Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
132/14.8YREVR
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
DELEGAÇÃO EM ESTADO ESTRANGEIRO DA EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 11/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: PROCESSO DE COOPERAÇÂO JUDICIÁRIA
Decisão: DEFERIDO
Sumário:
I - O procedimento regulado nos arts. 104.º a 109.º da Lei n.º 144/99, de 31/8, desdobra-se em duas modalidades relativamente diferenciadas, quanto aos seus pressupostos e finalidades.

II - De acordo com a regra, que podemos considerar geral, enunciada nos nºs 1 e 2 do art. 104.º, a delegação num Estado estrangeiro de uma sentença penal proferida por um Tribunal português é orientada por razões que se prendem com integração social do condenado e depende sempre do consentimento deste.

III - Diferentemente, no caso especial previsto no n.º 3 do mesmo artigo, o procedimento em referência prossegue finalidades de realização da pretensão punitiva do Estado Português, pelo que a delegação no Estado da nacionalidade do requerido da execução da condenação, de que este foi alvo por parte de um tribunal português, já não está dependente da concordância do visado, nem da verificação do seu carácter mais favorável para a reintegração social deste.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVÓRA

I. Relatório
O Ministério Público junto desta Relação veio, nos termos do nº 3 do art. 107º da Lei nº 144/99 de 31/8, promover procedimento de delegação na República da Irlanda de execução de sentença penal portuguesa, proferida contra o nacional irlandês:

A, NASCIDO EM 20/7/79, na República da Irlanda, filho de…, actualmente recluso no seu País de origem;

Nos termos e com os fundamentos seguintes:

1° No âmbito do processo comum nº --/05.0PAPTM que corre termos no 1º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão -. por acórdão proferido a 16 de Junho de 2009 e transitado em julgado a 6 de Novembro de 2009, o referido A. foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º, nº 2. al. e), com referência ao art. 202º. al. f) e de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, todos do Código Penal, nas penas parcelares de, respectivamente, 2 anos e 2 anos e 6 meses de prisão e na pena única de 2 anos e .4 meses de prisão.

2º Pese embora aquela decisão condenatória tenha sido proferida na sua ausência, mas com o seu expresso consentimento, o supra identificado indivíduo foi pessoalmente notificado da data e local da audiência de julgamento respectivo.

3º O A. esteve apenas esteve detido à ordem do processo do Tribunal de Portimão entre os dias 6 e 7 de Junho de 2005, pelo que terá de cumprir o remanescente da aludida pena única de prisão a que foi condenado e que não se mostra extinta - quer por efeito do decurso do prazo de prescrição ou por aplicação de medida de graça (amnistia ou perdão) quer em face da lei Portuguesa quer nos termos da lei Irlandesa.

4º A lei Irlandesa também pune os factos por que o aludido individuo foi condenado como infração criminal e naquele país não correu qualquer processo sobre os mesmos.

5º Na sequência da condenação referenciada não foi emitido pelo Estado Português qualquer mandado de detenção europeu, já que o referenciado A. se encontrava a cumprir pena de prisão perpétua nas prisões Irlandesas.

6º Justamente por ali continuar a cumprir pena de prisão perpétua e também por, em termos gerais, a lei Irlandesa não o exigir não foi solicitado o consentimento do A. para o presente procedimento (art. 104º nº 2 e 3 da Lei 144/99. de 31 de Agosto.

7° Cumprindo aquele cidadão a pena aplicada pelo tribunal Português no seu país natal, onde sempre residiu e continua a residir, tal permitir-lhe-á, naturalmente uma melhor reinserção social.

8° A delegação da execução da sentença penal portuguesa ficará, em qualquer caso, subordinada, não apenas a que a pena imposta pelo tribunal português não seja agravada pelo Estado delegado, como também a obrigação de o Estado Português comunicar àquele qualquer decisão que implique a cessação ou a alteração da execução dessa mesma pena, como decorre do estatuído nos arts. 104º, nº 5, 105º, nº 1 e 101º, nºs 1 a 7, todos da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto.

9° O presente pedido de delegação na República da Irlanda de execução da sentença do Tribunal de Portimão foi considerado admissível pela Senhora Procuradora-Geral da República, conforme despacho de 5 de Junho de 2014, proferido no exercício das competências que lhe foram delegadas pela Senhora Ministra da Justiça, através do Despacho nº 211/2013, de 28 de Dezembro de 2012, publicado no Diário da República, nº 4 II Série, de 7 de Janeiro do mesmo ano.

