Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
122/16.6T8CBA-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O art. 794º, nº 3, do C.P.C. faculta ao exequente uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado em outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando o seu crédito no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado na execução por si interposta e indica outros em sua substituição.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 122/16.6T8CBA-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) deduziu oposição à penhora nos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu Caixa Geral de Depósitos, S.A., com fundamento, em síntese, na penhorabilidade subsidiária do seu vencimento, atento existir um bem com garantia real (hipoteca), face ao valor atribuído ao imóvel aquando da celebração do contrato de mútuo com hipoteca, e, subsidiariamente, na inadmissibilidade da extensão da penhora do vencimento atento o limite atribuído pelo Agente de Execução à penhora de vencimento de € 49.516,68, sem se ter atendido ao valor do imóvel penhorado, e à circunstância da penhora de 1/3 de vencimento pôr em causa a subsistência do seu agregado familiar.
A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição à penhora, esclarecendo ainda que, por requerimento tempestivamente apresentado, reclamou créditos no âmbito do processo de execução fiscal que corre termos pelo Serviço de Finanças da Vidigueira sob o nº 0337200901000640 relativamente ao imóvel penhorado.
De seguida veio a ser proferida decisão, a qual julgou procedente a oposição à penhora apresentada e, em consequência, ordenou o levantamento da penhora de vencimento do executado, efectuada em 02/05/2017.

Inconformada com tal decisão dela apelou a exequente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I – Aos presentes autos é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 735º e nº 1 do artigo 752º do CPC.
II – Com efeito, os autos iniciaram-se pela penhora do imóvel dado como garantia do bom cumprimento do contrato de crédito hipotecário, sendo que sobre o mesmo já impendiam penhoras prévias da Fazenda Nacional o que levou à sua sustação, e cujo valor patrimonial em 2015 era de € 26.220,00.
III – Como tal, e de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 735º e nº 2 do artigo 752º do CPC, o exequente requereu o prosseguimento da acção executiva para penhora de outros bens, por manifesta insuficiência do valor do bem com garantia real.
IV – Na verdade, mesmo com a venda judicial do imóvel, o valor que resulte de tal venda não será suficiente para pagamento da totalidade do débito em dívida à Exequente.
V – Pelo que haverá assim lugar à penhora de outros bens de acordo com o estatuído nos artigos 735º, nº 3 e 752º, nº 1, pelo que foi e bem, penhorado pelo Senhor Agente de Execução a parte disponível do vencimento do Executado.
VI – Não assiste assim qualquer razão à sentença recorrida ao fundamentar a procedência do apenso de oposição à penhora invocando para tanto que a Recorrente pretende fazer-se valer dos dois processos para ser ressarcida dos valores que legitimamente reclama.
VII – Na verdade, apenas a insuficiência manifesta do valor que irá resultar da venda do imóvel para liquidação do débito em dívida, levou a que a Recorrente requeresse ao Senhor Agente de Execução o prosseguimento dos autos para penhora de outros bens.
VIII – A sentença de que se recorre viola o disposto nos artigos 735º, nº 3, do CPC e 752º, nº 1, do mesmo diploma legal, devendo assim ser substituída por outra que decida pela improcedência da oposição à penhora.
IX – Devendo assim ser revogada e em consequência ser também revogada a decisão de extinção do apenso de oposição à penhora.
X – Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, como é de lei e de Justiça.
Pelo executado, ora opoente, foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela exequente, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se, uma vez sustada a execução, nos termos do disposto no art. 794º, nº 1, do C.P.C. (pluralidade de execuções sobre o mesmo bem), e não desistindo a exequente da penhora relativamente ao bem em causa, podia a exequente, mesmo assim, prosseguir a execução com a penhora de outros bens.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Em 25/07/2008 o ora Oponente constitui-se fiador de (…) e (…), no âmbito do acordo celebrado com o Exequente da entrega do montante de € 45.000,00, tendo (…) e (…) declarado constituir hipoteca sobre o prédio urbano destinado a habitação sito na Estrada Nacional (…), lote (…), em Vidigueira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vidigueira com o número (…), da freguesia de Vidigueira, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…), da referida freguesia, ao qual atribuíram o valor de € 140.000,00.
2. No âmbito dos autos principais, o Agente de Execução em 17/10/2016, procedeu à penhora do referido prédio urbano, tendo-lhe atribuído o valor de € 26.220,00, atenta a indicação efectuada pelo Exequente no requerimento executivo.
3. No auto de penhora respectivo, o Agente de Execução fez constar as seguintes observações: “O valor indicado corresponde ao valor patrimonial actual (CIMI). No momento de elaboração do presente auto encontra-se a verba penhorada onerada por penhora anterior registada pela Ap. (…) de 2014/01/13 à ordem do processo de execução fiscal n.º 0337200901000640 e aps., a correr no Serviço de Finanças de Vidigueira, em que é exequente a Fazenda Nacional. Pelo que, pendendo neste momento mais de uma execução sobre este bem, sustam-se, quanto a este, os termos da presente execução, conforme disposto no artigo 794.º do C.P.C
4. O Exequente reclamou créditos no âmbito do processo acima referido.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela recorrente importa dizer a tal respeito que, em situação idêntica ou similar à destes autos, veio a pronunciar-se o Ac. da R.L. de 9/10/2014, disponível in www.dgsi.pt, adiantando-se desde já que sufragamos, por inteiro, as razões e fundamentos aí devidamente explanados, os quais passamos a transcrever:
- (…) Não se vislumbra fundamento em dar acolhimento à tese da apelante, ao abrigo do art.º 752º, nº 1 e/ou art.º 794º, ou seja, que sustada a execução, em virtude de penhora anterior, não há qualquer obstáculo ao prosseguimento da execução com a penhora de vencimento da executada porquanto a exequente teria demonstrado a insuficiência do imóvel para cumprir o fim da execução.
