Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
226/21.3PBPTG.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
RECURSO
ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tendo a assistente sustentado uma concreta posição no processo - nomeadamente não deduziu acusação independente da do Ministério Público, nem aderiu à acusação pública, nos termos do artigo 284º, do CPP, apenas formulou pedido de indemnização civil contra o arguido - que a decisão recorrida não tenha acolhido, não pode considerar-se que a condenação do arguido nos termos referidos foi proferida “contra” a assistente. Quer dizer, que a decisão do tribunal a quo tenha sido contrária à posição processual assumida pela assistente, que apenas visava a condenação do arguido pelo referido crime imputado.
De onde, resulta não ter a assistente legitimidade para recorrer.

Mas, acresce que, para recorrer, não basta ter legitimidade, cumpre também que se verifique o pressuposto processual do interesse em agir.

No caso em apreço, não demonstra a assistente um específico, próprio e autónomo, interesse em agir, não se vislumbrando afectação de algum dos seus direitos subjectivos e/ou interesses legítimos, não se podendo olvidar que “se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP”.

E vero é que o Ministério Público se conformou com a decisão revidenda.

Face ao que, tendo em atenção os fundamentos do recurso, carece também a recorrente de interesse em agir.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 226/21.3PBPTG, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 24/10/2022, nos seguintes termos.

Pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao cumprimento das regras de conduta de não contactar BB; de não se aproximar da sua residência (designadamente não entrando no seu prédio), nem do seu local de trabalho; de frequentar programa específico de prevenção de violência doméstica, em moldes a designar pela DGRSP e de se sujeitar ao tratamento médico considerado necessário após consulta para despiste de adição alcoólica e relativa a substâncias estupefacientes.

Foi ainda o arguido/demandado condenado a pagar à demandante, também constituída assistente nos autos, BB, a quantia de 500,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da decisão até efectivo e integral pagamento.

2. A assistente não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. A prevenção do crime de violência doméstica constitui um verdadeiro flagelo social devido à quantidade de queixas por crime desta natureza, bem como dos casos que não chegam às instâncias formais de controlo e apenas são conhecidos mais tarde, pela notícia das nefastas consequências que a sua materialização não raras vezes tem, pelo que as suas exigências de prevenção são excecionalmente elevadas.

2. São ainda mais acentuadas no caso dos autos pelo facto de a comunidade onde o crime foi pelo Arguido praticado ter sido por ela ignorado, sendo certo que os indícios da sua prática já se vinham a evidenciar há muito.

3. A suspensão da pena de prisão em que o Arguido foi condenado deixa perpassar um sentimento de atenuação da gravidade da sua conduta que não se compadece com tais exigências, principalmente numa zona em que a comunidade a desvalorizou por completo e sabia da sua associação a comportamentos de consumo de álcool e estupefacientes, que se sabem ser propiciadores de condutas deste tipo.

4. Mais não será adequada a suspensão quanto ao cumprimento das exigências de prevenção especial, já que todo o comportamento do Arguido até à presente data, que nesse sentido poderia abonar, foi determinado pela pendência do presente processo e das medidas de coação que sobre ela recaem, o que o Tribunal a quo não deixou de reconhecer na sentença sob recurso, ao afirmar que, “atendendo-se aos factos de o arguido não ter antecedentes criminais nem coabita com nem ter qualquer contacto com a assistente (ainda que não seja de descurar que a tal se opõem também as medidas de coação vigentes)…”

5. O Arguido não demonstra uma personalidade capaz de se conformar com a lei pela mera censura do facto, uma vez que, na data dos factos pela prática dos quais foi condenado, chegou a agredir deliberada e conscientemente a Recorrente no seu prédio à frente de vários agentes da Polícia de Segurança Pública, o que permite concluir que a mera censura desses factos não dá resposta às exigências especiais de prevenção.

6. Os motivos que reclamam o cumprimento efetivo da pena sobrepõem-se, pois, àqueles que foram considerados na sentença sob recurso como justificantes da aplicação do regime de suspensão.

7. A suspensão não é, por isso, adequada a cumprir as finalidades da punição no caso concreto, motivo pelo qual deverão Vossas Excelências revogar a decisão sob recurso na parte respeitante à suspensão da execução da pena de prisão e substituí-la por outra que condene o Arguido a cumprir efetivamente a pena de prisão em que foi condenado.

8. A prova do valor concreto dos danos patrimoniais, seja ele um valor de reparação ou de substituição, não é requisito da condenação do lesante no pagamento de uma indemnização ao lesado, como resulta do disposto no art. 609.º, n.º 2, do CPC, e, especialmente para os casos de pedido de indemnização civil em processo penal, do art. 82.º, n.º 1, do CPP.

9. A única prova que o lesado tem de fazer, pois, para obter vencimento no seu pedido é a prova dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, previstos no art. 483.º do CC, sendo acessória ou complementar a questão da liquidação da obrigação de indemnizar.

10. É que a iliquidez da obrigação não impede o seu surgimento, nem é causa de extinção da mesma, devendo o Tribunal, preenchidos que sejam os pressupostos da responsabilidade civil, declarar o direito a ser indemnizado e condenar o lesante no que vier a ser liquidado, não só apesar da iliquidez da obrigação, mas precisamente por causa dela.

11. De contrário, nega-se ao lesado o direito à reparação dos danos sofridos por falta de prova de factos que não consubstanciam pressupostos desse direito e cuja ausência não permite afastar o surgimento da obrigação de indemnizar para o lesante, em clara violação do disposto nos arts. 483.º e 566.º, n.º 3, do CC, art. 609.º, n.º 2, do CPC, e art. 82.º, n.º 1, do CPP.

12. Especialmente no caso dos autos, o cumprimento de tais pressupostos foi demonstrado pela prova produzida (cf. factos provados n.ºs 11 e 21) e o próprio Tribunal a quo assim o reconheceu expressamente: “Provada a prática, pelo arguido AA, de um crime de violência doméstica na pessoa da assistente, com a prática dos factos dados como provados no período temporal apurado, bem como os danos que a mesma sofreu por causa desse crime (e mesmo considerando que não foi feita prova acerca de alguns deles), conclui-se pela obrigação de o arguido indemnizar a assistente no valor dos danos sofridos”.

13. Estava o Tribunal a quo vinculado a condenar o Arguido no pagamento de uma indemnização à Recorrente, a título de reparação de danos patrimoniais sofridos a mão dele, no valor que viesse a ser liquidado no competente incidente de liquidação, nos termos conjugados dos arts. 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do CPC, e 82.º, n.º 1, do CPP.

14. E mesmo que o valor dano fosse insuscetível de apuramento – o que não é, neste caso –, sempre deveria o Tribunal a quo ter arbitrado um determinado valor indemnizatório à Recorrente, à custa do Arguido, ao abrigo da equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC.

15. Este entendimento está de acordo com o disposto no art. 360.º, n.º 4, do CPC, onde se determina que “quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.

16. Mesmo se a falta de prova do valor concreto dos danos se dever ao demandante, este entendimento mantém-se, não podendo obstar à procedência do pedido de indemnização civil, justamente porque se trata de questão complementar, da qual não depende o surgimento do direito à reparação dos danos e da correspetiva obrigação de indemnizar.

17. É esta a posição da nossa jurisprudência, como resulta, exemplificativamente, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-09-2021 (Ilídio Sacarrão Martins), de 23-02-2021 (Alexandre Reis), de 30-03-2017 (Ferreira Pinto), de 30-03-2014 (Mário Belo Morgado), de 10-12-2013 (Gregório da Silva Jesus); do Tribunal da Relação do Porto, de 19-12-2012 (Anabela Luna de Carvalho); e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-10-2017 (Maria Catarina Gonçalves), de 03-10-2006 (Garcia Calejo).

18. A isto não obsta que a Recorrente tenha peticionado a condenação do Arguido “no pagamento, à Demandante, da quantia total de € 8.262,98 (oito mil duzentos e sessenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) a título de reparação dos danos por ele causados, sendo € 2.262,98 (dois mil duzentos e sessenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) a título de reparação de danos patrimoniais e € 6.000,00 (seis mil euros) a título de reparação de danos não patrimoniais”, pois, como se explica no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-03-2017 (Ferreira Pinto), “[o] disposto no artigo 609º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tanto se aplica ao caso de se ter formulado, inicialmente, pedido genérico, como ao de se ter formulado pedido específico, não se tendo, porém, chegado a coligir dados suficientes para se fixar, com segurança e precisão, o objeto ou a quantidade da condenação”.

