Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1809/21.7T8FAR.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
PODERES DO JUIZ
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A compensação pressupõe a reciprocidade de créditos, logo, a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, e o declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento (artigo 851.º do Código Civil).
2. É judicialmente exigível, para efeitos da compensação, a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento ou à execução do património do devedor.
3. O artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1809/21.7T8FAR.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

AA, com residência em Lisboa, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra:

1º- BB, com residência em ...;

2º - CC, com residência em ...;

3º - DD, com residência em ...;

4º - EE, com residência em ...; e

- Nacional (…) SGPS, SA, com sede em ..., tendo esta Ré, no decurso da ação, sido absolvida do pedido, por desistência do mesmo por parte da Autora.

Pedindo a condenação dos Réus no pagamento à A. da quantia de € 19.690,51, acrescida dos juros de mora à taxa de juro civil desde 24/09/2020 até integral pagamento, liquidando-se os vencidos em € 589,08.

Como causa de pedir alega, em suma, que:

- A A. vendeu aos 1º, 2º, 3º e 4º RR 15.050 ações da sociedade (…), SA, pelo preço global de € 171.871,00, a ser pago em duas prestações, sendo uma de € 81.685,50 na assinatura do contrato de venda das ações e outra de € 90.185,50 no prazo de um ano após aquela assinatura, ou seja, até 24.09.2020;

- Aquela venda foi negociada juntamente com a venda de ações pertencentes a outro sócio, aos mesmos compradores;

- Os RR compradores assumiram-se como solidariamente responsáveis pelo pagamento do preço global;

- No cofre da (…) encontrava-se guardado há vários anos o montante de € 5.516,44 que a A. levantou supondo, erradamente, que pertencia ao seu falecido marido.

- A A. recebeu a primeira prestação (€ 81.685,50) na data da assinatura do contrato.

- Antes da data de pagamento da segunda prestação, os RR interpelaram a A. e o outro vendedor das ações, ao pagamento da quantia de € 17.811,94, correspondente ao valor da retenção da fonte do IRS relativo aos dividendos anteriormente distribuídos aos acionistas, que não fora paga antes da assinatura do contrato de venda das ações, e cuja pendência de pagamento se sabida pelos compradores, teria alterado as condições essenciais consideradas na fixação do valor da venda das ações;

- Nessa mesma comunicação os RR interpelaram ainda a A. e o outro vendedor das ações a pagarem uma verba correspondente aos subsídios de Natal e de férias de 2018 de um colaborador da empresa, que igualmente desconheciam quando negociaram o contrato, constituindo um passivo a ser suportado pela anterior administração.

- A A. não aceitou pagar tais montantes.

- Sucede que, na data do pagamento da segunda prestação, os RR enviaram à Autora um cheque no valor de € 70.494,99, correspondendo a diferença em relação ao valor negociado, às quantias cujo pagamento os Réus haviam solicitado à A. a título de retenção do IRS, subsídios em dívida a colaborador e quantia guardada no cofre da empresa levantada pela A..

- A A. não aceita a compensação destas três verbas, por entender que as quantias que lhe foram pedidas não são por si devidas.

Esclareça-se, contudo, que no pedido que formula, de pagamento à A. da quantia de € 19.690,51 e cujo valor foi respeitado no decisório, não se insere a verba de € 5.516,44 que corresponde ao montante levantado pela A. do cofre da (…), no suposto de que pertencia ao seu falecido marido.

Assim, tacitamente, a Autora aceitou a compensação dessa verba, devendo a mesma ser excluída do litígio.


*

Citados, os Réus apresentaram contestação.

Defenderam-se por impugnação alegando que no decurso das negociações tendentes à venda das ações, a A. forneceu aos RR diversa documentação e informação da empresa, garantindo que a mesma espelhava a situação financeira desta, contudo, desses elementos não constavam os valores que vieram a ser pagos e pedidos à A.; caso os RR tivessem tido conhecimento desses valores em dívida teriam negociado outro preço pela venda das ações; a gestão da sociedade foi feita pela A., tendo esta conhecimento de que aqueles valores eram devidos e não o tendo comunicado aos RR.

Terminam pugnando pela improcedência da ação, mantendo que têm direito à compensação de valores que fizeram operar extrajudicialmente.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e, em consequência:

Condenou os Réus a, de forma solidária, pagarem à Autora a quantia de € 19.690,51, acrescida da quantia de € 589,08 a título de juros de mora vencidos à taxa legal e ainda da quantia devida pelos juros que, à mesma taxa, se vencerem até efetivo e integral pagamento.

Inconformados, vieram os Réus recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:

a) O presente litígio tem na sua génese um contrato de compra e venda de ações, celebrado em 24/09/2019, mediante o qual a ora recorrida vendeu a cada um dos recorrentes, ações da sociedade (…), SA, pelo preço global de € 171.871,00, o qual deveria ser pago em duas prestações, nomeadamente, € 81.685,50 na assinatura do contrato de compra e venda das ações e € 90.185,50 no prazo de um ano após tal celebração.

b) Os ora recorrentes procederam a uma compensação aquando do pagamento da segunda prestação, na qual foram deduzidas proporcionalmente as quantias de € 2.260,00 (recibos verdes em atraso), € 17.811,94 (IRS devido pela distribuição de dividendos aos acionistas) e € 5.516,44 relativo a valor que teoricamente existia no cofre da empresa e se encontrava registado contabilisticamente.

c) Tal compensação foi efetuada pelos recorridos por considerarem, tendo em conta os termos do contrato, que os factos que deram causa à obrigação dos referidos pagamentos efetuados pelos recorridos retroagem ao período da gestão da recorrida e pela mesma foram gerados, motivo pelo qual, é a última responsável pelo seu pagamento.

d) A recorrente, em suma, entende que as quantias retidas a título de compensação não são devidas,

e) O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, considerou a pretensão deduzida pela recorrida procedente, e bem assim, condenou os recorrentes ao pagamento de € 19.690,51 acrescida da quantia de € 589,08 a título de juros de mora vencidos à taxa legal e ainda da quantia devida pelos juros que, à mesma taxa, se vencerem até efetivo e integral pagamento.

f) consideram os recorrentes, que tal decisão, com o devido respeito, incorreu em erro de julgamento relativamente ao facto dado como provado n.º 41, assim como, violou, através de erro na determinação da norma aplicável, o estabelecido nos artigos 193.º, n.º 3 e 590.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Cível.

g) A douta decisão do Tribunal a quo refere no ponto n.º 41 dos factos dados como provados o seguinte: “O vogal do Conselho de Administração da (…), FF, tinha conhecimento da situação exposta pelo colaborador”.

h) Não podem os recorrentes concordar com a formulação do facto dado como provado n.º 41, na medida que, deveria igualmente, quanto a esta matéria, considerar-se provado que efetivamente a recorrida tinha igualmente conhecimento da situação exposta pelo colaborador.

