Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1422/21.9T8LLE-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: EMPREITADA
CAUSA DE PEDIR
AMPLIAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – É complexa a causa de pedir que consiste na celebração de um contrato de empreitada entre as partes, na execução defeituosa da obra pelo empreiteiro e nos prejuízos daí resultantes para o dono da obra.
2 – Integram a referida causa de pedir os concretos defeitos da obra alegados pelo dono desta, pelo que a alegação superveniente de outros defeitos implica uma ampliação da mesma causa de pedir.
3 – Essa ampliação da causa de pedir, com a concomitante ampliação do pedido, pode ser efectuada através de articulado superveniente, uma vez verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 588.º do CPC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1422/21.9T8LLE-A.E1

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(…) – Construção e Engenharia, Lda., propôs uma acção declarativa com processo comum contra Condomínio do Prédio denominado por Lote (…) – Parque (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhe as quantias de € 6.695 e € 7.295,77, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 23.12.2020 até efectivo e integral pagamento. A autora alegou, em síntese, que celebrou um contrato de empreitada em execução do qual efectuou obras de reabilitação no prédio do réu e que este não lhe pagou a totalidade das quantias devidas.

O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção. Deduziu ainda reconvenção, pedindo, nesta sede, o seguinte: 1) A condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 11.992,25, a título de indemnização por resolução contratual ilícita, acrescida de juros à taxa legal em vigor até efectivo pagamento; 2) Caso assim não se entenda, a condenação da autora a reconhecer e a reparar os defeitos, em prazo útil que se deve fixar em não mais de 30 dias; 3) Caso assim não aconteça, a condenação da autora a pagar o valor necessário à reparação por terceiro, na quantia que resultar provada nestes autos, acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor; 4) Que lhe seja reconhecido o direito à excepção de não cumprimento da sua prestação, com as legais consequências; 5) Que seja descontado, ao preço total da empreitada, o valor de € 6.352,32 por aplicação da cláusula XVI do contrato; 6) Ainda que o pedido da autora venha a ser julgado procedente, total ou parcialmente, seja reconhecida e realizada a devida compensação dos eventuais créditos da autora com os seus próprios créditos sobre esta, com as legais consequências. Na contestação/ reconvenção, o réu alegou os defeitos que, no seu entendimento, a obra executada pela autora apresenta.

A autora replicou.

Em 20.01.2022 e 02.02.2022 realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova. A reconvenção foi admitida. A audiência final foi agendada para o dia 20.04.2022.

Em 14.03.2022, a ré, invocando o disposto nos artigos 588.º, n.º 1, e 265.º, n.º 2, do CPC, apresentou um articulado superveniente mediante o qual, alegando a existência de mais defeitos da obra, ampliou o pedido reconvencional acima reproduzido sob o n.º 1, no sentido de a quantia que a autora deve ser condenada a pagar-lhe passar a ser de € 58.845,65, acrescida de juros à taxa legal em vigor até efectivo pagamento. Acrescentou que “todo o pedido deduzido em reconvenção” deverá ser “tido como estendido aos factos alegados neste articulado, designadamente no que se refere às patologias agora identificadas”.

O tribunal proferiu despacho de indeferimento liminar do articulado superveniente, que transcrevemos na parte relevante para a decisão do recurso:

“Do ponto de vista formal, podem não existir diferenças entre a ampliação do pedido requerida ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC e o incidente regulado no art. 588.º do mesmo diploma legal, uma vez que ambos revestem a forma de articulado novo, alheio ao processamento normal, no entanto, substancialmente existem diferenças entre as duas figuras.

Quando a ampliação do pedido importe a alegação de factos novos, podem estes ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do artigo 588.º do CPC, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito.

Por seu turno, nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, também pode haver lugar à ampliação do pedido inicial, até ao encerramento da discussão em primeira instância, quando tal ampliação “for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Ora, no caso dos autos o Réu/Reconvinte invocou ter tido conhecimento, na sequência de contactos de condóminos, de novos defeitos, que descreve em artigo 4.º do seu requerimento e que aqui se dão por reproduzidos, sustentando que tais patologias são consequência da não execução completa e sem vícios das obrigações assumidas pela Autora, cuja reparação ascende a € 40.920,00, acrescido de IVA, e conclui pela ampliação do pedido reconvencional no sentido de a Autora ser condenada a pagar, além do inicialmente peticionado, a quantia de € 46.853,40.

A audiência prévia teve lugar no dia 20.01.2022, e, resulta das regras da lógica e da experiência comum, os defeitos alegados, pela sua natureza, não surgiram no período de cerca de um mês entre a data dessa diligência e a data que, alegadamente, deles teve conhecimento, pelo que a superveniência em causa apenas poderá ser subjectiva, como aliás resulta do teor do requerimento.

Invocando a parte a superveniência subjectiva do facto, como é o caso dos autos, deve ser alegado quando é que tomou conhecimento do mesmo, sendo necessário fazer prova dessa superveniência, o que pressupõe a respectiva alegação, devendo a prova ser oferecida com o articulado (cfr. n.º 5 do artigo 588.º do CPC). Ou seja, a admissibilidade da superveniência subjectiva exige a prova do desconhecimento dos factos. A parte deve apresentar no processo as razões pelas quais só depois dos prazos normais para a alegação dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que estejam em causa é que teve conhecimento dos factos, apresentando a prova dessas razões.

E, além de ter de fazer prova da superveniência, o articulado deve ser rejeitado ainda quando a apresentação tardia seja imputável à parte, ou seja, quanto tudo aponte (por exemplo, em razão, pela sua própria natureza, da sua respectiva facilidade de acesso e/ou apreensão pela parte) para que não tenha a mesma cuidado e diligenciado no sentido de obter o pertinente facto atempadamente (…).

Ora, no caso dos autos, o Réu/Reconvinte veio invocar novos defeitos, que imputa à má-execução da obra por parte da Autora/Reconvinda, alegando que foram revelados e/ou identificados e comunicados recentemente à administração, na sequência de contactos dos condóminos e de exame que mandou realizar por perito.

Contudo, além de não indicar prova dessa superveniência subjectiva (o que por si só já implica a rejeição) também, atenta a natureza e ostensividade dos alegados defeitos (bastando para tal analisar as fotografias do relatório feito, as quais foram tiradas do exterior em zona acessível a todos), tudo aponta para que, apenas por falta de diligência, a verificarem-se, aqueles defeitos não foram trazidos aos autos no momento próprio, sendo que, necessariamente, pelo menos, à data da audiência prévia já se verificariam.

Não se verificam, pois, os pressupostos de que a lei, no artigo 588.º do CPC, faz depender a admissibilidade do articulado superveniente.

Por outro lado, atenta a forma como se encontra configurado, o requerimento em causa não configura uma mera ampliação do pedido, nos termos regulado no artigo 265.º, n.º 2, do CPC.

Com efeito, a ampliação do pedido (por acrescentamento de outro, da mesma natureza ou não) pelo Autor ou pelo Reconvinte, apesar de ser admissível até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, implica que essa ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, o que não se verifica no caso dos autos, uma vez que o pedido ora deduzido assenta em novos factos/defeitos diferentes dos inicialmente alegados. E, por esse motivo, não é passível de convolação por parte do Tribunal (artigo 193.º, n.º 3, do CPC).


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Em suma, o Réu/reconvinte apresentou articulado superveniente alegando ter tido conhecimento de novos defeitos e pedindo a ampliação do pedido em conformidade, no sentido de, além do valor já peticionado inicialmente, seja a Autora/reconvinda condenada a pagar o montante indemnizatório correspondente ao custo da sua reparação.

Além de não indicar prova dessa superveniência, o articulado foi apresentado fora de tempo, por culpa da mesma.

Tal constitui fundamento de rejeição liminar daquele articulado, o que se decide.


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Por outro lado, o requerimento apresentado não é passível de convolação para a ampliação do pedido a que se refere o artigo 265.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o pedido que o Réu/Reconvinte pretende introduzir não é o mero desenvolvimento ou consequência do pedido inicial.

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Em face do exposto, indefiro liminarmente o articulado superveniente apresentado pelo Réu/reconvinte com a ref.ª 9881573, em que requereu a ampliação do pedido, determinando o seu desentranhamento dos autos e dos documentos que o acompanham, com a consequente devolução ao apresentante.”

O réu interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Nos autos recorridos a recorrente em sede de reconvenção veio alegar, em suma, que a autora, após mora na entrega da obra, resolveu injustificada e, portanto, ilicitamente o contrato, deixado a obra inconclusa e imperfeita, o que corresponde a um dano que cumpre à autora reparar em sede de responsabilidade civil.

II. Subsidiariamente, a recorrente peticiona, entre outros, a reparação dos defeitos/danos alegados pela autora, na mera eventualidade de não se vir a considerar ilícita a resolução contratualmente operada.

III. Por meio de articulado superveniente apresentado em 14.03.2022, quando já se mostrava ordenada a perícia aos alegados danos mas ainda distava dois meses da data em que a mesma viria a ser realizada, a recorrente reconvinte veio, com fundamento expresso no artigo 265.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, requerer que o pedido vertido na alínea b) da reconvenção seja ampliado no sentido de no mesmo passar a constar “seja a autora condenada a pagar ao réu o valor de € 58.845,65” (€ 11.992,25 + € 46.853,40) a título de indemnização por resolução contratual ilícita, acrescida de juros à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento; (…)”; e que todo o pedido deduzido em reconvenção seja tido como estendido aos factos alegados neste articulado, designadamente no que se refere às patologias agora identificadas.”

IV. E assim, por meio do articulado em causa, o recorrido condomínio mantém todo o seu pedido, limitando-se a pedir a ampliação do pedido inicial vertido na alínea b) de € 11.992,25 para € 58.845,65, correspondendo o acréscimo peticionado ao valor estimado de danos identificados por exame técnico ao edifício datado de 17.02.2022, os quais se listaram no articulado em causa.

V. O despacho recorrido rejeitou e mandou desentranhar o articulado em causa, desde logo porque considerou que “os defeitos alegados, pela sua natureza, não surgiram no período de cerca de um mês entre a data dessa diligência (referindo-se à audiência prévia em 20.02.2022) e a data que, alegadamente, deles teve conhecimento, pelo que a superveniência em causa apenas poderá ser subjectiva, como aliás resulta do teor do requerimento.”

VI. Continua o douto despacho: “invocando a parte a superveniência subjectiva do facto, como é o caso dos autos, deve ser alegado quando é que tomou conhecimento do mesmo, sendo necessário fazer prova dessa superveniência, o que pressupõe a respectiva alegação, devendo a prova ser oferecida no articulado (cfr. n.º 5 do artigo 588.º do CPC).

VII. Concluindo-se no despacho “além de não indicar prova dessa superveniência subjetiva (o que só por si já implica a rejeição) também, atenta a natureza e ostensividade dos alegados defeitos, tudo aponta para que, apenas por falta de diligência, a verificarem-se, aqueles não foram trazidos aos autos em momento próprio, sendo que, pelo menos, à data da audiência prévia já se verificariam. Não se verificam, pois, os pressupostos de que a lei, no artigo 588.º do CPC, faz depender a admissão do articulado superveniente”.

VIII. Com todo o respeito pelo tribunal a quo, não podemos concordar quer com a conclusão citada, quer com as premissas que a suportaram.

IX. Por um lado, os danos invocados têm natureza técnico-científica, o que determina que a prova adequada dos mesmos possa e deva ser realizada por perícia técnica, juízo que esteve certamente na base de a mesma ter sido admitida e ordenada no caso sub judice quanto a defeitos da mesma natureza alegados em reconvenção.

X. O resultado da perícia vincula legalmente o julgador porque o legislador reconhece que as questões a analisar por via da mesma não são cognoscíveis pelo primeiro, mas apenas por pessoa com conhecimentos específicos adquiridos e certificados numa determinada área científica.

XI. Por outro lado, o condomínio é entidade jurídica abstrata equiparada a pessoa colectiva que não se confunde com a soma de todos ou alguns dos seus condóminos, encontrando-se representada, de acordo com estipulação legal expressa, pelo seu administrador.

XII. Pelo que a determinação do momento do conhecimento dos danos pelo recorrente reconvinte corresponde, necessariamente, e por imposição legal, à determinação do momento do conhecimento dos danos pelo administrador do edifício.

XIII. De acordo com os autos, o administrador do recorrente é uma empresa que tem por objecto a administração de condomínios, dedicando-se, assim, de acordo com a lei e as regras da experiência comum, à cobrança dos créditos; à convocação das assembleias; à contabilidade do edifício; à prestação de cuidados de limpeza, jardinagem, pequena manutenção… de um número de edifícios nunca inferior àquele que permita assegurar a sua viabilidade económica, o que faz a partir de sede e instalações próprias, através da contratação de uma equipa de pessoas para o efeito, de várias vocações, por vínculo laboral e em regime de outsourcing.

XIV. De acordo com regras da experiência comum, de que os tribunais não se devem afastar, o administrador do edifício encontra-se, pois rodeado, de uma cadeia burocrática e técnica complexa composta por várias pessoas que o ligam simultaneamente a uma pluralidade de edifícios, pelo que, por muito eficiente e organizada que seja essa estrutura, o conhecimento, pelo administrador, do que se passa num dado edifício, nunca se poderá fazer à velocidade ou à actualidade exigível, por exemplo, a um habitante do edifício, havendo que distinguir entre estas duas realidades.

XV. Acresce que, como não pode deixar de ser notório – especialmente para o tribunal da comarca respectiva – que os prédios em Vilamoura, onde se situa o edifício em causa, estão em grande parte total ou maioritariamente desocupados fora da época balnear e, portanto, subtraídos à vigilância contínua e diária dos seus proprietários, ao contrário do que sucede noutras áreas do país.

XVI. Um administrador profissional de edifícios depende, pois, sempre, mas principalmente em casos como o sub judice, da informação prestada por terceiros, sendo que neste tipo de caso depende necessariamente de uma pessoa habilitada do ponto de vista técnico, na medida em que em causa se encontram eventos cuja correcta identificação e caracterização (até para efeitos de uma alegação futura em juízo) dependem da formulação de juízos técnico-científicos subtraídos à capacidade do administrador.

XVII. O prazo normal conferido pelos tribunais ao técnico nomeado para a realização de uma perícia a danos em edifícios são 30 dias, a que consabidamente se seguem, não raro, prorrogações sucessivas.

XVIII. Sendo que como se disse, o objectivo da perícia é o de trazer ao tribunal informação probatória subtraída à cognoscibilidade empírica do julgador desprovido de conhecimento científico na área da construção, como também é o caso do administrador.

XIX. Com o devido respeito, o tribunal a quo parece exigir do recorrente reconvinte, na pessoa do administrador, um imediatismo e uma amplitude de conhecimento nestas matérias contrário àquele que vigora de forma patente nas várias dimensões da realidade que nos circunda.

XX. Num contexto como o que até aqui descrevemos, e com todo o respeito, é-nos difícil admitir que possa causar estranheza que defeitos – de cariz técnico, na eventualidade de existirem e de os seus indícios se terem manifestado a dada altura, antes da audiência prévia –, não tenham sido imediatamente conhecidos (identificados, descritos e classificados enquanto tais) pelos legais representantes da empresa administradora, sendo esta entidade e não qualquer outra que releva para os efeitos desse conhecimento.

XXI. O tribunal a quo conclui no seu douto despacho, como já se referiu, que a ré não ofereceu prova da superveniência do conhecimento dos defeitos em relação à audiência prévia, razão pela qual rejeitou liminarmente o articulado.

