Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3229/15.3T8LLE-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
PRESUNÇÃO LEGAL
PENHORA
DESPACHO LIMINAR
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O título executivo a que alude o nº 3 do art. 777º do CPC formado pela notificação à terceira devedora e a falta de declaração desta, é tido pela doutrina e pela jurisprudência como um título judicial impróprio, visto o mesmo encerrar uma condenação da devedora decorrente da lei, que sanciona o seu silêncio com a presunção de que o crédito penhorado existe nos exatos termos em que foi penhorado, limitando-se o juiz a verificar a validade desses documentos.
II - Tratando-se de um título judicial impróprio, tal significa que para efeitos do disposto nos arts. 550º, nº 2, al. a) e 703º, nº 1, al. a), do CPC, aquele título executivo assim formado pela notificação efetuada à terceira devedora/recorrente da penhora do crédito e da falta de declaração desta é havido como sentença judicial condenatória.
III - A execução que é instaurada contra a recorrente com base nesse título executivo corre nos próprios autos da execução primitiva, tratando-se, aliás, de execução incidental e instrumental em relação à execução primitiva, estando dependente das vicissitudes que nesta aconteçam, de modo que a extinção, total ou parcial, da execução principal altera o objeto da execução incidental ou fá-la mesmo perder a sua utilidade, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida.
IV - Entendendo o Sr. Juiz a quo que a execução devia prosseguir, aquilo que se impunha era que proferisse despacho de citação da executada/recorrente para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução (nº 6 do art. 926º do CPC), e não se limitar a declarar que a execução prosseguia os seus termos, sendo assim nulo todo o processado posterior ao requerimento da exequente por falta de citação - incluindo o despacho recorrido -, nos termos do art. 187º, alínea a), do CPC. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Banco Banif Mais, S.A.[1] instaurou execução ordinária contra P… e R…, visando o pagamento por estes da quantia de € 14.685,46 [€ 13.214,57 de capital e € 1.470,89 de juros], dando à execução duas livranças nos montantes de € 3.677,76 e € 9.536,81, respetivamente
Em 13.05.2021, a exequente apresentou nos autos um requerimento que finalizou assim:
«Termos em que, face ao supra exposto, e considerando que a notificação efetuada pela Exma. Senhora Agente de Execução preenche os requisitos previstos no artigo 773.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, requer-se a V. Exa. Se digne a ordenar a prossecução dos presentes autos também contra CARNELA, UNIPESSOAL LDA pelo valor que se mostrar em dívida na presente data, acrescidos de juros de mora até efetivo e integral pagamento, bem como de todas as despesas legais, servindo de título executivo o conjunto dos documentos juntos.»
Em 01.06.2021, a agente de execução foi notificada daquele requerimento e, em 06.07.2021, o Sr. Juiz a quo proferiu o despacho que a seguir se transcreve:
«Do prosseguimento da execução contra a entidade empregadora:
Veio o exequente «Banco Cofidis, S. A» (Refª CITIUS 38859948) requerer o prosseguimento da execução também contra a sociedade “Carnela, Unipessoal, Lda”, alegando, em suma, que efectuadas pesquisas junto da Segurança Social em 2017 relativamente à executada R…, apurou-se que a mesma auferia um rendimento mensal igual ao salário mínimo nacional e nessa sequencia foi concretizada a notificação da empresa “Carnela, Unipessoal, Lda”, entidade que constava como pagadora das remunerações da executada e também da qual a executada era sócia-gerente, para que procedesse à penhora dos abonos, vencimentos salários ou outros rendimentos periódicos devidos à executada até ao montante de 19.407,31 €, e em 07/05/2018 a senhora Agente de Execução procedeu à notificação da referida empresa da falta de resposta nos termos do nº 4 do artigo 773º, do Código de Processo civil e em 11/05/2018 a sociedade “Carnela, Unipessoal, Lda” juntou aos autos um recibo de vencimento da executada do qual resultava vencimento impenhorável, pelo que em 14/05/2018 a senhora Agente de Execução notificou-a para dar andamento à penhora de vencimento da executada sempre que o mesmo exceda o salário mínimo nacional, bem como nos meses do pagamento dos subsídios de férias e de natal, mas não obstante as várias insistências da senhora Agente de Execução, nomeadamente em 10/04/2019 e 18/05/2020 junto da “Carnela, Unipessoal, Lda” para juntar aos autos os últimos doze recibos de vencimento da executada, a empresa não só não procedeu a tal envio como não efectuou qualquer desconto no vencimento da executada e não se logrou até ao momento obter qualquer resposta por parte da empresa, pelo que se encontram reunidas as condições para que o exequente possa exigir nesta instância executiva o cumprimento das prestações devidas.
