Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1610/19.8PBSTB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
OMISSÃO DE FACTOS NA ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Sem a devida narração, na acusação, de que o crime de ofensa à integridade física qualificada imputado ao arguido, além de ter sido um “crime cometido com utilização de veículo”, foi também um crime “cuja execução foi facilitada de forma relevante” pela utilização do veículo automóvel em questão, a factualidade não permite a aplicação ao referido arguido da pena acessória pretendida na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público.
Acresce que a alegação desses factos tinha de constar da acusação, não podendo a sua falta ser suprida na fase do julgamento, sob pena de inadmissível postergação do princípio jurídico-constitucional do acusatório.

Em jeito de síntese: a falta de descrição, na acusação, da factualidade que permite a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ao abrigo do disposto no artigo 69º, nº 1, al. b), do Código Penal, não pode ser suprida, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do C. P. Penal (contrariamente ao alegado e pretendido na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público).

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

No processo comum (com intervenção do tribunal singular) nº 1610/19.8PBSTB, do Juízo Local Criminal de … (Juiz 4), após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, foi decidido:

“a) Absolver o Arguido AA da imputada prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pessoa de BB;

b) Condenar a Arguida CC pela prática de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184.º, ambos do Cód. Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por cada um dos crimes;

c) Efetuar o cúmulo jurídico das penas referidas em b) e condenar a Arguida CC na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

d) Condenar o Arguido AA pela prática de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184.º, ambos do Cód. Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes;

e) Condenar o Arguido AA pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Cód. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes;

f) Condenar o Arguido AA pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;

g) Condenar o Arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pessoa de DD, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;

h) Efetuar o cúmulo jurídico das penas aplicadas em d), e), f) e g) e condenar o Arguido AA na pena única de 650 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;

i) Condenar o Arguido EE pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, perpetrado na pessoa de BB, na pena de oito meses de prisão;

j) Condenar o Arguido EE pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), ambos do Cód. Penal, perpetrado na pessoa de DD, na pena de três anos de prisão;

k) Efetuar o cúmulo jurídico das penas referidas em i) e j) e condenar o Arguido EE na pena única de três anos e quatro meses de prisão.

l) Determinar a suspensão da execução da pena de quatro anos de prisão, por igual período de tempo, com regime de prova, assente num plano de reinserção social a ser delineado e acompanhado pela DGRSP, que reforce a supervisão no que se refere a estratégias que contribuam para incrementar a sua capacidade de pensamento alternativo e consequencial e que contribuam para o Arguido considerar a globalidade do impacto das suas decisões e controlo dos fatores de risco criminógenos bem como condicionada à obrigação de pagar à ofendida DD uma indemnização, no valor de € 1.500,00, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da presente sentença, devendo juntar aos autos o respetivo documento comprovativo de pagamento.

m) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo Centro Hospitalar de …. E.P.E., e consequentemente, condenar os demandados AA e EE no pagamento da quantia de € 102,91, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento, absolvendo-se os demandados do demais peticionado.

Condenar cada um dos Arguidos no pagamento de duas U.C. de taxa de justiça e nas demais custas do processo, nos termos dos arts. 513.º, n.º 1 e 2, 514.º e 344.º, n.º 2, alínea c), todos do Cód. Proc. Penal e art. 8.º, n.º 9 e da tabela III anexa ao RCP.

Condenar o demandante e os demandados AA e EE no pagamento das custas cíveis, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 45,5% e 55,5%”.

*

Discordando da decisão, o Ministério Público e o arguido AA interpuseram recurso.

A – O Ministério Público extraiu da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. O Arguido EE foi condenado pela prática do crime de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), ambos do Código Penal, perpetrado na pessoa de DD, na pena de três anos de prisão.

2. O Tribunal a quo efetuou cúmulo jurídico das penas referidas na douta sentença em i) e j) e condenou o Arguido EE na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução.

3. Resulta da factualidade provada que o Arguido EE e a sua companheira introduziram-se no veículo de matrícula …, tendo EE assumido o lugar do condutor.

4. O Arguido iniciou a marcha do veículo, acelerou na direção de DD, que se tentava levantar do solo e projetou o veículo contra a mesma e após encetou fuga do local.

5. O veículo veio a embater no corpo de DD, na zona das costas, projetando-a no ar, caindo novamente no solo.

6. Sucede que, a sentença é omissa no que diz respeito à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor.

7. Razão pela qual, a sentença recorrida enferma de nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal, por não se ter pronunciado quanto a aplicação da pena acessória conforme estabelece o artigo 69.º do Código Penal.

