Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
559/11.7TBVRS.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: DANOS MORAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ALTERADA
Sumário: I – O dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. Esse dano é indemnizável de per se, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.
II – É compensável como dano não patrimonial se, no caso concreto, a lesão se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, não acarretando porém perda de capacidade de ganho.
III – Havendo lugar a tal compensação em termos de danos não patrimonial, não se verifica duplicação de fixação indemnizatória se, a par disso, se atribui compensação com vista ao ressarcimento de danos de natureza não patrimonial tais como as dores sofridas, angústias, sentimentos decorrentes de inibição pessoal, etc.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: Companhia de Seguros AA, SA

Recorrida / Autora: BB

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual a A peticionou a condenação da R a pagar-lhe a quantia de €76.741,24 a título de indemnização pelos danos sofridos na decorrência de acidente de viação causado por veículo seguro pela R.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a R a pagar à A as seguintes quantias:
- €1.741,24 (mil setecentos e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais;
- €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, na vertente dano biológico;
- €5.000 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, na vertente quantum doloris.

Inconformada, a R apresentou-se a interpor recurso.

Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
1. Vem o Tribunal a quo dar como provado, sob o artigo 9.º do elenco dos factos provados “Em resultado das lesões corporais sofridas, a Autora foi submetida a consultas, a exames, tratamentos médicos e foi-lhe prescrita medicação que pagou (…)”, condenado a Apelante a final na quantia de 1.741,24€ (mil setecentos e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos).
2. Não obstante, em sede de fundamentação, vem a mesma sentença concluir que, relativamente às aludidas despesas “ainda que possam ter sido suportadas pelo pai da Autora ou pelo namorado”, mais concluindo, posteriormente que, do depoimento das testemunhas CC (pai da Autora/Apelada) e DD (namorado da Autora/Apelada) resulta que as mesmas despesas foram custeadas pela Autora;
3. Ora, previamente à análise do depoimento das aludidas testemunhas, sempre se diga que, incorre a sentença dos autos em manifesta nulidade na parte em que afirma que, do depoimento das testemunhas, resulta que as despesas foram custeadas pela Apelada, quando, ao invés, afirma, anteriormente, que, pelo menos parte dessas despesas, foram suportadas pelas referidas testemunhas;
4. Padecendo a sentença em apreço de ilegalidade, com fundamento no artigo 615.º n.º1 c) do CPC;
5. Sem prescindir, contrariamente ao vertido na sentença em crise, resulta, antes, do depoimento das duas testemunhas, anteriormente referidas, que a totalidade das despesas médicas foi, antes, por si custeada, principalmente, pela testemunha DD.
6. A ausência de custeamento das aludidas despesas pela aqui Autora/Apelada, redunda na ausência de dano, na esfera jurídica desta última;
7. E consequentemente, na improcedência de prova da factualidade vertida no artigo 9.º do elenco dos factos provados, a qual deverá ser dada como não provada;
8. E bem assim, na improcedência do pedido formulado nesse mesmo sentido;
9. Mal andando o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia dos artigos 413.º do CPC e artigos 563 e 564.º n.º 1 do CC;
10. No que concerne à indemnização arbitrada a título de danos morais, e previamente à análise da sua quantificação, sempre diga a Apelante que procede o Tribunal a quo ao arbitramento de uma dupla indemnização a esta última, ao condenar a mesma no pagamento da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, na vertente de quantum doloris e 10.000,00€ (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, na vertente de dano biológico;
11. Ou, ainda que assim não se entenda, na dupla valoração do dano biológico;
12. Vejamos, em sede de Petição Inicial a Autora/Apelada formulou um único pedido a título de danos morais, na quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), pedido esse ancorado em factualidade que foi levada à Base Instrutória sob os artigos 11.º e 13.º.
13. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, plasmado na sentença em crise, a indemnização por danos morais é una e única, destinando-se, no cumprimento do artigo 496.º do CC, a indemnizar o lesado pela tristeza e angústia decorrente das lesões sofridas, na concretização da qual relevam diversos factores, como sejam o quantum doloris e o dano biológico;
14. Ora, não só a sentença dos autos se absteu de fundamentar a sentença em crise em apelo aos critérios seguidos pela jurisprudência para a fundamentação do pedido de danos morais, procedendo à dupla atribuição de indemnização a esse mesmo título;
15. Como, igualmente, fundamentou a indemnização por dano moral, na vertente de dano biológico, em apelo à fundamentação exigida a este último, enquanto dano patrimonial, concluindo-se, por sua vez, pela dupla valoração do dano biológico, quer enquanto dano moral, quer enquanto dano patrimonial, o que é corroborado pela jurisprudência maioritária que entende o dano biológico como dano patrimonial, ainda que na ausência de repercussão na actividade profissional, como é o caso.
16. Assim, caso se pugne que a atribuição arbitrada pelo Tribunal a quo, redunda numa dupla indemnização a título de dano moral, a sentença em crise padece de violação das regras do princípio geral da indemnização contidas nos artigos 562.º e seguintes do CPC;
17. Por sua vez, caso se pugne que a indemnização arbitrada pelo Tribunal consiste, antes, numa dupla valoração do dano biológico, quer como dano moral, quer como dano patrimonial, pois que, a lesão física sofrida é igualmente atendida na indemnização por quantum doloris, a sentença em crise encontra-se viciada nos limites da condenação, à revelia do artigo 609.º n.º 1 do CPC, pois que não integra o pedido da Apelada a indemnização pelo dano biológico, enquanto dano patrimonial (ou outro).
18. Por último, no que concerne à quantificação da indemnização arbitrada a título de dano moral, para a qual concorre, em apelo aos critérios supra, a medida da incapacidade sofrida, sempre diga a Apelante que mal andou a sentença em apreço ao decidir como decidiu a matéria de facto contida no artigo 8.º do elenco dos factos provados, que ora se descreve “A autora, antes do acidente era uma pessoa saudável e trabalhadora”;
19. De facto, da prova produzida nos autos extrai-se, com clareza que: i) no mesmo Relatório do INML foi constada a existência de lesões de natureza congénita que podem determinar a radiculopatia C7-C8; ii) pelo mesmo perito responsável pela elaboração do Relatório do INML, não foi possível responder com “certeza absoluta” à questão acerca do nexo de causalidade entre o sinistro e a percentagem de desvalorização atribuída, tendo em conta a existência de lesões de natureza congénita; iii) pela técnica auxiliar de fisioterapeuta da Apelada, Maria de Fátima Valente, pela mesma foi referida a existência de uma escoliose, sofrida por esta última, anterior ao acidente dos autos; iv) pela testemunha EE, médico de família da Apelada, foi referida a existência de doença do pânico sofrida pela Apelada, desde a adolescência, a qual tem como sintomas, o “luto patológico”, ou o atraso na resolução das coisas, com influência ao nível do sentimento de dores, contraturas;
20. Deste modo, a factualidade constante do artigo 8.º do elenco dos factos provados, na parte em que se refere: “A autora, antes do acidente era uma pessoa saudável” deverá dar-se como não provado, concluindo-se pelo errado julgamento pelo tribunal a quo, à revelia do artigo 413.º do CPC;
21. E bem assim, e consequentemente, aderindo a Apelante ao entendimento do Tribunal a quo no que concerne ao valor probatório do Relatório do INML a fls… dos autos, pugna a mesma que, atento o teor do próprio Relatório, conjugado com os esclarecimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pelo perito responsável pela sua elaboração, bem como com a restante prova produzida, a medida de incapacidade atribuída à Apelada deverá ser reduzida ou excluída, com fundamento na dúvida acerca do nexo de causalidade entre esse mesma incapacidade e o sinistro dos autos, tendo em conta, entre outros, a existência de lesões de natureza congénita.
22. Ou, ainda que assim não se considere, deverá tal factualidade ser tida em conta na concreta ponderação da indemnização a título de danos morais, de acordo com os critérios, anteriormente oferecidos;
23. Sem prescindir, por último e aqui chegados, analisada a totalidade da prova nos autos resulta que a indemnização arbitrada a título de danos morais, no total de 15.000,00€ (quinze mil euros), encontra-se manifestamente desconforme com a jurisprudência dos tribunais superiores, por manifestamente exagerada.”