10º Corridos os subsequentes e indispensáveis termos, o processo formal de delegação de execução, na República da Irlanda, da sentença penal portuguesa que vem sendo referida, virá a ser oportunamente ultimado e encaminhado pela Procuradoria-Geral da República de Portugal, de acordo com o disposto no art. 109º da Lei 144/99, de 3I de Agosto, cujo cumprimento desde já se requer.

11° A delegação da execução da supra referida sentença obedece aos requisitos estabelecidos nos arts. 104º a 109º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, pelo que nada, formal ou substancialmente, obsta à mesma.

12° O Tribunal da Relação de Évora é o competente para decidir a presente promoção de delegação de execução da sentença penal, visto o tribunal da condenação se situar na sua área de jurisdição - art. 101º, nº 3 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

Nos termos expostos e, considerando o preceituado nos arts. 104° a 109º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, requer-se a V.Exª se dignem autorizar a ora promovida delegação na República da Irlanda de execução da sentença proferida contra o nacional Irlandês A., no âmbito do processo comum n° ---/05.0PAPTM do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, com vista ao cumprimento, naquele país, da pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão que nele lhe foi aplicada.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Matéria de Facto
Mostram-se provados os seguintes factos:

1.Por sentença proferida em 16/6/09 e transitada em julgado em 6/11/09, no processo comum nº ---/05.0PAPTM, que corre termos do n 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Portimão, foi o requerido condenado pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º do CP, na pena de 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.

2. A condenação referida em 1. baseou-se, em síntese, na seguinte factualidade, então julgada provada:

a)Em 5/6/05, entre as 12h30m e as 14h00m, o requerido, após se apoderar da chave do apartamento do queixoso Graham H, introduziu-se no referido apartamento quando ali ninguém se encontrava, fazendo uso dessa chave, tendo daí retirado e lavado consigo uma câmara de filmar digital Samsung, uma máquina fotográfica Fuji e um leitor de DVD portátil marca Medion avaliados respectivamente em 400€, 180€, 180€ e 25;

b) Estes bem foram posteriormente encontrados na posse do requerido e entregues ao queixoso;

c) O requerido sabia que os bens lhe não pertenciam e que agia contra a vontade do dono;

c) A hora não concretamente apurada do dia 6/6/05, o requerido, de forma não apurada, logrou introduzir-se na garagem colectivo do edifício denominado «Praia da Rocha», na Praia da Rocha e do interior da viatura de matrícula ----KE, que logrou abrir, pertencente a UV., retirou um auto-rádio da marca Mitsai no valor de 59,99€ e vários CD, que fez seus, abandonando o local;

d) O requerido sabia que agia contra a vontade do dono daqueles bens.

3. O requerido foi detido em 6/6/05 e restituído à liberdade em 7/6/05, à ordem do processo referido em 1.

4. O requerido é cidadão da República da Irlanda, onde normalmente reside, e encontra-se a cumprir, no seu País de origem, pena de prisão perpétua, em que foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado.

5. Em 5/6/14, S. Exª a Procuradora-Geral da República proferiu despacho, no exercício das competências que lhe foram delegadas pelo Despacho nº 211/2013 de 28/12/12, publicado em DR, nº 4, II Série, de 7/1/13 de S. Exª a Ministra da Justiça, que declarou admissível o pedido de delegação na República da Irlanda da execução da sentença proferida no processo nº --/05.0PAPTM, contra A.

A prova dos factos acima enunciados baseia-se nos elementos documentais que acompanham o pedido, constantes de fls. 6 a 42 destes autos, e incluem certidão da sentença, cuja execução é peticionada, com nota de trânsito em julgado.

III. Fundamentação Jurídica

O presente procedimento tem por finalidade conferir ou não satisfação a um pedido formulado pelo MP, no sentido delegar na República da Irlanda a execução de uma sentença proferida por um Tribunal Criminal da República Portuguesa, que condenou numa pena privativa de liberdade um nacional daquele Estado.