8. Da acusação não consta a disposição legal - art.69º, nº 1, als. a) ou b), do Código Penal - que prevê a punição com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, para os autores daqueles crimes.

9. A referida pena acessória poderá ser aplicável a quem for punido por crime de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo em estado de embriaguez motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e entre outras, também, por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.

10. Para crime de condução de veículo com motor, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, é punido também, com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de três meses a três anos [cf. 69.º, nº 1, al. a), citado], mesmo que na acusação tal menção não esteja expressamente vertida.

11. Esse entendimento também valerá para os crimes de ofensa à integridade física qualificada quando cometidos no exercício da condução tal entendimento tem respaldo legal no segmento da norma prevista no artigo 69.º, n.º 1, a), do Código Penal.

12. Não obstante, no caso vertente a condenação pelo crime de ofensa à integridade física qualificada cometido conforme descrito na factualidade dada como provada deverá seguir-se, pelo menos, a ponderação da aplicação da pena acessória estabelecida no artigo 69.º do Código Penal.

13. No casso vertente, a condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados não está submetida à vontade do juiz, que tem sempre de a aplicar, desde que o arguido cometa um dos crimes elencados no artigo 69.º do Código Penal, conste ou não a menção de tal preceito da peça acusatória.

14. Perante esta omissão de pronúncia não se conhece o entendimento do tribunal sobre esta questão.

15. E impunha-se que fosse possível saber por que razão não foi aplicada aquela pena acessória.

16. A omissão absoluta de pronúncia sobre essa questão e a consequente falta de qualquer fundamentação sobre a mesma inquina a douta sentença.

17. Mostra-se, assim, inobservado aquele comando normativo (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal), o que determina a nulidade da sentença recorrida, devendo essa deficiência ser sanada pelo tribunal, proferindo nova sentença em que se pronuncie pela eventual aplicação da pena acessória, sendo que, no caso de vir a ser entendido ser de aplicar a pena acessória, deverá previamente ser observado o disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida e substituindo-se por outra que que determine a nulidade da sentença recorrida, para que o tribunal a quo se pronuncie pela eventual aplicação da pena acessória a aplicar ao Arguido EE, sendo que no caso de vir a ser entendido ser de aplicar a pena acessória farão Vªs Exas a habitual e costumada Justiça”.

B – O arguido AA extraiu da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. O Tribunal a quo condenou o Arguido ora recorrente, pela prática de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184.º, ambos do Cód. Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes; pela prática de três crimes de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Cód. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes; pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,50; G) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pessoa de DD, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;

2. O Tribunal a quo efetuou o cúmulo jurídico das penas aplicadas na douta sentença em pontos d), e), f) e g) e condenou o Arguido AA na pena única de 650 dias de multa, à taxa diária de € 5,50;

3. O arguido não aceita a pena aplicada, porquanto a mesma se revela totalmente desadequada e excessiva;

4. O facto do Arguido se encontrar embriagado;

5. Pelo que não poderia aferir a sua conduta de forma consciente e deliberada;

6. O facto de não se ter provado que o Arguido “AA se dirigiu ao interior do veículo de BB e daí retirou a mala referida em 11”.

7. De ter sido a sua mãe “FF” a entregar a mala aos senhores agentes, não considerando verosímil que, após o seu filho lhe referir que a mala pertencia à companheira do arguido EE, a testemunha a tivesse entregue, sem mais, aos agentes da PSP”.

8. O Arguido trabalhar, como … auferindo o ordenado mínimo nacional;

a. De viver com a sua companheira que é … (recebendo unicamente a quantia de €160,00);

b. De estar inserido familiarmente;

c. O facto de estar inserido na sociedade.

9. Dos factos terem ocorrido em dezembro de 2019.

10.O Tribunal a quo violou, na determinação da pena, e nomeadamente, o disposto nos artigos, 40º, 47º, 70º e 71º, todos do Código Penal, impondo-se assim, que a douta sentença recorrida, seja revogada.

11. Efetivamente, encontram-se reunidas todas as condições necessárias à aplicação de penas não privativas da liberdade ao arguido.

12. Mas, no caso presente, atenta a idade do arguido e as demais circunstâncias pessoais, considera-se demasiado excessivas quando fixadas no meu limite médio.

13. Pelo exposto, deve o arguido ser condenado em penas de multa, situadas nos limites mínimos.

14. Por cada um dos crimes imputados, considerando, com o devido respeito, como adequada e justa e redução das penas de multa dos crimes:

- 3 crimes de injúria agravada, reduzida a uma pena de 50 dias de multa por cada um dos crimes (ou seja, 150 dias);

- 3 crimes de ameaça agravada, reduzida a uma pena de 80 dias de multa por cada um dos crimes;

- 1 crime de furto simples (pena manifestamente exagerada, pois o arguido apanhou a mala do chão, levando-a consigo, pensando que esta pertencia à “GG”, esposa do arguido EE - agiu em erro considerando-se por isso que deveria ser absolvido).