Juntou 8 (oito) documentos.
*
Cumpre apreciar e decidir.
Preceitua o nº 1 do artigo 779º do Código de Processo Civil que “Quando a penhora recaia sobre rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos, é notificado o locatário, o empregador ou a entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito”.
Por sua vez o nº 3 do artigo 777º do mesmo diploma legal estatui que “Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos de execução, a prestação devida, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito”.
Feito o enquadramento legal, revertendo ao caso em apreço, temos que após averiguar que a executada R… auferia remuneração paga pela sociedade «Carnela, Unipessoal, Lda», Pessoa Colectiva nº 500 055 211, com estabelecimento/sede em Rua José Estevão, 6, 8000-278 Faro, em 09 de Janeiro de 2018 a senhora Agente de Execução notificou a referida sociedade para proceder à penhora dos vencimentos da executado até ao montante de 19.407,31 €, constando na nota de citação que a entidade empregadora ficava advertida de que se nada dissesse se entendia que reconhecia a existência da obrigação, ficando obrigada ao pagamento integral do valor em divida, sendo certo que a referida entidade patronal foi regularmente notificada com observância das formalidades prescritas para a citação, porquanto o aviso de recepção está devidamente assinado.
A sociedade «Carnela, Unipessoal, Lda» nada disse e em 07/05/2018 a senhora Agente de Execução notificou-a para proceder ao pagamento do valor global de 16.154,01 €, ao que em 11/05/2018 a referida sociedade remeteu para os autos cópia do recibo de vencimento da executada referente ao mês de Abril de 2018 do qual resulta que a executada auferiu nesse mês a remuneração mensal base de 580,00 € e após efectuados os descontos obrigatórios (Segurança Social), recebeu o montante liquido de 516,20 €, montante inferior a 1 salário mínimo nacional então em vigor (580,00 €), impenhorável.
Na sequencia da comunicação da sociedade “Carnela, Unipessoal, Lda”, em 14/05/2018 a senhora Agente de Execução notificou-a para dar andamento à penhora do vencimento auferido pela executada Rosa Martins sempre que o mesmo exceda o salário mínimo nacional e nos meses de pagamento dos subsídios de férias e de natal.
Porque a sociedade “Carnela, Unipessoal, Lda” não depositou quaisquer montantes à ordem dos autos provenientes dos descontos efectuados nos vencimentos auferidos pela executada R…, em 10/04/2019 a senhor Agente de Execução notificou-a para em dez dias juntar aos autos cópia dos últimos doze recibos de vencimento da executada, mas tal solicitação da senhora Agente de Execução não foi satisfeita, e até ao momento a referida sociedade não depositou qualquer valor à ordem destes autos e também não apresentou qualquer justificação, pelo que estão reunidos os pressupostos legais para que a presente execução prossiga contra a entidade patronal da executada R….
Assim, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 777º, do Código de Processo Civil, declaro para os devidos e legais efeitos que a presente execução prossegue também contra a entidade patronal da executada rosa M…, a sociedade «Carnela, Unipessoal, Lda», Pessoa Colectiva nº 500 055 211, com sede/estabelecimento na Rua José Estevão, 6, rés-do-chão, 8000-378 Faro.»
Inconformada, a referida sociedade apelou do assim decidido, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso interposto do Despacho junto aos presentes autos em 6 de julho de 2021, com a referência Citius n.º 120477367, que concluiu que se encontram reunidos os pressupostos legais para que a execução prossiga contra a Recorrente na qualidade de entidade patronal da Executada, e, nos termos do n.º 3 do artigo 777.º do Código de Processo Civil, declarou para os devidos e legais efeitos que a presente execução prossegue também contra a ora Recorrente;
2. A Recorrente não se conforma com o sentido do douto Despacho recorrido, entendendo que, o mesmo não podia ter sido proferido pelo Meritíssimo Juiz, e caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que o mesmo padece de error.