i) Assim, não podem os recorrentes concordar com a convicção assumida pelo douto Tribunal a quo, na medida que, não se verificou qualquer pronuncia quanto ao conhecimento da recorrida na matéria em causa, sendo que, resulta claramente da prova testemunhal e documental que tal como o Sr. FF, igualmente a recorrida tinha conhecimento da situação exposta pelo colaborador, motivo pelo qual, deveria ao invés ter sido dado como provado que “O Vogal do Conselho de Administração da (…), FF, e a Autora, tinham conhecimento da situação exposta pelo colaborador”.

j) consideram os recorrentes que os factos alegados na contestação sempre deveriam ter sido considerados como factos extintivos do direito invocado pela recorrida, correspondendo, a uma defesa por exceção.

k) Assim, face aos argumentos aduzidos pelos recorrentes, nomeadamente no tocante à compensação efetuada, sempre deveriam ter sido tais factos considerados como extintivos do direito que se arrogava a recorrida.

l) Ainda que assim não se considerasse, sempre deveria o Tribunal a quo, tendo em conta a invocação da compensação efetuada pelos recorrentes, e da obrigatoriedade decorrente do artigo 266.º, n.º 2, alínea c), CPC (o qual impõe que a invocação de compensação de créditos deve ser deduzida através de reconvenção), ter formulado um despacho-convite ao aperfeiçoamento do articulado apresentado pelos recorrentes, não podendo avançar para o conhecimento do mérito sem que tal despacho vinculado tivesse sido proferido.

m) Nesse sentido já se tem pronunciado vários Tribunais superiores, a título de exemplo, referimos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/02/2022, (2191/20.5T8GDM.P1), acessível em www.dgsi.pt.

n) Nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, face à violação do disposto nos artigos 193.º, n.º 3 e 590.º, n.º 3, do CPC, pela sua falta de aplicação, incorreu o Tribunal a quo em erro na determinação da norma aplicável, pelo deve ser a douta sentença revogada e substituída em conformidade com a matéria alegada.

A final, requerem que o recurso seja julgado procedente, e, em consequência seja a sentença declarada nula ou em alternativa revogada e substituída por outra que julgue os pedidos efetuados pelos recorrentes procedentes por provados.

Contra-alegou a Autora, assim concluindo:

1. Os RR. começam por recorrer da matéria de facto, mas tão só quanto a um único ponto da matéria dada como provada pela Mª Juíza a quo, concretamente o facto 41:

“O vogal do Conselho de Administração da (…), FF, tinha conhecimento da situação exposta pelo colaborador”.

2. No entendimento dos recorrentes, a M.ª Juíza a quo deveria ter dado como provado que:

“O vogal do Conselho de Administração da (…), FF, e a Autora tinham conhecimento da situação exposta pelo colaborador”.

3. Para além de não serem convincentes as razões aduzidas pelos RR. na defesa de tal entendimento, não se vislumbra, nem os recorrentes o alegam, qual o sentido útil deste recurso da matéria de facto.

4. Ou seja, o que é que mudará na decisão de direito constante da sentença se porventura esta questão submetida ao Tribunal de recurso for por este considerada procedente?

5. O que é que muda?

6. Em que sentido este alegado mau julgamento deste ponto concreto da matéria de facto pela Mª Juíza a quo altera ou deve alterar a sentença?

7. Qual a utilidade deste recurso da matéria de facto?

8. Os RR. não explicam, talvez pela simples razão de que este específico ponto não tem qualquer relevância para a decisão da lide.

9. Com todo o respeito, trata-se de uma alegação inútil, sem qualquer suporte ou consequência jurídica.

10. Mas os RR. também afirmam recorrer da sentença por violação do direito.

11. Alegam, em síntese, que os recorrentes se defenderam na contestação por exceção (quando evocaram a compensação) e não por impugnação, como se diz na sentença, e que então deveriam ter sido convidados a aperfeiçoar o seu articulado contestação (em ordem a poderem deduzir reconvenção).

12. O que resulta das alegações de recurso é, afinal, que os recorrentes não recorrem – no que diz respeito à parte do direito invocado – da sentença, mas sim das decisões tomadas pela Mª Juíza na audiência prévia.

13. Na verdade, é na audiência prévia que o Juiz deve providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados e convidar as partes a suprirem irregularidades dos mesmos, tal como resulta do artigo 590.º do CPC.

14. Portanto, se houve uma omissão da M.ª Juíza a quo, como defendem os recorrentes, essa omissão verificou-se na audiência prévia e não na sentença.

15. Mas como os recorrentes, no seu requerimento de interposição do recurso, indicam como objeto deste a sentença, deve o recurso ser claramente improcedente, se não mesmo rejeitado liminarmente.

16. Em todo o caso, diga-se que na audiência prévia a M.ª Juíza levantou a questão e referiu que no seu entendimento a compensação de créditos pressupõe o prévio reconhecimento dos créditos que se querem compensar ou a reclamação judicial dos mesmos.

17. Tendo até interpelado diretamente o mandatário dos recorrentes, o qual, assim alertado para a questão, se manteve, no entanto, firme, no seu entendimento de que não necessitaria de reconvir para que a invocada compensação de créditos produzisse efeitos.

18. Vir agora, em desespero de causa, defender que foi a M.ª Juíza a quo quem violou a lei, quando só a si próprio se deve a omissão, não parece correto e não deve ser validado – com todo o respeito o dizemos – por esse venerando tribunal.

19. Acresce que o eventual convite da M.ª Juíza a quo aos recorrentes para aperfeiçoarem a sua contestação não poderia levar à transformação de uma peça meramente defensiva (a contestação) numa peça com uma característica totalmente nova e diferente como seria a reconvenção.

20. Uma coisa é aperfeiçoar um articulado, outra bem diferente é incluir ex novo nesse articulado um pedido reconvencional, transformando completamente a natureza da peça processual apresentada.

21. Portanto, o convite de aperfeiçoamento que os recorrentes alegam ter faltado, nunca poderia ter levado a permitir a inclusão na contestação de uma reconvenção (necessária à reclamação dos créditos supostamente compensados).

22. Passa-se a transcrever o diálogo ocorrido em sede de audiência prévia, do minuto 2 e 29 segundos ao minuto 2 e 39 segundos (suporte da gravação da audiência de 29/4/2022).

23. Assim:

Mª Juíza: Senhor Dr. vou ser muito franca, é que não foi deduzida reconvenção, não é?

Advogado da A.: Diga

Mª Juíza: Não foi deduzida reconvenção

Advogado dos RR.: O pagamento entretanto foi compensado, não é?

Mª Juíza: Pois Senhor Dr., a compensação ou bem que é reconhecida ou é pedida judicialmente e nomeadamente através da modificação do negócio.