Sobre o procedimento tendente à execução no estrangeiro de sentença penal portuguesa regem os arts. 104º a 109º da Lei nº 144/99 de 31/8, cujo teor, para melhor compreensão, integralmente transcrevemos:

- Artigo 104.º
1 - Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:

a) O condenado for nacional desse Estado, ou de um terceiro Estado ou apátrida e tenha residência habitual naquele Estado;

b) O condenado for português, desde que resida habitualmente no Estado estrangeiro;

c) Não for possível ou não se julgar aconselhável obter a extradição para cumprimento da sentença portuguesa;

d) Existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado;

e) O condenado, tratando-se de reacção criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento;

f) A duração da pena ou medida de segurança impostas na sentença não for inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não for inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual, podendo, no entanto, mediante acordo com o Estado estrangeiro, dispensar-se esta condição em casos especiais, designadamente em função do estado de saúde do condenado ou de outras razões de ordem familiar ou profissional.

2 - Verificadas as condições do número anterior, a delegação é ainda admissível se o condenado estiver a cumprir reacção criminal privativa da liberdade no Estado estrangeiro por facto distinto dos que motivaram a condenação em Portugal.

3 - A execução no estrangeiro de sentença portuguesa que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas d) e e) do n.º 1, quando o condenado se encontrar no território do Estado estrangeiro e a extradição não for possível ou for negada, pelos factos constantes da sentença.

4 - O disposto no número anterior pode também aplicar-se, sempre que as circunstâncias do caso o aconselhem, mediante acordo com o Estado estrangeiro, quando houver lugar à aplicação de pena acessória de expulsão.

5 - A delegação está subordinada à condição de não agravação, no Estado estrangeiro, da reacção imposta na sentença portuguesa.

- Artigo 105.º
1 - Aplicam-se reciprocamente as disposições dos n.os 1, 2 e 4 do artigo 98.º, relativas aos limites da execução, e dos n.os 2 a 7 do artigo 101.º, relativas aos efeitos da execução.

2 - Não existindo em Portugal bens suficientes para garantirem a execução de pena pecuniária na sua totalidade, é admitida a delegação relativamente à parte que faltar.

- Artigo 106.º
1 - A aceitação, pelo Estado estrangeiro, da delegação da execução implica renúncia de Portugal à execução da sentença.

2 - Aceite a delegação da execução, o tribunal suspende-a desde a data do seu início naquele Estado até ao integral cumprimento ou até que ele comunique não poder assegurar o cumprimento.

3 - No acto da entrega da pessoa condenada, o Estado estrangeiro é informado do tempo de privação de liberdade já cumprido em Portugal, bem como do tempo ainda por cumprir.

4 - O disposto no n.º 1 não obsta a que Portugal recupere o seu direito de execução da sentença, nos casos em que o condenado se evadir ou, tratando-se de pena pecuniária, a partir do momento em que for informado da não execução, total ou parcial, dessa pena.

- Artigo 107.º
1 - O pedido de delegação da execução de sentença num Estado estrangeiro é formulado ao Ministro da Justiça pelo Procurador-Geral da República, a pedido daquele Estado, por iniciativa do Ministério Público, ou a requerimento do condenado, do assistente ou da parte civil, neste último caso circunscrito à execução da indemnização civil constante da sentença.

2 - O Ministro da Justiça decide no prazo de 15 dias.

3 - Se o Ministro da Justiça o considerar admissível, o pedido é transmitido de imediato, pela Procuradoria-Geral da República, ao Ministério Público junto do tribunal da Relação, para que promova o respectivo procedimento.

4 - Quando for necessário o consentimento do condenado, deve o mesmo ser prestado perante aquele tribunal, salvo se ele se encontrar no estrangeiro, caso em que pode ser prestado perante uma autoridade consular portuguesa ou perante uma autoridade judiciária estrangeira.

5 - Se o condenado se encontrar em Portugal, o Ministério Público requer a sua notificação para, em 10 dias, dizer o que tiver por conveniente, quando não for ele a deduzir o pedido.

6 - A falta de resposta do condenado equivale a concordância com o pedido, disso devendo ser advertido no acto da notificação.

7 - Para os efeitos dos n.ºs 4 e 6, é expedida carta rogatória à autoridade estrangeira ou enviado ofício à autoridade consular portuguesa, fixando-se, em ambos os casos, prazo para o seu cumprimento.