XXII. Mas no seu articulado, o recorrente, representado legalmente pela sua administração, alega expressamente nos pontos 3 e 4 do articulado, que ficou a conhecer da existência dos danos adicionais agora alegados por via da apresentação do relatório de 17 de Fevereiro de 2022, o qual junta ao articulado e é referido no despacho de indeferimento do mesmo.

XXIII. Os danos alegados no articulado aqui em causa são ipsis verbis aqueles que constam do relatório de 17 de Fevereiro de 2022.

XXIV. Não foi apurada a existência de relatório anterior identificador desses defeitos, desde logo porque não existe.

XXV. A audiência prévia ocorreu cerca de um mês antes da feitura do relatório.

XXVI. Os dados do relatório, designadamente a data da respectiva elaboração aposta pelo técnico que o assina, não se mostram colocados em causa – nem se afiguram razões por que o devam ou possam ser.

XXVII. Se, novamente, estamos a falar de danos de natureza técnica, que entendemos devem e só podem, de facto, ser apurados por quem tem conhecimento da área, parece-nos impossível concluir, muito menos a priori, que a administração do condomínio tinha e devia ter tido conhecimento dos mesmos antes da data do relatório datado de 17 de Fevereiro.

XXVIII. Se o relatório é feito comprovadamente, pela junção do mesmo aos autos, em 17 de Fevereiro 2022, isso significa, por uma questão de lógica, no sentido aristotélico do termo, que não estava concretizado – e logo não podia nunca ter sido comunicado à administração – em Janeiro do mesmo ano ou período anterior a este.

XXIX. Se alegamos, nos pontos 3 e 4, que a administração teve conhecimento de danos adicionais apenas pela comunicação do relatório de 17 de Fevereiro e se oferecemos esse relatório, assinado pelo técnico, como prova desse mesmo facto (indicado como “doc. 1” no final da alegação do ponto 4), não podemos, com todo o respeito, aceitar a afirmação de que o recorrente foi totalmente omisso em juntar prova da superveniência, quando consta do relatório, bem expressa e aposta pelo técnico que o assinou, a data da respectiva elaboração e a mesma não se encontra colocada em crise, sendo notoriamente posterior à audiência prévia.

E ainda que assim não fosse o que jamais se admite:

XXX. Vem o tribunal determinar no seu douto despacho que “(…) o requerimento em causa não configura uma mera ampliação do pedido, nos termos regulados no artigo 265.º, n.º 2, do CPC. Com efeito, a ampliação do pedido (por acrescentamento de outro, da mesma natureza ou não) pelo autor ou pelo reconvinte, apesar de ser admissível até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, implica que essa ampliação seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, o que não se verifica no caso dos autos, uma vez que o pedido ora deduzido assenta em novos factos/defeitos dos inicialmente alegados. E, por esse motivo, não é passível de convolação por parte do Tribunal (artigo 193.º, n.º 3, do CPC).

XXXI. Com todo o respeito, não concordamos com o tribunal a quo na parte em que afirma que a ampliação não configura o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo e que pelo exposto o articulado não pode ser tratado à luz do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, admitindo-se a ampliação requerida até ao encerramento da discussão.

XXXII. A requerida, através do seu articulado, não fez mais que pedir a ampliação do pedido no sentido de chamar aos autos, identificando e quantificando, danos adicional e posteriormente conhecidos decorrentes dos mesmos factos ilícitos reportados ao mesmo contrato de empreitada, e portanto, encerrados no núcleo essencial da mesma causa de pedir da reconvenção.

XXXIII. Conforme se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.06.2018, no processo 16.06.2018: “Se o autor, com base em empreitada defeituosa, acrescenta (…) factos/danos materiais e não patrimoniais, tudo ainda alicerçado em tal empreitada, tal não constitui alteração da causa de pedir ou novo pedido, mas antes, e apenas, ampliação do pedido inicial, num seu mero desenvolvimento e, assim, possível até ao encerramento da discussão em primeira instância – artigo 273.º, n.º 2, do CPC pretérito e 265.º, n.º 2, do actual. (…) não se nos afigura difícil interpretar o caso concreto, no atinente à ampliação do pedido do autor, como um mero desenvolvimento ou consequência do pedido inicial. Pois que ele quadra inequivocamente na mesma causa petendi: empreitada deficiente. (...)”