Advogado dos RR: Senhora Dra., no meu entendimento a partir do momento em que a compensação foi efetuada e há aqui algo que não está contratualmente estipulado, a Autora teria que fazer prova do direito de que estes valores lhe eram devidos e é nesse sentido que não achámos necessidade de deduzir qualquer reconvenção na exata medida em que é um direito que não está contratualmente estabelecido, é um direito que a Senhora se arroga e que por via daquilo que (…) dos créditos (…) combinado, dele não fazem parte.

Advogado da A: Mas a lei diz que quando quer deduzir a compensação deve deduzir Reconvenção

Advogado dos RR: O que foi feito

Advogado da A.: A observação da Senhora Dra. Juíza é de todo pertinente.

(Fim de transcrição)

24. Ou seja, o tema foi levantado, debatido e o mandatário dos recorrentes foi “avisado”.

25. Se entendia – como entende agora – que deveria ter sido convidado a aperfeiçoar a contestação que subscreveu, deveria então ter aproveitado a iniciativa da M.ª Juíza e tê-lo requerido.

26. Mas não, manteve-se na sua convicção.

27. Pode até defender-se que se conformou em não aperfeiçoar a contestação, pelo que nem é parte vencida (condição necessária para que pudesse recorrer da decisão tomada na audiência prévia pela M.ª Juíza a quo de não convidar ao aperfeiçoamento da contestação).

Termos em que se pugna pela rejeição liminar do recurso por não serem indicados vícios à sentença, quer do ponto de vista dos factos dados como provados, quer do ponto de vista do direito ou, não sendo esse o entendimento, seja o recurso considerado totalmente improcedente.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), são as seguintes as questões a decidir de acordo com uma lógica de precedência jurídica que o caso concreto sugere:

i - Como questão nuclear, apta a moldar o conhecimento transversal das demais questões do recurso, importa apurar se a compensação tem de ser sempre invocada pela via reconvencional, como definido na sentença, ou se pode operar também, pela via excetiva, como pretendem os Réus na contestação;

ii - Em caso de resposta favorável à necessidade de compensação pela via reconvencional importará apurar se o tribunal deveria ter usado os poderes de gestão inicial do processo, convidando os Réus a deduzirem reconvenção;

iii - Em caso de resposta favorável à compensação pela via excetiva, importa apreciar se, no caso, face aos factos assentes, é possível reconhecer como válida a compensação declarada previamente e operada pelos Réus aquando do pagamento da segunda prestação do contrato de compra e venda de ações; Ou se, tendo ocorrido erro de julgamento do facto n.º 41 infra, a correção desse facto, impõe-se, por suportar esse reconhecimento.


III

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

1- Por escrito datado de 24.09.2019, no qual figuram como Primeiros outorgantes AA (ora Autora) e GG, como Segundos outorgantes (A) BB, (B) CC, (C) DD, (D) EE e (E) Nacional (…) SGPS, SA (ora 1º, 2º, 3º, 4º e 5º RR) e como Terceiro outorgante FF, ficou consignado que:

«Artigo 1.º

Os Primeiros Outorgantes são donos, respetivamente, de 15.050 (quinze mil e cinquenta) e 4.975 (quatro mil novecentos e setenta e cinco) ações, tituladas, nominativas, no valor unitário de 5,00€, no capital social da sociedade (…) – (…) e Consultores de Seguros, SA, com sede na Rua ..., ..., em Lisboa, perfazendo um total de 20.025 ações, correspondentes a 80,10% do capital social.

Artigo 2.º

1. Pelo presente contrato os Primeiros Outorgantes vendem aos Segundos Outorgantes, que por sua vez compram, a totalidade das ações de que cada um é titular e referidas no antecedente artigo, pelo valor global de € 225.899,50 da seguinte forma:

a) O primeiro Outorgante vende 4877 e 98 ações, respetivamente, aos Segundos Outorgantes identificados nas alíneas (E) e (A), pelo valor unitário de € 10,86, perfazendo o valor global de € 54.028,50;

b) A primeira Outorgante vende 3.689, 3.787 e 3.787 ações, respetivamente, aos Segundos Outorgantes identificados nas alíneas (A), (B), (C) e (D), pelo valor unitário de e 11,42, perfazendo o valor global de € 171.871,00.

2. O preço convencionado no ponto anterior para a transmissão das ações da Primeira Outorgante será ajustado se a (…) lograr ser contratada pela EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, SA, para a prestação de serviços de consultadoria e corretagem de seguros para os anos de 2020 e 2021, através do Procedimento de Consulta Prévia que lançou, pela atribuição à Primeira Outorgante de importância correspondente a 20% das comissões anuais geradas pelos seguros EDIA, durante os anos em que, com início em 2020, a (…) mantenha tais seguros em carteira.

3. Os valores referentes ao ajustamento do preço deverão ser pagos à Primeira Outorgante no prazo de 45 dias após o respetivo recebimento por parte da (…).

4. Caso venha a verificar-se a situação prevista no ponto 2 antecedente, a Primeira Outorgante obriga-se a prestar a colaboração necessária para o pleno cumprimento do contrato com a EDIA.

Artigo 3.º

As ações são vendidas totalmente livres de quaisquer ónus ou encargos e com todos os direitos patrimoniais inerentes, declarando os Primeiros Outorgantes nada terem a receber, exigir ou reclamar, quer de qualquer dos Segundos Outorgantes, quer da sociedade (…), com exceção do preço, a receber nos termos do Artigo 5º. Eventuais dividendos a distribuir no final do exercício de 2019 reverterão, na parte que seria destinada aos Primeiros Outorgantes, para os Segundos Outorgantes, na proporção do número de ações por cada um adquiridas.

Artigo 4.º

Os Segundos Outorgantes expressamente declaram terem perfeito conhecimento da situação patrimonial, económica e financeira da sociedade, dispensando a realização de prévia due diligence, declarando também nada terem a receber, exigir ou reclamar de qualquer dos Primeiros Outorgantes, desde que não existam à data de assinatura do contrato dívidas ao Estado, entidades financeiras, fornecedores, seguradoras, colaboradores, comissionistas ou a qualquer outra entidade e ainda terá de existir o depósito a prazo no valor de € 86.000,00 livre de qualquer garantia.

Artigo 5.º

Os preços referidos no artigo 2.º, serão pagos da seguinte forma:

a) A quantia global de € 108.699,75 na data de hoje, sendo € 81.685,50 pagos à Primeira Outorgante e € 27.014,25 pagos ao Primeiro Outorgante, em ambos os casos por meio de cheques, ficando a quitação dependente da boa cobrança dos mesmos;

b) O remanescente, ou seja, a quantia de € 117.199,75 será pago no prazo de um ano a contar da presente data, devendo ser paga a quantia de € 90.185,50 à Primeira Outorgante e € 27.014,25 ao Primeiro Outorgante.

Artigo 6.º

A responsabilidade dos Segundos Outorgantes pelo pagamento do preço global e/ou de qualquer dos preços unitários, bem como por todas as demais responsabilidades que resultem da execução do presente contrato ou do incumprimento do mesmo é solidária, podendo ser exigida por qualquer dos Primeiros Outorgantes a qualquer dos Segundos Outorgantes.

Artigo 7.º

1. A transmissão das ações ocorre nesta data, procedendo os Primeiros Outorgantes à entrega aos Segundos Outorgantes dos títulos representativos das ações vendidas, devidamente endossados.

2. Na data da outorga do presente contrato ambos os Primeiros Outorgantes entregam carta de renúncia aos cargos de Administradores da (…) devendo os Segundos Outorgantes promoveram o registo no prazo legal.

Artigo 8.º

Os Primeiros e Terceiro Outorgantes, que constituem a totalidade dos acionistas da (…) expressamente declaram, nos termos e para os efeitos do disposto no número Um do Artigo Sétimo e no número Um do Artigo Oitavo do contrato de sociedade, dar o seu consentimento, e o da sociedade, ao presente contrato, bem como renunciam mutuamente ao direito de preferência que lhes é conferido e à sociedade. (…)»

2- A condição prevista no n.º 2 do artigo 2.º do escrito referido em 1 não se verificou.

3- A venda das ações respeitantes a ambos os Primeiros Outorgantes que figuram no escrito referido em 1 foram negociadas em conjunto com todos os RR, servindo como interlocutores destes os RR BB e EE.

4- Os RR são parceiros de negócios e sócios de empresas, nomeadamente na Nacional (…) SGPS, SA.

5- Os RR sempre informaram que a divisão final das ações entre eles seria a decidir unilateralmente por estes.

6- Apenas na fase de elaborar e formalizar o escrito referido em 1, o Réu BB informou a A. quem seriam os compradores e a percentagem adquirida por cada um.

7- Para o pagamento do preço referido no artigo 2.º/1, do escrito referido em 1 (€ 225.899,50) concorria a quantia de € 86.000,00, referida no artigo 4.º daquele escrito, que se encontrava depositada em conta bancária titulada pela (…).

8- No cofre da (…) encontrava-se guardado há vários anos o montante de € 5.516,44.

9- HH, cônjuge da Autora e falecido em 2009, integrou como presidente do primeiro conselho de administração da (…).

10- Por pensar que aquele montante pertencia ao seu falecido marido, antes da assinatura do escrito referido em 1, a A. retirou do cofre aquela importância.

11- O montante em causa constava da contabilidade da (…).

12- Por carta datada de 7.11.2019, e recebida pela A. em 12.11.2019, os RR comunicaram à Autora que:

«Os meus referenciados constituintes incumbiram-me de remeter a presente missiva após terem recebido por parte do Contabilista Certificado da sociedade “(…) – (…) e Consultores de Seguros, SA” a guia de retenção na fonte dos dividendos distribuídos por esta sociedade, no valor global de € 17.811,94. (…) Entre V. Ex.ª e os meus constituintes foi celebrado, em 24.09.2019, um contrato de cessão de quotas em cuja negociação nunca foi referido a necessidade de pagamento por parte da sociedade em causa do valor acima referido, o que era previsível e do conhecimento de V. Ex.ª e que, essencialmente, alteraria as condições essenciais que foram tidas em consideração na ponderação da decisão de contratar no que diz respeito aos meus constituintes. Com efeito, caso tivessem tomado conhecimento que se encontrava pendente o pagamento da retenção na fonte devida pela distribuição de lucros, as condições para contratar/adquirir as quotas na sociedade (…) seriam diferentes e esse valor teria que ser retirado ao valor de compra, na proporção das quotas de cada um dos accionistas, já que se trata de uma despesa acordada e decidida por V. Exªs. antes da transmissão das quotas e que não se envolve com a laboração normal da sociedade, tratou-se sim de um acto a beneficiar os sócios. A sociedade foi adquirida com base na realidade que foi dada a conhecer aos meus constituintes, tendo sido omitido o aludido pagamento devido ao Estado e não se assegurou que a sociedade tivesse meios para proceder ao seu pagamento, que era o mínimo exigível aos administradores de então. Acresce que, em 13.05.2019, os meus constituintes tomaram conhecimento que no ano de 2018 não foram pagos a totalidade dos subsídios de Natal nem de férias ao colaborador II, situação que onera a sociedade por factos decorrentes da gestão de V. Ex.ª e, como tal e não tendo sido comunicada aquando das negociações a existência deste passivo/incumprimento, deverá o seu custo ser suportado pela anterior administração. Assim, solicita-se a V. Exªs que procedam ao pagamento da quantia de € 17.811,94, assim como deverão ser liquidados os valores referidos no anterior parágrafo, no prazo máximo de dez dias sob pena de não o fazendo, tal valor ser compensado com o crédito que V. Ex.ªs têm perante os meus constituintes.»

13- Carta de igual teor foi remetida na mesma data ao outro vendedor, GG.

14- O prazo de pagamento da quantia de € 17.811,94, relativa à retenção na fonte do IRS devido pela distribuição de lucros da (…), terminara em Maio de 2019.

15- Os dividendos relativos ao ano de 2018 foram distribuídos no valor bruto global de € 63.614,09.

16- Nessa altura, os serviços da (…) deduziram ao valor que entregaram a cada acionista o correspondente IRS, atingindo essas retenções o valor de € 17.811,94.

17- Desse valor, € 10.722,79 correspondia ao IRS retido à Autora.

18- A emissão da guia para pagamento do IRS retido ao Estado competia aos serviços de contabilidade da (…).

19- Após emissão dessa guia seria dado conhecimento à administração da (…) para prover ao seu pagamento.

20- Por email de 15.10.2019, a contabilista da (…) comunicou a esta sociedade os impostos referentes a Setembro de 2019, a pagar até dia 20.10.2019, entre os quais consta “IRS Dividendos – € 17.811,94”.

21- O valor referido em 16 foi sendo utilizado para pagamento de outras despesas da sociedade.

22- Por mail de 18.10.2019, remetido por FF, em representação da (…), para a Contabilista da (…), aquele comunicou que «(…) e de não termos sido previamente informados do valor a liquidar permitindo-se a libertação de fundos para o efeito, temos dificuldade em efectuar a sua regularização no prazo estipulado. (…)»

23- Para assegurar o pagamento do valor referido em 20 a sociedade Nacional (…) provisionou a conta da (…).

24- Na data da assinatura do escrito referido em 1, a (…) apresentava o saldo de € 9.445,68 na conta património e € 12.248,37 na conta clientes.

25- Por carta datada de 17.01.2020, a A. respondeu à carta dos RR referida em 12 aludindo ao referido em 14 a 18 e ainda que «(…) só no dia 15.10.2019 a contabilidade enviou para os serviços a guia de pagamento. Apesar de ser então Administradora da (…), a verdade é que à data do contrato não sabia que estava por entregar nos cofres do Estado as retenções dos dividendos. (…) não sou devedora dos seus constituintes do valor de € 17.811,94 ou de qualquer outro, pelo que obviamente não o pago nem aceito a sua pretensa compensação com o valor de que sou credora relativamente à 2ª prestação da venda das ações (…)».

26- Por carta datada de 22.09.2020, os RR comunicaram à Autora que «Na sequência da nossa anterior comunicação de 7.11.2019, e não tendo havido lugar ao pagamento solicitado, somos a informar que, após a celebração do contrato de venda de ações referente à sociedade “(…) – (…) e Consultores de Seguros, SA” tomaram os meus constituintes conhecimento de diversos encargos que são referentes ao período de administração de V. Ex.ª a saber:

i) € 2.260,00 referente a recibos verde em atraso;

ii) € 17.811,94 referente ao referido IRS por distribuição de dividendos aos então accionistas;

iii) € 5.516,44 valor constante em balancete como se encontrando em caixa e que na verdade inexistia e constitui um crédito da empresa e teve que ser reposto pelos meus constituintes.

Tais valores totalizam a quantia de € 25.588,38.

Tendo em consideração a distribuição de capital e o valor da venda das ações, foi compensado ao valor que deveria ser pago nesta data, ao abrigo do disposto na alínea b) da cláusula 5.ª no contrato de venda de ações (€ 90.185,50) a quantia de € 19.690,51, pelo que se junta cheque à sua ordem para pagamento da quantia de € 70.494,99.»

27- Juntamente com a carta, os RR enviaram um cheque no valor de € 70.494,99.

28- Por carta de 23.09.2020, a Autora comunicou aos RR que «(…) A questão da retenção na fonte do IRS (€ 17.811,94) foi por mim esclarecida na carta que lhe enviei em 17.01.2020 e, não tendo merecido resposta da sua parte nem dos seus clientes, pensei que estivesse ultrapassada. O mesmo se diga relativamente à questão dos recibos verdes. Mas surge agora mais uma dedução, no valor de € 5.516,44, referente a uma verba que supostamente deveria estar em caixa, sendo que, como os seus clientes bem sabem, a única verba que fizeram questão que estivesse em caixa era a de € 86.000,00 que se encontrava num depósito a prazo. O facto de alegadamente surgir no balancete um valor de € 5.516,44 que deveria estar em caixa, o que ignoro, não é justificativo para a dedução feita, pois os seus clientes conheciam muito bem toda a situação da sociedade, cujos documentos contabilísticos escrutinaram com todo o cuidado. Em boa verdade, os seus clientes não contavam, nem foi pressuposto do contrato, que a sociedade tivesse quaisquer valores em caixa, com exceção dos referidos € 86.000,00. (…) Pelo exposto, informo V. Exa. que aceito o cheque que acompanhava a carta mas apenas como pagamento parcial e sem abdicar de reclamar o remanescente para perfazer o valor que contratualmente tinha direito a receber, ou seja, € 90.185,50. (…)»

29- As negociações que precederam a formalização do escrito referido em 1 tiveram início por volta de Setembro de 2018.

30- Tais negociações foram encabeçadas, pelo lado dos vendedores, pela Autora.

31- O Conselho de Administração da (…), para o triénio 2016-2018, era composto por GG, FF e pelo Réu EE.

32- Pela Assembleia Geral realizada em 29.03.2019 foi eleito novo Conselho de Administração para o triénio 2019-2021 integrado por GG, AA e FF.

33- Durante o período das negociações, os RR tiveram acesso à documentação contabilística e documentação de suporte da sociedade (…) e procederam à sua análise.

34- Antes das negociações, a (…) havia estabelecido parcerias com empresas dos RR ou participadas pelos RR, designadamente a Nacional (…), SGPS, SA, e a (…), Lda..

35- A (…) deixou de ter as instalações na Rua ... em Lisboa e passou a funcionar nas instalações da (…), em (...).

36- Nessas instalações passaram a ser realizadas as reuniões onde era abordada a actividade da Segurassiste e tomadas em conjunto as decisões sobre a mesma.

37- O Réu EE foi nomeado administrador da Segurassiste em 2017 em representação da Nacional Gest e do grupo económico liderado por esta.

38- O colaborador II executava as funções de assistente comercial para a Segurassiste desde Maio de 2018.

39- Nas negociações para a venda das ações ficou acordado que aquele colaborador permanecia em funções após a concretização do negócio.

40- Por email de 13.11.2019, o referido colaborador comunicou à Segurassiste que «No seguimento do que falamos, informo que foi acordado com a Dra. AA (e pelo que me foi referido durante toda a conversação, que foi dado conhecimento ao FF), que no ano de 2018, devido à situação financeira, e de não saberem da continuidade da minha pessoa na Segurassiste, não me seria pago o subsídio de férias e nem o de Natal, e que na minha continuidade na empresa, estes dois subsídios viriam a ser pagos no ano de 2019, conjuntamente com os referentes a esse mesmo ano de 2019. Assim, informo que me foi pago no mês de Julho de 2019 o subsídio de férias do ano de 2018 (referente a 6 meses, embora eu tenha iniciado funções no dia 1 de Maio de 2018), bem como o referente a 2019 e ficou igualmente acordado que o subsídio de Natal de 2018 (referente igualmente a 6 meses) seria pago em conjunto com o de 2019. (…)»

41- O vogal do Conselho de Administração da Segurassiste, FF, tinha conhecimento da situação exposta pelo colaborador.

42- Nessa sequência, foram pagos ao colaborador II os subsídios de Natal de 2018 e 2019, sendo que aquele auferia o valor base mensal de € 1.130,00.

43- A propósito dos termos da redação do artigo 4.º do escrito referido em 1, a A. comunicou aos RR que «podem estar eventualmente em dívida à data do contrato valores resultantes do giro normal da sociedade e que esta assumirá normalmente.»

44- Acerca do mesmo tema, por mail de 5.07.2019, o Réu BB comunica à Autora que «Relembramos que a nossa proposta tinha efeito a 31 de Dezembro de 2018. A facturação da Segurassiste está concentrada no primeiro semestre, o segundo semestre isoladamente é deficitário. Entendemos assumir a empresa com todas as dívidas regularizadas, e na expectativa que a tesouraria existente e as receitas provenientes de comissões da carteira existente, garantam o normal funcionamento da empresa até ao final do ano civil.»

45- A A. respondeu a essa comunicação dizendo que «O valor a receber daqui a um ano pela venda das ações não pode ser deduzido de valor nenhum. A empresa viverá até final do ano como sempre viveu. Aliás, tem dinheiro em caixa para os compromissos futuros. Acresce que a Segurassiste deixará de pagar comissões e avença à Dra. AA. Assim, mantém-se a pretensão anterior de mencionar apenas a existência em caixa dos € 86.000,00.»