- 1 crime de ofensa à integridade física simples, reduzida a pena para 180 dias de multa.

15. Termina concluindo pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que aplique penas de multa reduzidas e fixadas no seu limite mínimo”.

*

Não foi apresentada resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância respondeu ao recurso do arguido AA, pugnado pela respetiva improcedência.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que o recurso do arguido AA não merece provimento, e não se pronunciando sobre o recurso interposto pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto dos recursos.

Tendo em conta as conclusões enunciadas pelos recorrentes, as quais delimitam o objeto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são duas, em breve síntese, as questões que vêm suscitadas nos presentes recursos:

1ª - Saber se o arguido EE deveria ter sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, relativamente ao crime de ofensa à integridade física cometido com utilização de veículo e cuja execução foi por este facilitada de forma relevante, ainda que na acusação tal menção não esteja expressamente vertida (da acusação não consta qualquer referência à aplicação dessa pena acessória e/ou à disposição legal que a prevê - artigo 69º, nº 1, al. b), do Código Penal -) - recurso do Ministério Público -.

2ª - Saber se as penas de multa aplicadas ao arguido AA (penas parcelares e pena única) são excessivas, devendo ser reduzidas para os mínimos legalmente previstos - recurso do arguido AA -.

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados -):

“Factos provados

Com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 10 de dezembro de 2019, pelas 00h36m, os Arguidos EE, companheira, AA e HH dirigiram-se à Avenida …, pelas 00h36m, em …, tendo estacionado o veículo de matrícula … onde se faziam transportar, junto da paragem de autocarro.

2. Nessa ocasião, o Ofendido BB, que se deslocou àquele local para deixar DD que seguia a pendura, estacionou o seu veículo atrás do veículo matrícula …, para deixar a mesma.

3. BB desviou o seu veículo do local parando mais a frente, tendo o Arguido EE tirado o seu veículo do estacionamento e imobilizou o mesmo junto do veículo de BB.

4. O Arguido EE saiu do seu veículo e dirigiu-se a BB iniciando-se uma discussão entre ambos.

5. Quando BB saiu do interior do seu veículo, o Arguido EE avançou na sua direção e agarrou-o pelo pescoço com as mãos, tendo ambos caído ao solo.

6. Nesse momento, o Arguido AA saiu do veículo onde se fazia transportar e de imediato se dirigiu a DD, que se encontrava no exterior do veiculo a gritar por ajuda, desferindo-lhe socos e pontapés em diversas partes do corpo, provocando a sua queda no solo.

7. Após a mesma cair ao solo, o Arguido AA continuou a desferir socos e pontapés em DD.

8. Os Arguidos EE e a sua companheira introduziram-se no veículo de matrícula …, tendo EE assumido o lugar do condutor.

9. O Arguido iniciou a marcha do veículo, acelerou na direção de DD, que se tentava levantar do solo e projetou o veículo contra a mesma e após encetou fuga do local.

10. O veículo veio a embater no corpo de DD, na zona das costas, projetando-a no ar, caindo novamente no solo.

11. Aproveitando a confusão gerada pela contenda, AA levou consigo uma mala de cor preta propriedade de DD e após encetou fuga apeada, tendo-se introduzido no interior do prédio com o nº … da Avenida …, em ….

12. No interior da referida mala encontravam-se documentos pessoais da Ofendida, assim como os seus óculos graduados no valor de €440,00 e o telemóvel marca …, no valor de €300,00.

13. BB sofreu ferida em forma de W suturada com cinco pontos no pavilhão auricular esquerdo com 3 cm de extensão; ferida linear com 2 cm na IFP de D2 ao novel do dorso do lado esquerdo, escoriação com 2 cm na face anterior do joelho direito, escoriação na face externa da perna esquerda com 3 cm, lesões essas quem lhe determinaram 15 dias para a consolidação, sem afetação da capacidade de trabalho geral e com um dia de afetação da capacidade para o trabalho profissional.

14. Em consequência da conduta dos arguidos AA e EE, DD sofreu equimose supraciliar esquerda com 4 cm; equimose infraorbitária direita; equimose4 com 3 cm supra ciliar direita; equimose com 4 cm na região lombar ráquis; equimose com 10 cm na face posterior do cotovelo esquerdo; equimose com 3 cm na face anterior do joelho direito; equimose com 4 cm na face anterior do joelho esquerdo, lesões essas quem lhe determinaram 15 dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral.

