Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
192/09.3GTSTB.E1
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário: I – O dano morte é o maior dos danos não patrimoniais susceptíveis de reparação que a alguém pode ser infligido.

II – Por isso, não pode quantificar-se em valor superior o dano não patrimonial sofrido pelo filho da vítima.

III – Sendo a vítima um homem com 30 anos de idade, saudável e com uma grande alegria de viver, trabalhador e gozando de uma reputação como sendo uma pessoa de extrema confiança, briosa e honesta, não só na sua actividade profissional como no seu relacionamento social, integrado na sociedade e que se preocupava com os seus familiares, o dano não patrimonial da sua morte deve quantificar-se em € 60.000.

IV – Sendo o filho da vítima de tenra idade, afectivamente muito próximo desta e sentindo muito a sua falta, embora sem ter ainda compreendido o significado da sua morte, deve fixar-se em € 30.000,00 o valor do dano não patrimonial por ele sofrido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora (2.ª Secção Criminal):

I - Relatório.
1. Para além do mais que aqui não releva, foi Companhia de Seguros… civilmente demandada por Maria…, em representação do seu filho menor Duarte…, no processo comum com intervenção do tribunal singular à margem identificado, no qual pediu a sua condenação a pagar-lhe o montante global de € 300.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados por um veículo automóvel seguro nela e outro em que seguia o seu cônjuge e pai de seu filho, o qual morreu em consequência do embate que entre ambos se deu quando aquele saiu da sua faixa de rodagem direita e invadiu a sua esquerda e aí colidiram.

2. Realizada que foi a audiência de julgamento, no que agora importa foi o pedido de indemnização civil julgado parcialmente procedente e a Demandada condenada a pagar à parte contrária a quantia de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), sendo € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano morte e € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por danos morais do menor e, ainda, a quantia a determinar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais futuros.

3. Inconformada com a douta sentença condenatória, dela recorreu a Demandada Companhia de Seguros…, pugnando pela sua alteração e, em consequência, ser fixado em quantias não superiores a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e 15.000,00 (quinze mil euros) os valores das compensações pelos danos morte e não patrimonial por isso sofrido pelo menor, rematando a motivação com as seguintes conclusões:

A) Nos termos do art.º 496.º, n.º 3 do CC, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º
B) Dispõe o art.º 494.º do CC: Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior aos danos causados”;
C) Ao fixar em € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a indemnização pelo dano morte e em € 100.000,00 (cem mil euros) a indemnização por danos morais do filho menor da vítima a sentença recorrida violou o escopo daquelas normas;
D) Tendo em conta os critérios legais para fixação da indemnização e conjugando-os com os factos dados como provados entende-se que o montante fixado a titulo de indemnização pela perda do direito à vida é, salvo o devido respeito, exagerado, considerando-se de harmonia com os valores da jurisprudência que o seu montante deveria ser fixado em quantia não superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
E) O valor fixado pela perda do direito à vida constitui valor de referência para determinação de outros prejuízos não patrimonial;
F) O dano referente ao sofrimento suportado pelo A. não pode ser superior ao dano correspondente à perda da vida;
G) A fixação da compensação por danos não patrimoniais ao menor no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) é excessiva;
H) Na fixação da indemnização há que ponderar em equidade não só o desgosto mas, a para fixação da indemnização há que ponderar em equidade não só o desgosto mas, ainda, os “padrões usuais”, da jurisprudência;
I) Sendo certo que esta usa critérios de desvalorização do dano patrimonial relativamente aos menores.
J) Nesse sentido, o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de Abril de 2010, disponível no site www.dgsi.pt, pugna pelo entendimento de que “o montante fixado para o filho, pelas dores e sofrimentos suportados com o desaparecimento do pai, justificará igualmente uma redução para € 15.000,00, já que a angústia e desgosto por este sofridos, atenta a sua pouca idade se repercutirão apenas para o futuro, não sendo, por isso comparáveis ao sofrimento da viúva, que viu desfeito no imediato um projecto de vida.”
K) Também o Supremo Tribunal de Justiça, em douto acórdão de 13/10/2007, igualmente disponível no site www.dgsi.pt fixa o dano não patrimonial dos filhos menores de um falecido em acidente de viação em € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros);
L) Pelo que o montante fixado na douta sentença a título de dano não patrimonial do menor deverá ser reduzido e fixado em quantia não superior a € 15.000,00 (quinze mil euros).