19. É esta a opinião uniforme da nossa jurisprudência sobre o alcance do art. 609.º, n.º 2, do CPC, como resulta, exemplificativamente, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-11-2019 (Catarina Serra), de 27-11-2013 (Sousa Fonte), de 15-06-1994 (Ferreira da Silva) e de 11-07-1985 (Campos Costa), se verifica, até, na jurisdição administrativa, como resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-12-2020 (Adriano Cunha), e é inclusivamente o entendimento da doutrina – cf. ABRANTES GERALDES, António Santos, PIMENTA, Paulo, e PIRES DE SOUSA, Luís Filipe, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, 2020, p. 755, notas 6 e 7.

20. A indicação de um valor concreto no pedido de indemnização civil não vinculou a Recorrente a esse valor, nem restringiu o pedido àquela efetiva quantia, não tendo ficado preterida a hipótese de condenação do Arguido no pagamento de uma indemnização pela mera falta de prova do valor concreto dos danos.

21. A procedência do pedido nestes termos não significa uma segunda oportunidade para a Recorrente ou uma violação do ónus da prova, porquanto os factos relativamente aos quais a Recorrente estava onerada com tal ónus eram aqueles relativos aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, os quais provou, tal como o Tribunal a quo expressamente reconheceu na sentença, sendo que o disposto no art. 569.º do CC afasta decisivamente que impenda sobre ela o ónus de provar o valor concreto dos danos.

22. A Recorrente, no artigo 31º do seu articulado de pedido de indemnização civil, declarou que pretendia usar da faculdade conferida pelo art. 569.º do CC, o que constitui precisamente um dos casos em que é possível uma condenação genérica sujeita a posterior liquidação, nos termos conjugados dos arts. 556.º, n.º 1, al. b), e 2, e 358.º do CPC.

23. Portanto, de uma forma ou de outra, mesmo que os anteriores argumentos não colhessem – o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – o Tribunal a quo sempre estaria vinculado a proferir uma condenação genérica por o correspondente pedido, ao abrigo do disposto no art. 569.º do CC, se encontrar incluído no petitório da Recorrente.

24. E não se considere que, por tal alegação do artigo 31º do P.I.C. não se encontrar transposta para o texto do pedido a final, deve ser desconsiderada, sob pena de nada valerem as alegações de direito das partes, podendo a peça reduzir-se à mera apresentação de um pedido!

25. Verificado e confirmado que foi pelo Tribunal a quo o preenchimento dos pressupostos do art. 483.º do CC e não obstante a indicação de valor concreto no pedido de indemnização civil, a falta de prova do valor de reparação ou substituição dos bens não determina a sua improcedência, sendo claro que, por imposição do art. 609.º, n.º 2, do CPC, e do art. 82.º, n.º 1, do CPP, ou, se não, porque a Recorrente ressalvou expressamente no seu articulado que pretendia usar da faculdade conferida pelo art. 569.º do CC, o Tribunal a quo deveria ter condenado o Arguido no pagamento, à Recorrente, de uma indemnização no valor que viesse a ser liquidado no competente incidente, a título de reparação de danos patrimoniais sofridos, ao abrigo do disposto, respetivamente, nos arts. 609.º, n.º 2, do CPC, e 82.º, n.º 1, do CPP, e 358.º, 556.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPC e 483.º e 569.º do CC.

26. Não o tendo feito, impõe-se que Vossas Excelências procedam à revogação da decisão proferida em 1º instância nesta parte e à prolação de outra que condene o Arguido nos referidos termos, ou, caso Vossas Excelências assim não o entendam, condeno o Arguido no pagamento de um valor indemnizatório à Recorrente ao abrigo de juízos de equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC.

27. Os factos provados n.ºs 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 da sentença sob recurso, que se dão por reproduzidos, traduzem claros danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente às mãos do Arguido, tendo sido considerados pelo Tribunal a quo como merecedores da tutela do direito, para os efeitos do disposto no art. 496.º do CC.

28. Tais danos não se traduzem apenas em dores e hematomas no olho esquerdo, ombros, braços e tronco, na incapacidade para a realização de atividades básicas da vida diária (v.g. cozinhar e lavar loiça) durante um mês, no incontrolável choro por apenas ouvir falar no assunto, no receio de novo sofrimento às mãos do Arguido, ou dos sentimentos de vergonha, humilhação, diminuição e frustração que a conduta daquele nela causou – cada um dos quais já constituiria danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e fundamento de indemnização – mas de todos esses factos conjuntamente, que traduzem uma conduta do Arguido de sobremaneira grave e atentatória da integridade física e psicológica, destinada a molestá-la fortemente, como conseguiu.

29. O merecimento da tutela do direito impõe um valor pecuniário muito superior a € 500,00 (quinhentos euros), dada a gravidade e perversidade dos danos sofridos, nas circunstâncias concretas de um contexto de violência doméstica na intimidade.

30. Para efeitos do disposto no art. 494.º do CC, tendo o Arguido atuado sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo das consequências dos seus atos e tendo escolhido a intimidade da residência da vítima / do casal para os praticar (cf. factos provados n.ºs 19, 20 e 21), a sua culpabilidade é total.

31. E não se poderá ignorar que parte da sua conduta foi perpetrada na presença de agentes da polícia, demonstrando claramente uma insusceptibilidade de se comportar nos termos da lei e em respeito pela integridade do próximo ser humano.

32. A indemnização, no caso dos danos não patrimoniais, tem um carácter compensatório, mas também sancionatório, de forma a castigar o lesante pelos danos que causou e que não são suscetíveis de quantificação, donde, a culpa do Arguido e gravidade da sua conduta têm de contribuir especialmente para a fixação do respetivo montante, o que torna mais evidente a inadequação do valor arbitrado pelo Tribunal a quo.

33. Não se pode considerar como limite máximo do valor a arbitrar aqueles normalmente fixados pela jurisprudência, porque, por um lado, cada caso é singular e irrepetível, tendo contornos e circunstâncias próprias – e as do presente caso são de sobremaneira graves, como se evidenciou; por outro, porque não se pode afirmar que a jurisprudência arbitre valores desta ordem nestes casos de danos não patrimoniais em contexto de violência doméstica – pelo menos, com a segurança que se impõe para o Tribuna a quo decidir como decidiu.

34. Veja-se, como exemplos, aqueles em causa nos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 09-10-2012 (Carlos Berguete Coelho), em que foi arbitrada a quantia de € 8.500,00; de 20-12-2018 (João Amaro), em que foi arbitrada a quantia de € 50.000,00; e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-05-2018 (Lopes da Mota), em que foi arbitrada a quantia de € 7.500,00.

35. Constata-se que, mesmo nas quantias que se aproximam, a ordem de grandeza é sempre manifestamente superior àquela da quantia arbitrada nos presentes autos.

36. E tais acórdãos recaem sobre casos com algumas similitudes relativamente ao dos autos, não obstante um juízo verdadeiramente equitativo sobre a gravidade da conduta do Arguido e a sua culpabilidade já reclamar, só por si, o arbitramento de um valor superior.

37. Quanto aos valores atribuídos pelo dano morte, pode ver-se a breve resenha feita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2019 (Júlio Pereira), que aponta para valores entre € 50.000,00 e € 80.000,00 pela perda do direito à vida e uma média de € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais dos familiares que sofreram com a perda.

38. Para além de se tratar de bens jurídicos diferentes, entre os quais nos parece não ser possível estabelecer uma comparação justa, não se pode concluir desses valores que os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente nos autos são merecedores de uma quantia compensatória de apenas € 500,00 (quinhentos euros).

39. O facto de os valores habitualmente arbitrados pelo STJ se situarem entre € 50.000,00 e € 80.000,00 pela perda do direito à vida e na média de € 20.000,00 para as pessoas próximas que sofrem com a perda não permite estabelecer um juízo comparativo tal donde se conclua que o valor a arbitrar no caso dos autos deve ser assim tão reduzido, como se a gravidade da conduta do Arguido e a sua culpabilidade fossem também elas diminutas!

40. Não é pelos “valores habitualmente arbitrados pela jurisprudência” que a fixação equitativa do quantum indemnizatório foi correta, não podendo eles justificar a atribuição de tão reduzido valor à Recorrente no caso dos autos, sendo certo que o Tribunal a quo não refere as decisões jurisprudenciais em que se baseia para arbitrar tal valor.

