Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA PENHORA DE BEM COMUM DO CASAL | ||
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Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i. O cônjuge do executado, citado nos termos da 2.ª parte, da al. a), do número 1, do art.º 786.º, do CPC, isto é, quando se verifique a penhora de bens comuns em execução movida contra um só dos cônjuges (art.º 740.º, n.º 1, do CPC), não usufrui do conjunto de direitos previstos no nº1 do art.º 787.º. ii. Não detendo um estatuto equiparado ao executado não carece, portanto, de ser notificado de actos relativamente aos quais não pode exercer quaisquer direitos ( cfr. art.º 220º, nº1 e nº2 a contrario ) v.g. das reclamações de créditos e /ou para se pronunciar sobre a modalidade/valor da venda do imóvel, não tendo, por isso, sido praticada qualquer nulidade à luz do disposto no art.º 195.º, n.º1 do CPC. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1ª - Os presentes autos de execução comum foram intentados pela Assicomate– Materiais de Construção, S.A., contra o executado BB (marido da ora Recorrente).
3. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação da questão de saber se o cônjuge do executado que foi citado para a execução ( nos termos e para os efeitos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 813º, alínea a) do nº 3 do artigo 864º e 825º do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, ou seja, para os efeitos actualmente previstos nos artigos 786º n.º 1 al. a), 2ª parte e art. 740º n.º 1 do CPC) carece sempre de ser notificado nos apensos de reclamação de créditos e /ou para se pronunciar sobre a modalidade/valor da venda e, em caso afirmativo, se a omissão desses actos determina a anulação dos actos subsequentes, mormente da venda.
4. Os factos a ter em consideração na decisão do recurso são os que emergem do antecedente relato, sendo o seguinte o teor da decisão recorrida: “A citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus e que podem decorrer de uma de três situações: «A primeira, a que se reporta a 1ª parte da al. a) do art.º786º, conjugada com o nº 1 do art.º 787º, ambos do CPC, resulta de, estando em causa dívida própria do executado ter sido objecto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que aquele não pode alienar livremente, o que, sendo o regime de bens o da separação, só poderá ocorrer relativamente à casa de morada de família, nos termos do art 1682º-A/2 CC; a segunda ocorre quando, consoante 2.ª parte da al. a) do nº 1 do art 786º CPC, na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns, sendo que nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns; a terceira situação que justifica a citação do cônjuge do executado, resulta das hipóteses previstas nos arts 741º e 742º CPC, a que se reporta o nº 5 do art 786º, pressupondo-se nessas hipóteses, em ambos os casos, que o cônjuge do executado pretenda contestar a comunicabilidade da dívida - no caso do art 741º, alegada pelo exequente, no caso do art 742º, alegada pelo cônjuge contra quem a execução foi promovida» – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.09.2017, processo 16074/09.YYLSB-D.L1-2, www.dsgi.pt. No caso dos autos, resulta que a ora requerente, cônjuge do executado, foi citada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 813º, alínea a) do nº 3 do artigo 864º e 825º do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, ou seja, para os efeitos actualmente previstos nos artigos 786º n.º 1 al. a), 2ª parte e art. 740º n.º 1 do CPC (correspondente à segunda situação acima descrita). Assim, não se verifica a alegada falta de citação (cfr. art. 188º n.º 1 al. a) do CPC). A executada nada disse, pelo que a execução prosseguiu sobre o bem comum. Posteriormente, veio a ser apresentada reclamação de créditos e proferida sentença de graduação de créditos, não tendo a requerente sido notificada no âmbito desse apenso. Sucede que, atendendo ao art.º 787º n.ºs 1 e 2 do CPC, o cônjuge não executado citado nos termos do art.º 740º n.º 1 do CPC apenas pode exercer as faculdades aí previstas, ou seja, não assume plenamente o estatuto processual do executado, não havendo por isso lugar a outras notificações subsequentes, nomeadamente no apenso de reclamação de créditos e/ou para se pronunciar sobre a modalidade/valor da venda. De onde se conclui que não existiu omissão de acto que a lei prescreva, nos termos e para os efeitos dos artigos 195º n.º 1 do CPC. Face ao exposto, declara-se a improcedência da reclamação e, em consequência, indefere-se a anulação do processado, incluindo da venda realizada nos autos.”.
