Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4276/07.4TBPTM.E1
Relator: MARIA ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 02/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Sumário:
1 - A expressão ísita no artº 6º nº 1 do DL 268/94 de 25/10: “contribuições devidas ao condomínio”, abarca tanto as “contribuições em dívida ao condomínio” (contribuições já apuradas) como as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” (contribuições futuras), desde que certas, exigíveis e líquidas (artº 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva, devendo estas características da obrigação exequenda já constar da acta da assembleia geral de condóminos.
2 - Não faz sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
CONDOMÍNIO…, LOTE 1, instaurou contra J…, A…, A…, A… e J…, a presente execução para pagamento de quantia certa, alegando que se encontram em dívida as contribuições por eles devidas ao condomínio respeitantes aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007.
Juntou uma acta referente à assembleia de condóminos realizada no dia 20/01/2007.
Entendendo que na acta junta apenas se consignou o montante das quotas em atraso e que não foi junta a acta da assembleia de condóminos na qual se deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, a Exmª Juíza, pelo despacho de fls. 20, convidou o exequente a vir aos autos juntá-la, no prazo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, ser o requerimento executivo indeferido.
Pelo requerimento de fls. 24 o exequente defendeu a posição que a acta junta é título executivo e não juntou qualquer outro documento.
Pela decisão de fls. 27 e segs., entendendo que a acta junta não pode servir como título executivo, a Exmª Juíza indeferiu liminarmente a presente execução por manifesta falta de título – artº 812º nº 2 al. a) do CPC.
Inconformado agravou o exequente, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso de agravo vem interposto da decisão do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente os presentes autos, nos quais o recorrente interpôs acção executiva para pagamento de quantia certa, tendo como causa de pedir o não pagamento dos montantes das contribuições em dívida ao condomínio pelos ora executados, em coligação passiva e tendo junto para o efeito, a respectiva acta da AG que deliberou e aprovou os respectivos montantes (fls. 27 e segs.)
2 – O Tribunal a quo indeferiu liminarmente os presentes autos com fundamento na falta de título executivo da acta da AG que o recorrente juntou aos autos, considerando que a mesma não cumpria o estipulado no artº 6º nº 1 do DL 268/94 de 25/10 (fls. 27 e segs.)
3 – Fundamentou ainda o Tribunal a quo que a acta junta aos autos apenas consignava o montante das quotas em atraso e referência a um orçamento de 2007, expressas no teor da respectiva acta nº 14 (cf. fls. 27 e segs.)
4 – É desta decisão tomada pelo Tribunal recorrido que o recorrente não se conforma, porquanto:
5 – Violou o Tribunal a quo o disposto no artº 6º nº 1 do D.L. 268/94 de 25/10 que diz-nos expressamente que “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte”.
6 – Assim sendo, e salvo melhor opinião, entende-se, assim, que a aludida acta nº 14 da AG de condóminos do recorrente é manifestamente título executivo suficiente, porquanto, se conclui do teor da mesma que, as dívidas/montantes das contribuições foram postos à deliberação, votação e aprovação pelo quórum, tendo sido aprovadas pela AG de condóminos – in casu pontos 2º e 4º da ordem de trabalhos.
7 – Sendo a dívida líquida e exigível de acordo com o doc. nº 1 junto com a p.i..
8 – Nomeadamente, expressando o montante das contribuições em dívida pelos condóminos faltosos e, bem assim, de acordo com o mapa anexo à acta nº 14 (doc. nº 1) consta a quota a pagar em 2007 por cada um.
Logo,
9 – Considera-se, assim, que decorria do teor da acta nº 14 todos os requisitos legais exigidos pelo artº 6º do DL 268/94 de 25/10.
10 – Logo, entende o recorrente não poder prevalecer a decisão do Tribunal a quo tomada no sentido de que a acta nº 14, supra mencionada, não especificava os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes e ao pagamento de serviços de interesse comum.
E que apenas se consignava o montante das quotas em atraso e a referência a um orçamento de 2007.
11 – Salvo o devido e merecido respeito que nos merece a decisão do Tribunal a quo, a interpretação feita por este Tribunal é limitativa, restritiva e fora do enquadramento e espírito consagrado no artº 6º nº 1 do DL 268/94 de 25/10.
12 – Nomeadamente, e em posição contrária aquela entendida pelo Tribunal a quo, a norma constante no artº 1424º nº 1 do CC determina quais os encargos pelos quais os condóminos são responsáveis no regime da propriedade horizontal.
