Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1279/13.3TBLGS-D.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DECISÃO NO SANEADOR
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Terminada a fase dos articulados, segue-se a fase da condensação em que o Mmo. Juiz podia imediatamente decidir, parcial ou totalmente, do mérito da causa, sem que a respectiva decisão possa ser considerada uma “decisão-surpresa” (cfr. art.3º nºs 1 e 3, C.P.Civil), desde que aquela se contenha dentro dos limites dos pedidos formulados e da respectiva causa de pedir articulada.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: P.1279/13.3TBLGS-D.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) – Sucursal em Portugal, instaurou contra (…)-Exploração Hoteleira, S.A., uma acção declarativa, sob a forma ordinária, que, em resumo, fundamenta nos seguintes factos:
A sua representante, a sociedade (…), dedica-se à promoção imobiliária, imóveis e participações na Finlândia e no estrangeiro, e no exercício dessa actividade adquiriu, em 1992, à sociedade (…) -Construções e Empreendimentos Urbanísticos, Lda. um terreno sito em Lagos, o qual dotou de infra-estruturas urbanísticas para a actividade turística, assim concretizando o empreendimento denominado “(…) ” – com apartamentos, restaurante e piscina – tendo acordado com a Ré a cedência onerosa da respectiva exploração turística, e, em 2002, disponibilizou-lhe gratuitamente 2 fracções autónomas, denominadas “pórticos” – correspondentes aos lotes “VE1” e “VE2” do prédio descrito na Conservatória Reg. Predial de (…) sob o nº (…) – para atendimento de clientes, que não restituiu e continua a não restituir apesar de ter cessado a exploração do empreendimento e de a ter notificado judicialmente, no dia 16.9.2013, para lhos restituir.
Termina pedindo a condenação da Ré:
a) Na entrega dos referidos “pórticos” livres de pessoas e bens;
b) No pagamento da quantia mensal de € 500,00 como compensação pela utilização não consentida que deles tem feito desde a notificação judicial, perfazendo à data instauração da acção € 9.000,00;
c) No pagamento da quantia mensal de € 500,00 como compensação pela utilização não consentida que deles tem feito desde a data da instauração da acção até à efectiva entrega, e respectivos juros de mora desde a citação.
Devidamente citada para o efeito contestou a Ré, por impugnação, alegando que os “pórticos” se destinavam a apoio da exploração turística de apartamentos da A. e de outros apartamentos e que a respectiva utilização era remunerada, já que pressupunha o fornecimento de um pacote de condições preferências ao nível da remuneração das fracções, o que foi pedra de toque do termo do contrato de exploração que tinham celebrado. Um dos “pórticos” destinava-se a apoio aos condóminos/proprietários e o outro à exploração hoteleira. Só não restituiu o “pórtico”/proprietários por não ter obtido acordo global, e deve ser apurado – em montante não inferior a € 400,00 – o valor a ser pago pelo “pórtico”/clientes.
A Ré deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da A. no reconhecimento da existência de uma utilização remunerada do “pórtico”/clientes e a posse legítima e remunerada do mesmo, a apurar arbitralmente o valor a pagar – nunca superior a € 400,00 – pela utilização desse “pórtico”, a formalizar um contrato ou condições de utilização do mesmo, por período não inferior a 3 anos, e a definir a data até à qual retroage o pagamento do valor das rendas que vier a atribuir-se.
Na réplica veio a A. contestar o pedido reconvencional deduzido pela Ré, impugnando a factualidade por esta alegada.