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Assim, são as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da sentença;
- da reapreciação da decisão relativa à matéria de facto;
- da improcedência do pedido de indemnização de danos patrimoniais;
- da duplicação dos montantes arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- do excesso do montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª instância

A) No dia 10.07.2008, cerca das 18h e 45m, ao Km 147,200 da EN ocorreu um acidente.
B) No momento do acidente estava bom tempo e o piso da via estava seco.
C) O local do acidente é uma reta com boa visibilidade.
D) Foram intervenientes no acidente o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-CX e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-IZ.
E) O veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-CX era conduzido por FF.
F) O veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-IZ era propriedade de CC e conduzido pela ora autora.
G) A autora circulava na EN, na sua faixa de rodagem, no sentido X-Y.
H) O veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-CX circulava na mesma via e faixa de rodagem, na retaguarda do veículo conduzido pela autora.
I) A autora, ao aproximar-se do cruzamento da EN com o cruzamento de Vila Nova, pretendendo mudar de direção para a sua esquerda, no sentido de Vila Nova, antes de chegar ao citado cruzamento, efetuou o sinal de mudança de direção para a esquerda e abrandou.
J) A autora, ao Km 147,200, onde pretendia mudar de direção para a sua esquerda, imobilizou a sua marcha a fim de ceder passagem aos veículos que circulavam em sentido oposto.
L) O veículo 00-00-CX, que seguia na retaguarda da autora, não imobilizou a sua marcha.
M) Ocorreu nessa altura o embate entre a parte dianteira do CX com a parte de trás do veículo 00-00-IZ.
N) A faixa de rodagem tem no local a largura de 7,20mts.
O) Na faixa de rodagem era visível, após o acidente, um rasto de travagem, depois do embate, da roda esquerda do veículo conduzido pela autora com 15,40mts.
P) E um rasto de travagem da roda direita do veículo 00-00-CX com 1,70mts e um rasto de travagem da roda esquerda com 3,90mts.
Q) Após o embate o veículo conduzido pela autora foi projetado 25mts e ficou imobilizado na faixa de rodagem por onde circulava, a 2,60mts do eixo da faixa de rodagem.
R) A responsabilidade civil resultante da circulação do veículo automóvel CX, à data do embate, encontrava-se transferida através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0001560564 para a ora ré.
S) A ré reconhece a responsabilidade do seu segurado na verificação do sinistro e ressarciu o proprietário do veículo conduzido pela A. dos prejuízos por ele sofridos.
T) A autora nasceu em 24 de Março de 1985 e é solteira.
U) Concluiu, em 30 de Setembro de 2007, o curso de Técnico Administrativo, do percurso Tipo 5, na Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico.
V) Após o acidente a autora deu entrada no serviço de urgência do Hospital Central no dia 10.07.2008, pelas 21:17 horas e teve alta no dia 11.07.2008, pelas 01:03 horas.
X) A autora em resultado do embate, sofreu perda de conhecimento fugaz e traumatismo da coluna cervical (com movimento de chicote) e lombar.
Z) A autora efetuou electromiograma e potenciais evocados dos membros superiores e inferiores em 16.06.2010.
AA) A autora efetuou ressonância magnética crânio-encefálica de 15.10.2009 a qual se revelou “ normal”.
BB) Em resultado do acidente e durante o período de internamento hospitalar e tratamentos médicos a autora sofreu dores.
1. Desde o acidente a autora padece de cefaleias, cervicalgias e lombalgias com irradiações diversas além de parestesias e diminuição da força dos membros superiores e inferiores.

2. A autora efetuou ressonância Magnética da Coluna Cervical, com imagens sugestivas de diminuição da altura do corpo de C6 e Ressonância Magnética da Coluna Lombo-Sagrada de 6.08.2010 reveladora de foco de hipersinal em T2 no cone e epicone medular.

3. A autora fez RX da Bacia (AP), RX da Coluna Cervical, nova Ressonância Magnética da Coluna Lombo-Sagrada, Ressonância Magnética da Coluna Dorsal e RX Extra-Longo da Coluna Vertebral com medição segmentar dos membros inferiores.

4. A autora submeteu-se em 27.08.2010 a um exame neurológico que revelou dor à palpação em C4/C5 e Laségue à direita a 60o.

5. Desde essa altura passou a ser seguida em consultas e a efetuar tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação.

6. A autora é empregada de balcão.

7. Tais lesões são causa de sofrimento físico e psicológico para a autora para além de inibição e sensação de diminuição física.