15. O Arguido EE agiu consciente e voluntariamente, prevendo e querendo molestar BB no seu corpo e saúde, o que fez provocando-lhe dores nas partes do corpo que atingiu com a sua conduta.

16. O Arguido EE previu e quis molestar DD no seu corpo e saúde, o que fez, provocando-lhe dores nas partes do corpo que atingiu com a sua conduta, utilizando para o efeito o seu veículo automóvel que sabia ser um meio especialmente perigoso.

17. O Arguido AA agiu consciente e voluntariamente, prevendo e querendo molestar DD no seu corpo e saúde, o que fez provocando-lhes dores nas partes do corpo que atingiu com a sua conduta.

18. Com a descrita conduta, o Arguido AA previu e quis agir do modo acima descrito com o intuito concretizado de se apoderar da mala de DD para a fazer sua, nomeadamente dos óculos graduados e do telemóvel no valor total de €740,00, pese embora soubesse que a mesma não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização da mesma.

19. Nessa sequência, e por forma a identificar os agressores, a patrulha da PSP composta pelos Agentes II, JJ e LL, dirigiram-se à residência de AA sita na Avenida …, nº…, em ….

20. Ali chegados, surgiu AA que, dirigindo-se aos referidos Agentes da PSP, disse “o que é que vocês querem filhos da puta? Mato vocês todos, entrem na minha casa e mato um a um! Aqui é a minha lei, amanha apanho-vos na rua e mato-vos”.

21. Nesse momento, a Arguida CC, que se encontrava na mesma residência, dirigindo-se aos referidos Agentes da PSP disse “estou farta de vocês filhos da puta”.

22. Momentos mais tarde, a citada patrulha da PSP dirigiu-se novamente à residência de AA na tentativa de reaver os pertences de DD que lhes foram entregues pela mãe do Arguido.

23. A mala foi entregue com os pertences de DD, não tendo, porém, sido entregue pelo Arguido os óculos graduados e o telemóvel da ofendida, no valor total de €740,00 dos quais se apropriou.

24. Nesse momento, o arguido que se encontrava no interior da residência, dirigindo-se a sua mãe, mas referindo-se aos citados Agentes da PSP, disse “não entregues nada a esses filhos da puta, eles devem ter o telemóvel da gaja dentro do cu”.

25. Com a descrita conduta pretendeu o Arguido AA, o que conseguiu, atingir II, JJ e LL, que sabia serem agentes da PSP, na respetiva honorabilidade e consideração, tanto pessoal como profissional.

26. Agiu ainda o Arguido AA voluntária e conscientemente, ao ameaçar os referidos Agentes da PSP, de modo que lhes provocou medo e inquietação pela sua integridade física e vida. Não ignorava o Arguido que os Ofendidos eram agentes da autoridade pública, no exercício das suas funções, assim como não ignorava que a sua conduta era proibida por lei.

27. Com a descrita conduta pretendeu a Arguida CC, o que conseguiu, atingir II, JJ e LL, que sabia serem agentes da PSP na respetiva honorabilidade e consideração, tanto pessoal como profissional.

28. Os Arguidos sabiam que as suas condutas lhes estavam vedadas por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de as realizar.

29. O Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E prestou cuidados de saúde e assistência a Vânia Reis na sequência das lesões descritas em 14., no valor de € 102,91.

30. O Centro Hospitalar de …, E.P.E. prestou cuidados de saúde e assistência a BB na sequência das lesões descritas em 13., no valor de € 85,91.

Mais ficou provado que:

31. A Arguida CC:

- Encontra-se no gozo de licença de maternidade, auferindo mensalmente a quantia de € 180,00;

- Vive com o companheiro – que é funcionário no …, auferindo mensalmente a quantia de € 450,00 – em casa arrendada, pagando, para o efeito, a quantia de € 450,00;

- Tem uma filha de seis meses de idade;

- Tem o 12.º ano de escolaridade;

- Não tem quaisquer antecedentes criminais registados.

32. O Arguido AA:

- É …, auferindo o salário mínimo nacional;

- Vive com a companheira – que é …, auferindo a quantia de € 160,00 – em casa arrendada, pagando, para o efeito, a quantia de € 350,00;

- Paga mensalmente a quantia de € 120,00 a título de prestação para amortização de um crédito pessoal contraído;

- Tem o 7.º ano completo de escolaridade.