4. Ao recurso respondeu a Demandante, pugnando pela sua improcedência, sustentando, em resumo, que os valores da condenação estão alinhados com os que a jurisprudência tem vindo a considerar para casos similares.

5. Aberta vista para parecer, o Ministério Público considerou-se alheio à matéria aqui trazida em recurso, o que efectivamente acontece.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela das partes.

7. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação.
1. Da decisão recorrida.
1.1. Factos julgados provados:
1 - No dia 25 de Julho de 2009, um sábado, cerca das 22.00 horas, a arguida conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de marca Ford, modelo Transit, com a matrícula ----ZV, pelo ICI, no sentido Setúbal/Algarve, ocupando a faixa de rodagem que serve esse sentido de marcha.
2 - Na mesma via, mas no sentido contrário (Algarve/Setúbal) e pela respectiva metade direita da faixa de rodagem, circulava o veículo ligeiro de mercadorias de marca Citröen, modelo Saxo, com a matrícula ----NB, conduzido por Jorge…
3 - Ao aproximar-se do quilómetro 595,475 do ICI, a arguida deixou que o veículo que conduzia invadisse a faixa de rodagem contrária.
4 - Então, apercebendo-se da aproximação iminente do Citröen Saxo----NB, deu uma guinada brusca para a direita com o objectivo de retomar a sua mão de trânsito.
5 - Em virtude dessa manobra, a Ford Transit virou-se sobre o seu lado esquerdo, capotou e foi embater na parte da frente do Citröen Saxo ----NB.
6 - O embate deu-se na faixa de rodagem afecta ao trânsito que se processa no sentido de marcha Algarve/Setúbal, próximo da linha delimitadora da respectiva berma direita.
7 - Da descrita colisão resultaram para Jorge…, condutor do Citröen Saxo -----NB, as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia, designadamente traumatismo crânio-meningo-encefálico, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
8 - No local do embate o IC1 configura uma recta com extensão superior a 300 metros, tem pavimento betuminoso em bom estado de conservação, serve duas via de trânsito (uma em cada sentido) separadas por uma linha longitudinal descontínua, possui a largura de 7,40 metros e bermas com 3,50 metros de largura no lado direito e 2,30 metros de largura no lado esquerdo, considerando o sentido de marcha Setúbal/Algarve.
9 - No momento do acidente o piso da estrada encontrava-se seco e limpo.
10 - A arguida é titular de carta de condução de veículos ligeiros desde 29 de Maio de 2006 (carta de condução n.º SE----).
11 - No momento do acidente o FORD Transit ----ZV transportava uma carga de 600 Kgs de ostras acondicionadas em caixas de plástico.
12 – Jorge… conduzia o Citröen Saxo ----NB com uma T.A.S. de 0,65 g/l e com uma concentração de ácido ll-nor-9-carbosi.D9- tetrahidrocanabinol na ordem dos 6 ng/ml.
13 - A referida concentração não interferia nas capacidades sensoriais do condutor Jorge…
14 - Ao deixar o Ford Transit invadir a faixa de rodagem do lado esquerdo e ao guinar bruscamente para retomar a sua mão de trânsito, conforme descrito, a arguida agiu com falta de cuidado e inobservância das regras estradais, não prevendo, como lhe era exigido, que podia despistar-se e embater nalgum veículo, nomeadamente no Citröen Saxo ---NB, causando a morte do respectivo condutor.

Do Pedido de Indemnização Civil:
15 — À data do acidente Jorge… tinha 30 anos de idade.
16 — Era uma pessoa saudável e com uma grande alegria de viver.
17 — Era trabalhador e gozava de uma reputação como sendo uma pessoa de extrema confiança, briosa e honesta, não só na sua actividade profissional como no seu relacionamento social.
18 — Era um jovem integrado na sociedade e que se preocupava com os seus familiares.
19 — O seu filho era o seu sol e mais que tudo.
20 — O menor Duarte… passa todo o tempo a questionar a mãe para saber quando é que o pai regressa.
21 — Quase todos os fins-de-semana o menor pede à mãe para irem ao jardim na presunção de que o pai aí se encontra, pois era habitual o pai ir jogar futebol com o menor ao jardim.
22 — O menor questiona a mãe porque é que só seu pai é que não o vai buscar ao infantário, ao que a mesma já não encontra palavras para tentar explicar o que aconteceu ao pai.
23 — Todas as noites o menor questiona a mãe para saber a que horas o pai chega a casa, ao que a mãe tem de lhe contar uma história para que este adormeça e não volte a perguntar pelo pai.
24 — De algum tempo a esta parte o menor começou igualmente a perguntar aos avós maternos e aos tios sobre o seu pai.
25 — Familiares que já não aguentam ver o sofrimento do menor.
26 — É perceptível o sofrimento e angústia que o menor está a sofrer e irá sofrer com o seu crescimento.
27 — Será indescritível o momento em que tiver a percepção de que o seu pai faleceu e que jamais o acompanhará para onde quer que seja.
28 — A perda do pai jamais poderá ser ultrapassada, mesmo que a mãe refaça a sua vida junto de outro homem.
29 — Nunca o seu pai o poderá acompanhar na escola e ajudar nos trabalhos escolares.
30 — A vítima exercia a profissão de empregado de balcão no ramo da restauração.
31 — Auferia um vencimento mensal.
32 - Actualmente o menor é uma criança triste.
33 - O proprietário do veículo, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a Companhia de Seguros…, através do contrato de seguro com a apólice n.º ---- .

