido apropriou-se de, pelo menos, € 305.545,71 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), tendo integrado esse montante no seu património.

36. Acresce que, em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2009, o Arguido solicitou a CF, gerente do “Minimercado - …, Lda.”, que procedesse à troca de um cheque, por valor igual em numerário, justificando tal pedido com o facto de ser necessário proceder ao acerto de algumas facturas.

37. Desta feita, o cheque seria depositado na conta bancária do fornecedor, após o que a correspondente quantia em numerário deveria ser entregue, de forma faseada, ao Arguido.

38. Sob esse pretexto, o Arguido entregou a CF o cheque nº 8960772320, datado de 26.10.2009, no valor de € 27.199,23, sobre a conta bancária nº ------, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo Município de M, emitido à ordem do fornecedor “Minimercado - …, Lda.”.

39. Tal cheque foi depositado, em 27.10.2009, na conta bancária nº ----, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, agência de M, titulada pela referida sociedade.

40. Tendo sido a quantia por ele titulada entregue em numerário e de forma faseada ao Arguido, ao longo de 6 meses.

41. Deste modo, o Arguido apropriou-se do valor titulado por este cheque, mais uma vez aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro e das suas funções que lhe permitiam ter acesso e controlo sobre o destino de tal quantia monetária, a qual integrou no seu património.

42. Assim, o Arguido apropriou-se de quantias monetárias no total de, pelo menos, € 332.744,94 (trezentos e trinta e dois mil, setecentos e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) pertencentes ao Município de M.

43. Ao actuar do modo descrito, o Arguido fê-lo com o propósito, que concretizou, de ilegitimamente se apoderar das quantias monetárias pertencentes ao Município de M, que lhe eram acessíveis e lhe foram entregues em razão das suas funções de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro.

44. O Arguido pretendeu obter para si benefício económico, que alcançou, a que sabia não ter direito, tendo logrado causar um empobrecimento injustificado do Município de M.

45. Bem sabia o Arguido que aquele dinheiro pertencia ao Município de M, que não o podia fazer seu e que a tanto se opunha o seu legítimo detentor, e, não obstante, quis fazê-lo seu, conforme fez, sabendo perfeitamente que actuava contra a vontade do Estado.

46. Agiu, ainda, o Arguido, na sua qualidade de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro, no exercício das suas funções, com o propósito de executar e encobrir tais apropriações, alterando a documentação que serviu de base a tais pagamentos, bem sabendo que os factos constantes não correspondiam à verdade e que, assim, atentava contra a verdade intrínseca daqueles, em detrimento da sua segurança e credibilidade no tráfico jurídico.

47. Acontece que as condutas do Arguido foram, algumas delas, executadas num espaço de tempo muito próximo, repetindo ele essas condutas porque as mesmas lhe estavam facilitadas em resultado da sua condição, das funções que exercia e da ausência de um controlo eficaz da sua actuação por parte dos órgãos competentes do município de M.

48. Essa circunstância criou no Arguido o convencimento da ausência de punição da sua actuação e suportou e animou a sua decisão de repetir as condutas anteriormente efectuadas.

49. O Arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Da Contestação
50. Nos anos de 2003 a 2009, por força das catástrofes que se abateram sobre o concelho de M, nomeadamente incêndios dos verões de 2003 e 2004 e fortes chuvas de 2005 e 2006, foram levadas a cabo pelo Município obras por administração directa.

51. Na realização de tais obras, foi utilizada alguma mão-de-obra de funcionários sem respeito por horários de trabalho, períodos de descanso ou períodos de férias.

Mais se apurou que

52. No período a que se reportam os factos em causa neste processo A. coabitava com as irmãs desde 2003, após separação do cônjuge, situação que se mantém. O grupo familiar reside no piso superior de um imóvel propriedade das irmãs do Arguido. Laboralmente, encontrava-se aposentado da função pública desde 2003 e exercia funções como vereador, sem pelouro atribuído, na autarquia de M onde permaneceu até 2009. Ocupava os tempos livres em convívios com familiares e amigos, envolvendo-se igualmente em associações locais de carácter desportivo.

53. Natural de M, A. cresceu inserido num ambiente familiar descrito como equilibrado e afectuoso, com prevalência de uma base de disciplina e de cumprimento de regras. O grupo familiar dispunha de condições sócio-económicas bastante satisfatórias, reportadas a rendimentos provenientes de rendas e da actividade comercial do progenitor - como representante da marca Singer e dos jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (totoloto, totobola, etc.). Na actualidade, é o filho do Arguido quem assegura a continuidade daquela última actividade.

54. O Arguido estudou na década de 70, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), no curso de electrotecnia e máquinas: não concluiu esta formação alegadamente devido ao contexto político conturbado dessa época. Regressou para junto da família, dando início em 1976, actividade laboral como professor num colégio particular, transitou posteriormente para o ensino oficial: 2º e 3º ciclo do EB. Chegou a pertencer ao conselho directivo de escolas, leccionando em simultâneo.

55. Casou em 1979, matrimónio que durou cerca de 25 anos, com divórcio oficializado em 2011. Tem dois filhos deste relacionamento: um rapaz com mais de 35 anos, já autonomizado e com agregado familiar constituído, e uma rapariga com mais de 28 anos, a residir com a mãe. Conservou a proximidade e os convívios regulares com os descendentes uma vez que residiam na mesma localidade. A coesão e suporte intrafamiliares foram preservados. Exemplo disso é o apoio que o Arguido presta ocasionalmente na actividade comercial do filho, encontrando-se a filha, estagiária de advocacia a trabalhar com a tia na mesma profissão.

56. Em meio residencial, A. é reconhecido como um indivíduo envolvido socialmente nas questões da comunidade local, empenhado em agilizar e resolver problemas que lhe sejam reportados em áreas no âmbito escolar, desportivo e como interventor social. Fez parte da direcção do Juventude Desportiva M. e foi monitor de andebol do Instituto do Desporto.

57. No âmbito da acção política, inicialmente como independente e depois inserido no partido socialista, pertenceu à Assembleia Municipal desde 1983. Foi, posteriormente, vereador na CM de M desde 1989, viria a exercer o cargo de vereador no pelouro administrativo e financeiro. As suas funções chegaram a ser a tempo inteiro. Nos últimos anos de actividade autárquica, esteve na oposição e sem um pelouro atribuído.

58. O envolvimento com o sistema judicial surge como uma ocorrência isolada no percurso vivencial do sujeito, circunscrito ao seu cargo como edil na Câmara Municipal de M. A, reconhecendo em abstracto a ilicitude dos factos em causa neste processo, revela igualmente capacidade de autocrítica sobre as avaliações que basearam as suas tomadas de decisões.

59. Foram perceptíveis reacções no meio de alguma perplexidade e crítica, tendo por base um conhecimento generalizado da existência deste processo pela via dos órgãos de comunicação social, para além dos elementos ligados à gestão autárquica.

60. Actualmente A. deixou de ter uma acção socialmente interventiva, ocupando-se de tarefas em contexto familiar.

61. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.
*
B. Factos Não Provados

Não se provou que:
a) Nas circunstâncias em causa, cabia ainda ao Arguido as funções de chefe da divisão de contabilidade.

b) As importâncias sacadas pelo Arguido foram usadas para satisfazer pagamentos de trabalho extraordinário e de trabalho realizado em períodos de gozo de férias por funcionários do Município, entre os anos de 2003 e 2009.

c) Todos os montantes creditados nas contas bancárias nºs 40008392137 e 40168666675, ambas da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de M provieram de depósito de valores, transferências, vencimentos, levantamentos das contas de cartões de crédito e empréstimos, além da contribuição mensal da irmã G., de 1.000,00 € por mês, muitas vezes de quantia superior.

d) Também foram creditados naquelas contas valores provenientes dos resultados da sociedade comercial por quotas, Irmãos M., Lda. com a matrícula 505 597 2581, de que era o Arguido sócio com as suas irmãs e gerente, num total de € 65.968,74.
*
C. Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal quanto aos factos que considerou provados baseou-se na análise crítica e comparativa, segundo juízos de experiência, da prova produzida.