33. O Arguido AA já foi julgado e condenado por sentença proferida em 18/10/2017, transitada em julgado em 17/11/2017, no âmbito dos autos n.º 42/16.4PFSTB, que correram termos no Juízo Local Criminal de … – Juiz 1, pela prática, em 10/03/2016, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

34. O Arguido EE:

- É …, auferindo mensalmente a quantia de € 665,00;

- Vive com a companheira – que trabalha numa …, auferindo o salário mínimo nacional – em casa arrendada, pagando, para o efeito, a quantia de € 500,00;

- Tem sete filhos, sendo dois ainda menores, que vivem com a progenitora;

- Paga mensalmente a quantia de € 200,00 a título de prestação para amortização de um crédito pessoal;

- Tem o 7.º ano de escolaridade completa.

35. O Arguido EE já foi julgado e condenado por:

- Sentença proferida em 18/02/2002, no âmbito dos autos n.º 285/00, que correram termos pela extinta 1.ª Secção do 4.º Juízo Criminal de …, pela prática, em 29/05/1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;

- Sentença proferida em 19/09/2002, no âmbito dos autos n.º 54/00.0GGLSB, que correram termos pelo extinto 2.º Juízo Criminal dos Juízo Criminais de …, pela prática, em 21/06/1999, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;

- Sentença proferida em 18/02/2003, transitada em julgado em 09/07/2003, no âmbito dos autos n.º 2/00.7PILSB, que correram termos pela extinta 3.ª Secção do 6.º Juízo Criminal de … pela prática, em 09/09/1999, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 5,00;

- Sentença proferida em 12/10/2004, transitada em julgado em 23/11/2004, no âmbito dos autos n.º 2440/00.6PULSB, que correram termos pela extinta 3.ª Secção do 5.º Juízo Criminal de …, pela prática, em 26/10/2000, de um crime de ameaça, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 3,00;

- Sentença proferida em 19/11/2004, transitada em julgado em 12/05/2005, no âmbito dos autos n.º 1834/02.7TDLSB, que correram termos pela extinta 1.ª Secção do 2.º Juízo Criminal do …, pela prática, em 06/09/2001, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;

- Sentença proferida em 05/12/2006, transitada em julgado em 20/12/2006, no âmbito dos autos n.º 332/05.1S5LSB, que correram termos pela extinta 1.ª Secção do 2.º Juízo da Pequena Instância Criminal de …, pela prática, em 14/04/2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses;

- Acórdão proferido em 09/01/2008, transitado em julgado em 16/03/2009, no âmbito dos autos n.º 199/01.9GBVFX, que correram termos pela extinta 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família, Menores e Comarca de …, pela prática, em 01/03/2001 e 03/03/2001, de um crime de detenção ilegal de arma e ofensa à integridade física grave qualificada, na pena de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova;

- Sentença proferida em 24/06/2008, transitada em julgado em 22/07/2008, no âmbito dos autos n.º 3126/07.6TDLSB, que correram termos pela extinta 2.ª Secção do 1.º Juízo Criminal de …, pela prática, em 05/12/2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 2,00;

- Sentença proferida em 26/02/2009, transitada em julgado em 29/06/2009, no âmbito dos autos n.º 1537/07.6TDLSB, que correram termos pela extinta 2.ª Secção do 2.º Juízo Criminal de …, pela prática, em 05/12/2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de três meses de prisão substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;

- Por acórdão proferido em 09/03/2009, transitada em julgado em 07/12/2009, no âmbito dos autos nº 14/02.6PILSB, que correram termos na extinta 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família, Menores e Comarca de …, pela prática, em 30/03/2002, de dois crimes de burla simples e de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de quatro anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com regime de prova;

- Por sentença proferida em 18/02/2010, transitada em julgado em 10/03/2010, no âmbito dos autos n.º 1568/06.3SFLSB, que correram termos na extinta 3.ª secção do 4.º Juízo Criminal de …, pela prática, em 23/11/2006, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de quatro meses;

- Por sentença proferida em 10/03/2011, transitada em julgado em 30/03/2011, no âmbito dos autos n.º 378/11.0SILSB, que correram termos na extinta 1.ª Secção do 1.º Juízo da Pequena Instância Criminal de …, pela prática, em 26/02/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, substituída por 110 horas de trabalho, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de cinco meses;

- Por acórdão proferido em 21/03/2013, transitado em julgado em 07/08/2013, no âmbito dos autos n.º 166/12.7GILRS, que correram termos pela extinta 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família, Menores e Comarca de … pela prática, em 2009, 2012 e maio de 2012, de três crimes de roubo, na pena de seis anos de prisão;

- Por acórdão proferido em 07/03/2016, transitado em julgado em 10/01/2017, no âmbito dos autos n.º 1464/11.2PJLSB, que correram termos no Juízo Central Criminal de … – Juiz 2, pela prática, em 06/07/2011, de dois crimes de maus tratos, na pena única de dois anos e nove meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo.

Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:

a) Os Arguidos agiram da forma descrita em 1. após terem estado no estabelecimento café “…”.

b) O Arguido EE de imediato se dirigiu a BB e referindo-se ao veículo, disse “tira essa merda daí”, ao que DD disse para o mesmo ter calma, ficado os ânimos exaltados.

c) O Arguido EE desferiu vários murros e pontapés em BB que o atingiram em diversas partes do corpo.

d) As agressões referidas em 7. só cessaram com a intervenção de HH.

e) Em ato contínuo, o Arguido AA avançou na direção de BB, que estava envolvido em agressões com EE, agarrou-o pelo pescoço com o seu braço e desferiu uma dentada na orelha esquerda do mesmo.

f) Com a ajuda de populares que se aproximaram do local, BB e DD tentaram fugir para o interior do seu veículo.

g) AA dirigiu-se ao interior do veículo de BB e daí retirou a mala referida em 11.

h) As lesões sofridas por BB foram consequência da conduta do Arguido EE e AA.

i) O Arguido AA agiu consciente e voluntariamente, prevendo e querendo molestar BB no seu corpo e saúde, o que fez provocando-lhes dores nas partes do corpo que atingiu com a sua conduta.

j) A companheira do Arguido EE era a condutora do veículo automóvel.

k) A companheira do Arguido EE pediu ao condutor da outra viatura que se desviasse.

l) A senhora que estava no lugar do pendura saiu da viatura e de voz alterada para a companheira do Arguido EE, referindo que “saía se quisesse, que era pública a rua”.

O Tribunal não teve em consideração quaisquer outros factos constantes da contestação apresentada pelo Arguido EE por os mesmos consubstanciarem factos conclusivos, conceitos de Direito ou se mostrarem irrelevantes para a boa decisão da causa”.

3 - Apreciação do mérito dos recursos.

a) Da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Alega o Ministério Público, no seu recurso, que o arguido EE tem de ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, relativamente ao crime de ofensa à integridade física cometido com utilização de veículo e cuja execução foi por este facilitada de forma relevante, ainda que da acusação não consta qualquer referência à aplicação de tal pena acessória.

Cumpre decidir.

Sob a epígrafe “Proibição de conduzir veículos com motor”, estabelece o artigo 69º, nº 1, do Código Penal:

“1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291º e 292º;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”.

Na sentença revidenda ficou provado o seguinte (factos nºs 8 a 10):

“8. Os Arguidos EE e a sua companheira introduziram-se no veículo de matrícula …, tendo EE assumido o lugar do condutor.

9. O Arguido iniciou a marcha do veículo, acelerou na direção de DD, que se tentava levantar do solo, e projetou o veículo contra a mesma e, após, encetou fuga do local.

10. O veículo veio a embater no corpo de DD, na zona das costas, projetando-a no ar, caindo novamente no solo”.

Perante tal factualidade, a atuação do arguido EE, que permitiria a sua eventual condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tinha de ser subsumida à previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 69º do Código Penal (o crime de ofensa à integridade física, perpetrado sobre a pessoa de DD, tinha de ser caracterizado, por um lado, como um “crime cometido com utilização de veículo”, e, por outro lado, tinha também de ser referido que a execução de tal crime foi “facilitada de forma relevante” pela utilização do veículo automóvel em causa).

Ora, essa factualidade, assim enunciada, não consta da acusação (como expressamente admite o Ministério Público na motivação do seu recurso).

Não se trata, pois, da mera ausência de indicação, na acusação, da disposição legal aplicável (artigo 69º, nº 1, al. b), do Código Penal), mas, mais do que isso, estamos perante a total ausência de factos necessários para a condenação do arguido EE na pena acessória em análise.

Se a questão se reconduzisse à simples ausência, na acusação, da disposição legal aplicável, então sim (como se pretende na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público), a pena acessória em questão poderia ser aplicada, desde que ao arguido fosse comunicada, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358º do C. P. Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante.

O que falta na acusação, repete-se, são factos relevantes para a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, e não a simples referência à disposição legal que prevê a aplicação dessa pena acessória.

Ora, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 3, al. b), do C. P. Penal, a acusação pelo Ministério Público contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.

No caso dos presentes autos, e a nosso ver, a acusação é deficiente quanto aos factos, não permitindo a aplicação da pena acessória pretendida pelo Ministério Público na motivação do recurso.

