Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA SEPARAÇÃO DE BENS PREFERÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 12/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O alegado integral pagamento da prestação mensal decorrente do contrato de mútuo, não obstante a fração apenas lhe pertença por metade, já que a outra metade pertence ao credor hipotecário, e apesar de o Recorrente ocupar plena e exclusivamente a fração que só por metade lhe pertence, é questão que deverá resolver junto do novo comproprietário, não contendendo com o objeto do processo de insolvência ou respetivos incidentes. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Autor: (…) Recorridos / Réus: Massa Insolvente de (…) (…) Banco, SA Trata-se de uma ação declarativa de condenação instaurada por apenso ao processo de insolvência através da qual o A, invocando a sua qualidade de comproprietário de fração autónoma identificada nos autos, peticiona que os RR sejam citados nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CIRE, lavrando-se no processo de insolvência o termo versado no n.º 3 da citada disposição legal, e que seja declarada a nulidade da venda de direito a ½ sobre essa mesma fração, direito esse de que era titular (…), declarada insolvente. Quer a Massa Insolvente quer o (…) Banco contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência. II – O Objeto do Recurso Foi proferido saneador sentença julgando a ação totalmente improcedente. Inconformado, o A apresentou-se a recorrer. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: «O recorrente discorda da decisão O recorrente não se revê na decisão Pois está a recorrente a pagar a totalidade do imóvel quando metade não lhe pertence O recorrente não foi notificado desta venda O recorrente devia o ter sido para exercer direito de preferência O recorrente não percebe a razão de não ter sido julgado julgamento Ou, a recorrente ter sido condenada pois não contestou nem a massa» Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar se existe fundamento para alterar a decisão recorrida. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1 – (…) foi declarada insolvente através de sentença proferida a 29/3/2016. 2 - Na assembleia de credores realizada a 24/5/2016 foi concluído que o património de (…) seria liquidado. 3 - Foi apreendido ½ indiviso respeitante à fração autónoma identificada com a letra “M” descrita na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º …/Odivelas (cfr. auto de apreensão que integra o apenso C – apreensão de bens). 4 - O referido imóvel fora comprado pela ora insolvente e o autor, cujo registo de aquisição configura a apresentação n.º … de 15/5/2007. 5 - De tal apreensão foi dado imediato conhecimento ao ora autor (cfr. documentação anexo ao próprio auto de apreensão que integra o apenso C – apreensão de bens). 6 - O autor manifestou interesse na aquisição do referido ½ indiviso da fração autónoma, conforme resulta, nomeadamente, do requerimento do Sr. AI autuado a 15/12/2016 no âmbito do apenso B – Liquidação. 7 - O autor não concretizou a aludida aquisição. 8 - O (…) Banco, SA concretizou proposta de aquisição do aludido ½ indiviso da fração autónoma. 9- A 25/7/2018, foi outorgada escritura pública de venda do referido ½ indiviso da fração autónoma ao credor hipotecário (…) Banco, SA (cfr. requerimento autuado a 27/7/2018 pelo Sr. AI no apenso B – liquidação). B – O Direito O recorrente não se conforma com a venda ao (…) Banco, credor hipotecário, do direito a ½ sobre a fração autónoma, direito esse de que era proprietária a insolvente. Até por que vem cumprindo o pagamento pontual das prestações devidas em face do contrato de mútuo constituído com hipoteca. Ora, o Recorrente apresentou-se a juízo identificando a ação proposta como aquela a que se refere o art. 146.º do CIRE, sinalizando que pretendia obter a separação de bens em virtude de ter sido apreendido o direito sobre a fração autónoma e sobre esta a insolvente não ter a plena e exclusiva propriedade – cfr. art. 141.º, n.º 1, al. c), do CIRE. Mais peticionou que fosse declarada a nulidade da venda operada em sede de liquidação do ativo. Nas alegações apresentadas no presente recurso, o recorrente faz apelo ao seguinte: - inexiste incumprimento do dever de pagamento das prestações; - não lhe foi dado conhecimento da apreensão da metade da insolvente sobre a fração; - só tomou conhecimento da venda mediante comunicação pelo administrador do condomínio; - a presente ação não visa só a separação de bens, mas pretendia-se que lhe fosse dada a possibilidade de aquisição do bem na sua totalidade, o que não veio a acontecer; - trata-se da casa de morada de família, que se vê esbulhada de metade, continuando a pagar a totalidade da mensalidade; - a recorrida não respondeu e devia ter sido condenada; - não devia ter sido proferida sentença. Os autos de liquidação, porém, demonstram que foi dado conhecimento ao Recorrente da apreensão do direito da insolvente na fração autónoma de que ele é comproprietário. E mais demonstram que, não obstante se terem reportado várias diligências no sentido de o Recorrente adquirir esse direito, dando-se conta de sucessivas iniciativas para obter crédito bancário que lhe permitisse concretizar tal aquisição, veio a gorar-se a celebração de tal negócio jurídico pelo Recorrente. Então, o AI aceitou a proposta de aquisição avançada pelo credor hipotecário, na sequência do que foi outorgada a escritura pública. O recorrente sustenta que não lhe foi dado conhecimento dessa proposta, não lhe tendo sido concedido o direito de preferir nesse negócio. Ainda que assim seja, certo é que daí não decorre que a venda enferme de nulidade. Nos termos do disposto no art. 165.º do CIRE, aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo. E do regime conjugado dos arts. 811.º, n.º 2 e 819.º, n.ºs 1 e 2, do CPC resulta que os titulares de direito de preferência devem ser notificados dos elementos do negócio da venda particular para poderem exercer o seu direito, sendo que a falta dessa notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular. Decorre do citado regime legal que a falta de notificação do preferente não gera nulidade processual, tendo apenas como consequência a possibilidade de o preferente exercer o seu direito em ação de preferência, a propor nos termos gerais.[1] Devendo entender-se a expressão venda particular como referida a um normal contrato do compra e venda celebrado entre particulares, ou seja, sem qualquer intervenção do tribunal, a consequência é a de poder o preferente intentar, no prazo e nas condições previstas na lei substantiva (ver art. 1410.º do CC), a competente ação de preferência.[2] Compulsada a petição inicial, e contrariamente ao ora propugnado pelo Recorrente, constata-se que a presente ação não configura uma ação de preferência, a ação através da qual se reivindica o direito de haver para si o direito alienado, nos exatos termos em que teve lugar a alienação, depositando-se o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação – cfr. art. 1410.º, n.º 1, do CC. O que nesta ação foi peticionado foi que se operasse o regime inserto no art. 146.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE e que se declarasse nula ou seja, sem efeito, a venda realizada em favor do (…) Banco. O que, como se deixou exposto, é destituído de fundamento. O alegado integral pagamento da prestação mensal decorrente do contrato de mútuo, não obstante a fração apenas lhe pertença por metade, já que a outra metade pertence ao credor hipotecário, e apesar de o Recorrente ocupar plena e exclusivamente a fração que só por metade lhe pertence, é questão que deverá resolver junto do novo comproprietário, não contendendo com o objeto do processo de insolvência ou respetivos incidentes. Ambos os réus contestaram a ação; a insolvente não é parte na ação. Note-se, no entanto, que do disposto no art. 567.º, n.ºs 1 e 2, do CPC resulta que, ainda que houvesse pela parte dos réus, a confissão dos factos articulados pelo autor por falta de contestação, impunha-se a decisão da causa conforme o direito, e não a procedência, sem mais, da pretensão deduzida pelo autor. Assim se constata o acerto da decisão recorrida, sendo certo que o processo dispunha já de todos os elementos para a sua prolação. As custas recaem sobre o Recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC), sendo certo que não está demonstrado ter-lhe sido concedido o apoio judiciário requerido. IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Évora, 19 de dezembro de 2019 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] Cfr. Acs. STJ de 09/05/2002 (Salvador da Costa), TRP de 23/11/2006 (Pinto de Almeida), TRL de 04/12/2007 (Rui Vouga). [2] Ac. TRE de 13/12/2011 (João Gonçalves Marques). |