Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
181/23.5T9ODM-B.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO DE OPH COM VE
SAÍDAS PARA TRABALHAR
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Tal como qualquer ato decisório, o despacho recorrido obedece à exigência legal consubstanciada no dever de fundamentação, prevista no artigo 97.º, nº 5 CPP, com respaldo no artigo 205.º, nº 1 da CRP. Porém, tal não significa que a fundamentação do despacho que decide autorizar ou não autorizar as ausências do local determinado para a vigilância eletrónica nos termos do artigo 11º, nº 1 da Lei nº 33/2010 de 02.09 deva ter a mesma dimensão ou a mesma densidade da decisão que em primeiro lugar aplicou a medida de coação.
II - Os prejuízos ou incómodos decorrentes da circunstância de o recorrente não poder trabalhar são consequências inerentes à execução de qualquer medida coativa privativa da liberdade. Entender de outro modo subverteria a natureza da medida, frustrando os fins que a mesma visa alcançar.

III - A medida de OPH com VE pressupõe que o arguido permaneça efetivamente na habitação à qual está confinado, só podendo daí ausentar-se em circunstâncias excecionais e justificadas por razões ponderosas, nas quais se não inclui a saída diária para trabalhar a uma distância de 14/15 km.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de … com o n.º 181/23.5T9ODM, foi o arguido AA, identificado nos autos, ouvido em interrogatório judicial realizado em 29.09.2023, findo o qual – tendo-lhe sido imputada a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), e n.º2, alínea a), n.º4 e 5, do CP; de dois crimes de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e punidos pelos artigos 190.º, do CP e um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º1, e 155.º, n.º1, alínea a), por referência ao disposto no artigo 131.º, do CP – ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, a 193.º, 196.º, artigo 1.º, alínea j), 202.º, n.º1, alíneas b), e d), 204.º, alíneas b), e c) do CPP, lhe foram aplicadas as seguintes medidas de coação de:

- Prisão preventiva;

- Proibição de o arguido contactar, por qualquer meio, com a ofendida, e demais intervenientes processuais, nomeadamente testemunhas.

Por decisão datada de 23.10.2023 o Tribunal alterou o estatuto coativo do arguido, tendo sido revogada a medida de prisão preventiva e tendo aquele passado a estar sujeito a obrigação de permanência na habitação com controlo por vigilância eletrónica. De tal decisão foi interposto recurso, tramitado no apeno A, que foi já decidido por acórdão desta Relação proferido em 20.02.2024, no qual foi integralmente mantida a decisão recorrida.

*

Em 21.12.2023 foi proferida a decisão que constitui o objeto do presente recurso, que manteve as medidas de coação anteriormente aplicadas ao recorrente e que indeferiu o requerimento pelo mesmo apresentado nos autos solicitando se autorizasse a sua saída diária para trabalhar e ainda a utilização para tal efeito do seu veículo automóvel.

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, na parte em que indeferiu o aludido requerimento, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1ª - Por Despacho proferido em 21/12/2023 sob a referência … foi indeferido o pedido de autorização judicial deduzido pelo arguido junto de fls. 426 a 428 dos autos.

2ª - A autorização judicial para o arguido executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, atenta a reduzida distância que separa a residência do arguido e o local das tarefas/trabalho, bem como o facto da ofendida ter alterado a sua residência para outra localidade separada por uma distância de centenas de quilómetros, mantém válido e eficaz o juízo de prognose positivo quanto à satisfação das medidas cautelares do caso concreto que levaram à aplicação da medida de coacção da obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica.

3ª - O deferimento do pedido de autorização judicial deduzido pelo arguido tem respaldo no princípio de razoabilidade “(…) enquanto subprincípio do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em matéria de restrição do direito à liberdade (art. 27.º, n.º 1, da CRP).”, como salienta Maria João Antunes, in “Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 82.

4ª - Entendimento que se mostra sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2020, referente ao Proc. n.º 27/20.6GBALM-A.L1.5, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Gominho, disponível in www.dgsi.pt, quando se regista:“A continuação da actividade criminosa, que se pretende impedir mediante a medida de coacção, não pode abranger comportamentos que ultrapassem o prolongamento daquele que constitui o objecto do processo, sob pena de se transformar a medida de coacção numa medida de segurança”.