5. Do mérito do recurso
Estamos em presença de uma execução que foi movida contra o marido da ora apelante, tendo por base uma sentença condenatória, e na qual foi penhorado um imóvel que constitui bem comum do casal.
A ora apelante foi efectivamente citada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 813º, alínea a) do nº 3 do artigo 864º e 825º do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, ou seja, para os efeitos actualmente previstos nos artigos 786º n.º 1 al. a), 2ª parte e art. 740º n.º 1 do CPC.
Porém, a partir de então nunca mais foi notificada para os termos da execução, designadamente para impugnar as reclamações de créditos, de que havia pelos credores reclamantes sido requerido o prosseguimento da execução para pagamento dos seus créditos e do despacho que o deferiu, para se pronunciar sobre a modalidade da venda e sobre o valor base do bem, nem mesmo da decisão que sobre as mesmas foram tomadas ou da data em que a venda teve lugar.
Tê-lo-ia de ser?
Vejamos.
Tem de se distinguir consoante a penhora tenha recaído sobre bens comuns do casal ou sobre bens próprios do executado.
No caso, a penhora recaiu sobre um bem comum do casal, conquanto apenas o marido fosse executado porque apenas o mesmo havia sido condenado na sentença dada à execução.
Por conseguinte, a citação da apelante de acordo com as citadas disposições, teve em vista permitir-lhe requerer a separação de bens (ou juntar certidão comprovativa da pendência da separação)[1].
Não a tendo requerido no prazo assinalado na norma ( art.º825º , nº1 na redacção do D.L. 38/2003, de 8.3. e art.º 740º, nº1 do NCPC) a execução prosseguiu sobre o bem comum, no caso um imóvel.
Caso tivesse sido penhorado um bem próprio do executado que este não pudesse dispor livremente (v.g. estabelecimento comercial) é que a lei conferiria à apelante e, após a sua citação ( nos termos da 1.ª parte, da al. a), do número 1, do artigo 786º) , um conjunto de direitos e deveres processuais com vista à sua defesa e que vêm consagrados no nº1 do artigo 787.º do CPC[2].
Como nesta norma se estabelece, o cônjuge do executado é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução.
Compreende-se a razão da divergência de regimes: Quando a execução é movida contra um só dos cônjuges e é penhorado um bem comum do casal, o cônjuge do executado pode requerer a separação de bens e, por conseguinte, havendo lugar à partilha do património conjugal, o bem pode deixar de responder pela dívida caso lhe venha a ser adjudicado. O processo de separação de bens, no caso da penhora de bens comuns do casal, deve efectuar-se nos termos do art.º1135º do CPC, aplicando-se as disposições relativas ao inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento constantes dos art.ºs 1133º e 1134º com as especificidades dos nºs 2 a 8. Cumpre salientar que o cônjuge do executado tem o direito de escolher os bens com que deve ser formada a sua meação, mas o exequente é notificado desta escolha e pode reclamar fundamentadamente contra a mesma (art.º1135º, nº4 e nº5). Se o juiz julgar atendível a reclamação, ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados (nº6). Se esta avaliação modificar o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado, este pode declarar que desiste da escolha e, nesse caso, as meações são adjudicadas por meio de sorteio (n.º 7). Se o cônjuge não usar da faculdade de escolha dos bens que devem compor a sua, as meações são, igualmente, adjudicadas por meio de sorteio ( nº8).
Em suma: o cônjuge do executado tem a faculdade de pôr o bem comum a salvo dos credores, protegendo-o e repondo o princípio segundo o qual só os bens do devedor podem, em regra, ser objecto de penhora ( cfr. art.º 735.º, n.º 1, do CPC).
