Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1037/21.1T8PTM E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: DOCUMENTO IDÓNEO
ASSINATURA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
CORREIO ELECTRÓNICO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a força probatória do documento eletrónico com assinatura que seja eletrónica qualificada, equivale à assinatura autógrafa do documento com forma escrita sobre suporte de papel, caso seja documento eletrónico não associado a serviços de confiança qualificados, o seu valor probatório é apreciado nos termos gerais do direito.
ii) enviada impugnação judicial de decisão proferida em processo de contraordenação através de correio eletrónico sem assinatura qualificada ou equivalente, o tribunal deve notificar o apresentante para enviar o original ou ratificar o processado, podendo considerar não válida a impugnação caso o recorrente não corresponda ao convite. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Recorrente: Transportes Paulo Duarte, Lda (arguida).
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho.

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J1.

1. Nos presentes autos de contraordenação em que é arguida a recorrente foi proferido, em 20.03.2016, o seguinte despacho,
“Nos termos do disposto no artigo 33.º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a impugnação judicial é dirigida ao Tribunal competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.
Decisivamente, estabelece o artigo 33.º, nº 2, do mesmo diploma, que a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima no prazo de 20 dias após a sua notificação.
Dispõe o artigo 38.º, do mesmo diploma legal, que o juiz rejeitará a impugnação judicial feita fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
No caso dos presentes autos, a decisão da autoridade administrativa foi notificada à arguida e seu Ilustre mandatário.
Depois disso, apenas consta dos autos uma cópia de um e-mail.
Convidada a arguida (i.e. o seu Ilustre mandatário) a vir demonstrar ter tal mensagem valor jurídico (designadamente pela demonstração de que à mesma foi aposta a assinatura eletrónica avançada) ou para apresentar original assinado da mesma com ratificação do processado, a mesma nada fez no prazo de 10 dias que lhe tinha sido indicado.
Na verdade, foi notificada desse despacho por ofício de 14/05/2021 e até 4/06/2021 nada fez.
Vejamos.
É indiscutível que o prazo, de 20 dias, para apresentação da impugnação judicial já terminou.
Tudo está em saber qual o valor que terá a mensagem de e-mail, já que de outra forma não foi enviada aos autos qualquer impugnação dentro daquele prazo.
Tratando-se de uma impugnação judicial (e não qualquer contacto com a autoridade administrativa), haverá sempre que assegurar a veracidade da data do envio e, sobretudo, a assinatura/autoria da mensagem.
Por ser assim, não basta dizer-se que a Lei permite o uso da mensagem de correio eletrónico.
Para que se possa fazer valer tal mensagem como sendo aquela que vai assegurar (decisivamente) a tempestividade de uma impugnação judicial seria necessário rodeá-la de mais cuidados, designadamente dar-lhe valor jurídico pelo cumprimento das formalidades constantes do artigo 3º, nº 1, da Portaria 642/2004, de 14 de Setembro e, decisivamente, do D.L. 290-D/99, de 2 de agosto.
Acontece que a arguida (ou o seu Ilustre mandatário) não apôs a tal mensagem a assinatura eletrónica avançada (rodeada da necessária certificação), pelo que tal mensagem de correio eletrónico não tem valor jurídico (ver artigo 6º, nº 2, do referido D.L. 290-D/99).
E não tendo essa mensagem valor jurídico, nada resta com esse valor, como impugnação.
Convidada a juntar original assinado, nada fez no prazo indicado.
Fica prejudicado, igualmente, a apreciação da falta de conclusões da impugnação apresentada.
Pelo exposto, por falta dos legais requisitos, decide-se rejeitar a impugnação apresentada.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.

2. Inconformada com este despacho, veio a arguida interpor recurso, apresentando as correspondentes motivações que terminam mediante a formulação das conclusões, que se transcrevem:
1- O Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de gosto, no qual se fundamenta a decisão recorrida, já se encontrava revogado no momento da apresentação da impugnação judicial em causa nos presentes autos.
2- Pelo que, não pode servir de fundamentação para o sentido defendido pelo Tribunal a quo.
3- A Portaria n.º 642/2004, de 14 de setembro, não é aplicável ao ato processual em causa, uma vez que o seu âmbito está definido como a regulação da forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico, assim como as notificações efetuadas pela secretaria aos mandatários das partes.
4- E, o ato que está em causa nos presentes autos, não é apresentado em juízo pelo seu autor, a ora recorrente, nos termos do art.º 33.º n.º 2, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
5- Nos termos do art.º 9º da Lei n.º 107/2009, está prevista a possibilidade dos atos serem praticados através de mensagem de correio eletrónico, sem a exigência de qualquer sistema de certificação.
6- Não existe norma legal a cominar a rejeição do recurso, enviado e recebido pela autoridade administrativa dentro do prazo, quando não esteja devidamente assinado pelo seu autor, vigorando neste domínio, um princípio de legalidade.
7- A recorrente apresentou a sua impugnação judicial através de um meio legalmente admissível.
8- A não apresentação, do respetivo original, dentro do prazo definido pelo Tribunal, não tem qualquer efeito cominatório de rejeição da impugnação, uma vez que, em nenhum suporte legal, tal está definido.
9- Até, porque, aquando da prolação do despacho de rejeição, já se encontrava nos autos o original da impugnação judicial.
10- Ao decidir rejeitar a impugnação judicial, com os fundamentos constantes do despacho recorrido, o Tribunal a quo violou o princípio da legalidade previsto no art.º 118.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente.
11- De igual modo, a interpretação dada pelo Tribunal recorrido, no sentido de rejeitar a impugnação judicial em processo de contraordenação pelo facto da mesma ter sido apresentada através de mensagem de correio eletrónico sem assinatura eletrónica avançada e o seu autor não tendo junto o original no prazo determinado, mas ainda antes de qualquer decisão sobre a matéria, a ser admitida, constituía uma violação do direito de acesso à justiça, previsto no artigo no art.º 20.º, n.º 1 da Constituição.
Nestes termos, deve o douto despacho ser revogado e substituído por outro que admita a impugnação judicial apresentada, seguindo os autos os seus termos legais.


3. O Ministério Público respondeu e concluiu que deve ser mantida a decisão recorrida.

4. O Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer onde conclui que a decisão recorrida não padece de qualquer vício devendo ser mantida na íntegra.
Não foi apresentada resposta.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
Questão a resolver: verificar se a impugnação da decisão da ACT for efetuada pela forma legal.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A) Os factos a ter em conta são os constantes do despacho recorrido, que não foram contraditados e do mais que resultar dos autos.