8. A autora, antes do acidente, era uma pessoa saudável e trabalhadora.

9. Em resultado das lesões corporais sofridas a autora foi submetida a consultas, a exames, tratamentos médicos e foi-lhe prescrita medicação, que pagou:
- Em 12-01-2009 com consulta de ortopedia a autora despendeu a quantia 60 €;

- Em 12-01-2009 com medicamentos prescritos pelo médico a autora despendeu 6,26€;

- Em 23-01-2009 com Consulta de neurologia a autora despendeu 75 €;

- Em 23-01-2009 com medicamentos prescritos pela médica a autora despendeu 14,01€;

- Em 08-05-2009 com Consulta de neurologia a autora despendeu 75 €;

- Em 15-09-2009 com despesas de deslocação com ida e volta a Lisboa ao Hospital a pedido da AA, a A despendeu 32 €;

- Em 12-10-2009 com despesas de deslocação com ida e volta a Lisboa Hospital a pedido da AA, a A despendeu 32 €;

- Em 25-11-2009 com despesas de deslocação com ida a Lisboa Hospital a pedido da AA, a A despendeu 19 €;

- Em 26-11-2009 de regresso de Lisboa a autora despendeu a quantia de 19€;

- Em 25-05-2010 com a 1ª consulta neurocirurgia a autora despendeu 35€;

- Em 02-06-2010 com RX Bacia a A despendeu 34€;

- Em 03-06-2010 com RX Coluna Cervical a A despendeu 57€;

- Em 04-06-2010 com RX Coluna Dorsal a autora despendeu 49€;

- Em 05-06-2010 com RX coluna lombar a A despendeu 49€;

- Em 06-06-2010 com TC Coluna Cervical a A despendeu 204€;

- Em 16-06-2010 com Exame neurofisiológico a autora despendeu 500€;
- Em 02-07-2010 com consulta subsequente neurocirurgia a autora despendeu 35€;

- Em 27-08-2010 com consulta subsequente neurocirurgia a autora despendeu 35€;

- Em 06-09-2010 com RX coluna vertebral a A despendeu 50€;

- Em 07-09-2010 com medição segmentar dos membros a autora despendeu 1,75€;

- Em 08-09-2010 com ressonância magnética à coluna dorsal a autora despendeu 324,22€;

- Em 24-09-2010 com consulta subsequente neurocirurgia a autora despendeu 35€.


B – O Direito

Em sede prévia, cumpre notar que, em bom rigor, as conclusões da Recorrente deveriam ser objeto de aperfeiçoamento.

Na verdade, cabe ao Recorrente indicar expressamente se pretende a revogação, modificação ou a anulação da decisão recorrida e em que concreta medida – art.º 639.º n.º 1 do CPC. “Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integral a petição inicial.”[1] Versando o recurso sobre matéria de direito, designadamente se se refere à fixação de um montante indemnizatório, ainda que com apelo à equidade, as conclusões devem contemplar a indicação do sentido em que os normativos legais deviam ter sido aplicados, a que desfecho a correta aplicação desses normativos conduziria – art.º 639.º n.º 2 al. b) do CPC.

Compulsadas as conclusões da alegação de recurso, constata-se que a Recorrente, sustentando que o valor indemnizatório fixado pelo tribunal de 1.ª instância é exagerado, não indica o valor que deve ser, então e em sede de recurso, fixado. Não especifica em que concreta medida a decisão recorrida, no que concerne à indemnização dos danos de natureza não patrimonial, deve ser modificada, nem observa, em bom rigor, o disposto no art.º 629.º n.º 2 al. b) do CPC. No entanto, dado que tais circunstâncias não implicam na rejeição do recurso, em ordem a não acarretar mais delongas, passa a conhecer-se do objeto do recurso, tal como configurado pela Recorrente.

Da nulidade da sentença

A Recorrente sustenta que a sentença padece de ilegalidade com fundamento no art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC, porquanto dá como provado que a A pagou despesas que, em sede de fundamentação, se referem como tendo sido pagas pelas testemunhas pai e namorado da Recorrida.

Ora vejamos.

Nos termos do disposto no art.º 154.º n.º 1 do CPC, “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. O art.º 205.º n.º 1 da CRP, por sua vez, determina que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Na senda deste regime legal, o art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC estatui que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Não se afigura que a sentença enferme da apontada nulidade.

O tribunal a quo considerou as despesas pagas pela A, avançando a seguinte fundamentação:
“ (…) no tocante às despesas efetuadas, ainda que possam ter sido suportadas pelo pai da autora ou pelo namorado, pelo menos em parte, os documentos constantes dos autos a fls. 33 a 53, demonstram os montantes que a Autora alega ter pago, sendo certo que não existe razão para duvidar do depoimento destas duas testemunhas, CC e DD, que foram coerentes e inteiramente credíveis, e que declararam que a autora suportou estas despesas.”

Atento o objeto do litígio, relevante era saber se as despesas foram efetuadas em benefício da A e se foram pagas por esta; nenhuma relevância assume que o dinheiro utilizado pela A para fazer face a tais pagamentos tivesse sido emprestado ou dado quer por seu pai quer pela testemunha DD com quem, conforme consta da ata de fls. 165 e ss, designadamente a fls. 167, vivia em união de facto.