Se porventura, nada diz ou requer, como foi o caso, a execução prossegue sobre o bem comum penhorado, presumindo o legislador que ele aceita que responda por uma dívida da exclusiva responsabilidade do executado, deixando de intervir sobre o destino que lhe vier a ser dado.
Já nos casos em que é penhorado um bem próprio do executado mas que ele não possa alienar livremente, tem de se conceder ao cônjuge o direito de se pronunciar nos mesmos termos do próprio executado, ou seja, de influenciar também o seu destino. Na verdade, é o próprio regime substantivo que proíbe, sem consentimento de ambos os cônjuges, a alienação de imóveis ou estabelecimento comercial, vigorando o regime da comunhão de adquiridos (art.º 1682º-A, nº1 do Cód. Civil) ou de imóvel que constitua a casa de morada de família, mesmo que vigore o regime de separação de bens (art.1682.º-A, nº2 do Cód. Civil).
São bens cuja relevância na esfera jurídica de um dos membros do casal demanda uma especial protecção no caso de serem alvo de uma penhora em execução movida contra o cônjuge seu dono.
Donde, como dissemos, a equiparação feita pelo nº1 do art.º 787.º do CPC é restringida ao cônjuge citado da penhora de bens próprios do executado mas que este não pode dispor livremente, ou seja, quando tenha sido citado nos termos da 1.ª parte, da al. a), do número 1, do art. 786.º, do CPC.
“Citado neste contexto, o cônjuge do executado fica investido nos seguintes poderes processuais : deduzir oposição à penhora , cumulada ou não com a oposição à execução ( art.º 784º e artºs 728º e seguintes) reclamar de actos do agente de execução ( art.s 723º, nº1 c) e art.º 812º, nº7) suscitar questões perante o juiz ( art.723º, nº1, d) ), impugnar os créditos reclamados( art.º789.º, n.º 2) pronunciar-se sobre modalidade da venda e sobre o valor base dos bens (art.º812.º, n.º1, art.º 813.º, n.º 3, art. 821.º, n.º 1, 825.º, n.º 1, art.º 832.º, al. a) e b), 834.º, n.º 1, al. a)) requerer a sustação da venda executiva (art.º 813.º, n.º 1) pedir a venda antecipada dos bens ( art.º 814º, nº2 ), reclamar contra irregularidades na alienação dos bens ( art.ºs 822º, nº1 e 835º, nº1 ) opor-se ao acordo dos credores no sentido de encarregar o agente de execução de realizar a venda por negociação particular (art.º 833.º, n.º 2)”[3].
E, como dissemos, do regime supra exposto resulta que o cônjuge do executado, citado nos termos da 2.ª parte, da al. a), do número 1, do art.º 786.º, do CPC, isto é, quando se verifique a penhora de bens comuns em execução movida contra um só dos cônjuges (art. 740.º, n.º 1, do CPC), não usufrui do conjunto de direitos previstos no nº1 do art.º 787.º.
Não detendo um estatuto equiparado ao executado não carece, portanto, de ser notificado de actos relativamente aos quais não pode exercer quaisquer direitos ( cfr. art.º 220º, nº1 e nº2 a contrario ) v.g. das reclamações de créditos e /ou para se pronunciar sobre a modalidade/valor da venda do imóvel, não tendo, por isso, sido praticada qualquer nulidade à luz do disposto no art.º 195.º, n.º1 do CPC.
A decisão recorrida não merece, pois, censura.
III. DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante.
Évora, 15 de Junho de 2023 Maria João Sousa e Faro ( relatora) José António Penetra Lúcio José António Moita
[1] Uma vez que o título executivo é uma sentença não é de admitir que o exequente ou o executado possam chamar à execução, para assumir a posição de executado, alguém que não consta do título executivo como devedor:, não sendo, portanto, aplicável o incidente declarativo de comunicabilidade da dívida previsto nos artigos 741.º e 742.º do CPC. [2] Neste sentido, Abrantes Geraldes e outros in CPC anotado, vol.II., 2ªed. pag.187. [3] Assim, Abrantes Geraldes e outros in ob.cit. pag. 191. |