Os factos omitidos na acusação não são meramente acidentais ou circunstanciais, constituindo, isso sim, elementos essenciais para que ao arguido pudesse ser aplicada, na sentença condenatória, a pena acessória de proibição de conduzir.

Mais: os factos omitidos no despacho acusatório, nos termos assinalados, não permitiram ao arguido EE exercer plenamente o seu direito de defesa, ou seja, não lhe foi concedida, atempadamente, a oportunidade processual de contrariar a existência, in casu, dos requisitos fácticos de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir previstos no artigo 283º, nº 3, al. b), do C. P. Penal

Além disso, e em nosso entender, na fase do julgamento não pode o Tribunal reformular ou corrigir a acusação no aspeto apontado, porquanto a reformulação ou correção da acusação, nessas circunstâncias, subverteria o sistema processual penal vigente em Portugal, ferindo, de modo inadmissível, os princípios do acusatório e do contraditório que regem o nosso processo penal.

Por outras palavras: sem a devida narração, na acusação, de que o crime de ofensa à integridade física qualificada imputado ao arguido EE, além de ter sido um “crime cometido com utilização de veículo”, foi também um crime “cuja execução foi facilitada de forma relevante” pela utilização do veículo automóvel em questão, a factualidade não permite a aplicação ao referido arguido da pena acessória pretendida na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público.

Acresce que, em nosso entender, a alegação desses factos tinha de constar da acusação, não podendo a sua falta ser suprida na fase do julgamento, sob pena de inadmissível postergação do princípio jurídico-constitucional do acusatório.

Em jeito de síntese: a falta de descrição, na acusação, da factualidade que permite a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ao abrigo do disposto no artigo 69º, nº 1, al. b), do Código Penal, não pode ser suprida, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do C. P. Penal (contrariamente ao alegado e pretendido na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público).

Face ao predito, o recurso interposto pelo Ministério Público não merece provimento.

b) Da determinação da medida concreta das penas de multa.

Alega o arguido AA, no seu recurso, que as penas de multa a si aplicadas na sentença revidenda (penas parcelares e pena única) são excessivas, devendo ser reduzidas para os mínimos legalmente previstos.

Cabe decidir.

I - Na sentença revidenda, o arguido AA foi condenado nos seguintes termos:

- Pela prática de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes.

- Pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º e 155º, nº 1, al. c), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por cada um dos crimes.

- Pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,50.

- Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,50.

- Em cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, na pena única de 650 dias de multa, à taxa diária de € 5,50.

II - No tocante às penas de multa (note-se que todos os crimes em apreço são puníveis com penas de prisão ou com penas de multa), as molduras penais abstratas previstas para os crimes cometidos pelo arguido AA são as seguintes:

- O crime de injúria agravada é punido com pena de multa até 180 dias.

- O crime de ameaça agravado é punido com pena de multa até 240 dias.

- O crime de furto simples é punido com pena de multa até 360 dias.

- O crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de multa até 360 dias.

III - Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).

O artigo 71º do mesmo diploma estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (nº 2 do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspetos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim o delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa proteção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin (in “Derecho Penal - Parte General”, Tomo I, tradução da 2ª edição alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99 e 100), em asserção perfeitamente consonante com os princípios basilares do direito penal português, “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada”.

Mais refere o mesmo autor (ob. citada, pág. 101) que “a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Por fim, escreve ainda Claus Roxin (ob. citada, pág. 103), “a pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

IV - No caso em apreciação, há que considerar os seguintes elementos (essenciais):

- O grau de ilicitude dos factos relativamente ao crime de injúria agravada é mediano (atendendo ao teor das expressões dirigidas pelo arguido AA aos agentes da PSP).

- O grau de ilicitude dos factos praticado pelo arguido AA e de que foi vítima a ofendida DD configura-se com uma intensidade acima da média, ponderando, designadamente, a natureza das agressões físicas em causa (socos e pontapés em diversas partes do corpo da ofendida), olhando ao motivo que esteve na base da atuação do arguido (uma mera discussão de trânsito) e, por último, sopesando as lesões provocadas no corpo da ofendida (diversas equimoses).

- O grau de ilicitude dos factos relativos ao crime de furto é mediano, atendendo, por um lado, às circunstâncias em que tal furto ocorreu e, por outro lado, ao valor dos bens furtados.

- O arguido AA agiu com dolo direto e intenso.

- O arguido AA encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido.

- O arguido AA não possui antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza da dos crimes destes autos.