Improcedem, neste âmbito, as conclusões da alegação do recurso.

Da reapreciação da decisão relativa à matéria de facto

A Recorrente sustenta que:
- a factualidade vertida no n.º 9 dos factos provados deve ser dada como não provada;
- parte da factualidade versada no n.º 8 dos factos provados deve ser dada como não provada;
- a medida da incapacidade atribuída à Recorrida deverá ser reduzida ou excluída.

Começando por este último item, desde já se consigna não se vislumbrar o sentido da pretensão da Recorrente já que, compulsado o rol dos factos provados, não se alcança que tenha sido atribuída à A qualquer medida de incapacidade; consta apenas uma alusão a incapacidade de 2 pontos em sede de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, mas sem reflexo na matéria de facto dada como provada. Ainda que assim não fosse, sempre resultaria rejeitado o recurso, neste âmbito, na medida em que a Recorrente não cumpriu a especificação enunciada na al. a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.

No que respeita ao facto n.º 9 dos factos provados, o mesmo apresenta o seguinte teor: “Em resultado das lesões corporais sofridas a autora foi submetida a consultas, a exames, tratamentos médicos e foi-lhe prescrita medicação, que pagou:
(…)”

A Recorrente alude aos depoimentos prestados pelas testemunhas pai da A e de DD, que vivia com a A em união de facto[2], que transcreve na motivação da sua alegação do recurso. De tais depoimentos alcança-se que, efetivamente, o pai da A referiu que quando tinha possibilidades emprestava ou dava dinheiro à A; o seu companheiro referiu que ela estava desempregada e que tinha de ser ele a ajudar nessas funções, nas despesas, os pagamentos eram da sua parte.

Ora, como já se deu conta supra, a circunstância de as despesas, aliás documentadas nos autos, em que incorreu a A terem sido pagas com dinheiro obtido pela A do seu pai por empréstimo ou doação, ou com dinheiro disponibilizado por aquele com quem vivia em união de facto, não contende com a perda patrimonial suportada pela A para fazer face a tais despesas. Estão em causa consultas, medicamentos, meios complementares de diagnóstico, transportes que implicaram em despesas a suportar pela A, e não já pela Recorrente, e que foram pagas por si ou por sua conta, sendo irrelevante a proveniência dos fundos aplicados na liquidação das mesmas despesas.

Compulsada toda a prova produzida quanto a esta matéria factual, designadamente a prova documental, inexiste fundamento legal para dar provimento à pretensão da Recorrente.

O n.º 8 dos factos provados, por seu turno, estabelece o seguinte: “A autora, antes do acidente, era uma pessoa saudável e trabalhadora.” A Recorrente invoca que deve dar-se como não provado que a A era, antes do acidente, uma pessoa saudável, já que a prova produzida é unânime quanto a lesões de natureza congénita que a A registava mesmo antes do acidente.

De facto, assim é.

O vocábulo saudável consiste num adjetivo que significa que goza de boa saúde, física ou mental[3], que tem saúde, robusto, forte.[4] Ora, do exame médico realizado no INML e dos esclarecimentos prestados pelo perito resulta que a A tem lesões de natureza congénita (cervicalgia, fusão na C7 e C8); a fisioterapeuta GG afirmou que a A padecia já de escoliose; EE, médico de família da A, afirmou que a A sofria de renite alérgica, asma, ansiedade e ataques de pânico, e registava lesões congénitas (escoliose e lordose, fusão parcial entre a C7 e D1).

Compulsados, pois, todos os elementos probatórios, cabe concluir assistir, neste âmbito, razão à Recorrente pelo que se impõe reconduzir ao rol dos factos não provados o seguinte facto: “A autora, antes do acidente, era uma pessoa saudável”.

Da improcedência do pedido de indemnização de danos patrimoniais

A Recorrente pugnava pela improcedência da indemnização atinente às despesas apresentadas por a A por entender ser de considerar não provado que a A as tivesse pago. Atento o que se decidiu nessa matéria, é manifesto que inexiste fundamento para revogar a sentença recorrida no que concerne à condenação da R a reembolsar a A das despesas efetuadas com os itens descritos no n.º 9 dos factos provados.

Improcedem, pois, neste âmbito as conclusões da alegação do recurso.