Posteriormente, o Mmo. Juiz proferiu despacho saneador/sentença, tendo sido julgados provados na 1ª instância os seguintes factos:
1) A sociedade (…) dedica-se à promoção imobiliária, imóveis e participações na Finlândia e no estrangeiro;
2) A A. é a representante dessa sociedade em Portugal;
3) A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à indústria hoteleira;
4) Em 1992 a sociedade (…) adquiriu à sociedade (…) -Construções e Empreendimentos Urbanísticos, Lda., os terrenos descritos na Conservatória Reg. Predial de (…) sob os nºs (…) e (…), da Freguesia de … (…);
5) Após o respectivo alvará de loteamento ter sido emitido, em 1996, e aditado nos anos de 2001 e 2003, a A., em representação da (…) foi construindo e dotando os terrenos referidos na alínea 4), de intra-estruturas destinadas à actividade turística, tais como apartamentos independentes, de tipologia “T1” a “T3”, piscina, restaurante e restantes estruturas de apoio;
6) O referido empreendimento viria a ser denominado “(…)”;
7) Em cada um dos terrenos referidos na alínea 4) existe uma fracção autónoma, localizada à entrada do empreendimento “(…)”, as quais são indicadas para o apoio à exploração dos apartamentos sitos no mesmo;
8) À medida que a construção do empreendimento foi progredindo, a A., em representação da (…), acordou com a Ré a cedência onerosa da exploração de parte dos apartamentos entretanto concluídos;
9) No âmbito do acordo referido na alínea 8) a A. disponibilizou à Ré a utilização das 2 fracções referidas na alínea 7), que as partes designaram de “pórticos”, que eram utilizados pela Ré como local de recepção dos clientes (“pórtico 1”) e para apoio à exploração de apartamentos (“pórtico 2”);
10) No ano de 2012 o acordo referido na alínea 8) cessou, deixando a Ré de explorar os apartamentos propriedade da (…);
11) Após o referido na alínea 10) a Ré manteve-se instalada nos “pórticos”;
12) No dia 14.1.2013 a A. informou a Ré que pretendia a devolução dos “pórticos” até ao dia 25.1.2013;
13) Nos dias 24 e 29.1.2013 a Ré manifestou à A. que não tinha intenção de devolver os “pórticos”;
14) No dia 7.2.2013 a A., com vista a evitar a deterioração das relações com a Ré, concedeu a esta um novo prazo para a entrega dos “pórticos”, solicitando que a mesma fosse efectuada até ao dia 15.3.2013;
15) No dia 27.2.2013 a Ré reiterou a posição de recusa de entrega dos “pórticos”;
16) Após o referido na alínea 15), ambas as partes constituíram mandatários com vista a alcançar um entendimento quanto à entrega dos “pórticos” à A., o que não lograram;
17) No dia 1.7.2013, numa derradeira tentativa de lograr um acordo, a A., em representação da (…), propôs à Ré dar-lhe de arrendamento o “pórtico 1”, mediante o pagamento de uma renda mensal – de € 500,00 – o que implicava a entrega imediata do “pórtico 2”;
18) Nessa sequência, a Ré entregou à A. o bar/restaurante, acedeu a entregar o “pórtico 2” e a pagar um valor a título de renda pelo outro, inferior ao referido na alínea 7);
19) No dia 21.8.2013, a A. procedeu à mudança da fechadura do “pórtico 2”, a qual foi novamente substituída pela Ré;
20) No dia 28.8.2013 a A. requereu a notificação judicial avulsa da Ré para que esta, no prazo de 5 dias, entregasse ambos os “pórticos”, livres de pessoas e bens, sob pena de vir a exercer o direito de obter o pagamento pela utilização não consentida dos mesmos, e de todos os danos que possam advir da não restituição tempestiva, quantias acrescidas de juros moratórios, à taxa comercial aplicável e, bem assim, de todos os encargos ocorridos e em que continua a incorrer decorrentes da abusiva actuação da Ré;
21) A notificação avulsa referida na alínea 20) foi deferida e a Ré recebeu-a no dia 16.9.2013;
22) Até à presente data a Ré não entregou à A. qualquer dos “pórticos”.
Com base nestes factos o Mmo. Juiz julgou procedente o pedido principal de condenação da Ré a entregar as fracções autónomas (“pórticos”) correspondentes aos lotes “VE1” e “VE2” do prédio descrito na Conservatória Reg. Predial de (…) sob o nº (…) e condenou-a nessa entrega à A., tendo julgado improcedente o pedido reconvencional.
No mais, relegou para ulterior apreciação os restantes pedidos formulados pela A.