46- O Réu BB respondeu ao mail da Autora por mail de 11.07.2019 dizendo, entre o mais, que «pretendemos unicamente garantir, como é natural numa operação desta natureza, que a sociedade cujas ações nos estamos a propor adquirir tem a capacidade mínima de tesouraria para dar cumprimento a todas as suas obrigações financeiras e sociais até final do presente exercício.»

47- Por mail de 11.07.2019, a A., através do seu advogado, responde que «Assim sendo, embora compreendendo o vosso desconforto quanto ao que se poderá passar no segundo semestre, mas considerando que já se pagou o IRC, que deixarão de pagar a avença à minha cliente e que esta não terá mais comissões para receber (com exceção de Junho), penso sinceramente que não há motivo para intranquilidade.»


****

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos que se acaba de descrever e, nomeadamente, que:

a) A quantia referida em 8 estivesse guardada no cofre da Segurassiste desde data anterior ao falecimento de HH,

b) Desde o dia em que o valor das retenções do IRS deveria ter sido entregue ao Estado até à data da assinatura do escrito referido em 1, a Segurassiste tenha tido sempre em caixa nas suas contas bancárias quantia necessária ao pagamento do montante referido em 16;

c) A Autora tenha comunicado à Contabilista da Segurassiste para comunicar à Autoridade Tributária a distribuição de dividendos apenas após a data de 24.09.2019;

d) Em 28.06.2019 tenha sido pago o IRC, no valor de € 13.784,73, por conta dos resultados do exercício anterior, restando um saldo de € 19.410,79;

e) Os compradores tenham tomado conhecimento dos valores reclamados pelo colaborador II em 13.05.2019, como referido em 12, ou em 13.11.2019;

f) Os saldos das contas referidos em 24 se destinasse ao pagamento da quantia referida em 14;

g) A mudança de instalações referida em 35 tenha sido por causa das parcerias referidas em 34;

h) A quantia de € 86.000,00 a que se refere o artigo 4.º do escrito referido em 1 corresponde ao produto da venda de imóveis da Segurassiste no período da gestão dos vendedores das ações;

i) O pagamento referido em 42 fosse devido desde data anterior a 24.09.2019.

Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

Importa apreciar como questão nuclear, apta a moldar o conhecimento transversal das demais questões do recurso, se a compensação de créditos tem de ser sempre invocada pela via reconvencional, como definido na sentença, ou se pode operar pela via excetiva, como pretendem os Réus na contestação.

Dispõe o artigo 847.º do Código Civil que:

« 1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.»

A compensação é no direito civil uma causa de extinção das obrigações além do cumprimento.

Torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra. Não basta a situação de compensação é necessário a declaração de compensação.

São requisitos da compensação legal (por contraposição a convencional) no direito civil:

- A reciprocidade de créditos, requisito autonomizado no artigo 851.º do Código Civil.

De acordo com este artigo a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efetuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro (n.º 1).

O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor (n.º 2 do mesmo artigo).

Um crédito solidário ou um débito solidário não pertence apenas a um dos concredores ou condevedores.

- Impõe-se também como requisito da compensação a homogeneidade das prestações. A fungibilidade há de ser da mesma espécie e qualidade.

- Consistem outros requisitos na validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito.

O crédito invocado pelo compensante terá de ser exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória de direito material.

A propósito do que seja um crédito judicialmente exigível veja-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 11-07-2019, Proc. n.º 664/16.9T8OER-A.L1.S1 (Bernardo Domingos), in www.dgsi.pt, que define:

“É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento ou à execução do património do devedor”.

No mesmo sentido os acórdãos nele citados, cujas transcrições assinalamos infra:

“O crédito (ativo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (…). Assim, é exigível judicialmente o crédito suscetível de ser reconhecido em ação de cumprimento” – Relator Conselheiro Pinto de Almeida, Proc. 23656/15.5T8SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt

“A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (…) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 847.º do Código Civil.

O invocado crédito não deixa de ser exigível, muito embora no momento em que é oposto não esteja reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, o que conduz, inexoravelmente, a uma decisão judicial que os reconheça” – Relator Conselheiro Fonseca Ramos, proc. n.º 91832/12.3YIPRT-A.C1.S, acessível em www.dgsi.pt.

Sendo este também o nosso entendimento, não tendo como necessário para efetivar a compensação, que o crédito deva estar previamente reconhecido judicial ou extrajudicialmente.

A sentença recorrida aparentemente opta por uma posição jurisprudencial mais restrita, como se colhe da fundamentação que ora se transcreve:

“Embora a exigibilidade judicial do crédito nada tenha a ver com o reconhecimento judicial do mesmo, parece ser certo, no entanto, que o crédito só é judicialmente exigível se tiver as condições que permitem a realização coativa da prestação.

(…)

É certo que tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, uma interpretação menos exigente desta norma, concluindo que a referência a uma obrigação judicialmente exigível no âmbito do artigo 847.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, apenas remete para a sua exigibilidade em ação declarativa (cfr. Ac. do STJ de 11.07.2019, no processo 1664/16.9T8OER-A.L1.S1). No rigor, essa é a posição que parece resultar do teor dos artigos 847.º e 848.º do Código Civil: a compensação para operar tem que ter sido declarada por uma parte à outra, mas o crédito passivo não tem que ser imediatamente exequível.

Ora, se decorre do ponto n.º 12 dos factos provados a existência da declaração de vontade dos RR em fazer operar a compensação de créditos, também decorre do ponto n.º 25 que a Autora não reconheceu o crédito reclamado pelos RR.

Assim, não estando o crédito invocado pelos RR reconhecido extrajudicialmente, impunha-se que o estivesse judicialmente para que aqueles se pudessem fazer valer do mesmo.

(…)

Ou seja, era forçoso que na data da declaração operada pela comunicação referida no ponto n.º 12 dos factos provados, os RR pudessem impor à Autora a realização do crédito que invocam e essa imposição só poderia resultar ou do reconhecimento desse crédito por parte da Autora ou da existência de uma decisão judicial que o reconhecesse”.

E dizemos “aparentemente mais restrita” porque no desenvolvimento da fundamentação a sentença admite a possibilidade os Réus/recorridos nesta ação, em que o seu alegado crédito não surge reconhecido judicial ou extrajudicialmente, deduzirem reconvenção para obterem decisão judicial de reconhecimento deste crédito.

Assim, colhe-se da fundamentação:

“Não tendo a Autora reconhecido o crédito dos RR, impunha-se que estes obtivessem decisão judicial de reconhecimento, o que poderiam fazer por via reconvencional nesta ação (artigo 266.º/2-c), do Código de Processo Civil).

Contudo, os RR não deduziram reconvenção, tendo-se limitado a pugnar pela improcedência da ação defendendo que a validade da compensação de créditos que fizeram.