13 – Cabendo a forma de titular as dívidas (montantes das contribuições) devidas por cada condómino em relação a um determinado condomínio, por forma a se tornarem exigíveis judicialmente, consagração na norma vertida no artº 6º do DL 268/94 de 25/10.
14 – Desde logo, a referida acta continha os montantes das contribuições devidas em referência ao ano e encargo e ainda o mapa de quotizações devidas em 2007 por cada condómino faltoso.
15 – Pois certo é que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” pode ser interpretada no sentido de “contribuições em dívida ao condomínio” ou no sentido de “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” desde que estejam vencidas, como é o caso!
- Uma interpretação não excluirá a outra do âmbito das actas como título executivo, aliás, a exclusão de uma das interpretações supra aludidas vai contra a letra e outra contra o espírito.
- Ambas correspondem à deliberação da mesma vontade colectiva, a de obter o pagamento das quantias necessárias ao funcionamento do condomínio;
16 – O legislador pretendeu com o DL 268/94 de 25/10, concerteza, atribuir maior rigor ao funcionamento dos condomínios, exigindo que as deliberações tomadas fossem exaradas em acta e, agilizando o relacionamento entre os condóminos, de forma a que, aqueles que por má vontade ou impossibilidade pessoal, não estivessem presentes na AG, ou que não assinassem a acta por qualquer motivo, concedendo força executiva à acta da respectiva assembleia a fim de quanto aos montantes das contribuições em dívida, fosse viável a exigência do pagamento das mesmas, sem que haja a necessidade de recorrer à acção declarativa, dando maior eficácia à cobrança de tais dívidas, logrando pela melhor manutenção do parque habitacional.
17 – Ainda que se entenda, o que ora se faz meramente a título de patrocínio, que a acta em apreço apenas continha um relatório das dívidas dos condóminos relapsos, tal acta deve ser considerada título executivo contra estes, pois não se pode esperar que o indivíduo que redige as actas tenha tal conhecimento legal (só um jurista!) e experiência que, para de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, possa exprimir exactamente o formalismo exigido a fim de que a acta tenha todas as exigências e formalidades exigidas por aquele Tribunal.
18 – Bastará seguir o espírito consagrado na vontade colectiva e num teor que manifeste a vontade do colectivo em aprovar as necessárias dívidas.
19 – Tais exigências apenas servem para dilatar o necessário pagamento das dívidas dos faltosos, criando cada vez mais, situações de descuido com as partes comuns do condomínio por falta das necessárias verbas, além de que:
- Criam várias dificuldades administrativas, precipitando situações de impasse e paralisação das administrações dos condomínios, visto que, sempre que fosse necessário exigir prestações em dívida a um condómino, seria, sempre necessário convocar uma assembleia, cumprindo toda a burocracia atinente a tal fim, quando a administração sabe ex ante o que o condómino faltoso deve pelas necessárias aplicações matemáticas.
20 – No sentido vertido nesta apologia e suas conclusões vide a propósito o Ac. da R.P., proc. nº RP200504210531258 de 21/04/2005; Ac. RL de 29/06/2006, proc. nº 5718/2006-6 em que foi relator o Dr. Pereira Rodrigues e ainda o Ac. RE proc. nº 2949/06-2 em que foi relator o Dr. Acácio Neves (cujas transcrições constam das alegações supra).
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Exmª Juíza sustentou a sua decisão nos termos do despacho de fls. 125/126.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 690º nº 1 e 684º nº 3 do CPC) verifica-se que a única questão a decidir no presente recurso é saber se a acta da assembleia geral de condóminos dada à execução constitui título executivo bastante.
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Conforme resulta da sua decisão de fls. 27 e segs. dos autos, a Exmª Juíza indeferiu liminarmente a presente execução por manifesta falta de título entendendo que a acta junta não pode servir como título executivo pois apenas consignou o montante da dívida e aprovou um orçamento para 2007, mas sem qualquer indicação que permita imputar a cada um dos executados quantia determinada.

Vejamos.
Dispõe o artº 45º do CPC que “Toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”, resultando na al. d) do artº 46º que entre outros, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Nesta situação encontra-se a previsão do artº 6º nº 1 do DL 268/94 de 25/10 que estatui que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante de contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Conforme resulta do seu preâmbulo, o referido DL teve em vista procurar soluções que tornem mais eficaz o regime de propriedade horizontal facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre condóminos e terceiros.