41. O montante de € 500,00 arbitrado pelo Tribunal a quo é um valor que, salvo o devido respeito, não assegura compensação nenhuma pelo dano infligido pelo Arguido e sofrido pela Recorrente, traduzindo até, em nosso entendimento, uma desvalorização do mesmo, negligenciando a sua relevância para o direito e para a vida da Recorrente, face também às especiais condições atuais de inflação que se vivem no País.

42. Para além de os rendimentos do Arguido não permitirem concluir pela sua incapacidade em pagar valor superior, tal fator é desprezável nesta sede de fixação da indemnização por danos não patrimoniais, dada a componente sancionatória da mesma.

43. Assim, a Recorrente não pode aceitar tal valor arbitrado, por não equitativo, devendo este ser revisto por Vossas Excelências e fixado, em substituição, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de €2.000,00 (dois mil euros) em favor da Recorrente, ou outro que, acima da quantia de €500,00 (quinhentos euros) arbitrada pelo Tribunal a quo, Vossas Excelências entendam justo e equitativo.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, na parte relativa à questão da suspensão da execução da pena, pugnando pelo seu não provimento.

5. O arguido AA respondeu à motivação de recurso, concluindo por dever ser julgado improcedente.

6. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.

7. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

8. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Inadequação da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

Condenação quanto aos danos patrimoniais no que se liquidar em execução de sentença.

Montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. O arguido AA e BB viveram juntos, como se fossem marido e mulher, entre data não concretamente apurada, mas não posterior a 2011, e 21 de Agosto de 2021, na …, n.º…, em ….

2. Sempre existiram muitos conflitos entre o casal, motivados, entre outros, pelo comportamento agressivo e ciumento do arguido e pelos seus episódios de embriaguez e consumo de estupefacientes, ao desferir murros, encontrões e pontapés pelo corpo de BB e imputar-lhe a existência de vários amantes.

3. Tal comportamento do arguido levou a que, por iniciativa de BB, se separassem várias vezes, mas acabando sempre por se reconciliar.

4. O arguido AA e BB reataram a relação pela última vez em Maio de 2021.

5. Desde Maio de 2021, o arguido agrediu BB pelo menos três vezes.

6. Numa dessas vezes, a 6 de Julho de 2021, BB teve que ser assistida no Hospital de …, com trauma no 1º dedo da mão esquerda, após torção pelo arguido.

7. A 21 de Agosto de 2021, de madrugada, e após jantar em casa da irmã de BB e discussão por razão não concretamente apurada, e já na residência do casal, BB pediu para o arguido AA sair da residência, levar os seus pertences e devolver-lhe a chave.

8. Em resposta, o arguido dirigiu-se a BB e empurrou-a, com força, contra as grades da varanda, puxou-lhe o cabelo, desferiu-lhe vários murros, por todo o corpo, incluindo na cara e na cabeça, e pontapés, e empurrou-a várias vezes para o chão, pelo que esta telefonou para a polícia.

9. Mais tentou o arguido estrangular BB, apertando-lhe violentamente o pescoço com as próprias mãos.

10. Quando tinha aproximadamente 25 anos, BB teve um acidente de viação que lhe deixou sequelas na coluna, do que o arguido tinha conhecimento.

11. O arguido ainda destruiu e danificou diversos objectos que se encontravam no interior da residência, nomeadamente a porta da máquina de lavar roupa (que forçou e desencaixou), a porta do frigorífico (que amolgou de forma não concretamente apurada), uma gaveta do congelador (que partiu ao abrir para tirar alimentos) e a porta de um armário da cozinha (que desnivelou ao abrir para tirar alimentos), bem como o chão da cozinha (que fez estalar ao atirar alimentos) e a fechadura da porta do quarto (sobre a qual empurrou BB).

12. Enquanto BB aguardava a chegada da polícia, a arguida CC – mãe do arguido AA – dirigiu-se à residência do casal e, perante a objecção de BB a que entrasse, dirigiu-lhe as expressões «puta», «vaca», «vadia», «ele é um parvo em voltar para ti».

13. A PSP deslocou-se à residência do casal e, já na presença dos agentes, o arguido, vindo do interior da habitação e sem nada que o fizesse prever, dirigiu-se a BB e desferiu-lhe vários murros na zona da cabeça/face, tendo-lhe ainda atirado violentamente as chaves de casa para a face, perante o que os agentes procederam à sua detenção.

14. Como consequência directa da conduta do arguido AA, BB ficou com hematomas no olho esquerdo, ombros, braços e zona abdominal, bem como dores nas partes do corpo atingidas, tendo necessidade de receber tratamento hospitalar.

15. Por cerca de um mês, BB ficou limitada no desempenho de tarefas quotidianas como cozinhar, lavar louça e arrumar a casa, pelo que, nesse período, ficou em casa dos pais, para onde foi levada logo após a saída do hospital, para que estes cuidassem dela e lhe prestassem auxílio diário.

16. Enquanto esteve em casa dos pais, BB chorava com facilidade e sempre que se falava no episódio descrito em 8.

17. BB tem receio de se cruzar com o arguido e que a conduta do mesmo possa ocorrer de novo.

18. O arguido AA actuou com intenção de molestar o corpo de BB, o que conseguiu.

19. O arguido sabia que o seu comportamento era adequado a afectar a dignidade pessoal de BB, bem como o seu equilíbrio psíquico, criando nela sentimentos de vergonha, humilhação, diminuição e frustração, firme no propósito de molestar psicologicamente a sua companheira, o que conseguiu.

20. Mesmo tendo pleno conhecimento disto, o arguido decidiu agir no interior da residência do casal, sabendo que actuava no recato do lar e diminuía a possibilidade da intervenção de terceiros em auxílio de BB.

21. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que assumia eram proibidas e punidas por lei.

22. BB celebrou contrato de arrendamento com o Município de … quanto à fracção onde vive e está obrigada a entregá-la «sem quaisquer deteriorações, salvo as inerentes ao seu uso normal».

23. O arguido AA estudou até ao 7º ano e trabalha como pintor de construção civil, auferindo aproximadamente 850€ mensais.

24. O arguido AA vive sozinho em casa arrendada, suportando uma renda mensal de 150€.

25. O arguido AA não tem filhos.

26. O arguido AA contribui com cerca de 25€ mensais para as despesas de medicação da sua mãe.

27. O arguido AA consome álcool diariamente e consumiu estupefacientes, designadamente canábis, até pelo menos há cerca de um ano.

28. O arguido AA é tido como uma pessoa muito trabalhadora e que ajuda os pais.

29. A arguida CC completou o 6º ano de escolaridade em adulta e está desempregada, auferindo 162,92€ mensais a título de rendimento social de inserção.

30. A arguida CC vive sozinha em casa camarária, suportando uma renda mensal de 17,65€.

31. A arguida CC beneficia de apoio da … na sua alimentação.

32. O arguido DD completou o 9º ano de escolaridade em adulto e faz ocasionalmente alguns biscates, auferindo ainda aproximadamente 189€ mensais a título de rendimento social de inserção.

33. O arguido DD vive sozinho em casa cedida por terceiro, sem electricidade nem água, com a qual não tem quaisquer despesas.

34. O arguido DD beneficia de apoio da … na sua alimentação.

35. Os arguidos CC e DD têm 3 filhos maiores e independentes.

36. Os arguidos não são proprietários de quaisquer bens imóveis nem de quaisquer veículos.

37. Os arguidos não têm quaisquer antecedentes criminais.

38. O arguido AA beneficiou de suspensão provisória do processo por crime de condução sem habilitação legal entre Outubro de 2020 e Fevereiro de 2021.

39. A assistente estudou até ao 9º ano e está desempregada, prevendo vir a receber em breve subsídio social de desemprego.

40. A assistente vive sozinha em casa camarária, suportando uma renda mensal de aproximadamente 18€.

41. A assistente tem um filho maior e independente.

42. A assistente contribui ocasionalmente com géneros para a alimentação do filho.

43. A assistente não é proprietária de quaisquer bens imóveis nem de quaisquer veículos, utilizando diariamente um veículo do pai.

44. A assistente é tida pelos vizinhos como uma pessoa conflituosa e pouco trabalhadora.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

A. Após Fevereiro de 2021, o arguido AA continuou, quando embriagado e sob o efeito de estupefacientes, designadamente canábis, a dirigir a BB, em tom elevado, as seguintes expressões: «és uma puta», «andas aí a foder com todos», «vais foder com os velhos para ganhares dinheiro».

B. Ao mesmo tempo, o arguido desferia murros no mobiliário existente na habitação comum, partindo-o.

C. O arguido não deixava BB trabalhar e evitava que esta tivesse contacto com os seus familiares.

D. BB trabalhou num bar, na …, e, devido ao comportamento do arguido, muito ciumento e bastante obsessivo, teve que se despedir pouco tempo depois, em data não concretamente apurada, porque o arguido a obrigou a tal, afirmando que ela tinha outros homens.

E. A 21 de Agosto de 2021, depois de jantar, o arguido AA e BB deslocaram-se a um café, sendo que o arguido, que já se encontrava embriagado, apodou BB de puta na presença da irmã daquela e disse-lhe que andava «aí a foder com todos, a foder com os velhos para ganhar dinheiro».

F. Enquanto procedia do modo descrito em 7 e 8, o arguido gritava para BB «vou-te matar», «não sais daqui viva», «sua puta», «vou acabar contigo».

G. Enquanto BB aguardava a chegada da polícia, o arguido DD – pai do arguido AA – dirigiu-se à residência do casal.

H. A arguida CC dirigiu a BB as seguintes expressões: «sua maluca», «venho aqui defender o meu filho», «ele não fez nada», «vou-te matar».

I. Por seu turno, o arguido DD, ao ver o seu filho ser algemado e dirigindo-se a BB, gritou «eu vou matá-la, aquela puta vai morrer, eu vou matá-la».

J. O arguido AA desferiu vários pontapés nas pernas de BB na presença dos agentes da PSP.

K. O arguido AA sabia que as palavras que dirigiu a BB, como quis, a ofendiam na sua honra e consideração e eram aptas a fazer crer que estava firmemente decidido a atentar contra a sua vida e integridade física e, por isso, adequadas a causar-lhe, como causaram, receio pela sua vida, integridade física, segurança e bem-estar.

L. Os arguidos CC e DD agiram da forma descrita com o objectivo concretizado de fazer crer a BB que atentariam contra a sua vida e integridade física, sabendo que os seus anúncios eram aptos a criar, como criaram, medo e inquietação nesta.

M. Os arguidos CC e DD agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que assumiam eram proibidas e punidas por lei.

N. BB tem dificuldade em dormir e descansar.

O. A máquina de lavar roupa de BB ficou inutilizada, não sendo possível fechar a porta.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

No presente caso, o Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em conta as declarações dos arguidos e da assistente, os diversos documentos juntos aos autos (incluindo, além dos descritos na acusação a que o Tribunal pode atender – isto é, com excepção dos que se limitam a reproduzir declarações dos sujeitos processuais –, os juntos ao pedido de indemnização civil, os relatórios sociais, os certificados de registo criminal dos arguidos mais recentemente juntos aos autos e os juntos na audiência de

julgamento ou que, reproduzindo declarações dos sujeitos processuais, aí foram lidos, nos termos legalmente previstos) e os depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT, todos prestados em audiência.

Toda a prova produzida foi livremente apreciada, nos termos do disposto no artigo 127º do CPP, e interpretada considerando, não só os princípios jurídicos e as normas legais aplicáveis, mas também as regras da experiência, com base em todos eles se procedendo ao exame crítico dos referidos meios de prova, como exige o artigo 374º, n.º 2, do CPP.

Importa desde já realçar que o tipo de factos imputados ao arguido AA, no interior da residência comum, dificulta sobremaneira a produção de prova testemunhal, já que é frequente e justificável, à luz do normal decorrer dos acontecimentos, que mais ninguém, além dos próprios intervenientes – com evidente interesse na causa – e, eventualmente, familiares próximos, presencie o que ocorre dentro de casa, pelo que assume particular relevo a forma como prestam declarações, pelo que importa começar pela sua apreciação.

O arguido AA reconheceu apenas a dinâmica conflituosa da sua relação com a assistente, que associou a atritos por causa de dinheiro e dos seus amigos, com quem aquela não queria que estivesse, apresentando de resto uma narrativa orientada para ser a assistente a controlá-lo.

Quanto ao episódio de 21 de Agosto, e apesar de apontar razões diversas das referidas pela assistente para o início da discussão em casa de EE, é de sublinhar como convergem na sua existência.

Sobre o decurso desse episódio, o arguido não soube explicar por que razão teria sido a assistente a retirar alimentos dos armários e do frigorífico por querer que o arguido os levasse ao sair – o que, à luz da versão apresentada por este, se mostra francamente inverosímil, e, pelo contrário, facilmente explicável no cenário de, perante a assistente ter dito que queria que o arguido saísse de casa, este querer levar consigo os bens que pagara (o que aliás se mostra também compatível com a dinâmica descrita pela generalidade das testemunhas inquiridas no que concerne às discussões motivadas pelo dinheiro, no sentido de só o arguido trabalhar e suportar as despesas da assistente).

Por várias vezes verbalizou arrependimento pelo acontecido nessa noite, para logo a seguir, especialmente quando confrontado a esse respeito, sublinhar que não tinha batido na assistente, adiantando que as marcas que pudesse ter se deviam à força dela própria e que a tinha agarrado e apertado nos braços para a travar. Na mesma lógica, descreveu ter-se dirigido à janela para ser ouvido pelos vizinhos por a assistente não o deixar sair, mas nenhum daqueles referiu nada nesse sentido. Não soube explicar as marcas na cara da assistente.

Também não se mostrou credível na razão por que foi manietado e algemado, relativa a ter-se «desviado» dos agentes da PSP por ter ouvido a mãe dizer para a assistente não a empurrar – ao que nenhum dos presentes fez referência, descrevendo antes como era a arguida quem mostrava querer entrar na residência.

Mostrou-se esquivo quanto ao consumo de álcool, procurando equiparar o seu consumo ao da assistente, mas reconhecendo consumir diariamente (mais dizendo ter consumido antes e depois do jantar no dia 21 de Agosto) e a sua alcunha ser cerveja.

Sobre este aspecto, assinale-se desde já que, não obstante terem negado que o arguido tivesse um problema relacionado com o consumo de álcool, a generalidade das testemunhas mencionou esse consumo, de forma mais ou menos concreta, relatando-o como habitual.

Apesar de ter expressado nunca ter apresentado queixa contra a assistente por ter vergonha, logo se retratou, dizendo tê-lo feito depois de saber que ela também tinha apresentado queixa contra ele e ter desistido da queixa que apresentara depois de saber que ela também o tinha feito – dinâmica que revela apenas a vontade de retaliar, e não qualquer vergonha.

Em suma, julga-se que o arguido procurou transmitir ao Tribunal uma versão dos factos que lhe fosse mais favorável e que evitasse a sua condenação.

Por sua vez, a arguida CC também apontou a responsabilidade à assistente, tanto pelos conflitos entre o casal (logo reconhecendo as sucessivas separações) como pelas suas próprias dificuldades económicas, relacionadas com a limitação do apoio do filho por contribuir para as despesas da assistente. Quanto ao concreto episódio sub judice, reconheceu ter-se deslocado a casa da assistente após telefonema do filho, negando posteriormente que o arguido DD o tivesse feito (tendo-se deslocado apenas à rua) e também que qualquer deles lhe tivesse dirigido as expressões que lhes são imputadas.

Quanto ao arguido AA, seu filho, disse que este se exaltara com os agentes da PSP, sem ter tentado bater na assistente.

Por fim, o arguido DD disse ter chegado ao bairro quando já lá estava a PSP e não ter dito nada à assistente nem ouvido que a arguida o tivesse feito.

As declarações da assistente mostraram-se bastante mais detalhadas, não obstante não ter sempre conseguido concretizar no tempo aquilo que foi relatando – o que se julga natural, especialmente considerando a duração da relação e a homogeneidade da actuação e da motivação do arguido AA.

Concretizou alguns episódios reveladores dos ciúmes do arguido, designadamente quanto ao senhor do café e ao miúdo brasileiro amigo do filho. Referiu que pôs fim à relação várias vezes – como aliás confirmado pela quase totalidade das testemunhas inquiridas – e sempre pelo mesmo motivo.

Mais é de salientar, quanto à relação entre o arguido e a assistente, que a generalidade das testemunhas, mesmo as próximas do arguido, relataram, em sentido convergente com estas declarações, a recorrência de conflitos e de gritos.

Além do episódio de 21 de Agosto, a assistente referiu-se também ao episódio de 6 de Julho (sem concretizar a data, mas que se conclui a partir dos documentos hospitalares juntos aos autos).

Quanto a 21 de Agosto, importa atentar no foco da produção de prova sobre aquilo que se passou ou não no jantar em casa de EE.