Assim, o Arguido, admitindo a sua actuação descrita na acusação deduzida e confirmada pelo despacho de pronúncia, alega que não se apropriou dos montantes em causa, utilizando-os, ao invés, no pagamento de trabalho extraordinário que excedeu as horas extraordinárias legais, bem como o trabalho realizado em períodos de gozo de férias por funcionários do Município de M entre os anos de 2003 e 2009. Mais alega que os valores que deram entrada nas contas dos quais é titular, tinham proveniência legítima.

Com efeito, o Arguido reconhece, entre o mais, as alterações levadas a cabo nas facturas, as autorizações de pagamento, os levantamentos por cheque assinado por si. Esclarece também que nunca foi funcionário da Câmara Municipal de M, não tendo exercido as funções de chefe da divisão de contabilidade (facto não provado a)).

Ora, a testemunha R. (actual Presidente da Câmara Municipal), embora não tenha conhecimento directo dos factos, explica que desconhece a existência de prestação de trabalho em horas extraordinárias que excedessem as horas extras permitidas por lei, desconhecendo igualmente trabalho em férias. Mais esclarece que, quando iniciou funções como Presidente da Câmara havia empreitadas elevadas a pagar (e, portanto, obras que foram realizadas por via de concurso), o que afasta, em grande parte, a necessidade de trabalho por parte dos funcionários do Município de tal forma exaustivo que justificasse o pagamento da quantia em causa, valor esse que, como refere, daria para pagar salários durante muitos anos.

JM, amigo do Arguido e Adjunto do Presidente da Câmara, atesta que, tendo trabalhado horas extraordinárias, as mesmas foram-lhe pagas juntamente com o seu salário, constando tal pagamento da folha de vencimento. Mais refere que, na sequência dos incêndios, grande parte das obras necessárias foram realizadas por empreitada e não por administração directa.

N (Assistente técnica de contabilidade), MG (Tesoureira), RS (Assistente técnico de contabilidade), funcionários da Câmara Municipal de M há vários anos e AA (Vereadora), nunca ouviram falar de quaisquer pagamentos de horas extraordinárias “por fora”.
Designadamente:

N. confirma a entrega de dinheiro em numerário ao Arguido para pagamentos de facturas.

MG relata igualmente como lhe foi pedido pelo Arguido que lhe fizesse a entrega de quantias em numerário para pagamento de determinadas facturas. Tal procedimento não era usual, já que apenas os pagamentos de quantias menores (até cerca de € 100,00) é que eram realizados em numerário. Mais descreve o procedimento adoptado relativamente à ordem de pagamento que lhe era dada pelo Arguido e como se apercebeu de algumas facturas rasuradas. Embora a atitude desta testemunha possa ser censurável na medida em que, estranhando tal procedimento, nada fez contra, tal não afasta a conduta do Arguido, reconhecida aliás, pelo próprio. É ainda certo que os funcionários do Município não contestavam tais acções do Arguido por receio, atendendo ao cargo por si desempenhado

Nenhuma das referidas testemunhas tem conhecimento do destino das quantias desviadas.

ML (Empregada de limpeza) conta-nos que procedia ao levantamento dos cheques e entregava o respectivo numerário à tesoureira da Câmara.

Já AA detectou o pagamento duplicado de facturas e tem a informação de que as horas extraordinárias prestadas pelos trabalhadores eram sempre lançadas no recibo de vencimento.

Aliás e ao contrário do alegado pelo Arguido, dos documentos juntos pelo Assistente no dia 01.04.2016, resulta que as horas extras de trabalho não atingiram o limite legal, pelo que não haveria necessidade dos referidos “pagamentos por fora”.

A testemunha P, inspectora da Polícia Judiciária, confirma a perícia por si realizada, bem como algumas diligências levadas a cabo, como seja a inquirição de funcionários, donde apenas um ou dois referiram ter abdicado das férias.

Por seu turno, CL, gerente do «Minimercado – …, Lda.», esclarece que, tendo fornecido bens alimentares e pão ao Município de M a quem entregava as respectivas facturas, nunca recebeu pagamentos em numerários, mas sim em cheque. Mais: arredando a versão do Arguido nesta parte, é peremptório a afirmar que aquele pediu-lhe para trocar um cheque, cujo valor entregou-lhe em prestações a pedido do mesmo, sendo certo que acedeu considerando a sua posição na Câmara Municipal.

Note-se ainda que este pedido é feito pelo Arguido em Outubro de 2009 quando o mesmo acabou o seu mandato logo no mês seguinte.

Ora, da conjugação de tais declarações com os depoimentos das testemunhas, com a análise pericial aos movimentos com os fornecedores «Minimercado – …, Lda.» e “J… Panificação» (a fls. 459 e ss.), o cheque de fls. 263 e comprovativo de depósito a fls. 79, do Apenso D, não tem este Tribunal quaisquer dúvidas quanto aos factos que se dão como provados em 1. a 17. a 34. e 36. a 40.

No que se refere à motivação que norteou as condutas do Arguido, temos como assente, como acima já analisado, que os valores do Município de M saíram do poder deste e entraram na posse daquele.

Alega, no entanto, o Arguido que tal dinheiro foi utilizado para satisfazer pagamentos de horas extraordinárias para além do legalmente permitido e de trabalho realizado em períodos de gozo de férias por funcionários do Município entre 2003 e 2009.

Ora, de um universo de cerca de 200 a 250 funcionários do Município, apenas seis vêm declarar em Tribunal terem recebido pagamentos “por fora” (em envelopes) (factos provados 50. e 51.).

A este respeito:

V. refere ter recebido do Arguido, desse modo, um total de cerca de € 3.000,00. Esta mesma testemunha atesta terem tido lugar procedimentos concursais para obras de reparação, o que confirma que as obras necessárias também foram levadas a cabo através de empreitadas, caso em que fica excluída a necessidade de prestações de serviço em horas extraordinárias por parte dos funcionários da Câmara Municipal.

G. (Encarregado Geral Operacional) refere ter trabalhado parte das suas férias, tendo ideia de que o mesmo terá acontecido com mais de 15 funcionários que receberiam compensação mais ou menos equivalente aos respectivos salários. Mais afirma que recebeu, nos anos em que fez este trabalho extraordinário, cerca de € 800,00/€ 900,00.

D. (Assistente operacional) afirma ter trabalhado no seu período de férias, o que ocorreu uma vez, tendo recebido valor que não sabe precisar mas que não chegou aos € 1.000,00.

MD (Assistente operacional) também relata ter trabalhado uma vez nas férias, recebendo, em troca, valor aproximado ao seu salário, isto é, pouco mais de € 400,00.

PS (Fiscal Municipal) diz ter realizado algum serviço fora do horário de trabalho e nalguns dias de férias, por um ou dois anos, recebendo, por isso, compensação inferior ao seu salário que é de cerca de € 600,00.

JA (Manobrador de máquinas) declara também ter trabalhado nas férias, recebendo compensação conforme o ordenado que não especifica.

JM (Engenheiro Civil, funcionário da Câmara Municipal de M), limita-se a confirmar a realização de obras por administração directa para reparação da rede viária, bem como de trabalho extraordinário em período de férias pessoais. No entanto e quanto aos trabalhadores que o faziam, refere apenas os dois manobradores das máquinas pesadas e o pessoal da pavimentação das estradas. No que toca ao pagamento desse trabalho extra, esta testemunha nada sabe para além do que lhe era dito pelo Encarregado G.

Ou seja, mesmo que se arredonde para cima os valores entregues aos trabalhadores “por fora” e mesmo que se admitisse que tal procedimento poderia ter ocorrido com outros funcionários (cerca de 15 como referido por G), ainda assim os valores ficam muito aquém do valor global desviado pelo Arguido da conta do Município.

De qualquer maneira, as referidas testemunhas foram genéricas nos seus depoimentos, não permitindo alcançar a conclusão minimamente segura de que todos os referidos valores foram utilizados pelo Arguido no pagamento aos funcionários do Município.

Veja-se ainda que, por muitas catástrofes que tenham assolado o Município de M (quer incêndios, quer chuvas como declarado pelo Arguido), as mesmas não justificam obras por administração directa de tal monta (necessitando a prestação de trabalho extraordinário além do permitido por lei), atendendo, inclusivamente, a que também foram levadas a cabo obras por empreitada.

Fica, deste modo, arredado o que se procurava demonstrar com os documentos juntos pela Defesa no dia 30.03.2016.

De referir que a testemunha G. afirma ainda que, por vezes, os envelopes com estes pagamentos (para si e para os outros funcionários) eram entregues pelo próprio Presidente da Câmara. JA também refere ter recebido estes pagamentos do Presidente da Câmara e nunca do Arguido nem do Encarregado, G.

Ora, tendo o Arguido excluído qualquer participação/conhecimento do então Presidente da Câmara na sua actuação, apenas se pode concluir que os valores entregues por este não vieram dos montantes desviados pelo Arguido.

A incoerência é tal que o próprio Arguido refere que não tinha sequer uma lista dos funcionários a quem fazia estes pagamentos. Não podemos, pois, deixar de nos perguntar como é que alguém desvia, admitidamente, mais de € 300.000,00 para fazer pagamentos de horas de trabalho extraordinárias e não tem sequer um apontamento a esse respeito.

Fica também por compreender, segundo a versão apresentada por este, o pagamento faseado a partir de Outubro de 2009, do valor de € 27.199,23 titulado pelo cheque referido em 36. a 40..

As suas declarações carecem de qualquer credibilidade também na parte em que afirma que o pagamento faseado foi-lhe proposto pelo fornecedor que recebeu o último cheque, já que, como acima mencionado, a testemunha CF afirma o contrário, isto é, que foi o próprio Arguido que lhe solicitou tal pagamento faseado.

Também não se compreende como é que o pagamento faseado do valor titulado pelo referido cheque permitia ao Arguido proceder ao pagamento dos valores devidos aos trabalhadores da Câmara Municipal pelo trabalho extraordinário e que excedia as horas extras permitidas por lei.

Do mesmo modo, tendo o Arguido terminado o seu mandato em Novembro de 2009, fica por explicar como é que em Outubro de 2009, começa a receber o valor de € 27.199,23 em 6 prestações mensais, recebendo, pois, já após a sua saída.

É, igualmente, desprovido de qualquer sentido que a pessoa que recebeu o cheque em causa, tenha o depositado em 27.10.2009 (e, portanto, nesta data, recebeu integralmente o respectivo valor) e, no entanto, pretendesse entregar o dinheiro faseadamente e o Arguido se limitasse a aceitar.

Acresce a tudo isto, os diversos depósitos em numerário nas contas bancárias do Arguido e da sua ex-mulher, MI, no montante apurado e não declarado em sede de IRS de € 373.371,43 (vide fls. 425 a 443).

A este respeito, resulta do Relatório Pericial de fls. 454 e ss., o seguinte:

«Quanto às entidades pagadoras, verifica-se que A. auferiu, no período em análise, rendimentos de trabalho dependente provenientes do MUNICÍPIO DE M (NIF: ….) e pensões da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (NIF: 500792968).

No ano de 2007, recebeu ainda, embora de valor diminuto (264,18€), rendimentos de trabalho dependente provenientes de REGIÃO DE TURISMO DO ALGARVE (NIF: ---).

O seu cônjuge, MI, recebeu, no período em apreço, rendimentos de trabalho dependente de CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO ALGARVE (NIF: 503437131) e, no ano de 2008, rendimentos de trabalho independente pagos por N… SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES, Lda. (NIF: ----).

Examinadas as contas bancárias consideradas para a análise, constatou-se que os vencimentos de A. foram creditados na conta bancária CGD nº --- sob os descritivos “CMMVENC”, “MM….”, “SBFER CM…”, “SUB NATAL”, “SUB. FER.”, “SUBF. CM…”, VENC”, “VENC CM..” e “VENCTO”. As pensões foram, a partir de agosto de 2003, igualmente creditadas nesta conta bancária sob os descritos “CGA PENS” e “CGA CRÉDITO DE PENS”.

Comparando o total destas entradas com os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS, por A., resulta o seguinte Quadro:

Quadro 11.1.
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total Rend. Líquidos declarados por A. 45.709,76€ 55.584,19€ 53.819,83€ 42.894,52€ 41.945,99€ 41.134,69€ 43.451,81€
Créditos Conta Bancária CGD nº ---- 46.120,14€ 53.023,88€ 51.252,94€ 40.494,23€ 38.824,63€ 39.190,89€ 44.877,78€
Diferença… -410,38€ 2.560,31€ 2.566,89€ 2.400,29€ 3.121,36€ 1.934,80€ -1.425,97€

Como se pode observar, os valores creditados sob os descritivos acima identificados são muito próximos dos montantes líquidos de rendimentos declarados. Aliás, verificou-se que, nos anos de 2004 a 2008, tais entradas são mesmo inferiores a esses montantes líquidos declarados em sede de IRS.

Os rendimentos de MI, foram creditados na conta bancária CCAM nº ------- sob os descritivos “ORDENADOS”, “PAG. ORDENADO” e “PAG. ORDEN.” e conforme se pode constatar no Quadro, que se segue, ultrapassam os rendimentos líquidos declarados em sede fiscal de IRS, muito possivelmente devido aos rendimentos não sujeitos/isentos de IRS não considerados nesta análise.

Quadro 11.2.
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total Rend. Líquidos declarados por MI 13.903,19€ 14.628,24€ 14.647,80€ 14.969,03€ 15.587,91€ 18.642,10€ 16.381,94€
Créditos Conta Bancária CGD nº ---- 15.586,91€ 15.566,44€ 16.439,58€ 16.480,02€ 17.484,55€ 20.842,43€ 17.642,49€
Diferença… -1.683,72€ -938,20€-1.791,78€-1.510,99€-1.896,64€ -2.200,33€ -1.260,55€

Em face do exposto, expurgadas as entradas correspondentes aos rendimentos auferidos por A. e MI, pode afirmar-se que os outros créditos registados nas contas bancárias analisadas terão outra origem que não os respetivos vencimentos declarados em sede fiscal de IRS por este casal.

Assim sendo, analisadas essas entradas, apurou-se o seguinte:

 Considera-se pertinente referir, antes de mais, que se entendeu adequado excluir da análise subsequente, as transferências bancárias, os depósitos de valores que contenham cheques (aqueles cujo descritivo seja “DEP. VALORES”, “ENTREGA VALORES” ou “DEP. NUM. E VALORES”) e os depósitos cuja natureza não foi possível determinar pelo descritivo inserto nos extratos bancários (p.e. “DEP”, “DEP C/DOC” e “DEPÓSITO”), uma vez que os cheques da CM… que terão servido para proceder ao pagamento das faturas do Minimercado …, Lda. e de J… – PANIFICAÇÃO terão, maioritariamente, sido previamente levantados em numerário.

 Com efeito, considerando apenas os créditos bancários registados sob os descritivos “DEP.NUMERÁRIO” ou “BALCÃO24 Dp NOTAS”, obtêm-se os montantes anuais apresentados no Quadro abaixo.

De salientar que, foram excluídos desta análise os movimentos de entrada em numerário que, por terem ocorrido em dias coincidentes e pelo mesmo valor, se admitiu terem tido origem em levantamentos de numerário das contas bancárias definidas para exame (movimentos a débito cujo descritivo seja “ORD. LEVANTAMENTO”, “LEV”, “LEVATM” ou “LEVANTAMENTO”).

Quadro 12
ANO CCAM nº --------- CCAM nº ------------- TOTAL
2003 24.582,00€ 17.544,77€ 42.126,77€
2004 32.720,00€ 13.391,00€ 46.111,00€
2005 38.676,95€ 10.115,00€ 48.791,95€
2006 59.023,00€ 2.315,00€ 61.338,00
2007 58.975,22€ 1.506,54€ 60.481,76€
2008 43.956,95€ 3.515,00€ 47.471,95€
2009 62.631,00€ 4.419,00€ 67.050,00€
TOTAL320.565,12€ 52.806,31€ 373.371,43€

Conclui-se, do exposto acima, que, para além dos rendimentos declarados em sede fiscal de IRS estes dois contribuintes dispuseram, no período em análise, de mais 373.371,43€ em depósitos de numerário.»