5ª - De facto, o perigo de continuação de actividade criminosa que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação aplicada ao arguido visa acautelar ou prevenir mostra-se agora diminuído ou atenuado, porquanto os pressupostos de facto da aplicação de tal medida ao arguido alteraram-se substancialmente com a deslocação da ofendida para uma zona a centenas de quilómetros do local onde o arguido se propõe executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido.

6ª - Em bom rigor, o perigo de continuação da actividade criminosa decorrerá sempre de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta de que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.

7ª - Entendimento que se mostra perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/01/2020, referente ao Proc. n.º 16/19.3PECHV-B.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Ausenda Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt, onde se regista no respectivo sumário:

“(…) V – Contudo, a aplicação referida não pode ser encarada como uma pena (por antecipação), nem como uma medida de segurança, porquanto se trata de uma simples medida cautelar, e só pode ser fundamentada em factos concretos que possam preencher os respectivos pressupostos, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º do CPP (princípios e requisitos), não bastando, pois, o mero apelo, em abstracto, a tais pressupostos. (…).”

8ª - Os perigos a que se reporta o artigo 204.º do CPP têm de ter uma dimensão concreta e razoável, isto é, não podem firmar-se em abstrações, por tanto se não compaginar com a conceção de um Estado de Direito Democrático, baseado no respeito e na garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º da Constituição), consagrados em preceitos que são de aplicabilidade direta (artigo 18.º, § 1.º da Constituição).

9ª - O perigo de continuação da atividade criminosa tem em vista a potencial continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz essa avaliação, para o que se deverá valorizar a natureza e circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e sua conexão com a atividade futura.

10ª - O perigo de continuação da actividade criminosa - que não pode ser confundido, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos – tem que ser aferido como ocorre de resto com todos os periculum libertatis - a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica), devendo ser apreciado caso a caso, em função da contextualidade de cada situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, maxime a privação da liberdade.

11ª - Assim, salvo o devido respeito, não se verifica actualmente qualquer risco concreto do arguido poder voltar a praticar quaisquer factos integradores dos crimes de cuja prática se encontra indiciado nos autos, não se verificando na actualidade perigo de continuação da actividade criminosa ou qualquer outra exigência cautelar que importa assegurar.

12ª - Nesta conformidade, salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo não é a que se mostra mais consentânea com os comandos legais, mostrando-se o indeferimento da autorização judicial requerida em colisão com os princípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

13ª - Na verdade, tal autorização não coloca de qualquer modo em causa os fins cautelares visados com o decretamento das medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação, de proibição de aproximação da ofendida e da prestação do T.I.R.

14ª - Com efeito, com a reduzida distância que separa a residência do arguido do local onde pretende exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, conjugado com o facto de a ofendida ter alterado a sua residência e local de trabalho para morada que se ignora na zona do …, conclui-se inexistir qualquer perigo de continuação de actividade criminosa ou para a conservação ou veracidade da prova.

15º - Aliás, mal se compreenderia que o Legislador, pugnando por evitar o efeito da inserção em meio prisional, apresente a possibilidade de o arguido cumprir a medida de coacção na sua habitação, mas afaste a possibilidade da sua integração profissional, enquanto, integrando-o no sistema prisional, lhe concede o exercício da profissão, a frequência de formação profissional ou a continuação dos seus estudos.

16ª - Contribuindo assim para a sua futura ressocialização, proporcionando-lhe condições para prevenir a reincidência e poder vir a prosseguir a sua vida no futuro sem cometer crimes, ao mesmo tempo que assim respeitará a vertente de proporcionalidade na restrição necessária dos direitos fundamentais do arguido e da sua dignidade da pessoa humana.

17ª - Entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relativo ao “(…) II – Essa autorização propiciará, à partida, e em regra, boas condições para a eficácia preventiva da pena na sua dimensão de reabilitação ou de reinserção social do condenado.

