Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA WHYTTON DA TERRA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS DA CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição, na decisão da autoridade administrativa, dos elementos subjetivos da concreta contraordenação imputada ao agente, nomeadamente em termos de saber se estamos perante uma imputação a título de dolo ou, diversamente, a título de negligência. II - No presente caso, da decisão da autoridade administrativa consta que a arguida agiu com conhecimento e vontade de praticar o facto, bem sabendo que qualquer prédio rústico não permite construção de edificações, que teve um comportamento doloso porque detinha o conhecimento das características do prédio em causa, nomeadamente de ser um prédio rústico, e, conformando-se com o resultado, construiu e implementou edificações no prédio sem o devido licenciamento, pelo que não se pode considerar que a factualidade que foi apresentada na decisão da autoridade administrativa seja insuscetível de ser tipificada como integradora dos elementos subjetivos da contraordenação imputada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO: No âmbito do Processo n.º 594/24.5T80LH do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de competência genérica de Olhão - Juiz 1, por despacho proferido no dia 13.6.2024, foi declarada a nulidade da decisão administrativa e rejeitado o recurso de impugnação apresentado por L. Inconformado com a decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso a fls.48 a 56 do processado, que na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões: “1. O Município de Olhão decidiu condenar a arguida na coima de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 21.°, alínea d) e 39.°, n.° 1, al. a), do Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional. 2. Esta decisão foi impugnada judicialmente pela arguida. 3. A Mma Juiz a quo decidiu a impugnação por despacho, considerando que a decisão administrativa não cumpre os requisitos formais estipulados no artigo 58.°, do RGCO, designadamente no que respeita à indicação do elemento subjectivo. 4. Perante o juízo que formulou, considerou que “da simples leitura da decisão administrativa impugnada resulta que a mesma não encerra em si e nos factos imputados à arguida, nenhum facto de natureza subjetiva (...) não se trata de fazer uma imputação imprecisa, ou como muitas vezes verificamos, em vez de aparecer nos factos imputados é descrita factualmente no momento da decisão destinada à apreciação da culpa, estamos antes perante uma ausência absoluta. Nada é descrito. Nada é imputado, impondo-se por isso o arquivamento dos autos. 5. No entanto, na apreciação da culpa, a autoridade administrativa descreve “(...) analisada a gravidade da infração, cumpre apreciar a culpa da arguida, pois além do facto típico e ilícito, onde recai um juízo de censura, quanto à atitude que o agente expressa da sua prática cumpre atender que na apreciação dos factos a arguida agiu com o conhecimento e vontade de praticar o facto, bem sabendo que qualquer prédio rústico não permite construção de edificações, salvo em casos excecionais e após autorização por parte do Município; Evidenciando-se, assim, um comportamento doloso porque a arguida detinha o conhecimento das características do prédio em causa, nomeadamente de ser um prédio rústico, e agiu conformando-se com o resultado, construindo e implementando edificações no prédio sem o devido licenciamento, que no caso em apreço, nem sequer é passível de legalizações e acções estas interditas por serem em área RAN, pelo qeu tudo leva a que tais acções sejam consideradas a título de dolo(...)”. 6. Efectivamente, a decisão da autoridade administrativa sob cogitação poderia, efetivamente, ter sido dotada de maior rigor. 7. Contudo, diante a descrição da transcrição que antecede, é possível afirmar que a decisão administrativa do Município de Olhão tem conteúdo suficiente para demonstrar que está em causa uma actuação dolosa por parte da arguida, uma vez que descreve todos os elementos de facto e de direito exigidos pelo artigo 58.°, do RGCO. 8. Todos os elementos constitutivos do tipo de contraordenação imputada à arguida foram devidamente indicados na decisão condenatória, não existindo motivo ou justificação legal para rejeitar o recurso e arquivar os autos. 9. E mesmo que se entendesse que se verificava uma nulidade, deveria o Tribunal recorrido ter procedido ao reenvio do processo ao Município de Olhão, a fim de ser suprido tal vício pela autoridade administrativa. 10. Ao julgar que a decisão da autoridade administrativa se encontra ferida de nulidade e ao determinar o arquivamento dos autos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 58.°, do RGCO e o artigo 311.°, n.° 2, al. a) e n.° 3, al. b), do Código de Processo Penal. 11. Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, nomeadamente o disposto nos artigos 59.°, 60.° e 63.°, n.° 1, a contrario, do RGCO, consideramos que a decisão a proferir pelo Tribunal recorrido apenas poderia ser a decisão de receber liminarmente o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, interposto pela arguida, e designar data para realização de julgamento e, após a produção de prova, proferir sentença em conformidade com a prova produzida. 