Com efeito,
3. A Exequente com o Requerimento junto aos autos em 13/05/2021, pretendeu alcançar uma cumulação de execuções, não cumprindo o procedimento legalmente previsto;
4. A Exequente deveria ter iniciado o competente Requerimento Executivo, cumulando-o aos presentes autos, sendo o título executivo o conjunto de documentos do qual decorreria a responsabilidade da ora Recorrente.
No caso,
5. O Tribunal proferiu despacho ordenando o prosseguimento dos autos, quando tal despacho deveria ser o despacho liminar, a ser proferido no âmbito da execução cumulada aos presentes autos intentada pela Exequente contra a Recorrente.
Assim,
6. O Tribunal ao proferir o Despacho objeto do presente Recurso, extravasou as competências legais de atuação no âmbito do processo executivo, ultrapassando o procedimento legalmente previsto.
Pelo que,
7. Se impõe concluir que estamos perante uma incompetência funcional do Meritíssimo Juiz que implica a revogação do despacho proferido, sendo este substituído por outro que indefira a pretensão da Exequente.
8. Caso assim não se entenda sempre se dirá que,
9. De nenhuma das pesquisas efetuadas nos presentes autos, concretamente dos resultados das pesquisas efetuadas à Segurança Social, não decorre que a Executada é trabalhadora da Recorrente, mas sim que é Membro de Órgãos Estatutários, concretamente a Executada é gerente da Recorrente.
10. A Recorrente juntou aos autos o recibo que confirma a origem do rendimento pago à Executada e respetivo valor, sempre de valor equivalente a um salário mínimo nacional.
11. Posteriormente, a Recorrente não voltou a ser notificada para prestar qualquer esclarecimento ou juntar algum documento.
12. A situação remuneratória da Executada da responsabilidade da Recorrente sempre foi a mesma desde a notificação efetuada à Recorrente em maio de 2018;
13. A Recorrente na qualidade de entidade pagadora da renumeração da Executada enquanto gerente cumpriu as suas obrigações e informou a Sra. Agente de Execução juntando o recibo de onde se subsumem as informações relevantes para os presentes autos.
14. A Recorrente, enquanto entidade pagadora da remuneração de gerente da Executada não efetua outros pagamentos, para além da referida remuneração uma vez que a Executada não aufere subsídios (refeição, férias e Natal) ou qualquer outro incremento remuneratório, para além do valor correspondente ao salário mínimo nacional.
15. Ao decidir-se pelo incumprimento, sem mais, das obrigações da Recorrente, o Tribunal errou, quando tinha nos autos elementos que permitiam concluir por decisão contrária;
Assim,
16. Impõe-se concluir pela revogação do despacho e substituição por outro que indefira a pretensão da Exequente.
Caso assim não se entenda,
17. O pedido formulado pela Exequente é o de poder exigir à Recorrente, nos presentes autos instância executiva, o cumprimento das prestações devidas, sendo que este pedido não se confunde com o de prosseguimento da execução contra a Recorrente.
18. O valor do reconhecimento que integra o título executivo corresponde ao valor das prestações que em tese deveriam ter sido depositadas à ordem dos autos, reportando-se ao incumprimento das prestações a que a Recorrente estaria adstrita, e não da totalidade da quantia exequenda.
Acontece que,
19. A Recorrente não efetuou à Executada nenhum pagamento mensal de valor superior ao equivalente ao salário mínimo nacional, tendo apenas pago à Executada a retribuição de gerente equivalente ao valor do salário mínimo nacional.
Assim,
20. Impõe-se concluir que a Recorrente não incumpriu qualquer obrigação, mostrando-se incorreta a decisão do Tribunal ao considerar, sem mais, o prosseguimento da ação executiva contra a Recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogado o Despacho recorrido, tudo com as legais consequências, com o que V. Exas. farão a acostumada JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), as questões a decidir são as seguintes:
- incompetência funcional do juiz;
- erro de julgamento.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório precedente.