Inconformada com tal decisão dela apelou a Ré tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) A recorrente não se conforma com o teor da decisão proferida em sede de despacho saneador e como tal vem expressamente apresentar a sua impugnação nos termos do artigo 627º e segs. Cód. Proc. Civil;
b) A recorrente discorda da oportunidade da decisão, que ocorreu sem que tivesse havido uma audiência de julgamento onde apresentasse e interpretasse todas as provas carreadas para o processo que permitiriam enquadrar a matéria em discussão;
c) Ao não ter sido produzida qualquer outra prova, nomeadamente a prova testemunhal requerida nas peças processuais a boa interpretação ou compreensão da relação existente entre recorrente e recorrida ficou automaticamente prejudicada;
d) Ao permitir a produção de prova, evitar-se-ia a incorrecta apreciação dos factos e sua aplicação ao direito, como acabou por acontecer;
e) Ao decidir como decidiu, tal sentença limitou de imediato e com consequências a defesa da recorrente;
f) O Tribunal “a quo”, entendeu não acolher a tese apresentada pela recorrente e em contrapartida reconhecer que a relação entre recorrente e recorrida revestia a forma um contrato de comodato;
g) Contrato esse feito com um fim ou uso determinado;
h) Que se consubstanciava no fim “apoio à exploração dos apartamentos” sendo utilizados pela recorrente “como local de recepção dos clientes (“pórtico 1”) e para apoio à exploração de apartamentos (“pórtico 2”);
i) Os “pórticos” foram cedidos à recorrente com o uso determinado de servirem o apoio de clientes da recorrente e dos apartamentos explorados por esta;
j) Posto isto, resulta claro que o uso determinado, para que o comodato foi celebrado ainda não findou ou cessou;
k) Pois que a actividade e laboração da recorrente mantêm-se inalterada e ininterruptamente em curso desde o ano de 2002, presentemente a explorar comercialmente 124 fracções autónomas;
l) Estando determinado o uso dos prédios para recepção de clientes e apoio à exploração da recorrente e não tendo o mesmo cessado, não pode a recorrida requerer a sua restituição, como o fez, por violação dos nºs 1 e 2 do art.1137º Cód. Civil;
m) Resulta ainda dos autos que a decisão tomada em sede de despacho saneador o foi de forma sumária e sem que se esperasse ou perspectivasse tal decisão, não tendo assim sido ouvidos quaisquer depoimentos testemunhais que permitiriam compreender a vontade real ou intenção das partes;
n) A recorrente entende que a produção de prova em audiência final, nomeadamente a testemunhal, é essencial para valorizar o alegado;
o) Tal ausência de prestação de prova configura, salvo melhor opinião, a violação do princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa, o que implica por omissão a prática de um acto nulo, nulidade que influi directamente na decisão da causa, sendo que tal omissão infringe os princípios constitucionais da igualdade do acesso ao direito do contraditório e da proibição da indefesa;
p) A Mma. Juíza não podia conhecer do mérito da causa, como o fez e no sentido em que o fez, uma vez que havia necessidade de se produzir prova atendendo à interpretação da vontade real dos intervenientes, tendo assim sido violado o art. 456º Cód. Proc. Civil;
q) A sentença/despacho saneador proferida deve ser declarada nula, por encerrar uma decisão-surpresa, matéria esta vedada pelo art. 3º nº 3 Cód. Proc. Civil;
r) Com tal decisão impõe-se a modificação da sentença proferida em sede de saneador com absolvição do pedido formulado;
s) Deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências;
t) A recorrente logrou provar a incorrecção e contrariedades da decisão em crise;
u) Foi assim violado, por manifesto erro de interpretação e integração, a matéria e facto constante dos autos e o disposto nos arts. 1129º, 1130º e 1137, 1140º e 1141º, todos do Cód. Civil e art. 457º Cód. Proc. Civil, pelo que deve ser revogada a sentença e substituída por outra que julgue improcedente por não provada a acção, com todas as consequências legais.