Da duplicação dos montantes arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais

A Recorrente considera que a indemnização a título de ressarcimento de dano não patrimonial, que globalmente ascende à quantia de €15.000, é exagerada, atentos os factos resultantes da prova produzida. Para além disso, ocorreu dupla valoração do dano não patrimonial, ao atribuir-se indemnização de €5.000 na vertente de quantum doloris e de €10.000 na vertente do dano biológico, ambos apontados como danos não patrimoniais. Certo é que, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a A peticionou uma só verba, a quantia de €25.000.

Ora vejamos.

O pedido foi formulado pela A nos seguintes termos:
- €50.000 a título de indemnização dos lucros cessantes;
- €1.741,24 a título de indemnização de danos emergentes;
- €25.000 a título de indemnização dos danos morais.

A sentença recorrida condenou a R nos seguintes termos:
- €1.741,24 a título de danos patrimoniais;
- €10.000 a título de danos não patrimoniais, na vertente dano biológico;
- €5.000 a título de danos não patrimoniais, na vertente quantum doloris.

Na sentença recorrida fez-se apelo à circunstância de o tribunal não estar condicionado aos limites dos pedidos parciais, apenas e só ao valor global dos pedidos – art.º 661.º do CPC. Por outro lado, o tribunal não está sujeito à qualificação jurídica atribuída pelas partes – art.º 5.º n.º 3 do CPC.

Ora, analisada a fundamentação jurídica constante da sentença recorrida, constata-se que se considerou dano biológico, ali caraterizado como dano de natureza não patrimonial, a factualidade em que a A alicerçou o seu pedido de indemnização por lucros cessantes. Vejam-se, entre outras, as seguintes passagens exaradas sob o título “Dano biológico”:
“(…) cabe agora apurar os danos resultantes da desvalorização da capacidade física, o dano futuro.
Assim, teremos que aferir do capital produtor de um rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior à lesão e a actual até final desse período de tal modo que, atingido tal termo, aquele capital igualmente se esgote, tudo tendo por referência a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (I.P.G.) de 2 pontos.
A incapacidade permanente relativa às actividades gerais (Incapacidade Permanente Geral), corresponde à afectação definitiva da integridade física e psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, sendo independente das actividades profissionais.
(…)
Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre comportará para o lesado um esforço suplementar para o exercício de qualquer actividade humana e uma diminuição da sua qualidade de vida futura.
Assim sendo, nesta perspectiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permamente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional.
Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido, quando o lesado não exerce actividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
(…)”, (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 4.6.2013, processo 2092/11.8T2AVR.C1, Relatora: Maria Inês Moura, in www.dgsi.pt).
(…)
Ora, em sede de danos sofridos pela desvalorização da capacidade física, onde se incluem os benefícios que a lesada deveria ter obtido e deixou de obter em consequência do facto danoso, não poderemos esquecer que o recurso à TNI não é mais que um mero elemento coadjuvante pois, se não se entender desta forma, estaremos a esquecer o normativo do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil e, nomeadamente, que o montante de tais danos deve ser fixado equitativamente pelo tribunal dentro dos limites que tiver por provados.
(…)
A solução de equidade não poderá todavia significar a evitar o puro arbítrio e, deverá seguir as soluções da jurisprudência, de molde a conseguir critérios o mais possíveis conformes, com princípios de justiça, igualdade e proporcionalidade.
Assim, nesse julgamento de equidade não podem deixar de se considerar circunstâncias tais como a expectativa de duração de vida da vítima, a sua expectativa de progressão na carreira profissional e ainda a flutuação do valor da moeda ou inflação, designadamente. Com efeito, tais critérios, não obstante indiciários e de referência, visam propiciar a atribuição de uma indemnização adequada a ressarcir a perda de vida laboralmente activa da vítima.
Apurou-se, nos presentes autos, que a autora teve perda de conhecimento fugaz e fez um movimento de chicote da cervical e lombar. Desde o acidente a A. passou a padecer de cefaleias, cervicalgias e lombalgias com irradiações diversas além de parestesias (sensação de adormecimento nos membros direitos) e sensação de diminuição da força do membro superior do mesmo lado.
De forma mais agravada desde o acidente, passou a padecer de dores e falta de força nos membros superiores e inferiores e passou a ser seguida em consultas e tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação desde Fevereiro de 2009.
Embora a lesão corporal causada pelo acidente não impeça a Autora de exercer a sua actividade profissional é causa de sofrimento físico e psicológico. Uma vez que a A., anteriormente pessoa trabalhadora, saudável e alegre, passou a padecer de dores físicas que lhe limitam os movimentos.
Tinha 23 anos à data do acidente, não se apurou o seu vencimento e é empregada de balcão.
Atendendo a que não se apurou o vencimento da Autora à data do acidente mas apenas que trabalhava como secretária num escritório e que esteve desempregada cerca de 6 meses e que trabalha actualmente como empregada de balcão num café, e sobretudo que tinha apenas 23 anos à data do acidente, considera-se adequado segundo um juízo de equidade fixar a indemnização na quantia de € 10.000.00 (dez mil euros).”