III - No caso em apreço, tal autorização (relativa à atividade de vendedor ambulante), ainda mais porque circunscrita a períodos de tempo relativamente curtos (se comparados com aqueles em que o condenado permanecerá sem poder sair da sua habitação) permitirá manter a eficácia preventiva da pena na sua dimensão de prevenção geral, ao mesmo tempo que assim melhor se respeita o parâmetro de proporcionalidade na restrição dos direitos fundamentais do condenado.”

18ª – O recorrente apenas pretende que lhe seja autorizado ausentar-se da sua residência unicamente para exercer actividade profissional, com fiscalização por meios electrónicos, à luz do disposto no artigo 11.º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro, em concreto para exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, porquanto a participação do arguido nas diversas tarefas exigidas pela identificada exploração familiar – guarda, acomodação, recolha e alimentação dos animais (bovinos e porcos), limpeza dos currais, amanho da terra e gradar o terreno para as sementeiras – sempre se revelou absolutamente essencial para a manutenção da exploração porquanto o progenitor com cerca de 71 anos de idade é doente (padece de insuficiência respiratória) e tem dificuldades de locomoção que o impedem de assegurar, com regularidade e sucesso, por si só, a panóplia de tarefas que diariamente há para executar na referida exploração.

19ª - A autorização da saída do arguido da sua habitação para os mencionados fins constitui uma solução equilibrada que, além de assegurar a eficácia preventiva da medida de coacção na sua dimensão de prevenção geral, garante ainda a proporcionalidade e necessidade na restrição dos direitos fundamentais do arguido, equilíbrio e equidade que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, não foram tidos na devida consideração na fundamentação do despacho recorrido.

20ª - Do antedito, é entendimento da DEFESA que o indeferimento da autorização requerida pelo arguido para se deslocar da respectiva habitação estritamente com destino ao local para exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, não se conforma com os princípios da legalidade (artºs 29º n.º 1 da CRP e 191º do CPP), excepcionalidade e necessidade (art.ºs 27º nº 3 e 28º n.º 2, da CRP e 193º do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193º do CPP).

21ª – Ademais, a decisão recorrida contende com as garantias processuais do arguido, na medida em que confirma a restrição de direitos fundamentais a que este vem estando sujeito que já não se mostra necessária para acautelar os direitos fundamentais da ofendida e as necessidades procedimentais (do regular desenvolvimento do processo até julgamento), mostrando-se desadequada às circunstâncias e desproporcional às sanções previsivelmente a aplicar em julgamento, tendo em conta o quadro indiciário.

22ª - A decisão posta em crise viola os artigos 97º nº 5, 191º, 193º e 204º do CPP, artº 11º nºs 1 e 4 da Lei nº 33/2010 de 02/09 e artºs 27º nºs 1 e 3, 28º nº 2 e 29º nº 1 da CRP.

23ª - Termos em que deverá o presente recurso ser admitido e em consequência ser a decisão recorrida ser revogada, sendo deferida a autorização requerida pelo arguido, para se deslocar da respectiva habitação, estritamente com destino ao local para exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida de indeferimento de autorização da sua saída da habitação com destino ao local onde trabalha.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo concluído, da seguinte forma:

“Em jeito de conclusão, é por demais evidente e consensual que a sujeição a obrigação de permanência na habitação, não se compagina com o pedido formulado pelo arguido, aqui recorrente. Permitir que o arguido saísse para trabalhar seria desvirtuar as funções cautelares inerentes à medida de coação.

Assim sendo, perfilha-se que o despacho recorrido não merece qualquer censura, não tendo sido violados quaisquer preceitos legais ou princípios de direito, pelo que deverá o recurso improceder na sua totalidade, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.”

*

O Exm.º Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso, pelas razões expostas na resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, razões que sufragou e reforçou.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta pelo recorrente.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

- Determinar se a decisão recorrida é nula por falta ou insuficiência de fundamentação (1)

- Não o sendo, se tal decisão, ao indeferir o requerimento do recorrente de autorização de saída da sua habitação diariamente para trabalhar, se mostra desconforme com os princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

* II.II - O despacho recorrido.