8 - O tribunal da Relação procede às diligências que reputar necessárias para a decisão, incluindo, para o efeito, a apresentação do processo da condenação, se este não lhe tiver sido já remetido.

- Artigo 108.º
1 - O procedimento de cooperação regulado no presente capítulo tem carácter urgente e corre mesmo em férias.

2 - Se o pedido respeitar a execução de sentença que impõe reacção privativa de liberdade, é o mesmo decidido no prazo de seis meses, contados da data em que tiver dado entrada no tribunal, salvo nos casos referidos na segunda parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 104.º, em que o prazo é de dois meses.

- Artigo 109.º
1 - A decisão favorável à delegação determina a apresentação de pedido do Ministro da Justiça ao Estado estrangeiro, através da Autoridade Central, acompanhado dos seguintes documentos:

a) Certidão ou cópia autenticada da sentença portuguesa, com menção do trânsito em julgado;

b) Declaração relativa à duração da privação de liberdade já decorrida, até ao momento da apresentação do pedido;

c) Declaração do consentimento do condenado, quando exigida.

2 - Se a autoridade estrangeira competente para a execução comunicar que o pedido é aceite, a Autoridade Central solicita ser informada daquela execução até total cumprimento.

3 - A informação recebida nos termos do número anterior é enviada ao tribunal da condenação.

Igualmente reproduzimos o teor dos nºs 1, 2 e 4 do art. 98º e dos nºs 2 a 7 do art. 101º do mesmo diploma legal, para os quais remete o nº 1 do art. 105º:

- Artigo 98.º
1 - A execução da sentença estrangeira limita-se:

a) À pena ou medida de segurança que impliquem privação da liberdade, ou pena pecuniária se, neste caso, forem encontrados em Portugal bens do condenado suficientes para garantir, no todo ou em parte, essa execução;

b) À perda de produtos, objectos e instrumentos do crime;

c) À indemnização civil, constante da mesma, se o interessado a requerer.

2 - A execução das custas do processo limita-se às que forem devidas ao Estado requerente.
3 - …
4 - As sanções acessórias e as medidas de segurança de interdição de profissões, actividades e direitos só se executam se puderem ter eficácia prática em Portugal.

- Artigo 101.º
1 - …
2 - As sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses.

3 - O Estado estrangeiro que solicita a execução é o único competente para decidir do recurso de revisão da sentença exequenda.

4 - A amnistia, o perdão genérico e o indulto podem ser concedidos tanto pelo Estado estrangeiro como por Portugal.

5- O tribunal competente para a execução põe termo a esta quando:

a)Tiver conhecimento de que o condenado foi beneficiado com amnistia, perdão ou indulto que tenham extinguido a pena e as sanções acessórias;

b) Tiver conhecimento de que foi interposto recurso de revisão da sentença exequenda ou de outra decisão que tenha por efeito retirar-lhe força executiva;

c) A execução respeitar a pena pecuniária e o condenado a tiver pago no Estado requerente.

6 - O indulto e o perdão genérico parciais ou a substituição da pena por outra são levados em conta na execução.

7 - O Estado estrangeiro deve informar o tribunal da execução de qualquer decisão que implique a cessação desta, nos termos do n.º 5.

Podemos dizer que o procedimento regulado nos arts. 104º a 109º da Lei nº 144/99, de 31/8, se desdobra em duas modalidades relativamente diferenciadas, quanto aos seus pressupostos e finalidades.

De acordo com a regra, que podemos considerar geral, enunciada nos nºs 1 e 2 do art. 104º, a delegação num Estado estrangeiro de uma sentença penal proferida por um Tribunal português é orientada por razões que se prendem com integração social do condenado e depende sempre do consentimento deste.

Diferentemente, no caso especial previsto no nº 3 do mesmo artigo, o procedimento em referência prossegue finalidades de realização da pretensão punitiva do Estado Português e já não está dependente da concordância do visado.

Na situação em apreço, verifica-se que o requerido foi condenado por sentença proferida por um Tribunal português, transitada em julgado, numa pena global de 2 anos e 4 meses de prisão, que se encontra inteiramente por cumprir, sem prejuízo do desconto do tempo de privação de liberdade sofrido à ordem do processo da condenação, nos termos do art. 80º do CP.

O requerido é cidadão irlandês e encontra-se actualmente no seu País de origem a cumprir uma reacção penal privativa de liberdade.