Resulta nitidamente das passagens citadas que, neste caso concreto, em virtude de as lesões decorrentes do acidente não implicarem perda de capacidade de ganho para a A, se caraterizou como dano biológico, de natureza não patrimonial, os danos invocados pela A como fundamento do pedido de indemnização pelo valor de €50.000.

O que, aliás, está em consonância com as posições que vêm sendo tomadas nesta matéria.

Nas palavras do Sr. Conselheiro Salvador da Costa[5], “o dano corporal traduz-se na alteração negativa do estado de integridade psicofísica da pessoa humana.
A sua reparação traduz-se, em regra, na fixação de uma indemnização ou compensação, em virtude da impossibilidade da plena restituição do lesado ao estado anterior à lesão.
Como o dano corporal direto propriamente dito, pela sua natureza imaterial, é insuscetível de avaliação pecuniária, salvo por ficção legal, porque não atinge o património do lesado, a conclusão é a de dever ser qualificado como não patrimonial.
Isto é assim exatamente porque se trata de ofensa de bens de caráter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, como é o caso da vida, da integridade física, da saúde, do equilíbrio psíquico ou da correção estética.
Em regra, pois, o seu reflexo no lesado é subjetivo, porque se traduz em dor ou sofrimento de natureza física, psíquica ou moral, não raro exteriorizados por via de tristeza, angústia ou desinteresse pelas coisas da vida - Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 1997, páginas 376 a 378.
(…)
Muitas são as vítimas de dano corporal que não têm atividade profissional, ou porque já estão em situação de reforma, ou porque estão desempregadas, ou porque ainda estão no âmbito da formação prévia à entrada no mercado de trabalho.
Nestas situações, assaz difícil seria calcular a indemnização por dano corporal no quadro dos danos patrimoniais, designadamente no dos danos futuros, por não haver para o efeito referenciais de facto relativos à perda de rendimento.
Isto ocorre no caso das já referidas pequenas incapacidades, que a perícia médica vem designando por incapacidades genéricas.
(…)

A partir de 2004 começaram as referidas incapacidades a ser apelidadas por dano biológico – para mim dano corporal - que a jurisprudência passou a utilizar até ao presente.

Nessa perspetiva, tem-se considerado que se o lesionado ficar a padecer, até ao fim da vida, de incapacidade funcional ao nível das atividades que exijam esforço e boa mobilidade dos membros inferiores ou superiores, isso se consubstanciava nessa espécie de dano.

Nessa linha, passou a jurisprudência a decidir que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justificava a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se impusesse a título de dano não patrimonial.

É uma consideração que assenta na ideia de que a incapacidade permanente é suscetível, em abstrato, de diminuir a potencialidade de ganho do lesado ou de implicar acrescido esforço para manter os mesmos níveis de ganho.

(…)

Nestes casos, porque não há referenciais de facto que justifiquem a atribuição de indemnização por danos patrimoniais presentes ou futuros, a solução que resulta da lei é a de que os lesados devem ser compensados pelo dano corporal no quadro do dano não patrimonial.”

Em temos jurisprudenciais, referimos aqui, entre muitos outros, o AC STJ de 8 de setembro de 2009 (Recurso n.º 17/09.0T2AND.S1-1) que considerou, por um lado, que o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E, por outro, que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.

No Ac. STJ de 27 de outubro de 2009 (Recurso n.º 560/09.0YFLSB -1.ª), o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. Ali é entendido que a mera necessidade de um maior dispêndio e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade - paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.

Resulta do que se deixa exposto que inexiste duplicação na indemnização arbitrada pelo tribunal a quo: a verba de €10.000 destina-se a compensar a A de um dano que é diverso daquele que é compensado pela verba de €5.000, sendo certo que ambos foram invocados pela A

Do excesso do montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A Recorrente considera exagerada a quantia global de €15.000 fixada para compensar a A dos danos de natureza patrimonial provados.