Daqui importa salientar, designadamente, que, no apuramento dos valores entrados nas contas tituladas pelo Arguido e de proveniência “não justificada”, foram devidamente excluídas as entradas correspondentes aos rendimentos auferidos por aquele e pela sua ex-mulher, bem como as transferências bancárias, os depósitos de valores que contenham cheques e os depósitos cuja natureza não foi possível determinar pelo descritivo inserto nos extractos bancários e ainda os movimentos de entrada em numerário que, por terem ocorrido em dias coincidentes e pelo mesmo valor, se admitiu terem tido origem em levantamentos de numerário das contas bancárias definidas para exame.

Ainda assim, apurou-se o valor total de € 373.371,43 entrados em apenas duas das contas bancárias tituladas pelo Arguido.

No que se refere à alegada proveniência de parte dos depósitos bancários de levantamentos de numerário efectuados através de cartões de crédito de que é titular, foi realizada Perícia Complementar cujo relatório de encontra junto a fls. 937 a 939 dos autos, donde se verifica que:

«(…) o total de levantamentos em numerário (60.950,00€), efectuados através dos cartões de crédito (…) fica muito aquém do total de depósitos de numerário (373.371,43€) realizados, no período em apreço, nas contas bancárias de depósitos à ordem de que são titulares.

Admitindo a possibilidade destes levantamentos de numerário poderem corresponder a alguns dos depósitos de numerário efectuados nas contas bancárias de depósitos à ordem tituladas por A e MI, desenvolveram-se análises que permitiram identificar depósitos de numerário no total de apenas 3.730,00€ que ocorreram na mesma data ou em datas próximas sequentes, e pelo mesmo valor, com levantamentos em numerário das diversas contas dos cartões de créditos em análise, não tendo sido identificados depósitos que possam corresponder ao valor restante dos levantamentos com cartões de crédito (57.220,00€ = 60.950,00€ - 3.730,00€).»

Aí se conclui que o Arguido e MI dispuseram, no período compreendido entre 2003 e 2009, para além dos rendimentos declarados em sede fiscal de IRS, de mais € 369.641,43 (€ 373.371,43 - € 3.730,00).

Não pode, por outro lado, deixar de causar estranheza a versão aventada pela Defesa (24. e 25. Da Contestação) de que, pertencendo a sociedade por quotas, Irmãos M…, Lda. ao Arguido e suas duas irmãs, de 2002 a 2009, todos os lucros daquela (não distribuídos) ficassem apenas para o Arguido.

De todo o modo, não resulta, por qualquer forma, nem dos documentos nºs 8 a 13 do Apenso G, nem sequer dos depoimentos das testemunhas de Defesa MG e VG, que os depósitos realizados nas contas em apreço provêm dos referidos lucros não distribuídos.

VG, TOC que faz a contabilidade da mencionada empresa, limita-se a confirmar os lucros não distribuídos da mesma, não podendo, contudo, afirmar se os mesmos foram ou não utilizados, mas apenas que, contabilisticamente, tal valor existe.

Já a testemunha MG, irmã do Arguido, refere que ajuda o seu irmão, entregando-lhe cerca de € 1.000,00 por mês (entregas essas confirmadas pela testemunha ML) e pagando as despesas relativas aos seus dois sobrinhos. MG faz ainda questão de explicar que essas entregas eram feitas em dinheiro porque se tratavam de valores que tinha no seu escritório e que correspondiam a pagamentos feitos pelos seus clientes. Mais afirma a utilização de cerca de € 65.000,00 dos lucros do negócio de família, exclusivamente pelo Arguido, procurando, desta forma, justificar os depósitos realizados nas contas bancárias tituladas pelo mesmo e acima referidas.

Quanto a isto, impõe-se-nos questionar se, sendo tais “ajudas” regulares e sendo a sua cunhada funcionária bancária, porque razão não o fazia por transferências bancárias?

Igual estranheza causa que o Arguido disponha totalmente para si de todo o rendimento da dita sociedade (no valor de € 65.968,74) e que, para além do seu vencimento (de acordo com as suas declarações, recebia € 2.000,00 mensais em 2003; após a sua reforma, cerca de € 2.500,00 e, em 2005, um total de cerca de € 3.000,00) ainda necessite da contribuição da sua irmã (testemunha de Defesa, Dra. G), no valor de € 1.000,00 mensais, para além do pagamento das despesas com quarto, propinas e das actividades extracurriculares dos seus filhos por parte desta.

De notar ainda que a ex-mulher do Arguido, para além do seu salário como funcionária bancária, ainda fazia vendas particulares de diversos produtos (Herbalife, tachos, panelas e produtos de beleza, como declarado por MG e MI), pelo que teria igualmente rendimentos para fazer face a, pelo menos parte, das despesas dos filhos de ambos e da habitação adquirida pelo casal.

A alegada circunstância de nem o Arguido nem os seus familiares apresentarem sinais de riqueza (37. a 40. da Contestação) também não abala a convicção deste Tribunal quanto à apropriação por parte do mesmo dos valores vertidos na acusação, já que, independentemente dos motivos por que o tenha feito e/ou o destino que lhes tenha dado, tal não arreda a sua prática.

Quanto à “testemunha” apresentada pela Defesa, JG, a mesma nada sabe sobre os factos e tendo pouca ou nenhuma ligação com o Arguido, limita-se a emitir uma opinião quanto aos depósitos efectuados nas contas bancárias em apreço, pelo que o seu depoimento não teve qualquer relevância para os esclarecimentos dos factos (tanto mais, que existe uma Perícia e Perícia Complementar nos autos sobre a mesma questão).

Não procede, pois, a versão da Defesa e que se dá como não provados em b), c) e d).

De resto, as testemunhas de Defesa IS, JF e AS, não tendo conhecimento directo sobre os factos em causa, limitam-se a afirmar a sua opinião sobre o carácter que lhes é dado a conhecer pelo Arguido, convicção essa errónea face à actuação reconhecida pelo próprio (desvios de dinheiro da Câmara Municipal e falsificações de documentos).

Resta-nos, pois, a coincidência dos valores que o Arguido admite ter desviado da Câmara Municipal com os valores depositados nas contas por si tituladas e não declaradas em sede de IRS.

Desta forma, não subsistem quaisquer dúvidas a este Tribunal quanto aos factos dados como provados em 35. e 41. a 49..

Os factos relativos à situação pessoal do Arguido assentaram no Relatório Social realizado.

Consideraram-se ainda os demais documentos juntos aos autos, designadamente, certidão permanente de fls. 168/170, Auto de Busca e Apreensão de fls. 183/194, Relato de Diligência Externa de fls. 185, Declarações de rendimentos do Arguido e da sua ex-mulher, entre os anos de 2003 e 2009, informações e extractos bancários, bem como relativos a cartões de crédito, documentação contabilística de fls. 446 a 451, cheques referidos a fls. 177 e 236 a 246, o Relatório do Apenso A, ordens de pagamento e facturas do Apenso B, documentação do Apenso C e D, informações bancárias do Apenso E, mapas de férias do Apenso F e o Certificado de Registo Criminal do Arguido.

O Tribunal não considerou na matéria de facto provada e não provada o demais alegado, por conclusivo, irrelevante, de direito, meras considerações ou meramente instrumental (a este respeito, “o Tribunal não deve, por via de regra, emitir juízo de prova sobre os factos com interesse meramente instrumental, devendo, porém, tomá-los em consideração, se for caso disso, para o efeito da formação de sua convicção, relativamente aos factos com relevo para a decisão” – acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20.05.2014, disponível na Internet in www.dgsi.pt ).
*
D. Enquadramento Jurídico-Penal
D.1. Dos Crimes de Peculato

Vem o Arguido, desde logo, pronunciado pela prática de sete crimes de Peculato, na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 375º, nº 1, 386º, 30º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal.

Decorre do preceituado no nº 1 do artigo 375º, nº 1 do Código Penal (na versão em vigor à data da prática dos factos) que comete um crime de peculato “o funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções”.

A incriminação em análise encontra-se inserida no capítulo dos “Crimes cometidos no exercício de funções públicas”, visando tutelar, por um lado, bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios, e, por outro, a probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e imparcialidade da administração ou, por outras palavras, “a intangibilidade da legalidade material da administração pública” ( ).

