Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
212/13.7TBM-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: PROCURAÇÃO
FIANÇA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- A expressão «nas condições que entendesse» aposta numa procuração, mesmo na esfera do conhecimento de um leigo, é esclarecedora quanto ao limite dos poderes de representação conferidos.
II- O fiador não pode invocar o benefício da excussão prévia se houver renunciado ao mesmo e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que Banco, S.A. intentou contra AA, BB e CC, veio o último opor-se à execução mediante embargos.
Alegou em síntese que s sua responsabilidades face ao exequente se limitam a €40.000.00 conforme consta da procuração que outorgou a favor dos restantes executados e que serviu de base à escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, que consubstancia o titulo executivo na execução, acresce que o embargante nunca renunciou a qualquer beneficio ou privilégio inerente à sua qualidade de fiador, pelo que tem o direito de recusar o cumprimento da obrigação enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal e, inclusivamente, depois dessa excussão. se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor.
Conclui pedindo a limitação da sua responsabilidade à quantia de € 40.000.00 e que seja decretado que o exequente não pode fazer seguir a execução e penhorar bens próprios do embargante enquanto não forem esgotados todos os bens dos devedores principais, designadamente o bem hipotecado.
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O exequente contestou, alegando em síntese que o embargante se constitui fiador e principal pagador das quantias mutuadas aos restantes executados com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.

O contrato de mútuo celebrado contém-se no âmbito dos poderes que o embargante conferiu ao executado AA.
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Proferida decisão foi a oposição mediante embargos julgada totalmente improcedente.
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Inconformado recorreu o opoente tendo formulado as seguintes conclusões:
A limitação meridiana das responsabilidades assumidas pelo apelante consta da procuração, que deu lugar à escritura pública de compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança e que corresponde à extensão da Vontade do mandante/declarante.
Essa aludida procuração foi emitida em 14 de Abril de 1999, no Cartório Notarial e deu poderes precisos e limitados a AA, para o representar no empréstimo hipotecário a contrair por BB e marido AA.
Por via dela, o apelante constituiu-se fiador até à quantia máxima de oito milhões de escudos e não se responsabilizou, de forma alguma, por quantia superior a essa.
Através da mencionada procuração, o apelante não renunciou ao benefício da excussão prévia.
Vontade declaratória do apelante deve, pois, ser aferida pela letra da procuração, cuja interpretação é clara e insofismável.
Tudo o que ultrapasse os meros actos de execução da procuração, com o tecto, vulgo, limite de Esc. 8.000.000$00 (Oito milhões de escudos) nela fixado e a não renúncia ao benefício da excussão prévia, é irrefutavelmente contrário à vontade do mandante e mostra-se subvertido no texto da escritura, reproduzido no item 5 deste libelo de recurso.
A sentença recorrida fez uma interpretação apenas da letra da escritura, já ela viciada e adulterada ao arrepio da vontade do aqui apelante exarada na procuração que emitiu e com a qual se vinculou nos precisos e limitados termos que dela ressumam e não teve o cuidado de interpretar devidamente o «prius» que é a procuração.
Sentença recorrida fez, assim, uma errada interpretação do “tema decidendum”, condenando o apelante para além das responsabilidades que de forma voluntária e consciente assumiu por via da procuração, assim violando os seguintes normativos: Artigos 217.º, n.º 1, 236.º, 237.º, e 238.º, 1159.º “ex vi” 258.º e 260.º e ainda, 638°, todos do Código Civil.
Deve, pois, a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que limita a responsabilidade do apelante à quantia de 8.000.000$00. (oito milhões de escudos), com a respectiva correcção monetária para o Euro e que reconheça que este não renunciou ao benefício da excussão prévia, para cuja asserção se exige uma declaração formal/documental, jamais prestada e consentida por via da procuração em apreço.
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O recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
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O Tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto:

Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança outorgada no dia 16 de Abril de 1999, o exequente concedeu aos executados AA e BB, um empréstimo no montante de 39.903,83 Euros.
O referido empréstimo foi concedido em parcelas de 29.92.7,87 Euros, creditada na conta dos executados em 16.04.1999) e 9.975.96 Euros, creditada na conta dos executados em 10.09.1999, e deveria ser amortizado em prestações mensais sucessivas de capital e juros.
Para garantia do pagamento da quantia mutuada bem como dos respectivos juros à taxa anual de 6,73% acrescidos duma sobretaxa até 4% ao ano em caso de mora e de despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para o efeito de registo em 1.596,15 Euros, os executados constituíram a favor do exequente uma hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra A do prédio urbano descrito na CRP sob a ficha 298/19870511 da freguesia;
Da escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança consta que o embargante …«afiança todas as obrigações que os segundos outorgantes e mutuários assumam a título do presente empréstimo e que, na qualidade de fiador e principal pagador se obriga perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia e dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxo de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os mutuários s e o Banco».
Os executados não pagaram a prestação que se venceu a 16.04.2007 nem nenhuma das subsequentes;
Em 16 de Abril de 1999 o embargante constituiu seu procurador o executado AA atribuindo-lhe poderes para o constituir fiador e principal pagador no contrato de mútuo celebrado com o exequente até ao montante de oito milhões de escudos nos termos e condições que entendesse.
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É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigo 639.º, CPC
Discute-se o limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo ora recorrente; actuação do representante sem poderes ou com abuso de representação; beneficio de excussão previa a favor do recorrente/fiador.
Questão nuclear é a de interpretar a procuração pela qual o embargante constituiu seu procurador o executado AA atribuindo-lhe poderes para o constituir fiador e principal pagador no contrato de mútuo celebrado com o exequente até ao montante de oito milhões de escudos nos termos e condições que entendesse, instrumento esse que esteva na base da celebração da escritura publica agora dada a execução.
O art.º 236.º, CC trata desta questão (interpretação dos negócios jurídicos) adoptando um critério objectivo. Isto é, manda atender na interpretação do negocio não ao sentido historicamente concreto que lhe haja sido efectivamente dado pelo declarante ou pelo destinatário, mas o sentido hipotético que à declaração seria dada por um destinatário normal que se encontrasse colocado na posição do real declaratário. Ou seja, o Código de entre os vários critérios objectivos possíveis, seguiu nesta matéria o critério do destinatário normal, por lhe parecer que, no caso de um conflito de interpretações entre o declarante e o declaratário, a razão havia de ser dada àquela das partes que houvesse entendido o negocio no seu sentido normal ou comum, salvo se declaratário ao tomar conhecimento da declaração, soubesse qual era o sentido com que o declarante a usava.

Tal como sustenta o recorrente a sua vontade declaratória resultante do texto da procuração afigura-se-nos clara, sendo todavia certo que a conclusão a que chegaremos é a oposta à defendida no recurso.
Está provado que em 16 de Abril de 1999 o embargante constituiu seu procurador o executado AA atribuindo-lhe poderes para o constituir fiador e principal pagador no contrato de mútuo celebrado com o exequente até ao montante de oito milhões de escudos nos termos e condições que entendesse.
Da escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança consta que o embargante …«afiança todas as obrigações que os segundos outorgantes e mutuários assumam a título do presente empréstimo e que, na qualidade de fiador e principal pagador se obriga perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia e dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxo de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os mutuários s e o Banco».
A expressão «nas condições que entendesse» aposta na procuração, mesmo na esfera do conhecimento de um leigo, é tão esclarecedora quanto ao limite dos poderes de representação conferidos (art.º 262.º, n.º 1, CC) que não se vislumbra como se pode entender que in casu, o representante tenha agido em abuso de representação.
A quantia mutuada contem-se no limite constante da procuração que conferiu poderes ao procurador/mutuário para constituir o executado fiador e principal pagador no contrato de mutuo até ao montante de oito milhões de escudos (quarenta mil Euros), sendo certo que a quantia que na execução excede aquele montante, respeita a juros entretanto vencidos, despesas e encargos contratualmente previstos.
Dispõe o art.º 638°, CC que ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu cré dito e que é lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.
O fiador não pode invocar o benefício da excussão prévia se houver renunciado ao mesmo e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador, o mesmo se diga quanto ao benefício da excussão no caso de existirem garantias reais (art.º 638.º e 640.º, CC).
Da escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança resulta que o ora recorrente renunciou ao benefício da excussão constituindo-se principal pagador perante a exequente, sendo certo que tal declaração de vontade expressa pelo procurador se contem nos limites dos poderes que lhe haviam sido conferidos pelo embargante/recorrente.
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Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisao recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Évora, 7 de Abril de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso