Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1040/02.0GDPTM.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Com a constituição de arguido ocorre a interrupção da prescrição do procedimento criminal (art.º 121.º, n.º 1, al.ª a), do CP).
II – E suspende-se a prescrição do procedimento criminal enquanto a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, pelo que desde a data da prolação do Acórdão – 07.11.2006 – até á data em que o mesmo foi notificado ao arguido – 20.01.2018 - ocorreu a suspensão do procedimento criminal.
III – Por consequência, não se verifica prescrição do procedimento criminal no circunstancialismo em que se constata que os factos ocorreram a 8.12.2002, relativamente ao crime de furto qualificado, relativamente aos crimes de burla informática e de abuso de cartão de crédito os factos tiveram lugar entre os dias 08.12.2002, 09.12.2002 e 10.12.2002 e 17.12.2002, em relação aos crimes de furto qualificado e de burla informática o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos e em relação ao crime de abuso de cartão de crédito é de 5 anos, o arguido/recorrente foi constituído nessa qualidade em 08.01.2003, tendo no mesmo dia prestado TIR, deduzida que foi a acusação, dela não se logrou notificar o arguido, teve lugar a audiência de julgamento – a 13.10.2006 -, não tendo estado presente o arguido -, a 07.11.2006 veio ser prolatado pertinente Acórdão, na ausência do arguido, o qual só veio a ser notificado do mesmo a 20-01-2018.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 1040/02.0GDPTM.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos Autos de Processo Comum Colectivo, com o n.º 1040/02.0GDPTM, a correrem termos pela Comarca de Faro - Juízo Central e Criminal de Portimão - Juiz 2, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido BB imputando-lhe a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pela alínea a), do n.º 1, do art.º 204º, do Código Penal, um crime de burla informática na forma continuada p. e p. pelo n.º 1, do art.º 221º, do Código Penal e um crime de abuso de cartão de crédito na forma continuada p. e p. pelo n.º 1, do art.º 225º, do Código Penal.

CC e DD deduziram pedido de indeminização cível contra o arguido pedindo a respectiva condenação no pagamento da quantia de 22.575.57 euros, acrescidos de juros à taxa legal desde 8.12.2002.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais, vindo-se, no seu seguimento, a Decidir:
1. Condenar BB, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pela alínea a), do n.º 1, do art.º 204º, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
2. Condenar BB, pela prática de um crime de burla informática qualificada p. e p. pela alínea a), do n.º 5, do art.º 221º, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
3. Condenar BB, pela prática de um crime de abuso de cartão de crédito p. e p. pelo n.º 1, do art.º 225º, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
4. Condenar BB na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão.
5. Condenar o demandado civil no pedido;
6. Ordenar a distribuição do objecto apreendido e a entrega dos demais apreendidos a quem os forneceu (fls. 291);
7. Pagará o arguido 6 UC de taxa de justiça, 1% sobre a mesma e as demais custas, fixando-se a procuradoria em 1/4.
8. Custas da demanda cível pelo demandado.

Inconformado com o assim decidido traz o arguido BB o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. Quer o crime de furto qualificado (punido com pena de prisão até cinco anos ou multa), quer o de burla informática (punido com três anos de prisão ou multa) encontram-se prescritos.
2. O procedimento criminal extinguiu-se por efeito da prescrição, pois que sobre a prática dos mesmos decorreram mais de dez anos. (art.º 118.º n.º 1 b) do CPP) – quanto ao crime mais grave – e mais de cinco anos “ibidem”, art.,º 118.º n.º 1 alínea c) no tocante ao de burla informática.
3. E nenhum evento ocorreu com relevância processual capaz de obstar à dita prescrição.
4. Nem na sua vertente interruptiva (de interrupção da prescrição) nem da eventualmente suspensiva (suspensão da prescrição) a que aludem, respetivamente, os artigos 120.º e 121.º do Código Penal.
5. Por outra parte, o CP estabelece, como “válvula se segurança” no dizer germânico, a chamada prescrição absoluta “absolute Verjahrung” (in CP Anotado – Parte Geral – MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO – ALMEDINA - 2.ª Edição – 2015) o prazo máximo elevado a metade “ressalvado o tempo de suspensão”, “apud” o disposto no art.º 121.º n.º 3 do CPP).
Mostrando-se também esse prazo ultrapassado.
6. O douto acórdão foi prolatado em 7 de Novembro de 2006.
7. Há, portanto, mais de 11 anos.

Pelo que as penas se encontram ambas prescritas (por via do disposto no art.º 122.º n.º 1 alínea c) do CPP) uma vez que são decorridos mais de dez anos sobre a decisão condenatória.

Respondeu ao recurso o Sr. Procurador da República, Dizendo:
1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
3- São assim, as conclusões que fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.
4- O arguido tem antecedentes criminais.
5- O arguido foi notificado para comparecer na audiência de julgamento, todavia não compareceu, nem justificou a falta, tendo sido julgado na ausência.
6- Também não esteve presente na leitura da douta decisão a 7-11-2006.
7- Realizaram-se diversas diligências para localizar e notificar do Douto Acórdão o ora recorrente, porém não se logrou encontrá-lo e notificá-lo, pois ausentou-se para parte incerta.
8- O arguido não informou o Tribunal da sua morada ou paradeiro onde pudesse ser notificado, embora tivesse esse ónus.
9- Tem aplicação na situação em análise o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea d), do Código Penal, suspendendo-se o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal desde a data da leitura do Douto Acórdão por motivos da única responsabilidade do arguido.
10- O recorrente foi notificado pessoalmente do Douto Acórdão através do OPC a 20-1-2018, como se extrai de fls. 466, verso.
11- Se tivermos em consideração a data da prática dos factos: Dezembro de 2002, verifica-se que o procedimento criminal ainda não prescreveu, não procedendo a argumentação do recorrente, salvo o respeito devido por diferente opinião, artigos 118º e 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal.
12- Não violou o Douto Acórdão que o arguido impugna, qualquer preceito de Direito Europeu, Constitucional ou criminal.
13- Deve manter-se na íntegra o Douto Acórdão.

Nesta Instância, o Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu douto parecer, concluindo no sentido de dever ser rejeitado o recurso, por manifesta improcedência, ou, se assim se não entender, a negar-se-lhe provimento, confirmando-se integralmente o Acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:
Factos Provados:
1. Em 8.12.2002, pelas 11.30 horas, num parque de estacionamento em Lagoa, o arguido entrou numa viatura ali estacionada e que foi utilizada naquele dia por CC e DD;
2. Do interior da viatura retirou o arguido bens de decoração, cassetes vídeo, joias, documentos, livros, carteiras, malas, sacos, cosméticos, roupas, óculos, telemóvel e cartões electrónicos;
3. Após abandonou alguns dos bens que assim foram recuperados, nomeadamente as malas, roupas, óculos, seis quadros de parede e os documentos, à excepção do passaporte de CC, apropriando-se dos restantes bens, que valiam ao todo 8.745 euros, tal como era a sua intenção;
4. Um dos cartões electrónicos era de débitos relativo a uma conta bancária no BES de CC e que tinha o respectivo código junto, tendo com ele o arguido, entre 8 e 9.12.2002, procedido a seis compras no montante total de 1.566,37 euros e a vinte e cinco levantamentos em máquinas ATM no total de 9.900 euros;
5. O outro era o cartão de crédito relativo a uma conta bancária do banco … de CC, tendo com aquele o arguido, entre 10 e 17.12.2002, procedido a duas compras no montante total de 950 euros e a cinco levantamentos em máquinas ATM no valor de 600 euros, a que acresceram 9.97 libras esterlinas de despesas bancárias de utilização do cartão;
6. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo proibida a sua conduta;
7. O arguido ausentou-se para parte incerta. Foi condenado em 20.6.1990 na pena de um ano de prisão pelo cometimento de crime de furto qualificado tentado, praticado em 16.6.1989. Em 25.11.1992 foi condenado em pena de multa pelo cometimento de um crime de furto. Em 25.1.2001 foi co9ndenado em pena de multa pelo cometimento de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 1.6.1999. em 1.3.2001 foi condenado em pena de multa pelo cometimento de um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 25.2.2002.
Factos não Provados:
Não se provaram outros factos nomeadamente que o arguido tenha utilizado uma gazua para entrar no automóvel utilizado por CC, ou que haja levantado mais do que 9.900 euros em máquinas ATM com o cartão de débito.

Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:
A convicção do tribunal quanto aos factos provados de 1 a 6 formou-se com base na conjugação do testemunho isento e revelando conhecimento de EE com as declarações de CC, cruzados com os documentos e informações bancárias juntas, reconhecimento e apreensão efectuados, à luz das regras de experiência comum.
Assim, CC relatou que tinha ido buscar os seus pertences ao aeroporto com aquele automóvel, tendo-o deixado no parque de estacionamento do estabelecimento comercial …, onde entrou, tendo depois constatado que as coisas (de que tinha uma lista) haviam desaparecido. Relatou ainda que o larápio fez um furo na porta do automóvel, tendo assim aberto a mesma, esclarecendo ainda que algumas das coisas retiradas do carro apareceram abandonadas (tendo-lhe sido entregues), elucidando sobre os respectivos valores, bem como os levantados com os cartões que confirmou terem então desaparecido, levando um deles o respectivo código junto.
Por seu turno EE, funcionária do Casino de …, esclareceu que a pessoa que ali procedeu aos levantamentos com o cartão de débito de CC foi a mesma que depois reconheceu na esquadra, ou seja, o arguido, como consta do auto de fls. 53.
Sabendo-se que os levantamentos no Casino ocorreram entre as 23.14 do dia do assalto e as 2.32 do dia seguinte (fls.40) a posse do cartão em momento tão próximo do respectivo desaparecimento fornece-nos a identidade do autor do fruto, o que se alia à posse do objecto fotografado a fls. 37 e apreendido ao arguido (auto de fls. 45), claramente apto para fazer o furo que permitiu a abertura da porta do carro assaltado, pelo que à luz das mais elementares regras de experiência e senso comuns não resta dúvida razoável sobre a identidade de quem cometeu o assalto e utilizou depois os cartões.
O mais demonstrado consta das informações dos autos sore o arguido e do respectivo C.R.C.
Quanto aos factos não provados cumpre dizer que tal se fica a dever à circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida prova, desde logo porque dos documentos bancários resultam muito claramente as providências dos débitos respectivos montantes e ainda porque o objecto fotográfico a fls. 153 não é uma gazua, já que estas actuam no canhão das fechaduras, o que não acontece com aquele, usado para furar a chapa e assim chegar à fechadura.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
Da análise das conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação de recurso vemos que a única questão trazida ao conhecimento deste Tribunal de recurso tem a ver com a prescrição do procedimento criminal.
Porquanto, e sempre na óptica do aqui impetrante, quer o crime de furto qualificado (punido com pena de prisão até cinco anos ou multa), quer o de burla informática (punido com três anos de prisão ou multa) encontram-se prescritos.
Tudo, por terem decorrido mais de 10 anos sobre a data dos factos e nenhuma circunstância interruptiva ou suspensiva se verificou, capaz de obstar à verificação do procedimento criminal.
Diferentemente opina, quer o Sr. Procurador da República, quer o Sr. Procurador Geral-Adjunto.

Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço está em causa o cometimento pelo arguido/recorrente de um crime de furto qualificado p. e p. pela alínea a), do n.º 1, do art.º 204º, do Código Penal; um crime de burla informática qualificada p. e p. pela alínea a), do n.º 5, do art.º 221º, do Código Penal e um crime de abuso de cartão de crédito p. e p. pelo n.º 1, do art.º 225º, do Código Penal.
O crime de furto qualificado em causa nos autos (sempre tendo em linha de conta a data da prática dos factos) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias;
O crime de burla informática qualificada é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
O crime de abuso de cartão de crédito é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O que quer significar que relativamente aos crimes de furto qualificado e de burla informática o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 (dez) anos e relativamente ao crime de abuso de cartão de crédito é de 5 (cinco) anos, cfr. art.º 118.º, n.º 1, al.s b) e c), do Cód. Pen.
Como flui dos autos, os factos ocorreram a 8.12.2002, relativamente ao crime de furto qualificado, relativamente aos crimes de burla informática e de abuso de cartão de crédito os factos tiveram lugar entre os dias 8.12,2002, 9 12.2002 e 10.12.2002 e 17.12.20102.
Como consabido, o procedimento criminal tem o seu início desde o dia em que o facto se tiver consumado; sendo que nos crimes permanentes (estamo-nos a reportar ao crime de abuso de cartão de cartão de crédito) só corre desde o dia em que cessar a sua consumação, cfr art.º 119.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), do Cód. Pen.
Da análise dos autos dá-se nota de que o aqui arguido/recorrente foi constituído nessa qualidade em 8.01.2003, tendo no mesmo dia prestado TIR, cfr. fls 51 e 52 dos autos.
Deduzida que foi a acusação, dela não se logrou notificar o arguido, como tudo bem decorre de fls. 288 dos autos.
Teve lugar a audiência de julgamento – 13.10.2006 -, não tendo estado presente o arguido - ver fls 337 dos autos.
Tendo, no acto, o Tribunal lavrado pertinente despacho em que veio não considerar absolutamente indispensável, para a descoberta da verdade material, a presença do arguido, razão pela qual se determinou que a audiência se iniciasse.
A 7.11.2006 veio ser prolatado pertinente Acórdão, na ausência do arguido, cfr fls 350-351 dos autos.
Sendo que a 20 de Janeiro de 2018 o arguido veio a ser notificado do Acórdão, como decorre de fls 466-466v.º dos autos.
O que quer significar, face ao exposto, que com a constituição de arguido ocorreu a interrupção da prescrição, de harmonia com o que se dispõe no art.º 121.º, n.º 1, al.ª a), do Cód. Pen.
E que ao invés do que defende o aqui impetrante, também causa de suspensão do procedimento criminal ocorre, in casu, a prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 120.º, do Cód. Pen., sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, na redacção dada pela Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro.
(Actualmente mantém-se a mesma causa de suspensão da prescrição, cfr art.º 120.º, n.º 1, al.ª e), do Cód. Pen., na redacção conferida pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro).
Pelo que desde a data da prolação do Acórdão - 7.11.2006 – até á data em que o mesmo foi notificado ao arguido – 20.01.2018 - ocorreu a suspensão do procedimento criminal.
Pelo que, ao invés do pretendido pelo recorrente, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal relativamente a qualquer dos crimes em causa nestes autos.
Sendo nestes vectores que o recorrente funda o seu recurso, importa concluir pela sua total improcedência.

Termos são em que Acordam em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 18 de Outubro de 2018
José Proença da Costa (relator)
Alberto Borges