O peculato é qualificado como um delito específico impróprio, já que a lei exige a intervenção de pessoas integradas num determinado e especifico “círculo”, ou seja, um funcionário.

Assim, pressuposto deste ilícito é, antes de mais, que a conduta seja praticada por um “funcionário público”, entendendo-se como tal, designadamente, o funcionário civil, o agente administrativo, os árbitros, jurados e peritos e quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntaria ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar (cfr. artigo 386º do Código Penal).

No entanto, apurou-se que o Arguido actuou da forma dada como provada, na qualidade de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro e não como chefe da divisão de contabilidade, conforme esclarecido pelo próprio.

Ora, rege a Lei nº 34/87, de 16 de Julho sobre os Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos, prevendo o artigo 1º que a mesma “determina os crimes da responsabilidade que titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos.”.

E “consideram‐se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres” – cfr. artigo 2º da referida Lei.

São, então, “cargos políticos” para os efeitos na Lei em questão:
- o de Presidente da República;
- o de Presidente da Assembleia da República;
- o de deputado à Assembleia da República;
- o de membro do Governo;
- o de deputado ao Parlamento Europeu;
- o de membro de órgão de governo próprio de região autónoma; e
- o de membro de órgão representativo de autarquia local.

A este respeito, escreve-se no Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 81/2007, de 9 de Outubro (in Diário da República – 2ª série, nº 196, de 09.10.2009, p. 40994), o seguinte:

“Serão, assim, titulares de cargos políticos aqueles a quem são constitucionalmente confiadas funções políticas e que, por isso, têm um estatuto constitucionalmente definido; aqueles que recebem directa ou indirectamente poderes ou competências com fundamento na Constituição. Serão sobretudo os que exercem efectivamente funções políticas. De acordo com este critério, serão titulares desses cargos, por exemplo, o Presidente da República, os membros do Governo e os membros dos órgãos do poder local, embora nem todos os titulares de cargos políticos sejam titulares de órgãos de soberania, o que sucede, designadamente, com os dos órgãos autárquicos.

A lei não define, em termos genéricos, o que sejam “cargos políticos”. Por isso, diversas leis avulsas referem -se aos titulares destes cargos, indicando expressamente os que como tal devem ser considerados para os efeitos de cada uma delas. Mas não encontramos em nenhum diploma legal uma enumeração exaustiva dos cargos que devem ser considerados «políticos».

Assim, a Lei n.º 4/85, de 9 de Abril (38), que regula o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, enumera no n.º 2 do artigo 1.º os titulares desses cargos, mas apenas para os seus efeitos.

Já a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril (39), relativa ao «controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos», estabelecia no artigo 4.º, n.º 1, alínea i), que eram titulares de cargos políticos para os efeitos da mesma lei, nomeadamente, o «presidente e vogal da câmara municipal». Entretanto, na nova redacção dada àquele artigo pela Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, são agora considerados “cargos políticos”, para efeitos daquela lei, «o presidente e vereador da câmara municipal».

Também a Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto (40), que define o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, determina na alínea f) do n.º 2 do artigo 1.º que são considerados titulares de cargos políticos, para os efeitos dela decorrentes, «o presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais»

A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (41), que «determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções…», enumera no seu artigo 3.º os cargos que devem ser considerados políticos para os efeitos da própria lei, onde se incluem, nomeadamente, alguns dos referidos na Lei n.º 52 -A/2005 e «o de membro de órgão representativo de autarquia local»
(…)
Estão, assim, previstos nesta lei os chamados «crimes de responsabilidade». E o artigo 2.º indica os que se consideram praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções:

Os como tais previstos expressamente na Lei n.º 34/87 (artigos 7.º a 27.º);

Os previstos na lei penal geral com referência expressa ao exercício de funções de titulares de cargos políticos;

Os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.

Aos crimes de responsabilidade podem ser apontadas, além doutras, as seguintes características comuns:

São crimes cometidos por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções;

Com eles são infringidos bens ou valores particularmente relevantes da ordem constitucional, cuja promoção e defesa constituem dever funcional dos titulares de cargos políticos, assim se justificando algumas derrogações ao regime geral previsto no Código Penal e no Código de Processo Penal;

Existe uma conexão entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade política, transformando -se a censura criminal numa censura política, que pode traduzir -se na perda de mandato. Aliás, na Revisão Constitucional de 1997 foi introduzida a parte final do n.º 3 do artigo 117.º no sentido de que a condenação por crimes de responsabilidade pode ter como consequência «a destituição do cargo ou a perda do mandato»

Os «crimes de responsabilidade» são, pois, os praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, infringindo bens ou valores particularmente relevantes na ordem constitucional, contrapondo--se assim aos «crimes comuns» que possam cometer fora do exercício das suas funções.

E naqueles incluem -se, naturalmente, os que se encontram expressamente tipificados na Lei n.º 34/87.

Mas consideram -se também praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções os crimes previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que se mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso de funções ou com violação dos inerentes deveres.

Certos crimes só podem ser cometidos por determinadas pessoas, na medida em que possuem uma determinada qualidade ou sobre elas recai um dever especial. São os chamados crimes específicos, como é o caso dos crimes de responsabilidade. Com efeito, é característica essencial destes apenas poderem ser praticados pelos titulares de cargos políticos no exercício das suas funções.

2 — No capítulo I da Lei n.º 34/87 (artigos 1.º a 6.º) Referem -se os «crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos em geral», aí se prevendo, nomeadamente, que são crimes de responsabilidade, além dos expressamente previstos no capítulo II («Dos crimes de responsabilidade de titulares de cargo político em especial»), os previstos na lei penal em geral com referência expressa ao exercício de cargos políticos ou ainda os que sejam praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.

No artigo 3.º enumeram-se os cargos que devem ser considerados “políticos” para efeitos dessa mesma lei, aí se incluindo (com interesse para este parecer) «o de membro de órgão representativo de autarquia local» (alínea i). Assim, em relação às autarquias, são considerados cargos políticos, embora somente para os seus efeitos, os membros dos seus órgãos representativos, ou seja, quanto aos municípios, os membros da assembleia municipal e da câmara municipal e, quanto à freguesia, os membros da assembleia de freguesia e da junta de freguesia.

O artigo 5.º prevê uma agravação especial da pena (em um quarto dos seus limites mínimo e máximo)

Relativamente aos crimes previstos na lei penal geral que tenham sido cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções e qualificados como crimes de responsabilidade nos termos desta lei. Trata -se de crimes que se encontram previstos na lei penal geral, podendo, por isso, ser cometidos por qualquer pessoa (independentemente da sua qualidade) (aplicando -se, nesse caso, a pena aí prevista) Mas que, no entanto, foram qualificados como crimes de responsabilidade pela Lei n.º 34/87 (são crimes comuns mas cuja responsabilidade é agravada quando cometidos por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções e qualificados como crimes de responsabilidade). Assim, se forem cometidos por um titular de cargo político no exercício das suas funções, a pena será agravada.

Se forem cometidos por um titular de cargo político, mas fora do exercício das suas funções, a pena não será agravada, pois o seu autor não cometeu o crime naquela qualidade. Por outro lado, procedeu -se à tipificação de vários «crimes de responsabilidade de titular de cargo político em especial» (artigos 7.º a 27.º).

Portanto, os crimes de responsabilidade praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções são os que, como tais, estão expressamente tipificados na Lei n.º 34/87 (artigos 7.º a 27.º), os previstos na lei penal geral (muito especialmente no Código Penal) Com referência expressa a esse exercício e, ainda, os que se mostre terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.