Em resposta ao requerimento apresentado pelo arguido, foi proferida a decisão recorrida com o seguinte conteúdo:

“I. – Estatuto coativo do arguido.

Reexame dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação.

O arguido AA foi sujeito a 1.º interrogatório judicial no dia 29 de setembro de 2023. Nessa sequência foi-lhe aplicada medida de coação de prisão preventiva, pelos fundamentos constantes de despacho proferido nesse mesmo dia (“vide”, Ref.ª CITIUS n.º …, de 29.09.2023, bem como Ref.ª CITIUS n.º …, de 29.09.2023).

Por decisão datada de 23.10.2023 o Tribunal alterou o estatuto coativo do arguido, passando este a estar sujeito a obrigação de permanência na habitação com controlo por vigilância eletrónica (“vide”, Ref.ª CITIUS n.º …, de 23.10.2023).

Passados quase três meses desde o mencionado dia 29 de setembro de 2023, cumpre reapreciar o estatuto coativo do arguido [“vide”, artigo 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal (doravante CPP)].

Não se considera necessária a audição do arguido para efeitos de se pronunciar quanto ao referido reexame (cfr. artigo 213.º n.º 3, do CPP).

No que se refere aos pressupostos gerais para aplicação de medidas de coação, previstos no artigo 204.º, do CPP, há que considerar que os mesmos se mantêm inalterados (nos termos que resulta de decisão proferida a 29.09.2023, com a Ref.ª CITIUS n.º …, de 29.09.2023; cfr. também Ref.ª CITIUS n.º …, de 29.09.2023).

Quanto aos pressupostos especialmente exigidos para a aplicação da obrigação de permanência na habitação, constantes do artigo 201.º, do CPP, continua a verificar-se a existência de fortes indícios da prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal (doravante CP), de dois crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 190.º, n.º 1, do CP e de um crime de ameaçada agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do CP.

Por fim, cumpre salientar que a medida de obrigação de permanência na habitação é ainda proporcional ao “casu sub iudice”.

Assim, pelos fundamentos ora aduzidos, não se alteraram os pressupostos de facto e de direito que postularam a determinação da medida coativa a que o arguido se encontra sujeito, e uma vez que não se encontra decorrido o prazo máximo da sua duração (cfr. artigo 215.º, do CPP, aplicável ex vi artigo 218.º, n.º 3, do CPP), mantenho a medida de obrigação de permanência na habitação com controlo por vigilância eletrónica aplicada ao arguido AA, continuando este a aguardar os ulteriores trâmites do processo sujeito a essa medida coativa.

Notifique.

*

II. – Fls. 426 a 428:

Por requerimento em epígrafe o arguido nos termos “do artº 11º nºs 1 e 4 da Lei nº 33/2010 de 02/09, ouvida a M. Digna Representante do Ministério Público e após prévia informação dos serviços de reinserção social,” requer que se autorize “a saída e ausência do arguido da residência/habitação sita no …, local onde cumpre a medida de obrigação de permanência com vigilância eletrónica”, “de segunda feira a sábado, no período entre as 7.45H e as 18.15H, incluindo o tempo com a deslocação para o local de trabalho e regresso (cerca de 15 minutos), a fim de executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido.” “Mais” “requer” “que o arguido seja autorizado a deslocar-se da habitação para o local de trabalho e deste para a residência, no veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …, por ele conduzido.”

Quanto ao solicitado adiantou já a Senhor Procuradora a 30.11.2023 e a 19.12.2023 ser da opinião que a pretensão do arguido deverá ser indeferida.

Por despacho judicial que antecede foi solicitado parecer à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante DGRSP) relativamente ao requerimento em epígrafe.

Encontra-se já junto ao processo o mencionado parecer da DGRSP.

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Apreciando.

*

Com efeito, tendo em consideração o caso em apreço, em especial os factos fortemente indiciados subsumíveis à prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do CP, de dois crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 190.º, n.º 1, do CP e de um crime de ameaçada agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do CP, não pode o Tribunal deferir a pretensão vertida no requerimento de fls. 426 a 428.

Sublinhe-se em especial que resulta fortemente indiciado que o arguido perseguiu por várias vezes a ofendida, o que fez deslocando-se ao encontro desta usando viatura automóvel (“vide”, em especial a referência “quer de carro” no ponto 9 dos Factos Fortemente Indiciados de decisão proferida nestes autos a 29.09.2023).

Não sendo demais lembrar a gravidade dos factos (fortemente) indiciados imputados, factos estes ainda recentes neste ano de 2023.

A que soma o tipo de criminalidade aqui em causa violência doméstica, violação de domicílio ou perturbação da vida privada e ameaça agravada, crimes estes altamente reprováveis pelos cidadãos em geral. Sendo que a violência doméstica em especial possui elevadíssimos níveis de prevenção geral que o Tribunal não pode olvidar.

Efetivamente, na violência doméstica as necessidades de prevenção geral apresentam-se muito acentuadas, atenta a crescente consciencialização da comunidade acerca do flagelo que a prática desse crime se tem vindo a tornar.

Tendo a ofendida direito à sua paz e sossego, circunstância que pode ser beliscada ou mesmo violada caso o arguido não esteja recluso na sua habitação onde se encontra.

Assim, indefere-se o solicitado pelo arguido no requerimento por si apresentado a fls. 426 a 428.

Notifique.”

*** II.III - Apreciação do mérito do recurso.

Retiramos da leitura global da motivação de recurso, com reflexo nas conclusões da mesma extraídas, que o recorrente questiona:

A) A suficiência da fundamentação do despacho recorrido;

B) A sua conformidade com os princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

*

A) Da alegada falta de fundamentação do despacho recorrido

Para sustentar o vício formal que argui, invocando a violação do disposto no artigo 97º, n.º 5 do CPP, afirma o arguido no seu recurso que:

“(…) O art. 97º nº 5 do CPP refere que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

A fundamentação dos actos decisórios destina-se a dar a conhecer o percurso cognoscitivo do julgador, através de uma clara exposição dos motivos de facto e de direito, permitindo aos sujeitos processuais compreender as razões da decisão.

A decisão recorrida alude à promoção da Snrª Procuradora do Ministério Público de 30/11/2023 e de 19/12/2023 com que se pugna pelo indeferimento da pretensão do arguido.

Promoções que o arguido desconhece.

Foi também junto aos autos parecer da DGRSP sobre o requerimento do arguido de fls. 426 a 428 que o ora recorrente igualmente desconhece.

(…)

o Douto Despacho posto em crise abstém-se de fazer uma ponderação rigorosa entre a natureza privativa da liberdade desta medida de coação e os interesses/direitos comprimidos do arguido repousando a decisão no direito que a ofendida tem à sua paz e sossego, circunstância que pode ser beliscada ou mesmo violada caso o arguido não esteja recluso na sua habitação onde se encontra.

(…)

Ponderar significa valorar e sopesar todos os direitos e interesses em confronto, de acordo com os fundamentos do requerimento que é apresentado, em confronto com os contributos do contraditório. Ainda para mais quando se decide sobre interesses conflituantes da natureza dos presentes, ou seja, sobre a compressão de direitos fundamentais.

O despacho apresenta deficiências de fundamentação por omissão tão evidentes, ao abster-se totalmente de conhecer das concretas razões apresentadas pelo requerente e dos problemas de facto e de direito em confronto, que se entende não ser possível promover suprimento.(…)”.

Ora, ressalvado o devido respeito, entendemos não assistir razão ao recorrente.

De facto, basta atentarmos no teor da decisão recorrida, que acima transcrevemos, para concluirmos que, ao contrário do alegado no recurso, na mesma foram consignadas as razões que, no entender do julgador, justificaram o indeferimento do requerimento apresentado pelo recorrente relativamente às pretendidas saídas da habitação à qual está confinado pela aplicação da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com VE. Com efeito, conforme se explicitou na decisão, o Tribunal entendeu que a natureza dos factos imputados nos autos ao recorrente e a intensidade dos perigos que determinaram a aplicação da aludida medida de coação, não consentiam se autorizassem as saídas daquele para trabalhar, não enfermando a decisão sindicada de qualquer insuficiência ao nível da fundamentação (29.

Reputamos importante afirmar que, tal como qualquer ato decisório, o despacho recorrido obedece à exigência legal consubstanciada no dever de fundamentação, prevista no artigo 97.º, nº 5 CPP, com respaldo no artigo 205.º, nº 1 da CRP. Porém, tal não significa que a fundamentação do despacho que decide autorizar ou não autorizar as ausências do local determinado para a vigilância eletrónica nos termos do artigo 11º, nº 1 da Lei nº 33/2010 de 02.09 deva ter a mesma dimensão ou a mesma densidade da decisão que em primeiro lugar aplicou a medida de coação. A fundamentação de tal despacho reportar-se-á, naturalmente, a apreciação da compatibilidade das solicitadas ausências com os fins que a medida de coação visa prosseguir. E tal juízo apreciativo, no caso dos autos, encontra-se fundamentado no despacho recorrido, no mesmo se encontrando claramente explicitadas as razões pelas quais o tribunal entendeu não poder deferir a pretensão do arguido.

E nem se diga, como diz o recorrente, que o facto de a decisão aludir à promoção do Ministério Público e ao Relatório Social que lhe não foram notificados, afeta a sua regularidade formal. A referência a tais peças processuais é feita apenas no breve relatório da decisão, com o exclusivo propósito de se atestar o cumprimento do regime estabelecido pelo 11º, nº 1 da Lei nº 33/2010 de 02.09. Ora, não exigindo a lei que se proceda à notificação prévia ao arguido de tais elementos dos autos, nem se lhes reportando a decisão em termos de fundamentação – designadamente, remetendo para o conteúdo das mesmas – tal argumentação recursiva revela-se absolutamente improcedente.

Nesta conformidade, mais não haverá do que concluir que a decisão recorrida é absolutamente válida e regular, tendo na mesma sido respeitadas todas as garantias de defesa do arguido e, bem assim, o princípio constitucional previsto no n.º 1 do artigo 205° da CRP, improcedendo, pois, a arguição do vício de falta de fundamentação alegada no recurso.

***

B) Da alegada desconformidade da decisão recorrida com os princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

As medidas de coação impostas aos arguidos em processo penal constituem, necessariamente, uma restrição à liberdade pessoal de quem a elas é sujeito, sendo que têm como finalidade assegurar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu bom andamento, quer no que concerne à execução das decisões condenatórias. Precisamente porque a aplicação das medidas de coação implica uma restrição de direitos fundamentais, a mesma deverá revestir-se das devidas cautelas, fazendo a lei, nos artigos 191º e seguintes do CPP, uma definição rigorosa e clara dos respetivos pressupostos e estatuindo que na aplicação de tais medidas deverão observar-se os princípios da legalidade ou tipicidade, da adequação, da proporcionalidade e da necessidade.

Considerou o tribunal “a quo” no despacho de indeferimento do requerimento do arguido de concessão de autorização de saídas para trabalhar, que, tendo em consideração os factos fortemente indiciados, recentemente praticados (no ano de 2023) – com especial destaque para a circunstância de se encontrar indiciado que o arguido perseguiu por várias vezes a ofendida, o que fez deslocando-se ao encontro desta usando viatura automóvel – subsumíveis à prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica, de dois crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada e de um crime de ameaçada agravada, não pode deferir a aludida pretensão. E o que no presente recurso vem impugnado é precisamente tal juízo efetuado pelo tribunal recorrido no que diz respeito à impossibilidade de concessão da pretendida autorização. A questão a decidir reconduz-se, pois, a determinar se a decisão sindicada procedeu a uma adequada apreciação das circunstâncias relevantes para avaliar corretamente a possibilidade de autorizar as saídas do arguido para trabalhar. Vejamos.

Após a aplicação da medidas de coação constante do despacho datado de 23.10.2023, o arguido requereu ao JIC que o autorizasse a sair diariamente de casa para trabalhar, o que implicaria a sua deslocação em veículo automóvel desde a residência à qual se encontra confinada no âmbito da medida de coação o OPH com VE até ao local de trabalho, que dista da mesma cerca de 14/15 km. Tal requerimento não mereceu deferimento.

No recurso, afirma o arguido que:

“(…)2ª - A autorização judicial para o arguido executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, atenta a reduzida distância que separa a residência do arguido e o local das tarefas/trabalho, bem como o facto da ofendida ter alterado a sua residência para outra localidade separada por uma distância de centenas de quilómetros, mantém válido e eficaz o juízo de prognose positivo quanto à satisfação das medidas cautelares do caso concreto que levaram à aplicação da medida de coacção da obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica.

(…)

5ª - De facto, o perigo de continuação de actividade criminosa que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação aplicada ao arguido visa acautelar ou prevenir mostra-se agora diminuído ou atenuado, porquanto os pressupostos de facto da aplicação de tal medida ao arguido alteraram-se substancialmente com a deslocação da ofendida para uma zona a centenas de quilómetros do local onde o arguido se propõe executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido.

(…)

11ª - Assim, salvo o devido respeito, não se verifica actualmente qualquer risco concreto do arguido poder voltar a praticar quaisquer factos integradores dos crimes de cuja prática se encontra indiciado nos autos, não se verificando na actualidade perigo de continuação da actividade criminosa ou qualquer outra exigência cautelar que importa assegurar.

(…)

18ª – O recorrente apenas pretende que lhe seja autorizado ausentar-se da sua residência unicamente para exercer actividade profissional, com fiscalização por meios electrónicos, à luz do disposto no artigo 11.º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro, em concreto para exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, porquanto a participação do arguido nas diversas tarefas exigidas pela identificada exploração familiar – guarda, acomodação, recolha e alimentação dos animais (bovinos e porcos), limpeza dos currais, amanho da terra e gradar o terreno para as sementeiras – sempre se revelou absolutamente essencial para a manutenção da exploração porquanto o progenitor com cerca de 71 anos de idade é doente (padece de insuficiência respiratória) e tem dificuldades de locomoção que o impedem de assegurar, com regularidade e sucesso, por si só, a panóplia de tarefas que diariamente há para executar na referida exploração.”.

Não tem, porém, a nosso ver, razão.

Com relevância para a apreciação da legalidade da decisão recorrida, estabelece o artigo 11º, nº 1 da Lei nº 33/2010 de 02.09, que:

“Artigo 11.º

Ausências do local de vigilância eletrónica

1 - As ausências do local determinado para a vigilância eletrónica são autorizadas pelo juiz, mediante informação prévia dos serviços de reinserção social quanto ao sistema tecnológico a utilizar, podendo o despacho ter natureza genérica.

2 - Excecionalmente, podem os serviços de reinserção social autorizar que o arguido ou condenado se ausente do local de vigilância eletrónica quando estejam em causa motivos imprevistos e urgentes.

3 - As ausências previstas no número anterior dependem de solicitação prévia aos serviços de reinserção social, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 6.º, que decidem tendo em conta os fundamentos invocados, a segurança da comunidade e o controlo de execução da medida ou da pena.

4 - Os serviços de reinserção social fiscalizam as ausências, conforme as finalidades e horários autorizados, podendo para o efeito recorrer a meios móveis de monitorização eletrónica.

5 - Os serviços de reinserção social informam o tribunal de todas as ausências concedidas nos termos dos números anteriores, em sede de relatório de execução a enviar periodicamente, conforme definido no artigo anterior, e com as especificidades definidas na parte especial da presente lei.”

Ora, no caso dos autos, e ao contrário do defendido pela recorrente, do confronto da decisão recorrida resulta terem sido analisadas e valorados todas as circunstâncias relevantes para a apreciação da sua pretensão, sendo que o juízo apreciativo, fundadamente realizado e exposto na decisão, conduziu o tribunal à conclusão de que o deferimento da mesma não se revelava possível. E não temos dúvida de que concluiu acertadamente. Com efeito, analisada a motivação do recurso, constatamos que, por um lado, parte dos fundamentos aí invocados se arrimam em factos que se não encontram indiciados nos autos – pelo que, obviamente, não forma tidos em conta na decisão – e, por outro, a fundamentação da decisão recorrida, assente no receio de comprometimento dos fins preventivos visados com aplicação da medida de coação à qual o arguido se encontra sujeito, afigura-se-nos absolutamente válida e sustentada.

