Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
20/20.9T8PTM.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
PRAZO
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Não configura decisão-surpresa a sentença baseada em fundamentos e enquadramento jurídico indicados em despacho anterior, em cumprimento do qual se facultou às partes interessadas a possibilidade de se pronunciarem;
II – É aplicável ao exercício do direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura, por força do artigo 1380.º, n.º 4, do Código Civil, o prazo para o depósito do preço fixado no artigo 1410.º, n.º 1, do mesmo Código, devendo ser depositado o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação;
III - A contagem deste prazo inicia-se no dia seguinte à data da propositura da ação, conforme decorre da redação do preceito, o que afasta uma eventual inexigibilidade do depósito do preço em momento anterior à produção de prova relativa aos elementos essenciais do contrato;
IV – Tendo a ação findado no despacho saneador, pela procedência de exceção perentória que importou a absolvição total do pedido, não havendo a ação de prosseguir, ficou prejudicada a realização da tramitação processual destinada à preparação das fases seguintes, designadamente a apreciação dos requerimentos de prova apresentados pelas partes.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 20/20.9T8PTM.E1
Juízo Local Cível de Portimão
Tribunal Judicial da Comarca de Faro



Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) intentou, a 06-01-2020, a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) e (…), pedindo que seja o 2.º réu substituído pelo autor, na titularidade e na posse do prédio que identifica, mediante o pagamento do preço de € 17.500,00 e despesas, se as houver.
A justificar o pedido, alega que a 1.ª ré vendeu ao 2.º réu o prédio rústico que identifica, o qual confina com prédios rústicos pertencentes ao autor, com área inferior à unidade de cultura, não lhe tendo sido dado conhecimento do projeto de venda, não obstante ter demonstrado interesse na aquisição do prédio e ter comunicado previamente à 1.ª ré que pretendia exercer o seu direito de preferência; acrescenta que o 2.º réu não é proprietário de prédio rústico confinante com o imóvel vendido; sustenta, ainda, que desconhece as cláusulas do contrato celebrado, tendo apurado que foi efetuada liquidação de IMT pelo valor de € 17.500,00 e que este foi pago pelo 2.º réu no dia 24-07-2019, pelo que conclui ter a 1.ª ré vendido o prédio ao 2.º réu pelo valor de € 17.500,00, pretendendo exercer o direito de preferência sobre tal venda, como tudo melhor consta da petição inicial, em cuja parte final requer se oficie à repartição de finanças que identifica, solicitando o envio de certidão da documentação relativa à alienação do prédio em causa, para prova de factualidade que alegou.
Por despacho de 12-07-2020, foi ordenada a notificação do autor para se pronunciar quanto ao incumprimento do prazo para depósito do preço da alienação, com a indicação de que se trata de um prazo de caducidade.
O autor emitiu pronúncia, defendendo que não se verifica a exceção de caducidade, pelos motivos que expõe, sustentando que aguarda informação acerca do negócio celebrado e do concreto valor a depositar.
A 1.ª ré, apesar de citada, não contestou e o 2.º réu apresentou contestação, cujo desentranhamento, por extemporaneidade, veio a ser ordenado por despacho de 14-02-2021.
Na mesma data, foi decidido o seguinte:
Neste exposto, atento o não depósito do preço, declara-se a caducidade do direito de preferência, excepção peremptória, que importa a absolvição dos Réus dos pedidos do Autor, nos termos do artigo 1410.º, n.º 1, do C.C. e 576.º, n.º 3, do C.P.C..
Custas pelo Autor – artigo 527.º do C.P.C..
*
Valor – € 20.000,00 (vinte mil euros), nos termos dos artigos 301.º, n.º 3 e 306.º do C.C..
*
Registe e notifique.

Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que determine o prosseguimento dos autos, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«l - A douta Sentença que declarou a caducidade do direito de preferência, e absolveu os réus do pedido, com o devido respeito é desprovida de fundamento.
2 - O A. intentou a ação de processo comum, e estando em causa uma situação em que o A. não tinha qualquer prova documental e a informação verbal obtida era contraditória, conforme alegado na Petição Inicial, solicitou que o tribunal "a quo" diligenciasse junto da repartição de finanças competente, no sentido de ser junta aos autos certidão com toda a documentação comprovativa dos factos alegados relativamente à suposta alienação do prédio rustico
3 - O A. estando interessado em exercer o seu direito de preferência e tendo a 1ª R. se recusado a dar qualquer informação acerca da "venda" do prédio", tentou obter informação junto da conservatória do Registo predial informação acerca do local onde havia sido realizada a escritura pública de compra e venda. Na conservatória foi informado que o prédio continuava registado em nome da lª R.