«A sua autonomização e a sua consideração como crimes qualificados explicam -se pelo relevo dos bens jurídicos que afectam (os bens jurídico-constitucionais em sentido estrito) E pelo especial dever de zelo a que se vinculam os titulares de cargos políticos e perante o interesse público e perante o povo, donde tiram a sua legitimidade»
(…)
Relativamente aos chamados «crimes cometidos no exercício de funções» (actualmente os artigos 372.º a 385.º do Código Penal) Sublinha Jorge de Figueiredo Dias que uma sua nota característica (ou mesmo essencial) «consiste, a par doutras circunstâncias, no facto de todos eles traduzirem sempre um “desvio” no exercício dos poderes conferidos pelo titular do cargo que, desse modo, em vez de usados na prossecução dos fins públicos a que se destinam, são deslocados para a satisfação de puros interesses privados do agente ou de terceiro(s). Quer dizer, mesmo quando visam a tutela de outros bens jurídicos específicos, todos os delitos compreendidos naquele capítulo do Código Penal integram cumulativamente a nota comum de significarem, também, uma utilização indevida das faculdades inerentes ao cargo para fins que, não só se encontram fora das respectivas atribuições legais, mas sobretudo assumem natureza particular ou privada». E esta doutrina é plenamente aplicável aos crimes de responsabilidade cometidos por titulares de cargos políticos.
(…)
O título VIII da CRP é dedicado ao poder local.

Estabelece o artigo 235.º:
«Artigo 235.º
Autarquias locais
1 - A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.

2 - As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas».

As autarquias locais são, pois, pessoas colectivas públicas de natureza associativa e base territorial, dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução dos interesses próprios dos residentes em circunscrições administrativas do território nacional (comunidades de pessoas residentes nas respectivas circunscrições territoriais), dispondo, para o efeito, de autonomia político -administrativa, juridicamente separadas da organização administrativa estatal.

Segundo o artigo 236.º, n.º 1, da CRP, «[n]o continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas». A verdade é que actualmente apenas os municípios e as freguesias são autarquias locais [a outra autarquia prevista (a região) Ainda não foi criada].

«A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável».

Trata -se, pois, de dois órgãos colegiais, tendo um poderes deliberativos e outro poderes executivos.

O artigo 244.º da CRP e o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 169/99 estabelecem que «os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia». E o n.º 1 do artigo 245.º da Constituição e o artigo 3.º daquela lei dispõem que a «assembleia de freguesia é o órgão deliberativo da freguesia». Por sua vez, os artigos 246.º da CRP e 23.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, referem que «a junta de freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia».

Tal como o Decreto -Lei n.º 100/84, de 29 de Março, também a actual LAL (Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro) Não nos dá uma noção de freguesia. Mas Freitas do Amaral define assim «freguesias»: «são as autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial».

Como dissemos, os órgãos representativos da freguesia são:
A Assembleia de Freguesia, que é o seu órgão deliberativo.
A Junta de Freguesia, que é o seu órgão executivo colegial.

A competência da assembleia de freguesia, cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo e secreto, segundo o sistema de representação proporcional, encontra -se definida no artigo 17.º da Lei n.º 169/99 e a do seu Presidente no artigo 19.º

A Junta de Freguesia é um órgão executivo (colegial) e é composta por um presidente (eleito nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 169/99) e por um certo número de vogais (artigo 24.º, n.º 2). As competências da junta de freguesia podem ser próprias ou delegadas (artigo 33.º da Lei n.º 169/99). As competências próprias vêm elencadas no artigo 34.º desta lei. E do seu artigo 35.º constam as que podem ser delegadas no seu presidente. As competências próprias do presidente constam do artigo 38.º Este é o órgão executivo das deliberações da junta de freguesia, pois a ele compete representá-la em juízo e fora dele [artigo 38.º, n.º 1, al. a)].

Como estabelece o artigo 250.º da CRP, «[o]s órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal», constando igual disposição do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 169/99.

Tal como sucede com a freguesia, o município é servido por órgãos colegiais. Mas o órgão não se confunde com o cargo, ou estatuto do seu titular, ou seja, o complexo de situações jurídicas de que a pessoa singular, titular de órgão, passa a ser detentor em virtude dessa titularidade.

«A assembleia municipal é o órgão deliberativo do município e é constituída por membros eleitos directamente em número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram», e «a câmara municipal é o órgão executivo colegial do município» (artigos 251.º e 252.º, respectivamente, da CRP). O órgão deliberativo do município é, pois, a assembleia municipal, sendo seu órgão executivo a câmara municipal, tal como o seu presidente, embora a lei não o diga, pelo menos expressamente.

A assembleia da freguesia é constituída por membros eleitos directamente em número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram. As suas competências constam do artigo 53.º da Lei n.º 169/99 e as do seu presidente do artigo 54.º, designadamente a de representar a assembleia municipal.

A câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice -presidente, e é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos eleitores residentes na sua área (artigo 56.º da Lei n.º 169/99. E o presidente é o primeiro candidato da lista mais votada ou, no caso da vacatura do cargo, o que se lhe seguir na respectiva lista, de acordo com o disposto no artigo 79.º (artigo 57.º, n.º 1, da mesma lei).

O presidente da câmara municipal, cujas competências vêm elencadas no artigo 68.º da Lei n.º 166/99, é coadjuvado pelos vereadores no exercício da sua competência e da própria câmara, podendo incumbi-los de tarefas específicas, podendo delegar ou subdelegar neles o exercício da sua competência própria ou delegada (artigo 69.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 166/99), e representa o município em juízo e fora dele, executando as deliberações da câmara municipal [artigo 68.º, n.º 1, alíneas a) e b)]. É, pois, um verdadeiro órgão do município.”.

No caso em apreço, provou-se que, aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro que lhe permitia ter acesso e controlo sobre o destino de determinadas quantias monetárias, o Arguido apropriou-se de, pelo menos, € 305.545,71 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), tendo integrado esse montante no seu património.

Mais resultou que o Arguido apropriou-se do valor titulado pelo cheque referido em 36. a 40., mais uma vez, aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro e das suas funções que lhe permitiam ter acesso e controlo sobre o destino de tal quantia monetária, a qual integrou no seu património.

Ora, tendo o Arguido actuado da forma descrita em 15. a 34. e 36. a 40. na qualidade de Vereador da Câmara Municipal de M, dúvidas não há de que actuou como titular de um cargo político e em flagrante desvio, abuso da função e com grave violação dos deveres inerentes a tal cargo, sendo-lhe, pois aplicável a lei em questão, ao invés do indicado artigo 375º do Código Penal.

Dispunha, então, o n º 1 do artigo 20º, da referida Lei nº 34/87, de 16 de Julho (na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 30/2015, de 22 de Abril, aplicável, por força do artigo 2º do Código Penal, sendo certo que aquelas não implicaram qualquer regime mais favorável) que

“O titular de cargo político que no exercício das suas funções ilicitamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel que lhe tiver sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções será punido com prisão de três a oito anos e multa até 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”

Atendendo à matéria que resulta provada em 1. a 49., verificam-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal de crime, o qual não exige a apropriação apenas para proveito próprio.

Vindo o Arguido acusado da prática de tais crimes na forma continuada, importa considerar-se que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente” – artigo 30º, nº 1 do Código Penal. Contudo, nos termos do nº 2 do mesmo normativo, “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime (...) executada por forma homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

“Para que ocorra o crime continuado é necessário que o fundamento da diminuição da culpa seja encontrado no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.1991, disponível na Internet in www.dgsi.pt.

Também a respeito da prática de um crime de peculato, pode-se ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.06.2014, disponível na Internet, no mesmo sítio, o seguinte:

“São, assim, requisitos do crime continuado (como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência):

1º - os actos constitutivos do comportamento se dirijam contra o mesmo bem jurídico;
2º - os actos constitutivos do comportamento violem a mesma lei penal;
3º - homogeneidade do comportamento total e um mínimo de conexão espacial e temporal entre os vários actos;
4º - e um dolo continuado (resolução que se renova).

A atenuação da culpa do agente, que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta, está, assim, sempre condicionada pela circunstância de esta ter efectivamente concorrido para o determinar à resolução de renovar a prática do mesmo crime - vide Eduardo Correia, Direito Criminal (com a colaboração de J. Figueiredo Dias), II vol., Coimbra, pp. 208219.

O fundamento do crime continuado (art. 30º, nº 2, do CP), que pressupõe uma pluralidade de resoluções tomadas, encontra-se na considerável diminuição da culpa do agente devido ao carácter exógeno da conduta que lhe cria uma especial solicitação para o crime.”

Da materialidade apurada, resultou que as condutas do Arguido foram, algumas delas, executadas num espaço de tempo muito próximo, repetindo ele essas condutas porque as mesmas lhe estavam facilitadas em resultado da sua condição, das funções que exercia e da ausência de um controlo eficaz da sua actuação por parte dos órgãos competentes do município de M.

Essa circunstância criou no Arguido o convencimento da ausência de punição da sua actuação e suportou e animou a sua decisão de repetir as condutas anteriormente efectuadas.

Assim e tendo formado o propósito, no decurso do ano de 2004, de fazer seus valores pertencentes ao Município de M, fazendo uso das sobreditas facturas já liquidadas, o Arguido colocou-as de novo a pagamento.

E renovou tal propósito nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, colocando repetidamente as mesmas facturas a pagamento, tudo conforme se descreve em 19. da matéria provada.

Pode-se, assim, concluir daqui que o Arguido cometeu, nesta parte, 6 (seis) crimes de Peculato na forma continuada.

A isto acresce ainda que o Arguido solicitou a CF que procedesse à troca de um cheque, por valor igual em numerário. Sob esse pretexto, o Arguido entregou a CF o cheque nº 8960772320, datado de 26.10.2009, no valor de € 27.199,23, sobre a conta bancária nº -----, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo Município de M, emitido à ordem do fornecedor “Minimercado - …., Lda.”. Tal cheque foi depositado, em 27.10.2009, na conta bancária nº 004571904014902489412, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, agência de M, titulada pela referida sociedade. Tendo sido a quantia por ele titulada entregue em numerário e de forma faseada ao Arguido, ao longo de 6 meses.

Deste modo, o Arguido apropriou-se do valor titulado por este cheque, mais uma vez aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro e das suas funções que lhe permitiam ter acesso e controlo sobre o destino de tal quantia monetária, a qual integrou no seu património.

Tendo-se provado, por fim, que o Arguido apropriou-se de quantias monetárias no total de, pelo menos, € 332.744,94 (trezentos e trinta e dois mil, setecentos e quarenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) pertencentes ao Município de M, pretendendo com isso obter para si benefício económico, que alcançou e que sabia não ter direito, agindo sempre de forma deliberada, livre e consciente e que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei, mostram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de Peculato.

Assim e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a condenação do Arguido pela prática de 7 (sete) crimes de Peculato, sendo seis na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 20º, nº 1 da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, 30º, nº 2 e 79º, nº 1 do Código Penal.
*
D.2. Dos Crimes de Falsificação de Documento
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem.

Conforme é jurisprudência assente, os poderes de cognição do tribunal ad quem são limitados pelas conclusões da motivação de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

O arguido e recorrente vem recorrer em matéria de facto e de direito.

Em matéria de facto invoca o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto no art. 410º nº2 b) do CPP.

Em matéria de direito, o arguido invoca erro de julgamento quanto à qualificação jurídica dos factos provados, no que respeita aos crimes de peculato, concluindo dever ser absolvido desses mesmos crimes em virtude de aqueles factos não integrarem os elementos constitutivos do crime respetivo.

São, pois, estas as questões a decidir.

2. Decidindo

2.1. – O vício de contradição insanável previsto na al. b) do art. 410º do CPP.

2.1.1. Da caracterização dos vícios a que se reporta o art. 410º nº2 do CPP.

O conhecimento pelo tribunal de recurso dos vícios acolhidos no art. 410º nº2 do CPP, é característico do modelo de revista ampliada ou revista alargada adotado pelo CPP de 1987, com que, nas palavras originárias do Prof. F. Dias, se pretendeu instituir um “recurso que …se não restringisse à tradicionalmente chamada «questão-de-direito», mas devesse ser admissível face a contradições insanáveis entre as comprovações constantes da sentença e a prova registada, a erros notórios ocorridos na apreciação da prova ou, em geral, a dúvidas sérias suscitadas contra os factos tidos como provados na sentença recorrida.”

«O sistema de revista alargada protege o arguido dos perigos de um erro de julgamento (designadamente de erro grosseiro na decisão da matéria de facto) e, desse modo, defende-o do risco de uma sentença injusta». – Cfr Ac TC nº 322/93 de 5.5.93, BMJ 427/109.

Em todas as situações a que se reporta o nº2 do art. 410º do CPP, o vício respetivo há de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que tais vícios são apenas os intrínsecos à própria decisão, considerada como peça processual autónoma, sendo inatendível o teor da prova produzida em audiência que não se encontre transcrito na sentença, máxime a prova pessoal oralmente produzida, para fundar o juízo de insuficiência, contradição ou erro notório, a que se referem as als a), b) e c) do art. nº2 do art. 410º do CPP.

2.2. O vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto no art. 410º nº2 b) do CPP verifica-se quando existir incoerência, oposição, incompatibilidade manifesta entre diferentes passos da motivação da sentença, ou entre esta e a decisão, afetando de forma evidente a estrutura lógica da sentença de forma inultrapassável para o tribunal de recurso. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir de forma clara e evidente que a fundamentação de facto ou de direito não pode conduzir à decisão proferida.

a) No caso presente, o recorrente alega existir contradição insanável entre o valor de 335.661 euros resultante da soma dos cheques discriminados no ponto 19 da factualidade provada e o valor de 305.545,71 euros indicado no ponto 35 da factualidade provada correspondente à soma das faturas discriminadas no ponto 34, mas sem razão, pois contrariamente ao que alega não se diz na factualidade provada que foram [integralmente] entregues ao arguido os valores daqueles mesmos cheques, no montante total de 335.661 euros.

Os valores das faturas repetidamente pagas – de que o arguido se apropriou - são antes os discriminados sob o ponto 34, no valor total de 305.545,71 euros conforme indicado no ponto 35, o que significa que não resultou provado que o arguido fez sua a totalidade das quantias correspondentes às faturas e cheques discriminados no ponto 19., mas apenas a parte delas discriminada sob o nº34 da factualidade provada. Por outro lado, diz-se no ponto 20. que o arguido rasurou por diversas vezes aquelas mesmas faturas (ponto 19), nomeadamente alterando o seu valor originário, pelo que também por este motivo se compreende que os totais em causa possam não coincidir entre si ou com outros dados de facto dependentes desses mesmos valores.

É, pois, manifesto que não existe qualquer contradição entre os pontos 19, por um lado, e 34 e 35, por outro, contrariamente ao invocado pelo recorrente, sendo certo que os demais considerandos do recorrente sobre meios de prova e convicção do tribunal recorrido não respeitam a quaisquer incongruências ou contradições manifestamente percetíveis da leitura do texto do acórdão condenatório, pelo que, como referido, improcede o invocado vício de contradição insanável da fundamentação previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP.

2.2. A qualificação jurídica dos factos

Embora mencione o tipo legal do crime de Peculato p. e p. pelo art. 375º nº1 do CPP e não o tipo legal de Peculato p. e p. pelos artigos 20º, nº 1 da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, pelo qual vem condenado, o arguido alega em termos transponíveis para este último tipo legal não ter violado qualquer relação de fidelidade pré-existente, conforme entende ser exigido pelo tipo legal de Peculato, pois não se provou que a posse ou detenção material de dinheiro para efetuar pagamentos em nome do município fizesse parte das funções do recorrente enquanto vereador.

Conforme diz, provou-se apenas que as suas funções incluíam o poder de assinar cheques do Município em conjunto com a tesoureira ou quem a substituísse, para efetuar pagamentos em nome daquele, mas não cabia nelas a receção de numerário para proceder ao pagamento de credores, nem se provou que a tesoureira e a assistente técnica tinham nas suas funções a competência para promover o levantamento daqueles montantes, pelo que só com a violação por estas das suas funções foi possível ao recorrente aceder àqueles montantes, pois aqueles valores só chegavam à posse do recorrente através da ação de terceiros, no caso, a tesoureira ou a assistente técnica.

Se bem compreendemos o posicionamento jurídico do arguido, entende este que o preenchimento do tipo legal do crime de Peculato - no que ao caso presente importa - exige que o agente se aproprie ilicitamente de dinheiro ou qualquer coisa móvel que lhe for diretamente acessível por ter a respetiva posse ou detenção material no âmbito das suas funções em momento anterior à apropriação, o que não se teria verificado in casu.