12. Por outro lado, e subsidiariamente, o tribunal, ao não proceder ao reenvio dos autos à autoridade administrativa, ordenando o suprimento da nulidade decorrente da inexistência de matéria de facto integradora do elemento subjetivo da infração praticada, violou o preceituado no artigo 122.°, n.° 2, do Código de Processo Penal. 13. Numa interpretação conforme com o disposto nesta norma processual penal e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o Tribunal a quo está obrigado a possibilitar a entidade administrativa a “reparar o seu erro”, determinando o reenvio dos autos à entidade administrativa para que seja proferida nova decisão condenatória, suprindo, assim, a lacuna que gerou a nulidade da decisão anteriormente proferida. 14. Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que seja proferida decisão que receba o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, interposto pela arguida, e designe data para realização de julgamento, ou, caso assim não se entenda, que seja proferida decisão que determine a remessa dos autos à entidade administrativa para reparação da nulidade verificada. Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que receba o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, interposto pela arguida, e designe data para realização de julgamento, ou, caso assim não se entenda, que seja proferida decisão que determine a remessa dos autos à entidade administrativa para reparação da nulidade verificada. Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!” *** A recorrente não respondeu ao recurso.*** Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs visto. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo conhecer e decidir. *** II – FUNDAMENTAÇÃO: O despacho recorrido tem o seguinte teor: “Autue como recurso de contraordenação. O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O Ministério Público detém legitimidade para exercício da acção contraordenacional. Da nulidade da decisão administrativa Compulsados os autos importa aferir da verificação ou não de nulidade da decisão administrativa. Dispõe o art° 1° do RGCC aprovado pelo Dec-Lei n° 433/82 de 27.10, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei n° 244/95 de 14.09, que "constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima". Por outro lado, o art° 8° n° 1 do mesmo diploma estabelece que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, como negligência". Pese embora, a culpa no domínio das contraordenações não esteja baseada numa censura ética, como a jurídico-penal, ela não deixa de ser um elemento subjetivo indispensável à punição. E também aqui pode existir quer na modalidade de dolo, quer de mera negligência. Aliás, a necessidade desse elemento subjetivo resulta, desde logo, do citado art° 1°, que afasta a possibilidade de punição a título de contraordenação independentemente do carácter censurável do facto, pelo que se torna sempre necessário e imprescindível formular um juízo de culpa, seja a titulo de dolo, seja a titulo de negligência. Sucede que nos presentes autos não se trata de uma questão de prova de elementos objectivos e subjetivos, mas de efetiva alegação do elemento subjetivo da infração. E essa imputação subjetiva deve constar expressamente da decisão administrativa, não só porque não é indiferente o grau de culpa determinante da conduta, mas, acima de tudo, porque desse mesmo grau depende a determinação da própria coima aplicável, cuja variação, nomeadamente no caso das contraordenações ambientais, pode ser extremamente onerosa para o responsável. Com efeito, a natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do elemento subjetivo da concreta contraordenação em causa, nomeadamente em termos de saber se estamos perante uma imputação a título de dolo ou, diversamente, a título de negligência. No caso em apreço, da simples leitura da decisão administrativa impugnada resulta que a mesma não encerra em si e nos factos imputados à arguida, nenhum facto de natureza subjetiva, comummente os chamados elementos subjetivos do tipo (nem a qualquer título de dolo nem de negligência- vide artigos 13°, 14° e 15° do Código Penal),e não se trata de fazer uma imputação imprecisa, ou como muitas vezes verificamos, em vez de aparecer nos factos imputados é descrita factualmente no momento da decisão destinada à apreciação da culpa, estamos antes perante uma ausência absoluta. Nada é descrito. Nada é imputado. Atento o exposto e nos termos do art.° 63° do RGCO e 311°, n°2° e n°3° a) do C.P.P., rejeito o recurso interposto e determino o imediato arquivamento dos autos. III – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR): É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Assim sendo, no caso vertente a questão que importa decidir é a de saber se ocorre fundamento para a rejeição do recurso de impugnação, por ausência de articulação de factos relativos ao elemento subjectivo da contraordenação na decisão administrativa em crise. Cumpre desde logo considerar o antepenúltimo parágrafo do despacho ora posto em crise. Ali se escreve que “da simples leitura da decisão administrativa impugnada resulta que a mesma não encerra em si e nos factos imputados à arguida, nenhum facto de natureza subjetiva”(…) ”e não se trata de fazer uma imputação imprecisa, ou como muitas vezes verificamos, em vez de aparecer nos factos imputados é descrita factualmente no momento da decisão destinada à apreciação da culpa, estamos antes perante uma ausência absoluta. Nada é descrito. Nada é imputado.” (sublinhado nosso). |