No entanto, como dissemos, o crédito que aqueles invocam não é, nem era à data da declaração à contraparte, judicialmente exigível, porque não estava reconhecido judicial ou extrajudicialmente.

O que os RR fizeram foi proceder, de forma unilateral, à redução do preço do negócio”.

Ou seja, o tribunal a quo afastou a possibilidade de os Réus verem reconhecida nesta ação a compensação do crédito pelos mesmos declarada, com fundamento em os Réus não fizeram uso do mecanismo processual que poderia permitir tal reconhecimento: a reconvenção.

O que nos remete para a questão central em apreciação.

Saber se pode um Réu invocar a compensação de créditos por via da mera exceção ao direito de crédito invocado pelo Autor, ou se tem de o fazer obrigatoriamente por via da reconvenção.

A questão foi já por nós decidida no âmbito da Apelação 83572/21.9YIPRT.E1 deste TRE, relatado pela ora relatora, in www.dgsi.pt, onde se sumariou:

“O artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.”

Expressamos então a nossa posição de admissibilidade de invocação da compensação de créditos por via excetiva.

Seguindo de perto a fundamentação de outros acórdãos, nomeadamente do AC. TRC de 26-02-2019. Proc. n.º 2128/18.1YIPRT.C1, in www.dgsi.pt, escrevemos então:

«A questão de saber se a compensação tem, ou não, de ser invocada sempre via reconvencional, ao abrigo do anterior artigo 274.º, n.º 2, alínea b) e atual artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC tem sido abundantemente abordada na doutrina e na jurisprudência, constituindo uma vexata quaestio com dilucidações, essencial ou circunstancialmente, díspares.

Descortinam-se três orientações.

A primeira que entende que a compensação, quer exceda ou não o contra crédito, apenas pode ser invocada via reconvenção.

A segunda que pugna que o artigo 266.º, n.º 2, alínea c), apenas rege para os casos em que o réu se proponha ver reconhecida a compensação nos autos e não já para os casos em que ela foi anteriormente reconhecida, quer judicialmente, quer extrajudicialmente por declaração do compensante ao compensário.

Finalmente a terceira que defende que o citado segmento normativo atribui ao compensante uma mera faculdade de usar a reconvenção para fazer operar a compensação, podendo, assim, invocá-la por via excetiva – cfr. para maiores desenvolvimentos, os arestos citados pelas partes, a saber: o Ac. da RG de 22.06.2017, proc. 69039/16.0YIPRT.G1 e o Ac. da RC de 18.01.2018, proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1 e a basta doutrina e jurisprudência neles citadas.»

Aderimos à terceira tese.

A compensação assume-se, substantiva e adjetivamente, como figura jurídica diferenciada e autónoma sem estar condicionada por outras figuras ou institutos.

Por isso, assume-se como exceção perentória capaz de obstar ao direito da contraparte, constituindo um meio de extinção das obrigações – cfr. artigo 847.º e segs. do CC. E, desse modo, pode ser invocada em sede de contestação – artigo 571.º, n.º 1, do CPC.

Não havendo qualquer razão para, nos casos em que o valor da compensação não excede o contra crédito, obrigar o compensante a invocar a compensação apenas por via reconvencional.

Não constituindo, para tanto obstáculo, o disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC, que rege:

«2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

(…)

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor»

A lei processual – artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC – não impõe que a compensação só possa ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta reconvenção é admissível quando se pretenda invocar a compensação – cfr. Lebre de Freitas in “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, página 145 e seguintes.

A não se entender assim, inexistindo reconvenção em certo tipo de ações, por imposição legal, como no presente caso, ao réu estaria vedada a invocação da compensação.

(…)

Neste sentido os Acórdãos que seguem, todos in www.dgsi.pt:

- Ac. do STJ de 18-10-2016, p. 6271/08.7TBBRG.P1.S1:

«A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor, e, ainda, em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, uma vez que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte».

(…)

- Ac. do STJ de 14-12-2021, P.107694/20.2YIPRT.S1

«1. A compensação de créditos depende da verificação dos requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil e, eficazmente invocada pelo devedor-credor, produz os mesmos efeitos do cumprimento, dando lugar, quando provada, à absolvição do pedido, assim constituindo uma exceção perentória, nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do CPC.

2. O artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.»

Assim, na adesão a esta posição jurisprudencial anteriormente por nós defendida, e que julgamos de manter, teremos de discordar da sentença quando alega a falta de dedução da reconvenção como comprometedora do reconhecimento da compensação de créditos.

O compensante pode fazer operar a compensação por via excetiva, verificados que estejam os requisitos de natureza substantiva da compensação.

Assim decidida a primeira questão do recurso, fica prejudicada a questão de apurar se o tribunal deveria ter usado os poderes de gestão inicial do processo convidando os Réus a deduzirem reconvenção.

Passemos então à terceira questão do recurso.

Importa ora apreciar se face aos factos assentes, é possível reconhecer como válida a compensação declarada previamente e operada pelos Réus aquando do pagamento da segunda prestação do contrato de compra e venda de ações; Ou se, tendo ocorrido erro de julgamento do facto n.º 41, a correção desse facto suporta esse reconhecimento.

No caso, impõe-se demonstrar o requisito em discussão, da reciprocidade de créditos, requisito autonomizado no artigo 851.º do Código Civil.

Como referimos supra, a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efetuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro (n.º 1).

E, o declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor (n.º 2 do mesmo artigo).

Desse modo, um crédito solidário ou um débito solidário não pertence apenas a um dos concredores ou condevedores.

Recolhendo-nos de novo na fundamentação da sentença, lê-se na mesma:

“Acresce que, a compensação também não pode operar por as despesas que os RR alegam terem pago não serem dívidas da Autora para com eles.

Pretendemos com isto dizer que a quantia paga para liquidação do IRS foi suportada pela sociedade (…) e não pelos RR. Essa quantia reportava-se a IRS devido pela Autora ao Estado, incumbindo à sociedade proceder à sua entrega à autoridade tributária no prazo legal. Acontece que a Autora “pagou” à (…) o montante devido a título de IRS (pontos n.º 16 e 17 dos factos provados), não tendo ficado apurado que tenha sido por ordem da Autora que aquele montante não foi entregue ao Estado no prazo legal (al. c) dos factos não provados). Assim, não se demonstrou existir qualquer dívida da Autora para com a … (e muito menos para com os RR) resultante de IRS não pago.

Da mesma forma, não ficou demonstrado que a quantia paga ao colaborador (ponto n.º 42 dos factos provados) tenha sido suportada pelos RR e, tendo-o sido pela (…), não se provou que não era devida ou que fosse dívida da responsabilidade da administração da Autora (al. i) dos factos não provados).

(…)

Em face do que se deixa dito, não demonstraram os RR serem titulares de um contracrédito sobre a Autora e, por isso, não lhes assistia o direito de fazer operar a compensação de créditos.”