Contra-alegou a A., tendo formulado as seguintes conclusões:
a) A presente alegação vem em resposta a recurso interposto pela Ré recorrente e no qual esta concluiu pedindo que seja alterada a decisão proferida no sentido da sua absolvição;
b) Nenhuma razão assiste à recorrente;
c) A recorrente não impugnou, sequer, a matéria de facto, da qual resulta de forma lídima que a recorrente ocupa um imóvel da recorrida, contra a vontade desta e sem qualquer título que a legitime a tal, uma vez que as partes não chegaram a acordo quanto aos termos de um contrato de arrendamento;
d) O presente recurso nada mais visa do que postergar a entrega do imóvel à recorrida, aproveitando a recorrente para, por mais uma época balnear, usufruir do imóvel propriedade daquela, naturalmente sem contrato que a legitime a tal e, também naturalmente – não obstante a palavrosa declaração que o fará – não pagando o que quer que seja;
e) Não se verifica qualquer insuficiência e/ou incorrecta apreciação da matéria de facto (conclusões sob as alíneas b) a d) e m) a p), devendo tal segmento do recurso ser liminarmente rejeitado, nos termos do art. 640° Cód. Proc. Civil, por incumprimento dos ónus que deste artigo decorrem para a recorrente;
f) O recurso deve improceder uma vez que não se verifica qualquer limitação dos direitos de defesa da recorrente (conclusão sob a alínea e) e violação do princípio do contraditório (conclusão sob a alínea o), atendendo a que a recorrente apresentou a sua contestação, esteve representada por mandatário na audiência prévia e não colocou, sequer, em causa a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada, sendo inquestionado que a possibilidade de decidir o mérito da causa na audiência prévia tem previsão legal no art. 595° nº 1 alínea b) Cód. Proc. Civil;
g) Ao contrário do que sustenta a recorrente, o Tribunal não dissertou sobre a qualificação do contrato que levou a que os imóveis fossem cedidos pela recorrida à recorrente, nem teria de o fazer, uma vez que considerou – e bem – atendendo à factualidade provada e não impugnada por esta, que, tendo cessado a relação comercial que determinou a cedência dos imóveis e não tendo as partes acordado os termos de outro contrato, à recorrida tem de ser devolvido aquilo que lhe pertence e que a recorrente vem usurpando, sob pena de violação da mais basilar liberdade contratual;
h) Não há, pois, qualquer violação dos arts. 1129°, 1130° e segs., 1137°, 1140° e 1141° Cód. Civil;
i) Não se percebe, sequer, em que medida poderia a decisão recorrida ter violado o art. 457° Cód. Proc. Civil, como sustenta a recorrente.
Recebido o recurso nesta Relação foi o processo aos vistos dos Ex.mos Juízes Adjuntos.

O objecto do recurso é constituído pelas questões suscitadas nas conclusões das respectivas alegações (cfr. art. 639º nº 1 Cód. Proc. Civil).
As questões que a recorrente suscita nas ditas conclusões de recurso são, por um lado, a da nulidade do despacho saneador/sentença por ter constituído uma decisão-surpresa com a violação do princípio do contraditório (v. conclusões sob as alíneas o) a s) e, por outro, a do errado julgamento da matéria de facto por não ter sido produzida prova sobre a “vontade real das partes” (v. conclusões sob as alíneas b) a d), m), n) e p), questões estas que estão parcialmente relacionadas entre si.

Conhecendo da 1ª questão:
No que diz respeito à invocada nulidade por o Mmo. Juiz ter conhecido parcialmente do mérito da causa ao proferir o despacho saneador/sentença, o que fundamenta em não ter previamente realizado uma audiência de discussão e julgamento (v. conclusões sob as alíneas b) e n), o que se prevê no art. 591º nº1 alínea b) Cód. Proc. Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, 26 Jun.), é que deva ser convocada uma “audiência prévia” quando seja de conhecer parcial ou totalmente do mérito da causa, na sequência da apresentação da petição inicial a despacho liminar e das diligências que tenham sido realizadas a seguir à apresentação, caso em que a audiência tem lugar na fase dos articulados, e pode também ser convocada se for útil para proferir o despacho saneador (v. cit. art. 591º nº1 alínea d) Cód. Proc. Civil), caso em que deverá considerar-se que terá lugar já na fase da condensação por corresponder à antiga “audiência preparatória” inserida nessa fase (cfr. Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol.III, págs. 151 e segs., AAFDL 1972).
Uma das finalidades do despacho saneador é o imediato conhecimento parcial ou total do mérito da causa, caso em que tem o valor de sentença (v. cit. art. 595º nºs 1 alínea b) e 3 Cód. Proc. Civil).
Prevê este art. 595º nº1 alínea 2) Cód. Proc. Civil, que o despacho saneador/sentença ou simplesmente o despacho saneador seja “ditado para a acta”, o que leva a que se possa considerar que seja necessária a “audiência prévia” a que se referiu, dado que uma das finalidades desta é precisamente a preparação do despacho saneador ou do despacho saneador/sentença, atendendo à remissão que aquela norma faz para o art. 595º nº 1 daquele diploma.
Porém, como se prevê expressamente no art. 593º nºs 1 e 2 alínea a) Cód. Proc. Civil, quando a “audiência prévia” se destine a que seja proferido o despacho saneador, nos termos do art. 595º nº 1 do mesmo diploma, isto é, quando seja de proferir simplesmente despacho saneador ou despacho saneador/sentença (v. cit. art. 595º nº 1 alínea b) Cód. Proc. Civil), essa audiência pode ser dispensada.