4 - O A. junto da Repartição de Finanças também obteve a informação que o prédio rústico continuava em nome da 1ª R., mas, que havia uma liquidação de IMT relativamente ao referido prédio, mas que não podia ser dada qualquer informação, além do nome da pessoa que liquidou o IMT, e que foi liquidado o montante de e 17.500,00.
6 - O A. foi informado que toda a restante informação só seria fornecida a pedido do Tribunal.
7 - O A. ainda tentou através de carta registada com aviso de receção enviada para a 1ª R (junta aos autos na PI) obter informação concreta mas a mesma não obstante ter sido notificada não respondeu.
8 - O A. na Petição Inicial argumentou que a junção dos documentos aos autos de processo era indispensável para confirmação e prova dos factos alegados na Petição Inicial, nomeadamente: confirmação da suposta alienação do prédio rústico, da data da suposta alienação, que tipo de negócio esteve na origem da suposta alienação, confirmação do valor pelo qual foi realizada a suposta alienação do prédio rústico.
9 - Uma vez que o prédio rústico continuava em nome da 1ª R., era fundamental saber se estavam preenchidos os requisitos para o exercício do direito de preferência.
10 - A ação de processo comum foi instaurada no dia 6 de Janeiro de 2020, e no dia 20 de Julho de 2020 é o A., ora recorrente é notificado do despacho com a referência 117251723, com o seguinte conteúdo:
"Previamente, aguarde-se o decurso da contestação da Ré."
"Sem prejuízo, notifique-se o Autor para se pronunciar quanto ao incumprimento do depósito do preço da alienação, prazo esse de caducidade – artigo 1380.º, n.° 4, de C.P.C.".
11 - O A. no dia 29 de Julho de 2020, (documento com a referência 8077342), respondeu ao despacho, no qual para além de argumentar com os factos alegados na Petição inicial, informou o tribunal "a quo" que ao mesmo só interessava a aquisição plena do direito de propriedade e não adquirir outro qualquer tipo de direito que eventualmente de forma dissimulada possa ou não constar do documento em arquivo na repartição de finanças.
12 - O A. informou igualmente o tribunal "a quo" que tendo todo o interesse em exercer o seu direito de preferência e não podendo correr o risco de prescrição do prazo, viu-se obrigado a fazê-lo sem apresentar documentação formal comprovativa dos factos alegados, tendo para o efeito solicitado a colaboração do Douto tribunal.
13 - O A. informou o tribunal "a quo" que por motivos de segurança jurídica têm o direito de obter informação concreta e fiável acerca do negócio Jurídico celebrado, após a qual procederia à realização de depósito do preço.
14 - O A. alega igualmente que, já tendo terminado a data para apresentação de contestação dos RR, e não tendo sido apresentada qualquer contestação por nenhum dos RR., também já não seria junta aos autos qualquer documentação que pudesse fazer prova do tipo de negócio celebrado.
15 - O A. mais uma vez solicitou no sentido do já peticionado na Petição Inicial para que o tribunal "a quo" diligenciasse no sentido de ser junta aos autos a informação necessária e indispensável à realização do depósito por parte do A..
Face ao exposto o A. requereu que a exceção de caducidade do direito de preferência não fosse oposta devendo a ação prosseguir os seus termos.
16 - Relativamente à resposta dada pelo A. não foi aberta conclusão no processo, e consequentemente não foi proferido qualquer despacho.
17 - No dia 29 de Setembro de 2020 foi o A. notificado da Contestação com documentos, apresentada pelo 2° R. (…).
Conjuntamente com a contestação foi o A. notificado do seguinte despacho com a referência 117342374:
"Proceda-se ao registo da ação"
"Previamente palavra ao autor quanto à eventual matéria de exceção e documentos da contestação"
18 - O tribunal "a quo" ao notificar o A. da forma como o fez, de forma tácita aceitou a contestação extemporânea apresentada pelo 2° R, pois caso assim não o fosse, não teria solicitado que se procedesse ao registo da acão e o A. não teria que se pronunciar sobre a exceção de caducidade invocada na referida contestação nem dos documentos junto á mesma.