XXXIV. Podemos ver o mesmo raciocínio interpretativo vertido nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.06.2019, no processo 22392/16.0T8PRT.P1.S1; da Rel. de Évora no processo 1220/13.3TBVNO-B.E1 de 12.02.2015; da Rel. de Lisboa, de 18.02.2020 no proc. 37/19.6TNLSB-A.L1-7; da Rel. Lisboa de 05.07.2018 no processo 1175/13.4T2SNT-B.L1-2, entre outros, com destaque para os excertos citados supra na motivação do presente recurso de pontos 42. a 48., para o teor dos quais se remete.

XXXV. Constituindo os factos alegados no articulado em questão um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, na medida em que são a mera concretização complementar do dano indemnizável por incumprimento contratual que constitui o núcleo essencial da causa de pedir da ação, a qual assim permanece inalterada, encontra-se o requerimento deduzido sujeito aos requisitos e ao prazo previstos no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil no que respeita à sua admissibilidade e não a quaisquer outros, designadamente aos referidos no artigo 588.º.

XXXVI. Pelo tudo quanto se expôs, o articulado liminarmente rejeitado deveria ter sido admitido.

XXXVII. Ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 588.º, n.º 2, 265.º, n.º 2, e 611.º do Código Civil.

A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.


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Questão a resolver: Admissibilidade do articulado superveniente apresentado pelo recorrente.

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Os factos relevantes para a decisão do recurso são os supra descritos.

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Iniciamos a fundamentação deste acórdão indagando se o articulado superveniente apresentado pelo recorrente altera ou amplia a causa de pedir da reconvenção.

Esta causa de pedir é complexa, sendo constituída pela celebração de um contrato de empreitada entre recorrente e recorrida, o alegado cumprimento defeituoso do mesmo contrato por parte da segunda, cumprimento defeituoso esse traduzido em concretos vícios da obra efectuada (reabilitação de um edifício), e os prejuízos daí alegadamente resultantes. Estamos perante os pressupostos da responsabilidade civil contratual, invocada como fundamento jurídico da reconvenção. Apenas na hipótese de todos eles se provarem, a pretensão da recorrente poderá proceder.

Portanto, os concretos defeitos da obra alegados na contestação/reconvenção integram a causa de pedir desta. A causa de pedir não é constituída, além do mais que referimos, por uma genérica existência de defeitos da obra, entendimento este que contrariaria a exigência de concretização factual decorrente do sistema de substanciação consagrado no nosso Direito Processual Civil. Em vez disso, é constituída pelos concretos defeitos da obra alegados pela parte que, com fundamento neles, deduz uma pretensão.

Decorre de quanto acabámos de afirmar que se a parte, posteriormente à alegação de determinados defeitos, vier alegar outros, estará a ampliar a causa de pedir. Não é correcto dizer-se que a causa de pedir permanece intocada perante uma invocação de novos defeitos na realização da obra.

Sendo assim, a ampliação do pedido de condenação da recorrida no pagamento de uma indemnização com fundamento nos defeitos na execução da obra alegados no articulado superveniente ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC nunca seria admissível. A isso se oporia, desde logo, o regime, marcadamente restritivo, estabelecido no n.º 1 do mesmo artigo. Tal ampliação do pedido, porque assenta numa ampliação da causa de pedir decorrente de factos supervenientes, tem de passar pelo crivo do artigo 588.º do CPC.

O n.º 1 do artigo 588.º do CPC estabelece que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. O n.º 2 do mesmo artigo define o que são factos supervenientes, considerando como tais, por um lado, os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes (superveniência objectiva) e, por outro, os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos (superveniência subjectiva).