Mais se provou:
34 - A arguida não tem antecedentes criminais.
35 - É pessoa honesta, calma e bem considerada socialmente.
36 - Confessou os factos e mostrou-se profundamente arrependida.
37 - Vive com o seu marido em casa própria, da qual paga mensalmente a quantia de 150€, a título de empréstimo para aquisição de habitação própria.
38 - Aufere cerca de 2000,00€ mensais.
39 - Estudou até ao 6.º ano de escolaridade.

1.2. Factos julgados não provados:
A - Tinha consciência das necessidades existentes e pensou sempre como poderia ajudar desinteressadamente o seu próximo.
B - A sua morte além de ter sido um choque, destruiu por completo a sua família que jamais recuperará de tal perda.
C - O plano de vida traçado para o seu filho nunca se virá a concretizar.
D - Não poderá deixar de se dizer que a perda do pai irá permanecer todos os dias da sua vida no pensamento do menor.
E - Tristeza essa que se revela no comportamento com os colegas de escola/infantário e jamais irá superar.
F - A vítima auferia cerca de 600€ mensais.

1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto:
Para a decisão quanto à matéria de facto acima descrita e assente, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente:
- CRC da arguida, a fls. 45;
- Cadastro rodoviário da arguida, a fls. 95;
- Características dos veículos intervenientes no acidente, a fls. 128 e 130:
- Relatório de toxicologia forense às amostras biológicas recolhidas à arguida, a fls. 143;
- Reportagem fotográfica e croquis, a fls. 178 e 208;
- Relatório de autópsia de fls. 34 a 37 e 92;
- Informação de fls. 126;
- Informação de fls. 16 e 144;
- Exame pericial de fls. 90 e 92.
- Nas declarações da arguida quanto às suas condições familiar profissional e económica.

- Nas suas declarações quanto aos factos ocorridos. A mesma referiu que circulava a cerca de 80/85 km/hora. não era a primeira vez que conduzia aquele veículo, nem era a primeira vez que transportava aquela carga, Sentiu o carro, sem saber porquê. desviar-se para a sua esquerda. de imediato guinou o carro para a direita, só tendo sentido o mesmo tombar para o lado direito, tendo-se apercebido que vinha um veículo no sentido contrário ao seu naquele momento. Mais referiu que não se recorda de mais pormenores e não consegue encontrar uma justificação para o sucedido.

- No depoimento das testemunhas de acusação ouvidas em sede de audiência de julgamento, as quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de julgamento:

a) — Virgílio L…, militar da GNR, a exercer funções no NICAV de Setúbal, o qual fez o relatório pericial que foi junto aos autos e o confirmou na íntegra. Referiu que quando chegou ao local o veículo estava tombado. Foram inspeccionados ambos os veículos e não foi detectado nada de anormal quer nos órgãos da direcção, quer nos pneumáticos. A explicação a que chegou, de que teria havido distracção por parte da condutora, baseou-se quer nos elementos recolhidos quer na sua experiência profissional. Mais referiu que à data dos factos o piso estava em bom estado, não tinha rodeiras. Foi possível constatar que a vítima desviou-se o mais possível para a berma, uma vez que o embate já ocorreu muito perto da berma.

b) — Ricardo M…, militar da GNR, que compareceu no local. Chegou primeiro ao local. A vítima ainda tinha sinais vitais e a arguida ainda se encontrava no local, tendo-lhe referido que não sabia a causa do acidente, que só se tinha apercebido de o veículo se ter desviado para a faixa contrária.