19 - O A. respondeu ao despacho (documento com a referência 36731873) e como questão prévia pronunciou-se sobre a tempestividade da Contestação apresentada pelo 2° R., solicitando que a mesma fosse considerada improcedente por ter sido apresentada extemporaneamente.
20 - No que diz respeito à exceção da caducidade, mais, uma vez o A. reforça o já alegado no despacho com a referência 117251723, cujo conteúdo considerou reproduzido para os devidos efeitos.
21 - Face à improcedência da contestação por extemporânea e da invalidade do documento junto à mesma, o A. reforça que mais uma vez a necessidade de ser solicitado à Repartição de Finanças toda a documentação necessária para a realização de prova pelo A.
22 - Relativamente à resposta dada pelo A. não foi aberta conclusão, nem proferido qualquer despacho.
23 - No dia 24 de Novembro o A., ora recorrente é notificado do despacho enviado pela Conservatória do Registo Predial relativamente ao pedido de registo da ação solicitado pelo Tribunal "a quo" (documento com referência 118407800) com o seguinte conteúdo.
"Aguarde-se o contraditório das partes quanto ao oficio da Conservatória do Registo Predial"
24 - O A face ao despacho do Tribunal "a quo", pronuncia-se (documento com referência 37339283) alegando que relativamente ao facto de o registo ter sido considerado provisório por natureza, a causa de provisoriedade resulta taxativamente da lei, e que,
25 - No que diz respeito à qualificação do registo como provisório por dúvidas, o A., ora recorrente, alega que para ilidir a presunção que deriva do registo é necessário provar que se verificam situações que podem destruir os efeitos que se produzem com o registo, nomeadamente que existem títulos posteriores ao título que serviu de base para o registo modificando o conteúdo deste último.
26 - O A. alega igualmente que o despacho de qualificação do Exmo Sr. Conservador demonstra que continua a mostrar-se essencial, e, no sentido do já peticionado na PJ e no requerimento com a referência 8077342, apresentado a 29/07/2020, que seja solicitado à Repartição de Finanças o comprovativo do IMT pago pelo 2º R. e o documento que esteve na base da referida liquidação.
37 - Relativamente à resposta dada pelo A. não foi aberta conclusão, nem proferido qualquer despacho.
28 - No dia 15 de Fevereiro de 2020 o A. é notificado da sentença em relação à qual ora se recorre.
29 - Com o devido respeito houve por parte do tribunal "a quo" uma manifesta ausência de exame crítico face aos factos alegados pelo A.
30 - Impunha-se que o tribunal "a quo", ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.° do CPC, determinasse a junção aos autos dos documentos solicitados pelo A., ora recorrente.
31 - Sendo a caducidade do direito de preferência uma questão de conhecimento oficioso, competia ao tribunal face ao alegado pelo A, ordenar todas as diligências ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
32 - O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes.
33 - Toda a tramitação processual levada a cabo pelo tribunal "a quo" passou por nunca se pronunciar às respostas dadas pelo A., ora recorrente relativamente aos despachos que solicitavam a sua pronúncia.
34 - O tribunal "a quo" demite-se da análise das questões suscitadas pelo ora recorrente.
35 - O recorrente sucessivamente requereu ao tribunal que diligenciasse no sentido de solicitar a junção da documentação existente na Repartição de Finanças, pois, a mesma, era essencial para a análise do negócio celebrado entre a 1ª R. e o 2°R..
36 - A sentença ora recorrida assentou num pré-juízo que inquina todo o raciocínio jurídico necessário e indispensável para a justa resolução do litígio.
37 - O tribunal "a quo" violou o disposto no artigo 608.º, n.° 2, do CPC, pois nunca se pronunciou de modo fundamentado sobre a questão colocada pelo recorrente de que a eficácia da ação interposta, e o depósito do preço estava dependente do conhecimento de todos os elementos essenciais do negócio.
38 - O ora recorrente, para realizar o depósito do preço, necessitava de saber os fatores do negócio suscetíveis de influenciar decisivamente a formação da sua vontade, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar do direito de opção que lhe assiste.
39 - Ao decidir como o fez, o tribunal "a quo" interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 418.º do CPC e o artigo 2.°, n.º 2, do CPC.
40 - A inércia do tribunal relativamente a um facto de absoluta relevância para a boa decisão da causa constitui a violação do disposto nos artigos 6.º, n.º 1, 411.° do CPC, e artigo 364.° do Código Civil.