Ponderação que tem a nossa concordância, como desenvolveremos.

Os Réus visaram compensar os seguintes créditos:

a- € 17.811,94 alusivo a IRS devido pela distribuição de dividendos aos acionistas;

b- € 2.260,00 respeitante ao pagamento de subsídios de ferias e de natal a um colaborador a recibos verdes, cujo pagamento estava em atraso.

Relativamente ao valor de € 17.811,94, resultou provado (sem impugnação) que:

O contrato de compra e venda de ações foi celebrado em 24.09.2019.

No ano de 2018 ocorrera a distribuição de dividendos da (…).

Aquando dessa distribuição os serviços da (…) deduziram ao valor que entregaram a cada acionista o correspondente IRS, atingindo essas retenções o valor de € 17.811,94, ou seja, procederam à retenção na fonte como exige a lei tributária.

Desse valor, € 10.722,79 correspondia ao IRS retido à Autora.

O prazo de pagamento da quantia de € 17.811,94, terminara em Maio de 2019, ou seja, antes da data do contrato.

Aquele valor retido de € 17.811,94 foi sendo utilizado para pagamento de outras despesas da sociedade e não para pagamento do IRA a que se destinara

Para assegurar o pagamento deste valor a sociedade … (que deixou de ser Ré na ação por desistência quanto a ela do pedido) provisionou a conta da (…).

Temos assim, à clarividência que, não foram os Réus que pagaram esse valor ao Estado, logo não se constituíram credores do mesmo e, que esse valor não era devido pela Autora, pois que, quando recebeu os lucros ou dividendos alusivos ao ano de 2018, o correspondente valor de IRS fora retido na fonte pela entidade devedora dos dividendos, encarregue de os entregar à Administração Fiscal, a (…).

Esse valor foi utilizado para pagamento de outras despesas da (…), não da Autora, logo, não pode a Autora ser considerada devedora das mesmas.

Não se verifica, pois, quanto a esta quantia as correspondentes qualidades originárias de credor e devedor, o que compromete o estabelecimento de qualquer relação de reciprocidade.

Que dizer então da quantia de € 2.260,00 respeitante ao pagamento de subsídios de ferias e de natal ao colaborador II, cujo pagamento a recibos verdes estava em atraso.

Quanto à mesma está provado que:

O referido colaborador executava as funções de assistente comercial para a (…) desde Maio de 2018 e que aquando das negociações para a venda das ações ficou acordado que aquele colaborador permanecia em funções após a concretização do negócio.

Por email de 13.11.2019, ou seja, já depois do contrato de compra e venda das ações, o referido colaborador comunicou à (…) que «No seguimento do que falamos, informo que foi acordado com a Dra. AA (e pelo que me foi referido durante toda a conversação, que foi dado conhecimento ao FF), que no ano de 2018, devido à situação financeira, e de não saberem da continuidade da minha pessoa na (…), não me seria pago o subsídio de férias e nem o de Natal, e que na minha continuidade na empresa, estes dois subsídios viriam a ser pagos no ano de 2019, conjuntamente com os referentes a esse mesmo ano de 2019. Assim, informo que me foi pago no mês de Julho de 2019 o subsídio de férias do ano de 2018 (referente a 6 meses, embora eu tenha iniciado funções no dia 1 de Maio de 2018), bem como o referente a 2019 e ficou igualmente acordado que o subsídio de Natal de 2018 (referente igualmente a 6 meses) seria pago em conjunto com o de 2019 (…)».

Está igualmente provado no facto 41 que, o vogal do Conselho de Administração da (…), FF, tinha conhecimento da situação exposta pelo colaborador.

Pretendem os Recorrentes na impugnação da matéria de facto, direcionada apenas ao facto 41) que se dê como provado que a Autora também tinha esse conhecimento.

Não se vislumbra a utilidade dessa impugnação, que por isso se dá como prejudicada.

Perante o facto imediato, ou seja, o de que, foram pagos ao colaborador II os subsídios de Natal de 2018 e 2019, sem que se afirme que este pagamento foi feito pelos Réus, será de presumir que esse pagamento foi feito pela (…), a quem o colaborador prestava serviços.

A (…), entidade contratante, era a devedora da quantia ao colaborador, não a Autora.

Por sua vez, se a não desembolsaram não são os Réus credores dessa quantia. Logo não podem pretender compensar um crédito que não detêm.

De resto, na data da assinatura do contrato de compra e venda das ações, a (…) apresentava o saldo de € 9.445,68 na conta património e € 12.248,37 na conta clientes.

Ora, ainda que o saldo desta última não pudesse ser usado, como explicou o Réu BB em audiência de julgamento “Sim, a conta cliente estava provisionada, 9 mil e tal numa conta património e 12 mil e tal numa conta cliente. A conta-clientes decorre de uma obrigação do nosso regulador, é obrigatório todos os agentes, corretores terem uma conta cliente. É para ser entregue esse dinheiro às seguradoras, somos apenas depositários desse dinheiro, é o pagamento dos nossos clientes os prémios para depois entregarmos às seguradoras, não podíamos usar aquele dinheiro para pagar salários ou despesas da própria sociedade. São 9 mil e tal euros se a SFS souber que estamos a usar essa verba podemos ter uma multa”, não se vê razão para não se ter podido usar o saldo da primeira.

Assim, concluímos que, independentemente do conhecimento pela Autora desta dívida ao colaborador II, não foram os Réus pagadores da mesma, tal como não era a Autora responsável direta pela seu pagamento.

Não podendo estabelecer-se uma relação de reciprocidade onde faltam as posições de credor e devedor originárias, não pode, naturalmente, pretender valer-se duma compensação.

Nas suas alegações os Recorrentes referem que, tendo em conta os termos do contrato, os factos que deram causa à obrigação dos referidos pagamentos efetuados pelos recorridos retroagem ao período da gestão da recorrida e pela mesma foram gerados, motivo pelo qual, é a última responsável pelo seu pagamento.

Mas essa alegação contende com o facto de o Conselho de Administração da (…) , quer para o triénio 2016-2018, quer para o triénio de 2019-2021, ser composto por três pessoas, sendo que a Autora apenas integrou este último. E um dos subsídios de Natal do colaborador, em falta, respeita ao ano de 2018, não estando a Autora integrada no Conselho de Administração.

Não demonstrando os Réus/recorrentes o requisito da reciprocidade, necessário à compensação de créditos, não têm direito à compensação pretendida, sendo devedores das quantias em que foram condenados e que correspondem à parte do preço em falta pela compra das ações à Autora /recorrida.

Sendo de confirmar a sentença recorrida.

Síntese conclusiva: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Évora, 25 de janeiro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Vítor Sequinho dos Santos (1º Adjunto)

Mário João Canelas Brás (2º Adjunto)