No depoimento das testemunhas da assistente, as quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de julgamento. Prestaram depoimentos emotivos e emocionados, relativos quer à pessoa da vítima e à sua forma de ser, quer ao sofrimento que o seu filho menor tem passado e está a passar com a perda do pai.

c) — Maria…, mãe do menor Duarte… Referiu que na altura em que o acidente ocorreu estava separado de Jorge… há cerca de 8, 9 meses.

Descreveu o mesmo como pessoa alegre, com vontade de viver e que gostava de ajudar os outros.

O nascimento do filho de ambos foi a maior alegria que o mesmo teve.

Durante a separação o menor convivia com o pai aos fins-de-semana e durante a semana falava com o mesmo ao telefone. Pai e filho tinham por hábito irem para o jardim brincarem, jogarem à bola e verem os pombos.

O seu filho todos os dias pergunta pelo pai.

Perguntava diariamente quando é que o pai vinha. Quando passavam pelo jardim pedia para ir ver o pai.

Atenta a dificuldade em responder a tais insistentes perguntas, a testemunha decidiu contar urna história ao menor, dizendo-lhe que o pai estava a dormir e que era uma estrelinha que estava no céu. Pelo que, o menor todas as noites dizia que se despedia do pai, que era a tal estrelinha que estava no céu.

Há cerca de dois meses, o menor pediu à mãe que fosse acordar o pai porque estava com muitas saudades.

Depois começou a referir que já não tinha o pai e que o pai já cá não estava.

O menor é uma criança activa e perspicaz.

Quando é falado pela educadora acerca dos pais, o mesmo questiona-se porque é que só tem mãe.

Referiu por várias vezes à mãe que não lhe podia dar o recado da educadora porque o recado era para os pais.

O pai do menor ajudou sempre na educação e crescimento do menor, monetariamente ou através de bens.

Os trabalhos escolares só podem ser acompanhados pela mãe.

O pai do menor estava a trabalhar no ramo da restauração e, em Maio de 2009 contribuiu com 250€, a título de pensão de alimentos.

d) AM…, tio do menor, V..., avó materna do menor, AJ…, avô materno do menor e MJ…, pai do falecido e avô paterno do menor, os quais confirmaram o depoimento prestado pela mãe do menor e relataram de forma emocionada o sofrimento causado ao menor pela morte do pai.

- No depoimento das testemunhas abonatórias da arguida, as quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de julgamento.

e) — M…, R…, A… e I…, as quais referiram conhecer bem a arguida. Definiram a mesma como pessoa calma, humilde, condutora prudente, honesta ponderada e que ficou muito desgostosa com o acidente e as suas consequências.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Daí que as questões a apreciar neste recurso sejam as seguintes:

A compensação pelo dano da morte da vítima (€ 75.000,00) e pelos danos sofridos pelo seu filho em consequência disso (€ 100.000,00) deve ser mantida ou diminuída?
***
2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas.

É facto assente entre as partes que o acidente que vitimou o pai do Demandante se ficou a dever única e exclusivamente a culpa do Segurado da Demandada e que, por isso, como bem sentenciou o Mm.º Juiz a quo, não cabe discorrer acerca da aplicação ao caso das normas que regem o concurso de culpas e a responsabilidade pelo risco.[3]

Acordam também as partes em que a morte de alguém em consequência de um acidente de viação causado por terceiro se consubstancia num dano máximo susceptível de ser sofrido pela vítima e pelos seus familiares, no caso o filho de tenra e menor idade e que, naturalmente, um e outro merecem a tutela do direito.[4] Bem como em que não existe qualquer valor legalmente predeterminado para compensar esses danos e que, por conseguinte, os valores terão que ser fixados jurisprudencialmente. Para o que se terá que ter em conta a seguinte matriz normativa: «O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.»[5]

Também concordam as parte e o próprio Tribunal a quo que o dano morte é o que maior relevo tem no nosso Ordenamento Jurídico.[6] Com o que concordamos e que, por conseguinte, diremos nós com a Demandante e em contramão do sustentado pelo Demandante e pela Instância recorrida, maior protecção merece, superior até à soma de todos os outros que se possa imaginar,[7] aqui somente passível de ser espelhada na compensação que se lhe possa atribuir.
Para a reparação dos danos morte da vítima e não patrimoniais sofridos pelo seu filho por virtude disso, fixou o Tribunal as quantias fixadas de € 75.000,00 e € 100.000,00, respectivamente.

No que concerne à reparação do dano morte, seguimos aqui de perto a solução propugnada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2009,[8] onde, a dado passo se escreveu:

«O dano morte – perda do direito à vida – como dano não patrimonial próprio da vítima foi computado na 1.ª instância em 40.000,00 euros e em 60.000,00 euros pela Relação.

Como direito pessoal, inerente à personalidade, é de aquisição automática e a sua perda indemnizável. (cf. “Indemnização Dano Morte”, Prof. Leite de Campos, 42 ss).

Mas sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural, ou estado de saúde, irrelevam na fixação desta indemnização quaisquer outros elementos da vítima, que não a vida em si mesma.

Importam, tão-somente os outros critérios do artigo 494.º, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil.

Daí que não seja de acolher a tese que privilegia a vida que desempenha um “papel excepcional” na sociedade (“um cientista, um escritor, um artista”) em relação a uma vida “normal” ou a uma “vida” sem qualquer função específica na sociedade (uma criança, um doente ou um inválido)” acenada pelo Cons.º Dario Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 188.

Aqueles factores poderão ser ponderados nos cômputos indemnizatórios dos danos morais próprios dos herdeiros da vítima ou do dano patrimonial mediato por eles sofrido em consequência da perda.

Em acerto de tese poderá também ser feita uma ponderação de factores culturais, de personalidade ou etários na fixação da indemnização pelo sofrimento da vítima (dano não patrimonial próprio) nos momentos que precederam a morte, na percepção da aproximação desta, no estoicismo ou capacidade de resignação perante as dores físicas e morais.

A vida, porém, não tem um valor relativo. Vale por si mesma, em todas as suas formas, sendo que a morte, como eliminação da vida humana, é o factor desencadeador da perda do mesmo valor. (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Junho de 2006 – 06 A 1464 – desta mesma conferência).
Do exposto ressalta que a indemnização que a Relação atribuiu não se afigura de alterar, por equilibrada e de acordo com os critérios que este Supremo Tribunal vem, mais recentemente, seguindo.»

Jurisprudência esta também seguida no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 26-10-2010.[9] E se é certo que nesse processo o Tribunal da Relação do Porto havia acordado fixar em € 50.000,00 o valor do dano morte, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça além veio a enfatizar que «apenas poderia fazer-se certo reparo quanto à valoração do direito à vida, cujo valor peca por escasso.» Diga-se, ainda, que também foi este o valor fixado nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-06-2010 e de 24-11-2009.[10] E para terminar este item, que também foi esse o valor que atribuímos numa situação similar a esta recentemente julgada.[11]

Assim sendo, no caso relevam, para além da morte da vítima e da exclusiva e grosseira culpa da lesante que a causou, os seguintes factos:

15 — À data do acidente Jorge… tinha 30 anos de idade.
16 — Era uma pessoa saudável e com uma grande alegria de viver.
17 — Era trabalhador e gozava de uma reputação como sendo uma pessoa de extrema confiança, briosa e honesta, não só na sua actividade profissional como no seu relacionamento social.
18 — Era um jovem integrado na sociedade e que se preocupava com os seus familiares.
19 — O seu filho era o seu sol e mais que tudo.[12]
(…)
30 — A vítima exercia a profissão de empregado de balcão no ramo da restauração.

Nesta conformidade, no que tange ao valor da reparação do dano morte da vítima, pai do Demandante, consideramos que a douta sentença recorrida fixou algo excessivamente o seu valor, que se fixará em € 60.000 (sessenta mil euros), por esta ser a mais adequada à realidade do caso concreto e conforme ao sentido que vem sendo jurisprudencialmente decidido pelos nossos Tribunais Superiores e, designadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça.

E o mesmo se deverá dizer relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por ele, enquanto filho da vítima, como de resto atrás se referiu e se justificou. Claro que não ignoramos a especial relevância que aqui assume a tenra idade do menor e, ainda, a demais factualidade provada relevante, a saber:

20 — O menor Duarte… passa todo o tempo a questionar a mãe para saber quando é que o pai regressa.
21 — Quase todos os fins-de-semana o menor pede à mãe para irem ao jardim na presunção de que o pai aí se encontra, pois era habitual o pai ir jogar futebol com o menor ao jardim.
22 — O menor questiona a mãe porque é que só seu pai é que não o vai buscar ao infantário, ao que a mesma já não encontra palavras para tentar explicar o que aconteceu ao pai.
23 — Todas as noites o menor questiona a mãe para saber a que horas o pai chega a casa, ao que a mãe tem de lhe contar uma história para que este adormeça e não volte a perguntar pelo pai.
24 — De algum tempo a esta parte o menor começou igualmente a perguntar aos avós maternos e aos tios sobre o seu pai.
25 — Familiares que já não aguentam ver o sofrimento do menor.
26 — É perceptível o sofrimento e angústia que o menor está a sofrer e irá sofrer com o seu crescimento.
27 — Será indescritível o momento em que tiver a percepção de que o seu pai faleceu e que jamais o acompanhará para onde quer que seja.
28 — A perda do pai jamais poderá ser ultrapassada, mesmo que a mãe refaça a sua vida junto de outro homem.
29 — Nunca o seu pai o poderá acompanhar na escola e ajudar nos trabalhos escolares.
(…)
32 - Actualmente o menor é uma criança triste.
Consideramos que a quantia de € 100.000,00 fixada pelo Tribunal recorrido também é algo excessiva. Desde logo, porque se não descortina razão para que sobreleve ao que se considera adequado para o supremo dano maior sofrido pela vítima, que se viu provada da própria vida. A qual se nos afigura mais ajustada às circunstâncias do caso concreto fixar a reparação em € 30.000,00, valor este mais conforme aos valores que habitualmente vêm sendo considerados pela jurisprudência como adequados a situações mais ou menos similares.[13]

Resta agora decidir em conformidade com tudo o que atrás foi referido.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterar a quantificação da reparação do dano não patrimonial decorrente da morte da vítima para € 60.000,00 (sessenta mil euros) e os próprios do Demandante seu filho por virtude desse facto para € 30.000,00 (trinta mil euros) e se confirma o remanescente da douta sentença recorrida.

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento (art.º 523.º do Código de Processo Penal e 446.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Évora, 21-06-2011.

(António José Alves Duarte - relator)

(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz - adjunta)
_________________________________________________
[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

[2] Idem.

[3] Previstas, respectivamente, pelos art.ºs 570.º e 503.º do Código Civil.

[4] Art.º 496.º, n.º 1 do Código Civil.

[5] Art.º 496.º, n.º 3 do Código Civil.

[6] Também assim julgou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido no dia 23-02-2011, no processo n.º 395/03.4GTSTB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.

[7] Segundo as palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2010, tirado no processo n.º 488/07.9GBLSA.C1.S1 e disponibilizado em http://www.dgsi.pt.

[8] Tirado no processo n.º 1541/06.1TBSTS.S1 e publicado em www.dgsi.pt.

[9] No processo n.º 209/07.6TBVCD P.1 S.1, também ele disponível em www.dgsi.pt. O mesmo valor também foi atribuído pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 02-02-2010, no processo n.º 1593/04.9TBLRA.C1. Em sentido contrário e, dir-se-ia, até mais consentâneo com a maioria da jurisprudência, a qual considera a idade da vítima um dos factores ponderáveis para a fixação da compensação do dano morte, pode ver-se, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 Março 2004, no processo 4193/03, publicado na sítio Internet da Wolters Kluwer Portugal http://www.colectaneadejurisprudencia.com, com a ref.ª 1743/2004.

[10] Processos n.ºs 562/08.4GBMTS.P1.S1 e 1409/06.1TBPDL.S1, respectivamente, ambos vistos em www.dgsi.pt.

[11] No Acórdão que proferimos, em 13-01-2011, no processo 248/05.1GTABF.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.

[12] Descontamos aqui o exagero da linguagem, mas todos compreenderam e nós também o seu significado e por isso nada mais diremos sobre a mesma.

[13] A título de exemplo, vejam-se o Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2010, processo n.º 488/07.9GBLSA.C1.S1, em http://www.dgsi.pt, que fixou em € 20.000,00 a reparação dos danos morais sofridos pelo filho da vítima que então tinha 5 anos; e ainda os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 03-12-2009, processo n.º 840/07.0TBFLG.G1, publicado em http://www.dgsi.pt e no qual foi fixada a compensação de € 30.000,00 para o dano de uma filha de 16 anos que perdeu o pai de cerca de trinta anos e de 13-01-2011, processo n.º 250/09.4TCGMR.G1, em http://www.dgsi.pt, que a fixou € 20.000,00 para uma a filha com um ano e meio em resultado da morte de seu pai, com 25 anos de idade.