Em primeiro lugar, não se julga que a assistente tenha mentido quanto à altercação que descreveu – note-se que a irmã (cujo depoimento revela que não pretende favorecê-la, pois foi clara quanto a não terem uma relação próxima, fazendo mesmo questão de se desviar deste tema, o que ilustrou de forma gritante ao descrever como não se dirigiu logo a casa da assistente quando esta lhe telefonou, relatando estar a ser agredida pelo arguido, por estar a tomar banho) relatou – tanto nas declarações inicialmente prestadas perante OPC como também na audiência de julgamento –, à semelhança da assistente, como o arguido falava alto e consumiu álcool no café, mas também como ela própria estava a entretê-lo, para manter a tranquilidade, porque ele se mostrava alterado. O facto de a testemunha TT ter afirmado, em traços largos e de modo fugidio, que não houve nada que lhe chamasse à atenção, não invalida as declarações da assistente nem o depoimento de EE – aliás, importa sublinhar que o próprio arguido reconhece ter discutido com a assistente antes de ter chegado a casa da sua irmã e esta ter dito que não queria confusões em sua casa por ser nova naquele local.

Em segundo lugar, esses factos, se podem eventualmente ser indiciários, certamente não são determinantes para a prova do que se passou em casa da assistente, isso sim determinante para o objecto do processo e para a decisão a proferir.

Nessa parte, a assistente ofereceu uma ilustração detalhada e cronológica, situando a actuação do arguido nas zonas da sua casa e do seu corpo (que se mostraram coerentes com o que mais tarde frisou acerca das mazelas, fazendo expressa menção não só à fragilidade da sua coluna – e, nessa parte, não pode deixar de se frisar como JJ disse que a filha tinha a coluna «toda coladinha» – como também ao pescoço negro, depois de ter dito que esta foi a única vez em que o arguido lhe apertou o pescoço). Mais mencionou as chamadas para a PSP e para a sua irmã e especificou ter ficado «sem carne na vista» na sequência de o arguido lhe ter arremessado as chaves.

Acerca deste ponto, importa assinalar que as falhas de memória reveladas pelos agentes da PSP se mostram compatíveis com o número de episódios desta natureza de que têm conhecimento e até em que intervêm, como no presente. Além disso, a maioria destas testemunhas assinalou a grande confusão no local e momento dos factos, que não pode deixar de contribuir para que não tenham atentado nalguns dos aspectos sobre os quais foram inquiridos. Ainda assim, II e LL mostraram ambos surpresa perante a atitude do arguido, ao dirigir-se para a assistente para a agredir na presença deles. É exactamente por se crer que a assistente necessariamente se recordará melhor que estas testemunhas do episódio sub judice (tal como os arguidos), por força do seu mister, que se deu como não provado que o arguido tivesse desferido pontapés nas pernas da assistente, pois esta referiu como estava negra em todo o corpo excepto nas pernas.

Ao descrever os danos produzidos em sua casa – de modo convergente com o relatado

posteriormente pelas testemunhas II e LL e com as fotografias juntas ao pedido de indemnização civil (com que o primeiro foi, aliás, confrontado após o seu depoimento e que são parcialmente coincidentes com as fotografias juntas ao auto de notícia), que estiveram no interior daquela –, a assistente mostrou-se capaz, na maior parte dos casos, de os associar a concretas actuações do arguido, entre as quais se destaca a projecção de alimentos pela janela, convergente também com o relatado pelas testemunhas acerca de cápsulas de café pela janela e no chão.

Especialmente impressiva foi ainda a forma como a assistente se referiu ao medo que sente do arguido ao descrever um episódio em que o viu na rua e lhe ter parecido, pela forma como a olhou, que havia de a comer. Sobre este concreto aspecto, é ainda de salientar como o pai da assistente disse que esta nem sequer saía no período em que esteve em casa dos pais.

No mesmo sentido apontou o relato deste e de EE acerca de a assistente chorar sempre que se falava deste episódio, com o pai a associar esse comportamento a ter deixado de falar sobre o assunto.

Sobre este período em que a assistente esteve em casa dos pais, importa mencionar como a assistente e o seu pai relataram esta estar quase sempre deitada e só se levantar para comer e demais necessidades básicas e ainda como NN referiu que a assistente esteve ausente de casa.

As declarações da assistente não foram valoradas apenas para a prova de factos prejudiciais aos arguidos – foi a própria que disse ter deixado de trabalhar na … porque faltou algumas vezes ao trabalho por não ter conseguido dormir nas noites anteriores em virtude de o arguido AA a incomodar com alusões a apenas querer trabalhar lá por lá ter alguém. Ora, esta descrição impede que se dê como provado que a assistente deixou de trabalhar na … porque o arguido a obrigou.

De maior destaque é o facto de a assistente ter dito peremptoriamente não se recordar de a arguida lhe ter dirigido quaisquer expressões para lhe causar medo. Pelo contrário, concretizou as expressões referidas em 12 – o que se mostra congruente (embora não coincidente) com o relatado por KK (que, embora revelando desconhecimento da maioria dos factos, não vacila na sua intervenção relacionada com travar a entrada da arguida) e também por LL.

Mesmo no âmbito do episódio de 21 de Agosto, as declarações da assistente não foram sempre julgadas suficientes – foi esta a única pessoa a referir (por duas vezes) que o arguido a tivesse apodado de puta nessa ocasião (e tendo referido apenas essa expressão).

Face ao número de pessoas presente na mesma ocasião e à divergência dos relatos acerca de quem o estava (dizendo a assistente que estavam no café, além dela e do arguido, a irmã e a sobrinha, à semelhança de EE, que mais referiu TT, referindo ainda o arguido também o sobrinho), o Tribunal não pode sustentar-se, nesta parte, apenas no descrito pela assistente.

O mesmo se aplica ao facto I, especialmente considerando a hesitação demonstrada pela assistente, que começou por afirmar que o arguido DD subiu após a chegada da PSP (e é a única testemunha que o refere), e depois que pode não ter subido, já que apenas o ouviu, associando-o ao eco do prédio. Mais contribui para a fragilidade do seu relato o facto de a assistente ter frisado como o arguido DD lhe dirigiu expressões semelhantes no dia em que regressou a sua casa, após a estadia em casa dos pais, evidenciando como pode estar a confundir as datas.

De igual modo, a assistente não referiu as concretas expressões constantes de A, G (mas antes que o arguido lhe disse que era uma mulher morta) nem H, nem o relatado em B (mas antes que o arguido desferia murros nas paredes do quarto).

No que concerne à prova testemunhal, em súmula e além do já concretizado:

FF não acrescentou nada à restante prova produzida, tendo descrito apenas que ouviu barulho, dizendo não se recordar de muito porque tinha acabado de acordar.

O mesmo se aplica a GG, que disse recordar-se apenas de ter assistido BB e de a ter transportado na ambulância para o hospital.

HH não tinha conhecimento dos factos, relatando apenas estar na esquadra quando o arguido lá foi conduzido.

JJ, pai da assistente, não só demonstrou não ter uma relação próxima com a filha como assumiu declaradamente uma postura neutra perante o arguido, afirmando expressamente não ter rancor, e revelou não pretender beneficiar a filha – foi depois de muita insistência que reconheceu tê-lo ouvido chamar-lhe puta e afirmou tranquilamente não só ter conhecimento de desavenças anteriores, por a ter visto ferida na boca (como também EE relatou), como até de um episódio em que o arguido agrediu a assistente em frente aos pais desta (justificando a sua falta de intervenção com o facto de o arguido estar embriagado e poder haver uma escalada de violência).

MM – que, à semelhança de todas as que ainda se referirão (excepto os agentes da PSP), deixou claro, implícita e explicitamente ter uma relação mais próxima do arguido que da assistente – reconheceu que a assistente gritou por ajuda e socorro e nada fez, deixando claro que não tem boa impressão da mesma – ainda assim descreveu como, ao ver o arguido com o braço mordido (como também NN e QQ, mais tendo RR descrito tê-lo visto arranhado), pensou que se batiam, não concretizando porquê e reconhecendo nunca ter falado com a assistente sobre isso.