Vejamos.
2.2.1. Estabelece o art. 20º nº1 da Lei 34/87 de 16 de julho, sob a epígrafe Peculato, que “O titular de cargo político que no exercício das suas funções ilicitamente se aproprie, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel que lhe tiver sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções será punido com prisão de três a oito anos de prisão e multa até 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição leal”.

Ora, apesar do posicionamento jurídico do recorrente parecer reconduzir o crime de Peculato previsto na Lei 34/87 – muito semelhante ao previsto no art. 375º do C.Penal -, a estrutura próxima do tipo do crime geral de abuso de confiança, ao pretender que só se preenche o tipo legal se o agente detinha o dinheiro ou coisa por lhe ter sido entregue ou tê-lo na sua posse, a simples leitura do preceito afasta este entendimento.

Com efeito, o tipo legal abrange igualmente a apropriação de dinheiro ou qualquer coisa móvel que lhe seja acessível em razão das suas funções - em contraponto com a entrega do dinheiro ou coisa ao agente ou à sua posse – sem que esta acessibilidade revista forma específica ou vinculada ou, em todo o caso, corresponda a situação material sobreponível à posse ou detenção do dinheiro ou coisa apropriada. Naquelas hipóteses, o Peculato aproxima-se da estrutura típica do crime de furto qualificado (vd Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, p. 889) e não do crime comum de abuso de confiança, contrariamente ao que parece considerar o arguido, louvando-se no entendimento restritivo do tipo objetivo que transparece em trechos doutrinários, máxime em passagens do comentário de Conceição Ferreira da Cunha, nomeadamente quando conclui relativamente ao crime de peculato previsto no art. 375º do C.Penal, tratar-se de um abuso ou infidelidade à função que o agente exerce …que só existirá quando o agente tem, devido exatamente às funções que exerce, a posse do bem cfr Comentário Conimbricense do Código Penal, III, p. 696

Entendemos antes, em face dos termos amplos do tipo legal previsto no art. 20º da Lei 34/87 (como no art. 375º do C.Penal) e das razões de política criminal que visa satisfazer, que não deixa de apropriar-se de dinheiro ou coisa que lhe seja acessível em razão das suas funções o titular de cargo político (tal como o funcionário para efeitos do art. 375º do C.Penal) que se aproveita das suas funções para se apropriar de dinheiro de que não tem a posse ou detenção material, mas que pode movimentar por intermédio de outras pessoas mediante ordens ou instruções emitidas no âmbito dessas mesmas funções.

Aliás, mesmo quem reconduza a acessibilidade típica a dinheiro ou coisa móvel à sua posse, não deixará de entender que esta deve ser entendida de forma ampla de modo a compreender tanto a simples detenção, como a posse indireta, cabendo aí a disponibilidade jurídica sem detenção material ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados, conforme pode ver-se em Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 2ª ed., 1996, p. 1195.

Necessário é que o agente tenha acesso ao dinheiro (ou coisa móvel) - independentemente de o mesmo se encontrar depositado ou guardado em lugar próprio -, em razão das suas funções, conforme descrito no tipo legal, pois como refere Carmo Dias, “Este crime de peculato distingue-se dos crimes de furto e de abuso de confiança não só pela qualidade especial do agente (titular de cargo politico), como também por se reconduzir a um abuso do exercício de funções decorrentes do cargo que o agente ocupa ou à violação dos deveres funcionais …” – cfr Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol I, UCP p. 816.

Por outro lado, a ação não deixa de ser típica se o bem for acessível ao agente em resultado de subterfúgios ou de atos ilícitos instrumentais praticados no âmbito dessas mesmas funções, uma vez que desse modo se mostra igualmente violado o bem jurídico primacialmente protegido pela incriminação, ou seja, a integridade (probidade) no exercício de funções de titulares de cargos políticos. Como diz Conceição Ferreira da Cunha (comentário citado pp 696-7) mesmo os autores que criticam uma interpretação mais lata do que seja posse em razão do ofício ou serviço (no direito italiano), admite que possa tratar-se da “existência de um poder jurídico que implique a possibilidade de operar sobre o destino da coisa pelo menos de facto ou com atos jurídicos viciados”.

Ou seja, ainda que a posse não corresponda ao exercício de uma competência abstratamente estabelecida, mas a um poder de facto, nomeadamente quando a posse de facto corresponde a uma praxis estabelecida e tolerada, ou quando o agente logrou agir sobre o destino da coisa através de atos jurídicos viciados, mas sem que esteja em causa a relação causal entre as funções do agente e a posse ou acesso ao bem, não deixará de se mostrar preenchido o tipo objetivo do crime de peculato, pois mostram-se violados os bens jurídicos protegidos pelo art. 20º da Lei 34/87, ou seja, parafraseando Pinto de Albuquerque a propósito do tipo legal previsto no art, 375º do C.Penal, a integridade do exercício das funções políticas pelo titular de cargo político e, acessoriamente, o património alheio (público ou privado).

2.2.2. Ora, conforme descrito na factualidade provada, o arguido foi vereador da Câmara Municipal desde 1991, tendo exercido funções como vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro, nomeadamente nos mandatos autárquicos de 2001/2005 e 2005/2009 e no âmbito das funções que se lhe encontravam atribuídas competia ao Arguido, para além do mais, autorizar a realização de despesas orçamentadas até ao limite estipulado por lei ou por subdelegação e autorizar o pagamento das despesas realizadas, nas condições legais.

Nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, o Arguido formou o propósito de fazer seus valores pertencentes ao Município de M, fazendo uso de faturas já liquidadas por fornecimentos, para o que alterou o procedimento de lançamento de faturas e emissão de ordens de pagamento, relativamente aos dois fornecedores identificados nos autos, bem como o modo de pagamento das mesmas, de modo a intervir diretamente em todo esse procedimento, conforme descrito sob os nºs 15, 16 e 29 a 33, da factualidade provada, adequando-o ao referido propósito de se de quantias pertencentes ao Município que se encontravam depositados em contas bancárias. Agiu sempre aproveitando-se da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro, que lhe permitia ter acesso e controlo sobre o destino destas quantias monetárias, com o que apropriou-se de, pelo menos, € 305.545,71 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), tendo integrado esse montante no seu património (cfr ponto 35 da factualidade provada).

Por outro lado, em outubro de 2006 o arguido, agindo da forma descrita sob os nºs 36 a 41, apropriou-se do valor de 27 199,23 euros titulado por um cheque sacado sobre a conta bancária do Município de M identificada em 38 dos factos provados, aproveitando-se mais uma vez da sua condição de vice-presidente e vereador responsável pelo pelouro financeiro e das suas funções que lhe permitiam ter acesso e controlo sobre o destino de tal quantia monetária, a qual integrou no seu património, conforme consta do nº 41 da factualidade provada.

Foi, pois, no exercício do cargo de vereador da Câmara Municipal de M responsável pelo pelouro financeiro nos anos de 2001 a 2009 que o arguido, a quem foram atribuídas as funções de autorizar o pagamento de despesas orçamentadas e autorizar o pagamento de despesas, teve acesso às quantias em dinheiro de que se foi apoderando, através de atos de disposição do dinheiro depositado que se integravam formalmente naquelas mesmas funções, tal como passou a exercê-las a partir de 2004.

Concluímos, assim, que a qualificação jurídica dos factos levada a cabo pelo tribunal recorrido ao considerar preenchidos os elementos constitutivos de seis crimes de peculato na forma continuada p. e p. pelo art. 20º da Lei 34/87 de 16 de julho - que regula os crimes de responsabilidade de titular de cargo político em especial -, 30º e 79º, do C. Penal, e, ainda, de um outro crime de Peculato p. e p. pelo mesmo artigo 20º, nº 1 da Lei nº 34/87, não merece reparo do ponto de vista legal pelo que improcede igualmente o recurso do arguido em matéria de direito.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., confirmando-se integralmente o acórdão condenatório recorrido.

Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 7.03.2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)

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[1] - Sumariado pelo relator.