41 - Com o devido respeito o tribunal "a quo" foi pouco rigoroso no plano técnico-processual, o que afetou a correta aplicação do direito à questão controvertida.
42- O A. explicou fundamentadamente ao tribunal "a quo" que ao não depositar o preço no prazo legal agiu com a diligência exigível na situação em concreto.
43 - O Tribunal "a quo" ao agir da forma como agiu violou o principio do inquisitório por não ter determinado a junção aos autos de toda a documentação necessária ao apuramento da verdade e indispensável para a composição do litígio.
44 - Assiste ao A. a faculdade de requerer a produção de meios de prova que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a sua pretensão, ou seja, a causa de pedir.
45 - O recorrente informa o tribunal que não têm conhecimento certo e concreto dos elementos essenciais do negócio, que são o projeto de venda, clausulas do respetivo contrato, dos elementos essenciais da suposta alienação, e, o tribunal "a quo" demite-se da análise de todas as questões suscitadas pelo recorrente.
46 - No caso em concreto os meios de prova solicitados ao tribunal "a quo" pelo ora recorrente são decisivos para a viabilidade ou procedência da ação.
47 - A lei refere que quem pretende exercer o direito de preferência deverá depositar o preço no prazo de 15 dias após a entrada da ação. Salvo melhor opinião, tal deve aferir-se em cada caso concreto, não se podendo estabelecer regras estanques independentemente das circunstâncias concretas de cada situação.
48 - São essenciais todos os elementos do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do "contrato" que possam ter importância no estabelecimento de uma decisão num sentido ou noutro (cfr. ac. da R.L. de 26-2-2004 e ac. do S.T.J. de 11-1-2011).
49 - O recorrente alegou que face ao caso concreto era essencial saber em concreto a veracidade da informação prestada verbalmente, além do que tudo levava a crer que havia sido simulado qualquer tipo de negócio.
50 - O Tribunal "a quo" nada disse, ignorou ostensivamente a relevância da identificação concreta do negócio celebrado, violando o artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
51 - A inércia do Tribunal relativamente a um facto de absoluta relevância para a boa decisão da causa, constitui violação do disposto nos artigos 6.º, n.° 1, 411.º do CPC e artigo 364.º do Código Civil.
52 - O tribunal "a quo" após a pronúncia do recorrente por duas vezes, relativamente ao não depósito do preço, em momento algum invocou a exceção da caducidade do exercício do direito de preferência relativamente ao não depósito do preço.
53 - O Tribunal "a quo", ao contrário, prosseguiu os trâmites do processo, tendo o A., ora recorrente, inclusive sido notificado para se pronunciar sobre os documentos juntos na contestação, e, sobre o despacho de qualificação proferido pela Conservatória do Registo Predial.
54 - A sentença proferida pelo Tribunal "a quo" traduz para o A. uma verdadeira decisão surpresa.
55 - A sentença incorreu nos vícios de omissão de pronúncia, e está ferida dos vícios da nulidade, sendo nula, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º e no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.»
O 2.º réu interpôs recurso subordinado, o qual foi rejeitado, por extemporâneo, por despacho de 05-07-2021.
Face às conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;
- da violação do princípio do contraditório;
- da falta de depósito do preço.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação das questões suscitadas na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda o seguinte elemento constante dos autos:
- o autor não procedeu ao depósito de qualquer quantia a título de preço.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia
Vem posta em causa na apelação a decisão que declarou, com fundamento na falta de depósito do preço, a caducidade do direito de preferência invocado pelo autor, em consequência do que absolveu os réus do pedido, condenando o autor nas custas.
O autor arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício de omissão de pronúncia.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A causa de nulidade invocada pelo recorrente, prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do citado preceito, ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo Código, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 737) que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608.º-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)”.
O recorrente baseia a invocação de omissão de pronúncia no seguinte: a) não apreciação de requerimento, destinado à obtenção de meio de prova – expedição de ofício à repartição de finanças que identifica, solicitando o envio de certidão da documentação relativa à alienação do prédio em causa, para prova de factualidade alegada –, formulado na parte final da petição inicial e reiterado em requerimento posterior; b) não apreciação da questão de se encontrar o depósito do preço dependente do prévio conhecimento de todos os elementos essenciais do negócio, a obter através dos elementos cuja solicitação à repartição de finanças requereu na petição inicial.