NN, que sem pejo algum apresentou aversão pela assistente, não obstante também ter dito já terem sido amigas (mas só a meio do depoimento tendo revelado que esta procurou aproximar-se do seu ex-marido, o que se crê ser a razão essencial para a sua postura), disse ter assistido, de casa, ao episódio de 21 de Agosto (como também QQ e RR). Aproveitou todas as oportunidades para falar favoravelmente do arguido e desfavoravelmente da assistente – tanto de outras relações como de ter saído pelo próprio pé de casa, sem ser perguntada a esse respeito, mas de modo evidente quando se referiu ao aborto da assistente, cujo relato até pelo arguido foi desmentido. Como tal, só nos aspectos desfavoráveis ao arguido ou favoráveis à assistente o seu depoimento foi valorado – por, deste modo, ter deixado claro que não os mencionava para prejudicar o primeiro nem beneficiar a segunda (sem que possa afirmar-se o contrário) –, como é o caso de ter dito que nunca ouviu a assistente gritar com outros companheiros e que a ouviu gritar por socorro diversas vezes enquanto durou a relação com o arguido.

Também OO foi aberta quanto a não ter uma boa relação com a assistente, embora explicando que a assistente é que não gostava dela, o que associou ao facto de ter sido toxicodependente. Apesar das amizades que as unem ao arguido, tanto ela como NN verbalizaram como aquele teve que sair de casa para não ser violento para com a assistente, e OO ainda como o arguido nunca agrediria a assistente à sua frente, o que associou ao facto de ele saber que ela foi vítima de violência doméstica.

PP não só é amigo do arguido como deixou claro que nunca esteve em casa da assistente, nem quando o arguido lá vivia, e ainda mostrou estar à espera que lhe fossem colocadas perguntas concretas, designadamente quando perguntado sobre ocasiões em que o arguido tivesse saído mais cedo do trabalho. Como tal, o seu depoimento foi genericamente desconsiderado.

RR, também vizinha do arguido, também desvalorizou o episódio de 21 de Agosto, dizendo que era frequente a assistente discutir com namorados, tendo mesmo assistido – com a mãe, SS – a uma discussão com um destes, que descreveu, e que por isso mesmo não se preocupava com os gritos nem com os pedidos de socorro da assistente.

SS também descreveu este episódio, em que a assistente pediu a sua ajuda numa discussão com outro namorado, mais dizendo, de modo contraditório, não ter tido receio que o arguido lhe estivesse a bater e ter telefonado nalgumas ocasiões para a assistente por ter tido receio que as discussões se descontrolassem, e ainda que esta foi a discussão em tom mais elevado. À semelhança do exposto quanto a PP, mostrou aguardar que lhe fossem colocadas determinadas questões, designadamente acerca de outras relações da assistente.

LL reagiu de forma defensiva a várias perguntas que lhe foram colocadas por diversos sujeitos processuais e confirmou ter lido o auto antes do seu depoimento. Ainda assim, descreveu a interposição da mãe do arguido e também como este desferiu murros de cima para baixo na cabeça da assistente – o que manteve após diversas advertências quanto à mera suposição de que assim tivesse sido por referência à altura do arguido –, bem como a planta da casa da casa da assistente.

De modo global, há a assinalar como algumas testemunhas referiram algumas saídas de casa da assistente por iniciativa do arguido, o que o próprio negou, pelo que se conclui que certamente o fizeram apenas para beneficiar a percepção do arguido e/ou prejudicar a percepção da assistente aos olhos do Tribunal. Este facto, aliado à falta de conhecimento da generalidade dos concretos factos em causa e à postura notoriamente parcial dos vizinhos e amigos das testemunhas, conduz a que a prova testemunhal, apesar de morosa, em pouco tenha contribuído para o apuramento da verdade.

É também pela forma como decorreu a audiência de julgamento que se julga salutar

sublinhar que manter más relações com os vizinhos, seja por que razão for, inclusivamente imputável ao próprio, não é circunstância incompatível com sofrer actos de violência.

Não são vítimas de violência apenas pessoas de estrutura frágil, postura submissa nem bom feitio.

Dito de forma ainda mais clara, a assistente pode bem ser pessoa avessa ao trabalho e propícia a conflitos, mas, em primeiro lugar, isso não releva per si para o que aqui está em causa nem, em segundo lugar, exclui de modo algum, como não implica de modo algum, que a mesma tenha sido alvo das condutas aqui descritas.

Quanto a essa matéria, o Tribunal já expôs a sua convicção e a base para a mesma.

Considerando o teor das alegações da defesa do arguido AA, deixa-se ainda consignado que, além das referências já mencionadas aos arranhões e às marcas de dentadas naquele, KK e LL mencionaram ter visto ferimentos no arguido a 21 de Agosto de 2021 (conforme descrito também no auto de notícia e no boletim individual do detido) e que, face à falta de prova do contexto em que todos esses ferimentos foram causados e aos factos aqui dados como provados, não se apurou a prática de qualquer crime além do aqui julgado.

Já a prova dos factos 18 a 21 (que, pela sua natureza, não são passíveis de prova directa) resulta da leitura dos demais factos provados à luz das regras da experiência, mais considerando que não se fez qualquer prova de que o arguido não fosse capaz de entender o desvalor ou as consequências dos seus actos ou de que tivesse actuado da forma descrita por qualquer razão alheia à sua vontade, como acontece com a generalidade das pessoas.

No que diz respeito aos antecedentes criminais dos arguidos, atendeu-se ao teor dos certificados de registo criminal mais recentemente juntos aos autos.

Já quanto à sua situação pessoal, atendeu-se, além do teor dos relatórios sociais, às declarações prestadas pelos mesmos, por inexistir, nesse aspecto, razão para se duvidar das mesmas, considerando aliás como são irrelevantes para a decisão de absolver ou condenar – o que se aplica, de igual modo, à assistente. Os factos relativos à percepção pública do arguido e da assistente resultaram provados a partir da conjugação dos depoimentos das testemunhas inquiridas.

Quanto aos factos não provados – e sem prejuízo dos já justificados supra – tal conclusão resultou da ausência de qualquer prova nesse sentido. Importa, porém, referir, quanto ao facto C, que a prova produzida apontou no sentido de ser da iniciativa da assistente não trabalhar e, quanto ao facto O, que foi a própria assistente que explicou que era muito difícil conseguir fechar a porta da máquina.

Apreciemos

Inadequação da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.

Foi o arguido condenado, entre o mais, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao cumprimento de regras de conduta que se concretizam.

Como resulta das conclusões da motivação de recurso, a assistente/recorrente mostra-se inconformada com a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, com fundamento em que não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial que se impõem no caso, não se podendo concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, conforme estabelecido no artigo 401º, nº 1, alínea b), do CPP, têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra si proferidas. Porém, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir – nº 2.

E, de acordo com o artigo 69º, do mesmo, os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei – nº 1; sendo que, compete em especial aos assistentes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça - alínea c), do nº 2.

O nosso Supremo Tribunal de Justiça, por via do Acórdão nº 8/99, publicado in DR nº 185, I Série-A, de 10/08/1999, firmou jurisprudência no sentido de que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.

Consagrou entendimento que largamente já vigorava no mesmo Tribunal e que se tem vindo a manter, como resulta do Acórdão do mesmo Tribunal de 18/01/2012, Proc. nº 1740/10.1JAPRT.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt, segundo o qual “ a decisão que condene o arguido como autor de um crime de homicídio simples não poderá considerar-se proferida contra o assistente se houver discordância no estrito aspecto da qualificação jurídico-penal dos factos. E também não se poderá dizer que, por essa razão, o assistente tem um interesse concreto em agir, no sentido de necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu. O assistente não pretende propriamente uma mera discussão jurídica sobre a correcta qualificação dos factos, mas sim o agravamento da pena através da alteração da qualificação; tal agravamento insere-se no exercício do jus puniendi do Estado, que ao Mº Pº cabe promover, e cabendo a promoção de tal interesse ao Mº Pº, o assistente não pode recorrer por falta de interesse em agir (cf., v. g. ac. STJ de 29 de Junho de 2005, proc. 2041/05-3ª).”

O arguido vinha acusado pelo Ministério Público nos termos em que foi condenado, (sendo o libelo datado de 01/03/2022), tendo BB requerido a sua constituição como assistente aos 30/11/2021 e sendo como tal admitida por despacho de 17/01/2022.

Ora, a assistente não sustentou uma concreta posição no processo - nomeadamente não deduziu acusação independente da do Ministério Público, nem aderiu à acusação pública, nos termos do artigo 284º, do CPP, apenas formulou pedido de indemnização civil contra o arguido - que a decisão recorrida não tenha acolhido, pelo que não pode considerar-se que a condenação do arguido nos termos referidos foi proferida “contra” a assistente. Quer dizer, que a decisão do tribunal a quo tenha sido contrária à posição processual assumida pela assistente, que apenas visava a condenação do arguido pelo referido crime imputado.

De onde, resulta não ter a assistente legitimidade para recorrer.