Com efeito, o que se estatui no artº 752º, nº 1, é a possibilidade de, no âmbito do processo em que a penhora se iniciou em bens sobre que incide garantia real, se se constatar, nesse processo, “a insuficiência deles para garantir a execução”, então a penhora pode recair noutros bens. Ora, a eventual insuficiência do bem penhorado (invocada pela exequente) não é em resultado apenas da sua insuficiência para o pagamento peticionado na execução, mas antes (como a própria exequente alega) da sua insuficiência para pagar o valor executado no processo de execução fiscal (onde foi primeiro penhorado) e nestes autos.
Por outro lado, o que deve entender-se por “insuficiência [do bem dado em garantia real e penhorado] para garantir a execução”?
Não pode ser apenas um mero juízo formulado pelo exequente, com base em considerações/juízos/argumentos da exequente, como as constantes da conclusão V das alegações ou similares, assim como “não basta a avaliação desses bens: é indispensável que eles tenham sido excutidos”, conforme doutrina de Eurico Lopes Cardoso, em anotação ao preceito similar (cfr. art.º 835º) do anterior CPC – In Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1987, pág. 404.
Ora, o bem penhorado em causa não foi ainda vendido, pelo que os juízos de valor da exequente sobre a sua insuficiência serão insuficientes para justificar a aplicabilidade do art.º 752º, nº 1, em causa.
Acresce que, salvo melhor opinião, o art.º 794º não pode interpretar-se nos termos invocados pela apelante, ou seja, a execução ficaria sustada em relação ao bem penhorado (está ainda subjacente à tese da apelante que não obstante tal suspensão reclamaria o seu crédito no processo onde o bem foi inicialmente penhorado) mas poderia prosseguir, sem qualquer óbice, relativamente a outros bens. Nesta tese o nº 3 do art.º 794º ficaria sem qualquer conteúdo útil, pois o exequente nunca precisaria de desistir da penhora relativamente aos bens apreendidos no outro processo, para indicar outros em sua substituição.
Afigura-se-nos antes que o art.º 794º e especialmente o seu nº 3 faculta ao exequente é uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar o seu crédito; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado e indica outros em sua substituição.
Compreende-se facilmente que assim seja pois como refere Lopes Cardoso “o nº 1 do art.º 871º [correspondente ao actual nº 1 do art.º 794º] só consente que se reclame numa execução o crédito objecto doutra, desde que esta seja sustada. Antes disso, haveria até litispendência” – cfr. ob. citada, pág. 530. Com a consequência inerente, acrescentaremos nós, ou seja, o exequente poder obter o pagamento duplamente.
Os princípios da celeridade e utilidade processuais invocados (…) em nada serão postos em causa, cabendo apenas ao exequente optar pela solução processual que, em seu entender, melhor os satisfaça. Não podem é ser alcançados a qualquer custo, nomeadamente com a eventualidade de ser obtido o pagamento duplamente.
Em resumo, o despacho em causa não violou as disposições legais invocadas pela apelante e assim, improcedendo as alegações, é de manter o despacho recorrido.

No mesmo sentido do acórdão supra transcrito vejam-se ainda, entre outros, o Ac. da R.L. de 7/5/2009 e o Ac. da R.C. de 27/6/2000, também disponíveis in www.dgsi.pt (a propósito da interpretação do art. 871º do C.P.C. anterior, ao qual veio a corresponder o art. 794º do actual C.P.C.).
Acresce que, o entendimento sufragado no aresto que acabamos de transcrever – no que tange à interpretação do art. 794º, nºs 1 e 3, do C.P.C. (a que corresponde o art. 871º do C.P.C. anterior) – também não tem suscitado quaisquer dúvidas por parte da doutrina que sobre este assunto se tem debruçado. Assim, apontam-se, a título de exemplo, Alberto dos Reis, in C.P.C. anotado, ed. 1982, vol. 2º, pág. 287, Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 2ª ed., pág. 210, Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, pág. 334 e Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, pág. 210.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela exequente, ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- O art. 794º, nº 3, do C.P.C. faculta ao exequente uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado em outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando o seu crédito no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado na execução por si interposta e indica outros em sua substituição.
- Os princípios da celeridade e utilidade processuais em nada serão postos em causa, cabendo apenas ao exequente optar pela solução processual que, em seu entender, melhor os satisfaça. Não podem é ser alcançados a qualquer custo, com reclamação do crédito no processo onde o bem foi primeiro penhorado e, simultaneamente, prosseguimento da execução relativamente a outros bens, com a eventualidade de ser obtido o pagamento duplamente.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela exequente, confirmando-se inteiramente a decisão proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela exequente, ora apelante.
Évora, 22 de Março de 2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).