O DIREITO
Da incompetência funcional do juiz
Antes de curar de saber da bondade da decisão recorrida, na qual se considerou estarem reunidos os pressupostos legais para que a presente execução prossiga contra a recorrente e entidade patronal da executada R…, nos termos do art. 777º, nº 3, do CPC, coloca-se uma questão de natureza processual à qual importa, desde já, dar resposta, e que se prende com o facto de a recorrente ter invocado a incompetência funcional do Sr. Juiz a quo para proferir aquela decisão, alegadamente por ter extravasado “as competências legais de atuação no âmbito do processo executivo, ultrapassando o procedimento legalmente previsto”.
Mas não tem razão a recorrente. Senão vejamos.
A penhora de créditos consiste na notificação do devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta (logo, por carta registada com aviso de receção), de que o crédito fica à ordem do agente de execução (art. 733º, nº 1, do CPC[2]).
Perante essa notificação, o devedor, in casu a aqui recorrente, podia ter adotado vários comportamentos, nomeadamente nada dizer, que foi efetivamente o que sucedeu, caso em que essa omissão tem o efeito cominatório de equivaler ao reconhecimento do crédito, nos termos da indicação do crédito à penhora (art. 773º, nº 4), presumindo-se, por conseguinte, a existência desse crédito nos exatos termos em que foi nomeado à penhora e foi penhorado, sendo que neste caso, cumpria à terceira devedora, logo que a dívida se vencesse (em função dos termos constantes da nomeação do crédito à penhora e da penhora assim feita), depositar a respetiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução e apresentar a este o documento de depósito [art. 777º, nº 1, als. a) e b)].
A recorrente, porém, não depositou o crédito à ordem da agente de execução, crédito esse que, como referido, perante o silêncio da mesma, se presume existir nos termos em que tinha sido nomeado à penhora e foi penhorado, pelo que a exequente, em 13.05.2021, requereu a continuação da execução contra a recorrente, o que foi deferido pelo Sr. Juiz a quo, por decisão proferida em 06.07.2021, objeto do presente recurso.
Ora, o título executivo a que alude o nº 3 do art. 777º formado pela notificação à terceira devedora (no caso, a recorrente) e a falta de declaração desta, é tido pela doutrina e pela jurisprudência como um título judicial impróprio, justamente porque o mesmo encerra uma condenação da devedora decorrente da lei, que sanciona o seu silêncio com a presunção de que o crédito penhorado existe nos exatos termos em que foi penhorado, limitando-se o juiz a verificar a validade desses documentos[3].
Tratando-se de um título judicial impróprio, tal significa que para efeitos do disposto nos arts. 550º, nº 2, al. a) e 703º, nº 1, al. a), aquele título executivo assim formado pela notificação efetuada à terceira devedora/recorrente da penhora do crédito e da falta de declaração desta é havido como sentença judicial condenatória.
A execução que é instaurada contra a recorrente com base nesse título executivo corre nos próprios autos da execução primitiva, onde foi ordenada a penhora do crédito e onde essa penhora foi efetuada mediante a notificação da aqui recorrente de que aquele crédito da executada primitiva sobre si ficava penhorado, e onde esta nada disse na sequência daquela notificação e, onde, consequentemente, se formou o título executivo, tratando-se, aliás, de execução incidental e instrumental em relação à execução primitiva, «estando dependente das vicissitudes que nesta aconteçam, de modo que a extinção, total ou parcial, da execução principal altera o objeto da execução incidental ou fá-la mesmo perder a sua utilidade, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida (RC 9-1-18, 252/11)»[4].
Significa isto que, em princípio, a “execução” instaurada contra a recorrente, porque se funda num título judicial impróprio, a correr nos próprios autos onde se formou esse título executivo, seguiria os termos de processo comum para pagamento de quantia certa sumária e, nessa medida, poderia falar-se em incompetência funcional do Sr. Juiz a quo, considerando que na forma de processo sumário, compete ao agente de execução a apreciação liminar do requerimento executivo, nos termos do disposto no artigo 855º.
Porém, in casu não é aplicável a forma de processo sumário, pois tratando-se de um caso de cumulação de execuções, deve aplicar-se o regime previsto no artigo 709º, nº 5, segundo o qual, quando ocorra cumulação de execuções que devam seguir a forma de processo comum distinta, a execução segue a forma ordinária[5], sendo o processo concluso ao juiz para despacho liminar, nos termos do artigo 726º.
Esta última norma, «analisada no seu conjunto, para além de instituir no âmbito do processo ordinário o despacho liminar e a citação prévia, como regra, enumera as várias hipóteses de despacho a cargo do juiz e que, em síntese, se poderão traduzir em (i) ordenar a citação do executado; (ii) convidar o exequente a suprir a irregularidades ou a sanar a falta de pressupostos, ou, finalmente, (iii) indeferir total ou parcialmente o requerimento executivo»[6].
Daqui decorre, pois, não se verificar a arguida exceção de incompetência funcional do juiz a quo, o que não significa, porém, que o despacho recorrido não mereça censura, como veremos de seguida.

Da falta de citação da executada/recorrente
Na decisão recorrida o Sr. Juiz a quo, por entender estarem verificados os pressupostos legais para que a presente execução prosseguisse contra a ora recorrente, entidade patronal da executada R…, declarou «para os devidos e legais efeitos» que a presente execução prosseguia também contra a recorrente, a isto se resumindo a decisão proferida.
Ora, entendendo o Sr. Juiz que a execução devia prosseguir, aquilo que se impunha era que proferisse despacho de citação da executada/recorrente para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução (nº 6 do art. 926º), e não se limitar a declarar que a execução prosseguia os seus termos.
Ademais, importa ter presente que a exequente apresentou um simples requerimento nos autos a requerer o prosseguimento da execução, sendo que para este efeito deveria a mesma «apresentar requerimento executivo em modelo próprio, observando-se o disposto no artigo 724.º, com as necessárias adaptações, anexando-lhe a declaração de reconhecimento da dívida por parte do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração (…), obtendo os referidos documentos junto do respetivo agente de execução»[7], o que não foi observado in casu.
Certo é, porém, que face à posição assumida pelo Sr. Juiz a quo, a este só restava proferir despacho a ordenar a citação da recorrente nos termos acima referidos.
Ao assim não se ter procedido, é nulo todo o processado posterior ao requerimento da exequente por falta de citação - incluindo o despacho recorrido -, nos termos do art. 187º, alínea a), não podendo aquela falta considerar-se sanada nos termos do art. 189º, pois a mesma foi alegada pela recorrente na conclusão 5: «O Tribunal proferiu despacho ordenando o prosseguimento dos autos, quando tal despacho deveria ser o despacho liminar, a ser proferido no âmbito da execução cumulada aos presentes autos intentada pela Exequente contra a Recorrente.»
Deste modo só resta anular o despacho recorrido, devendo o Sr. Juiz a quo ordenar a citação da ora recorrente, sem prejuízo, caso assim venha a entender, de convidar a exequente a suprir as apontadas irregularidades do requerimento executivo.
Vencida no recurso, suportará a exequente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a decisão recorrida, devendo a execução instaurada pela exequente contra a entidade patronal da executada prosseguir em conformidade com o acima exposto.
Custas pela exequente.
*
Évora, 16 de dezembro de 2021

(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] A quem viria a suceder na posição de exequente o Banco Cofidis, S.A.
[2] São deste Código as normas indicadas sem menção de origem.
[3] Neste sentido Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, p. 459 e Acórdãos da Relação de Guimarães de 01.02.2018, proc. 249/16.4T8CHV.B.G1, da Relação do Porto de 08.03.2016, proc. 2181/12.1TBPVZ-E.P1 e de 05.11.2015, proc. 567/14.6T2AGD-A.P1, e da Relação de Coimbra de 20.11.2007, proc. 34-C/2001.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020 – Reimpressão, p. 162.
[5] Esta forma é, aliás, a da primitiva execução.
[6] Virgílio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2ª edição, p. 216.
[7] Virgílio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, ob. cit., p. 373.