B) APRECIAÇÃO

A arguida conclui que apesar de ter enviado o correio eletrónico sem estar certificado, tal não constitui impedimento à admissão da impugnação judicial
O art.º 33.º da Lei n.º 109/2009,de 14.09, prescreve:
1. A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.
2. A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.
Resulta do artigo acabado de citar que estamos perante a prática de um ato processual. A impugnação é apresentada na autoridade administrativa a qual a remete para o tribunal competente. A autoridade administrativa funciona apenas como local de apresentação da impugnação judicial. Veja-se a similitude com os recursos em processos judiciais. O recurso é apresentado no tribunal onde foi proferida a decisão e remetido, se tiver as condições legais, ao tribunal superior.
Não é pelo facto da impugnação judicial ser apresentada na autoridade administrativa que deixa de constituir a prática de um ato processual.
O art.º 1.º n.º 3 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na redação atual, determina que “no que respeita à tramitação eletrónica nos tribunais judiciais de 1.ª instância das impugnações judiciais das decisões e das demais medidas das autoridades administrativas tomadas em processo de contraordenação, o regime previsto na presente portaria é aplicável apenas a partir do momento em que os autos são presentes ao juiz.
Resulta desta norma legal que o regime aí previsto não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que o processo ainda não tinha sido presente ao juiz.
A Portaria n.º 642/2004, de 14 de setembro, define o seu âmbito no art.º 2.º nos termos seguintes: “o disposto na presente portaria aplica-se à tramitação eletrónica:
a) Das ações declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com exceção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal;
b) Das ações executivas cíveis”.
Resulta da norma legal acabada de citar que a Portaria n.º 642/2004, de 14.09, não se aplica aos processos de contraordenação. Daí quer não seja aplicável ao presente processo.
No caso concreto, a mensagem eletrónica enviada não estava certificada ou de alguma forma autenticada ou validada. Por esse facto, o tribunal convidou a recorrente a “no prazo de 10 dias, deverá a arguida vir demonstrar ter a mensagem eletrónica enviada valor jurídico (pela demonstração da aposição de assinatura eletrónica avançada aquando do envio da mesma) ou para no prazo de 10 dias apresentar original assinado da mesma com ratificação do processado”.
O subscritor da mensagem eletrónica nada disse no prazo de 10 dias.
O art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 09 de fevereiro, prescreve:
O presente decreto-lei:
a) Assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado (Regulamento);
b) Regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos, o reconhecimento e aceitação, na ordem jurídica portuguesa, dos meios de identificação eletrónica de pessoas singulares e coletivas e prevê as normas aplicáveis ao Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - Infraestrutura de Chaves Públicas (SCEE).
O art.º 2.º deste diploma legal prescreve:
O presente decreto-lei aplica-se:
a) Aos documentos eletrónicos elaborados por particulares e pela Administração Pública;
b) Aos sistemas de identificação eletrónica que sejam notificados pelos Estados-Membros da União Europeia ao abrigo dos artigos 7.º e 9.º do Regulamento, em tudo o que não se encontre neste previsto.
Por sua vez, o art.º 3.º sobre a forma e força probatória, prescreve:
1. O documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita.
2 - A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:
a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa;
b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico;
c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada.
3 - A assinatura eletrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta.
4 - A aposição de assinatura eletrónica qualificada que conste de certificado que esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição, ou não respeite as condições dele constantes, equivale à falta de assinatura, sendo o documento apreciado nos termos do n.º 10.
5 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico com o conteúdo referido no n.º 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na sua redação atual.
6 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual.
7 - A aposição de um selo eletrónico qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Regulamento, a origem e a integridade do documento eletrónico.
8 - A aposição de um selo temporal qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do Regulamento, a exatidão da data e hora por ele indicados e a integridade do documento eletrónico.
9 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de identificação eletrónica, de comprovação da integridade, de correção da origem dos dados ou ainda de atestação temporal de documentos eletrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura eletrónica, desde que tal meio seja adotado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.
10 - Salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito.
11 - As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas eletrónicas ou dos selos eletrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos.
Resulta das normas jurídicas acabadas de citar que é diferente a força probatória do documento eletrónico (no caso dos autos mensagem eletrónica), conforme a assinatura do documento seja eletrónica qualificada, caso em que equivale à assinatura autógrafa do documento com forma escrita sobre suporte de papel ou sejam documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados, caso em que o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito.
No caso dos autos a impugnação judicial não contém uma assinatura eletrónica qualificada ou outra equivalente. Daí que o documento seja apreciado nos termos gerais. Se o juiz tiver dúvidas sobre a originalidade e autenticidade do documento, neste caso mensagem eletrónica, pode, nomeadamente, notificar o apresentante para juntar o original, comprovar a autenticidade do documento ou ratificar o processado.
Foi o que sucedeu no caso concreto. O juiz teve dúvidas e ordenou a notificação do apresentante para juntar o original, comprovativo da autenticidade da mensagem eletrónica ou ratificar o processado, mas a parte não correspondeu ao convite e nada apresentou. Mas a arguida foi mais longe, nem sequer se pronunciou sobre a interpelação efetuada.
Perante esta factualidade, bem andou o juiz do processo ao considerar que a impugnação judicial não tem valor jurídico como impugnação, em virtude da arguida recorrente não ter removido a incerteza no prazo fixado pelo tribunal[1]. A arguida é que com a sua conduta criou a situação de incerteza e não removeu as dúvidas no prazo que lhe foi concedido. O processo justo tem regras que todos devem observar, sob pena de se tornar praticamente impossível exercer os direitos em tribunal. A seguir-se o entendimento da arguida, poderiam praticar-se os atos no processo de qualquer forma e em qualquer altura. Os documentos enviados a tribunal, neste caso a impugnação judicial, devem revestir as qualidades da certeza, segurança e oportunidade, para que a outra parte se possa defender eficazmente. Não pode a arguida querer impor a ordem quer lhe convém, sob pena do processo se tornar caótico, mais lenta a resolução dos casos em apreciação e muito difícil a defesa da outra parte.
A arguida não curou de observar o disposto na Decreto-Lei n.º 12/2021, de 09 de fevereiro, que mostrou conhecer, ao citá-lo.
Não ocorre a violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente o do direito ao recurso e à defesa, se a arguida é notificada para ratificar o ato ou apresentar o original e não o faz na data concedida para o efeito.
Nesta conformidade, decidimos julgar improcedente o recurso interposto pela arguida e confirmar o despacho recorrido.

III - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela arguida.
Notifique
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 28 de outubro de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
_______________________________________________
[1] Neste sentido, Ac. RE, de 30.01.2020, processo n.º 1753/19.8T8PTM.E1, em que o aqui relator foi adjunto, e Ac. RL, de 03.12.2019, processo n.º 68/19.6TNLSB.L1-5, ambos em www.gdsi.pt.