Mas como o despacho saneador/sentença (ou seja, o despacho saneador em que se conheça parcial ou totalmente do mérito da causa) só pode ser proferido “se o estado do processo permitir”, nos termos do referido art. 595º nº 1 alínea b) Cód. Proc. Civil, a “audiência prévia” pode ser necessária com a finalidade de preparação dessa decisão, atendendo às suas finalidades previstas no acima referido art. 591º nº 1 Cód. Proc. Civil, como é da discussão de facto e de direito para conhecimento do mérito da causa, ou simplesmente para proferir o despacho saneador ou mesmo o despacho saneador/sentença (v. alíneas b) e d) do nº1 deste art. 595º).
Em suma, terminando a fase dos articulados inicia-se a fase da condensação para que seja proferido o respectivo despacho de condensação que pode ser simplesmente despacho saneador e de selecção da matéria de facto que se considere assente e da que considere controvertida para a organização da base instrutória, ou pode ser despacho saneador/sentença para conhecimento parcial ou total do mérito da causa, em ambos os casos sem obrigatoriedade de “audiência prévia”.
Pretendendo o Juiz proferir despacho saneador/sentença, isto é, pretendendo conhecer parcial ou totalmente do mérito da causa, pode fazê-lo “se o estado do processo permitir”, como se estabelece na alínea b) do nº 1 do referido art. 595º nº 1 Cód. Proc. Civil, não resultando qualquer nulidade ou simplesmente irregularidade processual, não só de não ter convocado a realização de uma “audiência prévia”, mas também por o processo não prosseguir para a fase da audiência de discussão e julgamento.
Por conseguinte, terminada a fase dos articulados seguia-se a fase da condensação em que o Mmo. Juiz podia imediatamente decidir parcial ou totalmente do mérito da causa, sem que a respectiva decisão pudesse ser considerada uma “decisão-surpresa” (cfr. art. 3º nºs 1 e 3 Cód. Proc. Civil), desde que aquela se contivesse dentro limites dos pedidos formulados e da respectiva causa de pedir articulada.

Conhecendo da 2ª questão:
A recorrente alega a necessidade de ter sido produzida prova em audiência de discussão e julgamento (v. cits. conclusões sob as alíneas n) e p), subentendendo que o estado do processo não permitia proferir decisão sobre o mérito da causa.
Assim colocada a questão subentende-se que a recorrente põe em causa a matéria de facto que na 1ª instância o Mmo. Juiz considerou provada, em razão de não ter sido feita a respectiva prova que só teria lugar em audiência de discussão e julgamento.
Porém, a impugnação da matéria de facto que o Mmo. Juiz julgou provada teria que obedecer à regra do art. 640º nº 1 alínea a) Cód. Proc. Civil (sob a sugestiva epígrafe: “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”), segundo a qual na impugnação da decisão da matéria de facto devem ser obrigatoriamente indicados os “concretos pontos de facto” que o impugnante considere erradamente julgados, sob pena de rejeição da impugnação.
Além de ter considerado que a prova devia ser efectuada em audiência de discussão e julgamento, a recorrente não só não indicou quaisquer pontos da matéria de facto que considere terem sido objecto de errado julgamento, como também não resulta minimamente das suas alegações que pretenda colocar em causa toda a matéria de facto decidida, quando a respectiva decisão podia ter sido objecto da reclamação prevista no art. 596º nº 2 Cód. Proc. Civil.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa quaisquer outras questões, entendemos que a decisão recorrida é de manter, não merecendo, por isso, qualquer censura ou reparo por parte desta Relação. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pela Ré, ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Terminada a fase dos articulados segue-se a fase da condensação em que o Mmo. Juiz podia imediatamente decidir parcial ou totalmente do mérito da causa, sem que a respectiva decisão possa ser considerada uma “decisão-surpresa” (cfr. art.3º nºs 1 e 3 Cód. Proc. Civil), desde que aquela se contenha dentro limites dos pedidos formulados e da respectiva causa de pedir articulada, o que ocorreu no caso em apreço.
- A impugnação da matéria de facto que o Mmo. Juiz julgou provada teria que obedecer à regra do art.640º nº1 alínea a) Cód. Proc. Civil, sendo certo que a recorrente não só não indicou quaisquer pontos da matéria de facto que considere terem sido objecto de errado julgamento, como também não resulta minimamente das suas alegações que pretenda colocar em causa toda a matéria de facto decidida.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se integralmente o saneador/sentença proferido pelo tribunal “a quo”.
Custas pela Ré, ora apelante.
Évora, 12 de Fevereiro de 2015
Rui Manuel Machado e Moura
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves