Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANABELA SIMÕES CARDOSO | ||
Descritores: | ADVOGADO SOCIEDADE DE ADVOGADOS CAUSA PRÓPRIA ARGUIDO SUBSCRITOR DE RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Embora os advogados, de acordo com o respetivo Estatuto, possam advogar em causa própria, essa regra é inaplicável aos casos em que o advogado é, ele próprio, arguido em processo penal, porque os poderes que, por lei, são atribuídos ao defensor, não são conciliáveis com a sua posição de arguido Contudo, não sendo o Advogado subscritor do recurso, nem a sociedade de advogados que integra, à data, arguidos nos autos em que o recurso é interposto, não é obrigatória a sua representação por defensor, na interposição de recurso, nesses autos, nada obstando, assim, que o recurso em consideração tenha sido subscrito, tal qual como o foi. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Nos Autos de Inquérito, nº 243/21.3T9LLE, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Instrução Criminal de …, Juiz …, em 9 de Março de 2024, foi proferido o seguinte despacho: “Tomei conhecimento da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público. Melhor analisado o recurso interposto pela sociedade recorrente, verifica-se assistir razão à Digna Procuradora do Ministério Público quando afirma que o arguido não se pode representar a si próprio nos presentes autos, ainda que subscreva o recurso em nome da sociedade de advogados da qual é sócio – cfr. artigo 64.º n. º1 al. e) do CPP. Assim, antes de se ordenar a subida dos autos à Relação de Évora, notifique a sociedade arguida para apresentar novo recurso subscrito por mandatário judicial distinto do arguido AA com ratificação do processado, se necessário. Prazo: 10 dias..” * 2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu BB, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões: “Sendo a decisão recorrida fundamentada numa resposta do MP não notificada, a mesma é ininteligível. 1. A afirmação de que "assiste razão à Digna Magistrada do Ministério Público quando afirma que o arguido não se pode representar a si próprio nos presentes autos, ainda que subscreva o recurso em nome da sociedade de advogados da qual é sócio — cfr. artigo 64 º nº 1 q/ e) do CPP", a mesma não faz sentido uma vez que: a. A recorrente não é arguida neste processo; b. O seu sócio administrador, subscritor do requerimento de recurso e alegações, também não é arguido neste processo; c. O sócio administrador, ainda que fosse arguido, não está a representar-se a si próprio, mas a uma entidade distinta, com personalidade jurídica e judiciária autónoma. 2. Não sendo o advogado subscritor do recurso arguido, nem a sociedade de advogados sua representada, nada na lei exclui a subscrição das alegações pelo advogado subscritor. 3. No âmbito da sua atividade profissional os advogados podem exercer advocacia em causa própria. 4. A única exceção a esta regra é em sede penal, no caso de o advogado ser arguido, ou ser ofendido e pretenda constituir-se assistente como decorre da lei processual penal, arts. 64. º n º l do art. 141. º 360. º 371. º 385 389 391º -E, 396. º e 422. 5. O despacho recorrido conheceu de questões, que a recorrente e o advogado que a representa são arguidos, de que não podia tomar conhecimento, porque não são reais, não constam dos autos (logo insuscetíveis de conhecimento pelo Juiz de Instrução), com o que incorre na nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 379º do CPP. 6. A remessa para uma peça desconhecida da recorrente e a invocação de factos inexistentes (a constituição de arguidos da recorrente e do seu sócio administrador), constituem uma violação do dever de fundamentação imposta pela Constituição da República Portuguesa (nº 1 do artigo 205 º ) e pelo art. 97 º nº 5 do CPP. 7. Esta violação constitui uma irregularidade processual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118 º n º s 1 e 2, 119 º, 120. º n.º s 1 e 2 e 123. º todos do Código de Processo Penal, que no presente recurso se invoca e argui. 8. Segundo a Constituição da República Portuguesa, enquanto aos tribunais incumbe "reprimir a violação da legalidade democrática" (art. 202 º nº 2), ao Ministério Público compete "defender a legalidade democrática" (art. 219 º nº 1). Neste processo, essa incumbência e competência não estão a ser exercidas. 9. As incumbências e competências de Tribunais e Ministério Público não importam apenas responsabilidades para com os cidadãos portugueses, os constituintes do Povo, em quem reside a soberania una e indivisível (art. 3 º da Constituição) por ele, Povo, delegada nos órgãos do poder judicial, e é dele o poder político (art. 108 º ), delegado nos órgãos que, por sua vez, aprovam as leis que os tribunais e o Ministério Público interpretam e aplicam. O Estado de direito democrático, com tudo o que isso implica, é uma responsabilidade internacional do Estado português e de todos os seus órgãos, nomeadamente pela pertença à União Europeia e à OCDE. 10. A ser verdadeira a informação de que terá sido requerido, pelo MP, o arresto da conta bancária em causa nos presentes autos e que esse pedido de arresto terá sido indeferido, o bloqueio da conta constitui um crime de abuso de poder.” * 3. O recurso foi admitido, ao mesmo tendo respondido o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido. Apresentou as seguintes conclusões: “1. Não existe ausência de fundamentação ou ininteligibilidade da decisão recorrida, sendo esta clara em si mesmo, e não existindo qualquer remissão da fundamentação para o teor da anterior resposta ao recurso. 2. Porém, no que respeita à legitimidade para subscrição do recurso, entendemos que assiste razão à recorrente. Com efeito, nem o subscritor nem a sociedade de advogados requerentes são presentemente arguidos nos autos, pelo que não é obrigatória a sua representação por defensor na interposição de recurso. 3. Por conseguinte, julgando procedente o recurso farão Vossas Excelências justiça.” * 4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual secundou a posição do Exmo. Colega junto da 1ª instância. * 5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência. * 6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões: - Da ininteligibilidade da decisão recorrida, por ausência de fundamentação; - Da legitimidade para a subscrição do recurso. * 7. Apreciando: Para a apreciação das suscitadas questões importa considerar como assente o seguinte facto: - AA e a sociedade BB, à data da prolação do despacho recorrido (9 de Março de 2024), não eram arguidos nos autos de inquérito nº 243/21.3T9LLE. * - Da ininteligibilidade da decisão recorrida, por ausência de fundamentação: Relativamente à alegada ininteligibilidade e falta de fundamentação do despacho recorrido, nos termos do art. 97º nº 5 do CPP e art. 205º da CRP, cumpre referir que: - No despacho recorrido não se verifica remissão de fundamentação para a resposta ao recurso apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, já que no mesmo se refere explicitamente a razão por que decide notificar a sociedade para apresentar novo recurso, subscrito por mandatário judicial distinto de AA, com ratificação do processado, ao se entender que este, enquanto subscritor do recurso, por ter a qualidade de arguido nos autos, não se poderia representar a si próprio, ainda que subscrevendo o recurso em nome da sociedade de advogados de que é sócio, invocando para o efeito o disposto no art. 64º nº 1 al. e) do CPP. A decisão recorrida mostra-se, pois, fundamentada de facto e de direito, não existindo, por isso, ausência de fundamentação, ou ininteligibilidade da mesma, ou ainda, qualquer remissão de fundamentação para o teor da anterior resposta ao recurso termos em que, nesta parte, improcederá o recurso. * - Da legitimidade para a subscrição do recurso: Estabelece o art. 64º nº 1 al e) do CPP que é obrigatória a assistência de defensor nos recursos ordinários ou extraordinários e a sua falta constitui nulidade insanável, nos termos do art. 119º al. c) do CPP. Embora os advogados, de acordo com o respectivo Estatuto, possam advogar em causa própria, essa regra é inaplicável aos casos em que o advogado é, ele próprio, arguido em processo penal, porque os poderes que, por lei, são atribuídos ao defensor, não são conciliáveis com a sua posição de arguido - cfr., entre outros, Ac Relação de Lisboa de 23 de Setembro de 2004, in Col.ª Jur.ª XXIX, IV, 141. Contudo, no caso, e contrariamente ao sustentado no despacho recorrido, nem o Advogado subscritor, nem a sociedade de advogados requerentes, eram, à data, arguidos nos autos de Inquérito, nº 243/21.3T9LLE, termos em que não é obrigatória a sua representação por defensor, na interposição de recurso, nesses autos, nada obstando, assim, que o recurso em consideração tenha sido subscrito, tal qual como o foi. O presente recurso será, assim, nesta parte, face aos termos sobreditos, julgado procedente. * - Decisão: Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente, revogando-se a decisão recorrida, proferida em 9 de Março de 2024, nos autos nº 243/21.3T9LLE, que deverá ser substituída por outra que admita que AA pode subscrever o recurso, em nome da sociedade BB, e ordene a subida de tal recurso a este Tribunal da Relação de Évora. Sem custas. * (Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto) Évora, aos 24 de Setembro de 2024 Os Juízes Desembargadores Anabela Simões Cardoso Edgar Valente Moreira das Neves |