No caso dos autos, é pacífico que os factos alegados no articulado superveniente que o recorrente apresentou não são objectivamente supervenientes. Trata-se de alegados defeitos decorrentes de uma deficiente execução da obra por parte da recorrida, logo anteriores à própria propositura da acção. Aquilo que está em discussão é se tais factos podem ser considerados subjectivamente supervenientes.

A parte final do n.º 2 do artigo 588.º do CPC estabelece que, se os factos alegados forem subjectivamente supervenientes, deve produzir-se prova dessa superveniência. Para se poder produzir tal prova, têm de ser alegados os factos dos quais, no entendimento da parte que apresente o articulado, resulte aquela superveniência.

Entendeu-se, no despacho recorrido, que a recorrente não alegou e não ofereceu prova do momento em que tomou conhecimento dos defeitos da obra descritos no articulado superveniente. Mais, entendeu-se que tudo aponta no sentido de que a apresentação tardia do articulado é imputável à recorrente, atenta a natureza e a ostensividade dos defeitos da obra ali alegados. Com base em tal argumentação, concluiu-se pela inadmissibilidade legal do articulado superveniente, o que determinou o indeferimento liminar deste.

Não acompanhamos este entendimento.

No articulado superveniente, o recorrente alegou que, na sequência de contactos de condóminos que afirmavam terem notado a degradação do aspecto do edifício, a administração pediu a um técnico especializado que se deslocasse ao local a fim de identificar e avaliar as queixas apresentadas (artigo 3.º) e que, após exame, mais precisamente em 17.02.2022, o referido técnico apresentou à administração um relatório em que descreveu defeitos adicionais da obra (artigo 4.º). Está aqui suficientemente alegada a superveniência do conhecimento dos defeitos em causa por parte do condomínio. Por outro lado, o recorrente apresentou meios de prova dessa superveniência, ao juntar o relatório em causa, indicar que foi a administração do condomínio quem o solicitou e em que circunstâncias o fez e identificar o técnico que o elaborou. Tudo isto constitui matéria acerca da qual o tribunal a quo poderá proceder às indagações que entender.

Ao contrário do tribunal a quo, consideramos que nada aponta no sentido de que a apresentação do articulado em questão seja tardia por negligência do recorrente. Por um lado, muitos dos defeitos alegados no articulado superveniente não são ostensivos. Os repasses de água decorrem de defeitos que, normalmente, são de difícil detecção a olho nu e apenas se manifestam quando chove. A oxidação de elementos metálicos só se verifica com o decurso do tempo. Fissurações num edifício também são dificilmente visíveis, a menos que assumam dimensões anormais ou que se proceda a uma verificação minuciosa daquele com vista à sua detecção. Por outro lado, deve ter-se em consideração que estamos perante um pedido reconvencional, deduzido dentro do prazo da contestação, que o condomínio se encontra representado pela empresa que o administra e que esta só toma conhecimento dos defeitos que se manifestam nas fracções autónomas na sequência de denúncia dos proprietários destas. Foi na sequência dessas denúncias que a administração, diligentemente, contratou um técnico para verificar os problemas denunciados e elaborar um relatório dessa verificação, junto com o articulado superveniente. Tudo isto corresponde àquilo que é a normalidade da vida, não havendo fundamento para apontar qualquer falta de diligência ao recorrente.

A relevância dos factos alegados para a boa decisão da causa não está em discussão no presente recurso.

Decorre do exposto que inexiste fundamento para o indeferimento liminar do articulado superveniente que o recorrente apresentou, pelo que o segmento do despacho do tribunal a quo que foi objecto de recurso deverá ser revogado. O referido articulado deverá ser liminarmente admitido, cumprindo o tribunal a quo a tramitação subsequente.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrida, que ficou vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu liminarmente o articulado superveniente apresentado pelo recorrente, admitindo-se liminarmente esse articulado e ordenando-se que o tribunal a quo cumpra a tramitação subsequente.

Custas a cargo da recorrida.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 12.01.2023

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Cristina Dá Mesquita