- Ainda, e finalmente, as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, que não são despiciendas, num contexto temporal em que ocorrem inúmeras altercações (algumas redundando em agressões mútuas dos contendores) no contexto da circulação automóvel (note-se que, no início da atuação delitiva do arguido AA, está, sem mais, a realização de um mero ato de estacionamento de um veículo automóvel, no qual seguia a ofendida).

Ponderando os elencados elementos, de forma global e complexiva, consideramos inteiramente justas, adequadas e proporcionais as penas parcelares aplicadas ao arguido AA em primeira instância (em traços gerais, e de modo resumido, podemos afirmar que cada pena de multa parcelar foi fixada pela Exmª Juíza muito perto do meio da moldura penal abstrata prevista para cada um dos crimes cometidos).

Com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, nada justifica, aconselha ou impõe a compressão das penas parcelares de multa aplicadas na sentença revidenda.

É evidente que a atuação do arguido AA, tal como alegado na motivação do recurso, nos possibilita a conclusão de que estaria embriagado na altura dos factos.

Contudo, e a nosso ver, essa circunstância (a embriaguez do arguido) não diminui o grau de ilicitude com que atuou, bem como não diminui o grau de culpa espelhado nos factos.

Com efeito, e em breve resumo, o arguido AA, agindo sempre com dolo direto, teve o discernimento de molestar a integridade física da ofendida, de subtrair e de fazer seus objetos que a mesma transportava consigo, de os levar, de imediato, para sua casa, e, pouco tempo depois, em interação com os agentes da P.S.P., teve ainda o discernimento de os molestar na sua honra e consideração e de proferir expressões contendo intimidações aos mesmos.

V - Na sentença sub judice, o arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 650 dias de multa.

A moldura abstrata da pena única tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (artigo 77º, nº 2, do Código Penal).

Assim, in casu, a pena aplicável ao arguido AA tem como limite máximo 900 dias de multa e como limite mínimo 220 dias de multa.

Dentro dessa moldura penal abstrata, o arguido AA foi condenado na pena única de 650 dias de multa (ou seja, a pena única situa-se notoriamente acima do meio da moldura penal abstrata em causa).

Para a fixação da pena única, e face ao disposto no artigo 77º, nº 1, do Código Penal, deverão ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A medida da pena única encontrar-se-á, pois, em função do critério geral atinente à culpa e à prevenção, dentro da orientação legal do artigo 71º do Código Penal e do critério especial do referido artigo 77º, nº 1, do mesmo diploma legal, ou seja, deve proceder-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a alguma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo é também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Na situação posta nos presentes autos, é acentuada a gravidade dos ilícitos, mas, no contexto da personalidade do arguido AA e das suas condições de vida, os elementos conhecidos permitem dizer que a globalidade dos factos é reconduzível a um caso isolado, sem nexo com a personalidade.

Há também que atender à circunstância de o arguido estar socialmente integrado.

Assim sendo, e em cúmulo jurídico das diversas penas parcelares aplicadas, tem-se como adequado condenar o arguido AA na pena única de 550 dias de multa, à taxa diária fixada em primeira instância (5,50 euros - note-se que, na motivação do recurso, o arguido AA não discute o montante diário da pena de multa estabelecido pelo tribunal a quo, sendo ainda certo que esse montante foi fixado muito próximo do mínimo legalmente previsto, como decorre do disposto no artigo 47º, nº 2, do Código Penal -).

Com efeito, e tal como foi feito para as diversas penas parcelares, que foram estabelecidas pela Exmª Juíza perto do meio da moldura penal abstrata prevista para cada um dos crimes em causa, entendemos que a pena única deve também ser fixada próximo do meio da moldura penal abstrata do concurso (esse meio da moldura penal abstrata em causa corresponde a 560 dias de multa).

Por tudo o que ficou dito, o recurso apresentado pelo arguido AA é parcialmente de proceder, condenando-se tal arguido na pena única de 550 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros.

III - DECISÃO

Nos termos expostos:

A - Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem sustas, por o Ministério Público estar isento do seu pagamento.

B - Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, em consequência, altera-se a sentença recorrida (na alínea h) do seu “Dispositivo”) nos seguintes termos:

“h) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em d), e), f) e g), condena-se o Arguido AA na pena única de 550 dias de multa, à taxa diária de € 5,50”.

Em tudo o mais, mantém-se o decidido na sentença revidenda.

Sem tributação, atendendo a que o recurso do arguido mereceu parcial provimento.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 13 de julho de 2022

João Manuel Monteiro Amaro (relator)

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia (adjunto)

Maria Fernanda Pereira Palma (presidente da Secção)