O recorrente parece, aliás, confundir a fundamentação relativa a eventual pedido de alteração da medida de coação – pedido que não fez – com os fundamentos relativos ao pedido de autorização de ausências, pois que, numa alegação pouco rigorosa, invoca indistintamente as razões que, a seu ver, justificariam o deferimento da sua pretensão de autorização de saídas para trabalhar e a verificação de circunstâncias de facto que, na sua análise, teriam eliminado os perigos que sustentaram a aplicação da medida de coação a que se encontra sujeito. Não podemos, pois, deixar de assinalar a incongruência revelada por tal argumentário, conquanto invocando embora o recorrente que não subsistem já os perigos que justificaram a aplicação da medida de coação de OPH com VE, não solicitou a sua substituição por outra menos gravosa, nem recorreu da primeira parte da decisão recorrida, na qual a referida medida de coação foi mantida com fundamento na inalteração dos pressupostos subjacentes à sua aplicação.

Por outro lado, como já referimos, os alegados factos supervenientes relativos à atual residência da ofendida não se encontram indiciados nos autos, pelo que não poderão, obviamente, ser tidos em conta. Termos em que é mandatório que se conclua que tal factualidade – não se encontrando vertida na decisão recorrida e não podendo, pois, ser tida como indiciada e, consequentemente, valorada – em nada interfere no juízo de adequação e de proporcionalidade que o recorrente convocou.

Finalmente, os prejuízos ou incómodos decorrentes da circunstância de o recorrente não poder trabalhar são consequências inerentes à execução de qualquer medida coativa privativa da liberdade. Entender de outro modo, designadamente, nos termos consignados no recurso, subverteria a natureza da medida, frustrando os fins que a mesma visa alcançar. Cremos que, tal como refere o Ministro Público na sua resposta ao recurso, a medida de OPH com VE pressupõe que o arguido permaneça efetivamente na habitação à qual está confinado, só podendo daí ausentar-se em circunstâncias excecionais e justificadas por razões ponderosas, nas quais se não inclui a saída diária para trabalhar a uma distância de 14/15 km.

Não procedem, pois, as concretas objeções feitas pelo recorrente ao juízo apreciativo constante da decisão recorrida. Em suma, a situação dos autos, com especial enfoque na natureza dos factos imputados ao recorrente – subsumíveis à prática, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do CP, de dois crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 1, do CP e de um crime de ameaçada agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do CP– não se compadece com a autorização de saídas diárias do mesmo para trabalhar, mormente quando tais saídas implicariam a utilização do seu veículo automóvel (3) para se deslocar até ao local de trabalho que dista cerca de 14/15 km da sua residência. Encontra-se, pois, absolutamente justificada a decisão recorrida, na medida que, face aos perigos indiciados na decisão de aplicação da medida de coação, se mostra ser adequada, proporcional e necessária às circunstâncias do caso, tendo respeitado os critérios definidos na Constituição e na lei, pelo que o recurso improcederá.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 19 de março de 2024

Maria Clara Figueiredo

Edgar Valente

Nuno Garcia

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1 Pese embora nas conclusões o recorrente não tenha incluído explicitamente tal fundamento do recurso, exposto no corpo da motivação, ao mesmo faz alusão na conclusão nº 22 quando aí se reporta à violação do artigo 97º, nº 5 do CPP, pelo que optamos por conhecer do mesmo.

2 Na argumentação em que faz assentar a arguição do vício de insuficiência de fundamentação, e que acima transcrevemos, o recorrente parece confundir o aludido vício formal com a sua discordância relativamente ao sentido do decidido, situada essa, consabidamente, não ao nível da regularidade formal da decisão, mas sim no plano da apreciação do mérito da decisão a que aludiremos de seguida.

3 Não podendo deixar de realçar-se encontrar-se fortemente indiciado que o arguido perseguiu por várias vezes a ofendida, o que fez deslocando-se ao encontro desta usando uma viatura automóvel.