Sucede, porém, que a pena de prisão, que o requerido está presentemente a expiar, tem carácter perpétuo.

Independentemente das possibilidades que o ordenamento jurídico do Estado, que proferiu essa outra condenação, possa oferecer, no sentido de o requerido vir a ser colocado em liberdade antes do termo normal da pena ou da eventualidade de vir a beneficiar de alguma medida de clemência como o perdão genérico ou o indulto, o certo é que a reacção penal a que o requerido se encontra neste momento vinculado apenas se extinguirá, tanto quanto é possível prever, com a vida do condenado.

Nesta conformidade, fica definitivamente comprometida a possibilidade de o Estado Português vir a obter das autoridades da República da Irlanda a entrega do requerido, mormente, por via da emissão de Mandado de Detenção Europeu (MDE), nos termos da Lei nº 65/03, de 23/8.

Assim sendo, o caso, que nos ocupa, encontra-se abrangido pelo regime especial previsto no nº 3 do art. 104º da Lei nº 144/99 de 31/8, pelo que a delegação no Estado da nacionalidade do requerido da execução da condenação de que este foi alvo, por parte de um Tribunal português não se encontra dependente de consentimento do visado, nem da verificação do seu carácter mais favorável para a reintegração social deste.

O despacho proferido em 5/6/14 por S. Ex.ª a Procuradora-Geral da República, no exercício de competência delegada, é de molde a preencher o requisito formal da delegação da execução da sentença penal portuguesa, exigido pelos nºs 2 e 3 do art. 107º Lei nº 144/99, de 31/8.

Não se procedeu à notificação prescrita pelo nº 5 do mesmo art. 107º, porquanto o requerido não se encontra em território nacional e, de qualquer forma, tal procedimento não se destina, se bem compreendemos, a proporcionar ao requerido o ensejo do exercício do direito ao contraditório, mas sim a suprir o seu consentimento à delegação da execução da sentença penal portuguesa, quando esta dependa da vontade do visado, o que não é o caso.

Nesta ordem de ideias, somos de entender que a delegação em Estado estrangeiro da execução de uma sentença penal proferida por um Tribunal português, no caso a que se refere o nº 3 do art. 104º da Lei nº 144/99 de 31/8, em que não depende da autorização do condenado, não está subordinada ao exercício do contraditório, já que, nestas hipóteses, está em causa apenas a realização da pretensão punitiva do nosso Estado, plasmada numa decisão judicial condenatória transitada em julgado, dirigida contra pessoa determinada, a que obste apenas a circunstância de o visado se encontrar fora do território em que exerce a soberania da República Portuguesa, quando o uso dos procedimentos normalmente seguidos em tais situações (MDE, extradição activa) se mostre inviabilizado, em virtude de circunstâncias excepcionais ou tenham sido empregues sem êxito.

Como é sabido, a emissão de MDE ou a formulação de um pedido de extradição a um Estado estrangeiro, pelos órgãos competentes do Estado Português, com vista à execução de uma condenação transitada em julgado, não se encontra sujeita ao exercício prévio do contraditório pelo visado, pelo que não fará sentido que a delegação da execução o esteja.

Consequentemente, mostram-se reunidos os requisitos da delegação da execução da sentença proferida no processo comum nº ---/05.0PAPTM contra A, nas autoridades da República da Irlanda.

Nos termos do nº 5 do art. 104º da Lei nº 144/99, de 31/8, a delegação fica condicionada à não agravação pelo Estado executor da sanção imposta na sentença ditada pelo Tribunal português.

Por fim, em obediência ao disposto no art. 80º do CP, determina-se o desconto, no cumprimento da pena exequenda, de dois dias (6 e 7/6/05) em que o requerido esteve detido à ordem do processo da condenação.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em deferir o requerido, e, consequentemente, determinar a delegação nas autoridades da República da Irlanda a execução da pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, em que foi condenado A., por sentença proferida e transitada em julgado no processo comum nº ---/05.0PAPTM, sob a condição do não agravamento da sanção pelo Estado delegado, descontando-se no cumprimento da pena de prisão 2 dias de detenção.

Sem custas.
Notifique.

Évora. 18/11/14 (processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Povoas Corvacho

João Manuel Monteiro Amaro
.