E um dos instrumentos de que o legislador se socorreu para atingir essa eficácia foi precisamente a de atribuir força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos, nas quais se fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino.
Sobre este normativo tem-se vindo a discutir se quando se fala em “contribuições devidas ao condomínio” se deve entender como “contribuições em dívida ao condomínio” ou “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”.
Afigura-se-nos que tal expressão tanto abrange umas como outras, isto é, quer as contribuições futuras, quer as contribuições já apuradas, em que se verifique ou venha verificar falta de pagamento, desde que vencidas, pois não se vislumbra justificação para distinguir.
As contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos naquele normativo têm de ser certas, exigíveis e líquidas (artº 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva. Por isso estas características da obrigação exequenda devem já constar da acta.
O legislador ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia de condóminos tinha em mente evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.
Assim, e como já se decidiu no Ac. proferido no proc. nº 1727/07-2, também relatado pela ora relatora, afigura-se-nos, pois, que não faz sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial (cfr. ainda neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 26/04/2007, de 16/12/2003, da RL de 29/06/2006 in www.dgsi.pt)

Ora, in casu, verifica-se, desde logo, da acta nº 14, a fls. 13 e segs., que a assembleia de condóminos, tendo reunido, além do mais, para discussão e aprovação das contas do ano de 2006, aprovou, por unanimidade, as contas apresentadas, discriminando os respectivos valores, designadamente os valores a receber.
Como ponto 2 da ordem de trabalhos, consta também a “Análise das quotas em atraso, medidas a tomar”.
E neste âmbito consta da acta que “A administração colocou à deliberação para aprovação pela assembleia geral os montantes das contribuições pelos condóminos em dívida, montantes estes que à data desta assembleia se encontram vencidos, valores encontrados de acordo com a permilagem da fracção autónoma de cada um, assim e após a devida discussão (…) foi decidido aprovar por unanimidade dos votos presentes, os montantes das contribuições em dívida por cada condómino devedor e que infra se fixam no relatório evidenciado, para valerem como título executivo nos termos legais, ao qual esta AG dá, desde já, poderes ao Administrador para contratar advogado a fim de intentar as competentes acções executivas em virtude de tal incumprimento para com o condomínio, sendo que as contribuições em dívida (…) são as que se passam a fixar e discriminar infra de acordo com o nome do condómino devedor, fracção a que respeita, referente ao ano ou despesa ou encargo e respectivo valor da dívida a que respeitam”, seguindo-se, nos termos referidos, a discriminação dos condóminos, onde se incluem os executados, nos termos indicados, isto é, nome, fracção, valores em dívida identificados (contribuições e/ou despesas extraordinárias) e período a que respeitam.
Mais consta, de acordo com o mapa anexo (fls. 16) a quota a pagar por cada um dos condóminos em 2007.

Na decisão recorrida, entendeu a Exmª Juíza a quo que não tendo o exequente juntado a acta da assembleia de condóminos na qual se deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio nos restantes anos ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, a acta em que se consigna o montante em dívida a aprovou o orçamento para 2007, por si só não constitui título executivo.
Porém, salvo o devido respeito, em face do que acima se referiu, a acta dada à execução não faz apenas tal consignação ou reconhecimento, antes aprova os montantes em dívida por parte dos executados, (o que pressupõe a existência da prévia fixação dos montantes das contribuições a pagar por cada condómino) com referência à sua natureza, fracção, e período a que respeitam, sendo certo ainda que delibera o accionamento dos meios legais para receber as dívidas em atraso.
De resto, não sendo impugnada a deliberação, será a mesma válida perante os condóminos, nada obstando à propositura da acção executiva por parte do condomínio, ficando sempre salvaguardada a defesa dos condóminos executados pelo recurso à dedução de embargos, querendo opor-se à execução.
Tal acta reúne, assim, a nosso ver, os requisitos previstos no nº 1 do artº 6º do DL 264/94 pois, delas, verifica-se que a assembleia aprovou as contribuições e despesas já em dívida ao condomínio pelos executados, ali se discriminando os respectivos quantitativos, natureza das mesmas e períodos a que respeitam.
Procedem, pois, as conclusões da alegação do agravante, impondo-se a revogação da decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que determine o prosseguimento da execução, salvo se outra razão obstar a tal.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da execução, salvo se, outra razão obstar a tal.
Sem custas.
Évora, 17.02.2011
Maria Alexandra A. Moura Santos
João Gonçalves Marques
Eduardo José Caetano Tenazinha