Mas, acresce, como se viu, que para recorrer não basta ter legitimidade, cumpre também que se verifique o pressuposto processual do interesse em agir.

Este “resultará da análise da pretensão do recorrente, em concreto, quando confrontada com a respectiva necessidade ou indispensabilidade para fazer vingar um direito ou interesse seu (…) averiguamos se o interesse prosseguido pelo assistente é atendível para o efeito, tendo em conta o estatuto processual do assistente e, no limite, aquilo que se pretende com a punição”, conforme se elucida no Ac. do STJ de 07/05/2009, Proc. nº 09P0579, a ler no referenciado sítio.

“O interesse em agir consiste na necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo”, elucida o Ac. do STJ de 20/11/2014, Proc. nº 87/14.9YFLSB, também em www.dgsi.pt, que traz à colação José Damião da Cunha, em A participação dos particulares no exercício da acção penal (Alguns aspectos), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 8, Fasc. 4 (Outubro-Dezembro 1998), págs. 593 a 660, referindo que este autor define o interesse em agir como “um pressuposto decorrente da actividade exercida pelo assistente” (…) “Neste caso, o assistente apenas pode recorrer de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer «pretensão», não tendo essa «pretensão» merecido acolhimento na decisão – ou seja: a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente” (…) “o assistente pode interpor recurso restrito à questão da medida da pena, quando durante a audiência de julgamento ele tenha formulado uma qualquer pretensão sobre tal matéria que não tenha merecido acolhimento na decisão final”.

Pois bem.

No caso em apreço, não demonstra a assistente um específico, próprio e autónomo, interesse em agir, não se vislumbrando afectação de algum dos seus direitos subjectivos e/ou interesses legítimos, não se podendo olvidar que “se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP”, conforme se pode ler no mesmo aresto de 07/05/2009.

E vero é que o Ministério Público se conformou com a decisão revidenda.

Face ao que, tendo em atenção os fundamentos do recurso, carece também a recorrente de interesse em agir.

Estabelece-se no nº 2, do artigo 414º, do CPP, que “o recurso não é admitido quando (…) o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer (…)”, sendo certo que a falta de legitimidade ou de interesse em agir se integram nesta ausência de condições.

A decisão que admita um recurso não vincula o tribunal superior – artigo 414º, nº 3, do CPP.

De onde, se impõe a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, nesta parte, nos termos conjugados dos artigos 401º, nºs 1, alínea b) e 2, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), todos do CPP.

Condenação quanto aos danos patrimoniais no que se liquidar em execução de sentença

Discorda ainda a recorrente de o tribunal a quo não ter condenado o arguido/demandado no pagamento de uma indemnização, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor que viesse a ser liquidado em execução de sentença ou subsidiariamente em valor a determinar por via da equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil.

A assistente formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, impetrando a condenação no montante global de 8.262,98 euros, sendo 2.262,98 euros a título de reparação de danos patrimoniais, correspondentes ao valor dos bens da sua residência por ele danificados.

Nos termos do artigo 129º, do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no artigo 483º, do Código Civil, segundo o qual:

“Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Resulta do aludido preceito que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:

-O facto ilícito;

-O dano;

-O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;

- A culpa.

O facto ilícito é o facto voluntário – a acção ou omissão – que viola o direito de outrem ou deveres impostos por lei que visem a defesa dos interesses particulares, sem, contudo, conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.

O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e pode ter natureza patrimonial e não patrimonial.

O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e nessa medida indemnizáveis - artigo 563º, do Código Civil.

Finalmente, a culpa representa a imputação subjectiva do facto ao agente e traduz uma determinada posição ou situação censurável deste perante o facto ilícito, podendo assumir a forma de negligência ou de dolo.

O dever de indemnizar engloba o prejuízo causado e bem assim os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que previsíveis – artigo 564º, do Código Civil.

De acordo com o nosso ordenamento jurídico no que concerne concretamente ao ressarcimento dos danos patrimoniais, o montante da indemnização a arbitrar deve corresponder ao prejuízo da situação patrimonial do lesado e, em princípio, ter por medida a diferença entre a situação real (actual) em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria (correspondente ao mesmo momento) se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. artigos 562º e 566º, nº 2, do Código Civil e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 3ª edição, Almedina, pág. 778), sendo que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – nº 3, do referido artigo 566º.

Os danos patrimoniais compreendem não só os danos emergentes ou perda patrimonial (que abrangem o prejuízo directamente causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os danos reflexos e as próprias despesas frustradas), como também os lucros cessantes, ou seja, a não obtenção de um certo ganho em consequência dos factos geradores da responsabilidade, sendo que o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho, como se realça no Ac. do STJ de 18/12/2007, Proc. nº 07B3715, consultável em www.dgsi.pt.

Provado está:

O arguido ainda destruiu e danificou diversos objectos que se encontravam no interior da residência, nomeadamente a porta da máquina de lavar roupa (que forçou e desencaixou), a porta do frigorífico (que amolgou de forma não concretamente apurada) uma gaveta do congelador (que partiu ao abrir para tirar alimentos) e a porta de um armário da cozinha (que desnivelou ao abrir para tirar alimentos), bem como o chão da cozinha (que fez estalar ao atirar alimentos) e a fechadura da porta do quarto (sobre a qual empurrou Carla Marouço).

E, não provado se mostra:

A máquina de lavar roupa de BB ficou inutilizada, não sendo possível fechar a porta.

A propósito destes danos, elucida a decisão revidenda:

Quanto aos danos patrimoniais, não pode deixar de se sublinhar que, não tendo a assistente feito prova do valor da reparação dos concretos bens danificados – tendo-se limitado a alegar o preço de novos bens semelhantes aos danificados (que evidentemente não é o que importa apurar, já que não se provou que o arguido tivesse provocado a inutilização dos mesmos, levando a que carecessem de substituição) –, nenhum valor pode ser fixado para indemnização dos mesmos.

Embora não se tenha apurado o valor dos prejuízos causados pela conduta do arguido, dúvidas não há da sua existência, atenta a transcrita materialidade provada, bem como da admissibilidade legal do seu ressarcimento, porquanto verificados estão efectivamente e também não são objecto de controvérsia no âmbito deste recurso, os pressupostos da obrigação de indemnizar, de acordo com o estabelecido no artigo 483º e segs., do Código Civil.

Ora, consagra-se no artigo 82º, nº 1, do CPP, que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.”

Aqui chegados, como se refere no Ac. do STJ de 23/02/2021, Proc. nº 4335/16.2T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, porque verificados todos os pressupostos da correspondente obrigação (cf. art. 483º e ss do CC), sem que seja determinável o seu montante exacto, na fixação deste, se a impossibilidade de averiguação do respectivo valor real depender da falta de elementos, poderá optar-se por um dos mecanismos previstos no art. 609º, nº 2, do CPC (liquidação posterior) ou nos dos arts. 4º e 566º nº 3 CC (julgamento equitativo desse valor), consoante o juízo que, face às circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade da futura determinação de tal valor: concluindo-se pela improbabilidade de se vir a fazer a prova do valor exacto do dano em sede de liquidação, deve logo prevalecer o recurso à equidade.”

Pois bem.

Tendo em conta as características dos danos em causa e o lapso de tempo entretanto já decorrido, afigura-se ser improvável vir a apurar-se em momento posterior o exacto valor desses danos, pelo que a sua determinação terá de ser feita apelando para a equidade, tanto mais que disponíveis se mostram já os elementos necessários para efectuar esse juízo equitativo que rege a determinação do concreto valor indemnizatório.

Assim, norteados pelos princípios da proporcionalidade e da adequação que se impõem e ao abrigo do disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil, mostra-se ajustado condenar o demandado no pagamento à demandante da quantia de 300,00 euros para reparação dos danos patrimoniais por esta sofridos.

Montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela demandante/assistente, condenou o tribunal recorrido o demandado/arguido no pagamento da quantia de 500,00 euros.

No pedido de indemnização civil formulado pela mesma, impetrado foi o montante global de 8.262,98 euros, compreendendo danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros de mora contados à taxa legal desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

Insurge-se a recorrente quanto ao montante atribuído, considerando que não devia ser inferior a 2.000,00 euros.

A propósito, diz-se na decisão revidenda:

Apesar da gravidade dos factos e do reconhecido destaque dos bens jurídicos afectados, não pode o Tribunal, especialmente considerando os valores habitualmente arbitrados pela jurisprudência, mesmo pela prática de crimes mais graves e com a provocação de danos em bens jurídicos de ainda maior importância, como a vida, fixar a compensação dos danos dados como provados no valor peticionado pela assistente.

De modo diverso, e por se terem provado os factos que consubstanciam os pressupostos da responsabilidade civil e se julgarem tais valores equitativos, atendendo à justiça do caso concreto, condena-se o arguido, nos termos dos artigos 483º, n.º 1, e 496º, n.os 1 e 4, do CC, a indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, no valor de 500€ (quinhentos euros), acrescido de juros à taxa legal, por pedidos, desde a data da decisão (considerando o pedido pela assistente) e até efectivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 559º, n.º 1, 804º, n.º 1, 805º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, e 806º, n.os 1 e 2, do CC, e 1º da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Nos termos dos artigos 496º, nº 1 e nº 3, 1ª parte e 494º, ambos do Código Civil, quanto aos danos de natureza não patrimonial, o seu montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, 1982, pág. 304, ou como se refere no Ac. do STJ de 12/01/2006, Proc. nº 4176/05 - 7ª Secção, deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade, não olvidando, em nome da segurança da justiça, a prática jurisprudencial no sector – vd. quanto a ter de se atender também à prática jurisprudencial, Ac. do STJ de 28/06/2007, Proc. nº 07B1543, Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 05P3638, Ac. do STJ de 27/01/2009, Proc. nº 08P1962 e Ac. do STJ de 05/11/2009, Proc. nº 120/01.2GBPMS.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Os danos não patrimoniais abrangem os prejuízos, como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente.

A indemnização prevista no artigo 496º, nº 1, que tem em vista o quantum doloris causado, mais do que uma indemnização é uma verdadeira compensação, porquanto o escopo a alcançar é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, sendo que procurará ser justa e equitativa e não com um alcance meramente simbólico, ou miserabilista (embora também não deva, nem possa, representar um negócio) uma vez que se destina a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que tenha sofrido e que já não podem ser retirados por quem quer que seja – cfr. Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 06P480, Ac. do STJ de 23/04/2008, Proc. nº 08P303, Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 08P3380 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 271/09.7YFLSB, que podem ser lidos no referenciado sítio.

A título meramente exemplificativo, cumpre assinalar que o Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. de 10/04/2018, Proc. nº 2424/12.1TAALM.L1-5, consultável em www.dgsi.pt) condenou em indemnização de 20.000,00 euros o agente que desferiu um soco que causou a perda do olho esquerdo à vítima; e confirmou o mesmo Tribunal da Relação, por Ac. de 06/12/2017, Proc. nº 378/15.1PEVFX.L1-3, que pode ser lido no mesmo sítio, a indemnização no montante de 3.000,00 euros em que o demandado foi condenado por ter desferido uma pancada com um objecto de características não apuradas na face da vítima, que demandou para esta quatro dias para a cura, com dois dias de afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional; o Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 06/02/2013, Proc. nº 2167/10.0PAVNG.P1) concordou com o montante fixado pela 1ª instância de 2.000,00 euros, estando em causa o desferimento, por várias vezes, de socos, bofetões, empurrões, apertão de nariz e pescoço, ameaça de morte e proferir de palavras injuriosas, sendo o último acto reportado a Dezembro de 2010, tendo provocado dores e hematomas nas zonas corporais atingidas e por Ac. de 28/10/2021, Proc. nº 411/19.0GAVNF.P1 condenou o arguido no pagamento à assistente da quantia de 15.000,00 euros, por ter proferido contra a vítima expressões injuriosas e ameaças de morte, desferiu-lhe socos, pontapés e bofetadas, tendo também apertado o pescoço com as mãos, sendo que em consequência direta e necessária das agressões descritas cometidas pelo arguido, aos longos dos anos a assistente tornou-se cada vez mais isolada e fechada em si, num estado de depressão profundo, incapaz de estabelecer relações de confiança, permanentemente com medo e num estado depressivo profundo, vergonha, sentindo-se impotente. Os insultos e agressões físicas de que foi vítima fizeram a Demandante sentir-se com medo, humilhação e vergonha, baixa autoconfiança, sendo que a humilhação inerente a tal tratamento se agravava por o mesmo ser mantido à frente dos filhos de ambos, o que a levava a tentar esconder o mais possível as marcas das agressões de que era vítima, num ciclo de violência continuo. Em consequência direta e necessária das agressões descritas cometidas pelo arguido, aos longos dos anos, a Demandante teve necessidade de manter um acompanhamento psicológico regular, mantendo medo constante; o Tribunal da Relação de Coimbra (Ac. de 11/05/2016, Proc. nº 94/12.6GAACB.C2), condenou o agente em indemnização no montante de 2.500,00 euros, tendo sido desferidos, por duas vezes, pontapés e bofetadas na vítima, ameaças de morte e proferidas palavras injuriosas na sua direcção. Em consequência das suas descritas condutas, vinha o arguido molestando física, moral e psicologicamente B... e causando-lhe um estado de tristeza, humilhação, ansiedade e medo permanentes, na medida em que não sabia o que esperar do arguido, nomeadamente, se, a cada momento, iria recomeçar a sequência das discussões, insultos e agressões. Já no que tange a este Tribunal da Relação de Évora, por Ac. de 09/10/2012, Proc. nº 60/10.6PAETZ.E1, como todos os outros consultável em www.dgsi.pt, condenou o arguido em indemnização no montante de 8.500,00 euros, estando em causa ameaças de morte, proferir de expressões injuriosas, agarrar o cabelo da vítima com força e empurrões. Como consequência necessária e directa do comportamento do arguido a ofendida MB sentiu-se humilhada e envergonhada e perdeu o seu amor-próprio. Passando a ser uma pessoa perturbada, nervosa, receosa, insegura, desmotivada e descrente da vida. As desavenças entre o casal e o circunstancialismo em que a ofendida saiu de casa foram do conhecimento público dos habitantes de …. E, bem assim, objecto de muitos comentários. Tal situação foi agravada pelo facto de a ofendida ter exercido durante vários anos, as funções de Presidente da Junta de Freguesia. E provocou-lhe retracção social, tendo deixado de frequentar o seu círculo de amizades.

Ora, provado está que, em consequência directa e necessária da conduta do demandado, sofreu a assistente hematomas no olho esquerdo, ombros, braços e zona abdominal, bem como dores nas partes do corpo atingidas, tendo necessidade de receber tratamento hospitalar. Por cerca de um mês ficou limitada no desempenho de tarefas quotidianas como cozinhar, lavar louça e arrumar a casa, pelo que, nesse período, ficou em casa dos pais, para onde foi levada logo após a saída do hospital, para que estes cuidassem dela e lhe prestassem auxílio diário. Enquanto esteve em casa dos pais, chorava com facilidade e sempre que se falava no episódio em que o arguido a empurrou, com força, contra as grades da varanda, puxou-lhe o cabelo, desferiu-lhe vários murros, por todo o corpo, incluindo na cara e na cabeça, e pontapés, e empurrou-a várias vezes para o chão.

Tem receio a vítima de se cruzar com o arguido e que a conduta do mesmo possa repetir-se.

Quanto às condições económicas do demandado provou-se que trabalha como pintor da construção civil, auferindo cerca de 850,00 euros mensais. Vive sozinho em casa arrendada, suportando uma renda mensal de 150,00 euros. Não tem filhos. Contribui com cerca de 25,00 euros mensais para as despesas de medicação da progenitora.

A demandante está desempregada e vive sozinha em casa camarária, suportando uma renda mensal de cerca de 18,00 euros.

Face aos factos provados, tendo em atenção a intensidade da culpa do demandado, que agiu com dolo directo; a gravidade e extensão dos prejuízos morais suportados pela ofendida, atendendo também às respectivas condições económicas, entende-se que se apresenta como equitativa a atribuição, a título de indemnização por danos não patrimoniais, do montante de 2.000,00 euros.

III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

A) Rejeitar o recurso interposto pela assistente BB, por falta de legitimidade e interesse em agir, na parte que concerne à aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, nos termos conjugados dos artigos 401º, nºs 1, alínea b) e 2, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), todos do CPP, pelo que dele não conhecem;

Custas da parte criminal a suportar pela assistente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo.

B) Condenar o demandado AA no pagamento à demandante BB da quantia de 300,00 (trezentos) euros, para reparação dos danos patrimoniais por esta sofridos, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

C) Condenar o demandado no pagamento à demandante/assistente do montante de 2.000,00 (dois mil) euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora contados à taxa legal desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

Custas relativas à parte cível a cargo do demandado.

Évora, 28 de Março de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)