Importa desde já salientar que, efetivamente, em sede de apreciação e valoração jurídica, apenas cabe levar em linha de conta os factos constantes do rol dos factos provados. A sentença deve contemplar os factos que resultem provados da instrução da causa, a par daqueles que estejam admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito (art.º 607.º n.º 4 do CPC). Porém, esses factos são de conduzir aos factos dados como provados (art.º 607.º n.º 3 do CPC), sobre estes incidindo a apreciação jurídica pertinente ao caso, com a aplicação das normas jurídicas que, em face do teor desses factos provados, sejam chamadas à colação (art.º 607.º n.º 3 do CPC).

Donde, para aferir o montante adequado a ressarcir a A dos danos sofridos, apenas cabe atender aos factos provados, e não a considerações que eventualmente constem de elementos probatórios[6] mas sobre os quais o tribunal a quo decidiu não os incluir nos factos provados.

Atento o disposto no art.º 496.º n.º 3 1.ª parte e 494.º do CC, importa levar a cabo um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas do caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.

São os seguintes os factos provados a considerar:
- a autora nasceu em 24 de Março de 1985 e é solteira;
- concluiu, em 30 de Setembro de 2007, o curso de Técnico Administrativo, do percurso Tipo 5, na Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico;
- após o acidente a autora deu entrada no serviço de urgência do Hospital Central no dia 10.07.2008, pelas 21:17 horas e teve alta no dia 11.07.2008, pelas 01:03 horas;
- a autora em resultado do embate, sofreu perda de conhecimento fugaz e traumatismo da coluna cervical (com movimento de chicote) e lombar;
- a autora efetuou electromiograma e potenciais evocados dos membros superiores e inferiores em 16.06.2010;
- a autora efetuou ressonância magnética crânio-encefálica de 15.10.2009 a qual se revelou “normal”;
- em resultado do acidente e durante o período de internamento hospitalar e tratamentos médicos a autora sofreu dores;
- desde o acidente a autora padece de cefaleias, cervicalgias e lombalgias com irradiações diversas além de parestesias e diminuição da força dos membros superiores e inferiores;
- a autora efetuou ressonância Magnética da Coluna Cervical, com imagens sugestivas de diminuição da altura do corpo de C6 e Ressonância Magnética da Coluna Lombo-Sagrada de 6.08.2010 reveladora de foco de hipersinal em T2 no cone e epicone medular;
- a autora fez RX da Bacia (AP), RX da Coluna Cervical, nova Ressonância Magnética da Coluna Lombo-Sagrada, Ressonância Magnética da Coluna Dorsal e RX Extra-Longo da Coluna Vertebral com medição segmentar dos membros inferiores;
- a autora submeteu-se em 27.08.2010 a um exame neurológico que revelou dor à palpação em C4/C5 e Laségue à direita a 60º;
- desde essa altura passou a ser seguida em consultas e a efetuar tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação;
- a autora é empregada de balcão;
- as lesões de que padece desde o acidente são causa de sofrimento físico e psicológico para a autora para além de inibição e sensação de diminuição física;
- a autora, antes do acidente, era uma pessoa trabalhadora.

Tendo em conta este concreto enquadramento fático, aplicando um juízo de equidade em que são ponderados os itens supra referidos, afigura-se adequado indemnizar a A pelo denominado dano biológico pela quantia de €7.500 (sete mil e quinhentos euros) e pelo dano não patrimonial relativo a dores, sofrimentos, angústias, inibição pessoal pela quantia de €3.000 (três mil euros). O que perfaz o montante indemnizatório global de €10.500 (dez mil e quinhentos euros).

Tais quantias são fixadas por referência à presente data[7].

Procede, pois, neste âmbito, o recurso em apreço.


IV – DECISÃO

Por todo o exposto, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que:
- vai alterada a sentença recorrida no que concerne ao facto provado sob o n.º 8;
- vai revogada a sentença recorrida no que concerne às indemnizações arbitradas a título de dano biológico e de quantum doloris, passando a condenar-se a Recorrente a pagar à A a quantia de €10.500 (dez mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial,
Mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento.

Registe e notifique.

*

Évora, 30 de novembro de 2016



Isabel de Matos Peixoto Imaginário


Maria da Conceição Ferreira


Mário António Mendes Serrano

__________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, p. 131.
[2] V. ata de fls. 167.
[3] V. www.priberam.pt;
[4] V. www.infopedia, pt.
[5] Caraterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, Preleções do CEJ, ano 2010.
[6] O apontado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, o quantum doloris de 2/7, o trabalho de secretária da A, a situação de desemprego desta.
[7] V. Ac. STJ n.º 4/2002.