Quanto à situação a que alude a alínea a), verifica-se que a eventual falta de apreciação pelo Tribunal de requerimentos anteriormente apresentados não determina, por si só, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, salvo se tal decisão devesse apreciar e tenha omitido pronúncia sobre qualquer das questões anteriormente suscitadas nos aludidos requerimentos, o que não configura o fundamento em apreciação, antes integrando o invocado sob a alínea b); a alegação do recorrente poderá configurar a arguição de nulidades processuais cometidas nos autos, emergentes da omissão da prática de atos que a lei prescreve, e não a omissão de pronúncia como vício da própria sentença recorrida.
A nulidade emergente da omissão de qualquer ato que a lei prescreva, a qual possa influir no exame ou na decisão da causa, deve ser arguida perante o Tribunal que omitiu o ato e não em sede de recurso. Acresce que, não configurando nulidade principal, a omissão invocada encontra-se sujeita ao regime de arguição fixado nos artigos 197.º e 199.º do CPC, do qual decorre, além do mais, a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, dispõe para a arguição do prazo geral de 10 dias, contado desde o conhecimento de que foi cometida a nulidade. Tendo decorrido o prazo respetivo, sempre seria de considerar extemporânea a invocação da omissão, em sede do presente recurso de apelação.
Quanto à situação a que alude a alínea b), verifica-se que não assiste razão ao recorrente, dado que a questão em apreço foi apreciada e decidida na sentença, conforme decorre da transcrição que segue:
O autor não procedeu ao depósito do valor de qualquer quantia, até ao momento, alegando que, só após conhecer os termos do negócio o poderá fazer, pois não sabe o valor certo e para o que se pretende o oficiar do IMT.
Porém, salvo melhor entendimento, tal posição não se nos oferece como adequada, dado que, em casos idênticos de simulação de preço, não se desonera os preferentes de depositarem qualquer quantia, porque os mesmos não sabem (pese embora, o aleguem) qual o preço do negócio foi o correcto. O que o autor fez foi, pura e simplesmente, não depositar preço algum, com o argumento de que não sabe qual o preço em causa, sendo que, ao mesmo havia sido dito que o preço fora de € 20.000,00 e desconfiava que seria o de € 17.500,00, pelo que, podendo depositar o primeiro valor ou até mesmo o segundo com a ressalva de depositar o remanescente, quando se apurasse o verdadeiro preço.
Verifica-se, assim, que a 1.ª instância apreciou a questão suscitada e decidiu que o depósito do preço não depende da prévia produção de prova destinada ao conhecimento de todos os elementos essenciais do negócio.
Em conclusão, não enferma a sentença recorrida da causa de nulidade arguida pelo autor.

2.2.2. Violação do princípio do contraditório
O apelante invoca a violação do princípio do contraditório e a prolação de decisão-surpresa, sustentando que a decisão recorrida declarou a caducidade do direito de preferência, com fundamento na falta de depósito do preço, sem que o autor tenha sido ouvido sobre a questão.
Invocando o recorrente a omissão do dever de audição das partes previamente à prolação da decisão, cumpre atender ao artigo 3.º, n.º 3, do CPC, preceito que dispõe o seguinte: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagra este preceito o princípio do contraditório, proibindo a chamada decisão-surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (ob. cit., volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 31), “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Esclarecem os autores (ob. cit., p. 32) que “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”, acrescentando que “a omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 195.º”.
No caso presente, verifica-se que foi dada ao autor a oportunidade de se pronunciar sobre a questão em causa.
Efetivamente, por despacho de 12-07-2020, foi ordenada a notificação do autor para se pronunciar quanto ao incumprimento do prazo para depósito do preço da alienação, com a indicação de que se trata de um prazo de caducidade;
Decorre da análise deste despacho que é entendimento do Tribunal que o preço da alienação não foi depositado, que decorreu o prazo fixado para o efeito e que o mesmo configura um prazo de caducidade, sendo facultada ao autor a possibilidade de se pronunciar.
Notificado do despacho, o autor emitiu pronúncia, defendendo que não se verifica a exceção de caducidade, pelos motivos que expõe, sustentando que aguarda informação acerca do negócio celebrado e do concreto valor a depositar.
Ora, a decisão recorrida, ao declarar a caducidade do direito de preferência invocado pelo autor, por falta de depósito do preço no prazo fixado, fê-lo com base nos fundamentos e no enquadramento jurídico indicados no despacho de 12-07-2020, pelo que não configura uma decisão-surpresa, dado que antecedida da audição prévia a que alude o citado artigo 3.º, n.º 3, do CPC, que assim se mostra cumprido.

2.2.3. Falta de depósito do preço
O apelante impugna a decisão que declarou, com fundamento na falta de depósito do preço, a caducidade do direito de preferência invocado na ação e, em consequência, absolveu os réus do pedido, condenando o autor nas custas.
Na apelação interposta, o autor sustenta que o depósito do preço se encontra dependente do prévio conhecimento dos elementos essenciais do negócio, a obter através dos documentos que requereu fossem solicitados à repartição de finanças, o que não foi determinado pela 1.ª instância; acrescenta que lhe assiste a faculdade de requerer a produção de meios de prova que permitam conhecer os elementos essenciais do negócio, com vista à formação da sua vontade, através da ponderação consciente entre preferir ou abdicar do direito de opção que lhe assiste, defendendo a revogação da decisão recorrida e a prolação de decisão que determine a baixa do processo à 1.ª instância, para produção de prova.
Vejamos se lhe assiste razão.
Está em causa, no caso presente, o exercício pelo autor, com fundamento na previsão do artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, do direito de preferência na venda, pela 1.ª ré ao 2.º réu, do prédio rústico identificado no artigo 2.º da petição inicial.
Sob a epígrafe Direito de preferência, dispõe o mencionado artigo 1380.º o seguinte:
1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:
a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;
b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.
O citado artigo 1380.º remete, no n.º 4, além do mais, para o artigo 1410.º do mesmo Código, relativo à ação de preferência. Por força desta remissão, é aplicável o regime de tutela do direito de preferência, através da respetiva ação, previsto para a compropriedade, designadamente o prazo estabelecido para o depósito do preço.
Dispõe o n.º 1 deste artigo 1410.º o seguinte: O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
Remetendo o artigo 1380.º, n.º 4, para a ação de preferência prevista no citado artigo 1410.º, daqui decorre que é aplicável ao exercício do direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura o prazo para o depósito do preço fixado no n.º 1 deste preceito, devendo ser depositado o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
A contagem deste prazo inicia-se no dia seguinte à data da propositura da ação, conforme claramente decorre da redação do preceito, o que afasta a interpretação defendida pelo apelante, no sentido da inexigibilidade do depósito do preço em momento anterior à produção de prova relativa aos elementos essenciais do contrato.
Não tendo o apelante procedido ao depósito de qualquer quantia a título de preço, seja no prazo fixado para o efeito ou posteriormente, o que não vem questionado na apelação, verifica-se que incumpriu a obrigação em causa, conforme considerou a 1.ª instância, não havendo que apreciar qualquer questão respeitante ao montante devido.
Aqui chegados, sempre se dirá que a decisão recorrida foi proferida finda a fase dos articulados, numa ocasião em que se mostra prematura a apreciação dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, pelo que não havia que aferir da admissão dos meios de prova requeridos pelo autor na petição inicial.
No final do indicado articulado, o autor requereu se solicite a determinada repartição de finanças o envio de certidão de toda a documentação comprovativa dos factos alegados relativamente à alienação do prédio rústico ainda registado em nome de (…), situado na Bemposta, na freguesia e concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número (…), inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo rústico (…) da secção A, ou seja, à liquidação de IMT e documento que serviu de base à liquidação do mesmo (escritura pública, contrato ou procuração); acrescenta o autor que a junção da documentação supra referenciada aos presentes autos (…) é indispensável para confirmação e prova dos factos alegados na petição inicial, nomeadamente: confirmação da alienação do prédio rústico, da data da alienação do prédio rústico, que tipo de negócio esteve na origem da alienação, confirmação da identificação do adquirente e confirmação do valor pelo qual foi alienado o prédio rústico.
Verificando que a presente ação findou no despacho saneador, pela procedência de exceção perentória que importou a absolvição total do pedido, não havendo a ação de prosseguir, é evidente que ficou prejudicada a realização da tramitação processual destinada à preparação das fases seguintes, designadamente a apreciação dos requerimentos de prova apresentados pelas partes.
Nesta conformidade, cumpre concluir que não ocorreu a omissão de produção da prova requerida pelo autor, invocada na apelação, sendo certo que a relevância desta questão sempre se mostraria prejudicada pela improcedência da argumentação relativa à contagem do prazo para depósito do preço.
Improcede, assim, a apelação, cumprindo manter a decisão recorrida.

Em conclusão:
(…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.


Évora, 23-09-2021
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)