Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
785/16.2T8STR-E.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SEPARAÇÃO DE BENS
PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O alegado integral pagamento da prestação mensal decorrente do contrato de mútuo, não obstante a fração apenas lhe pertença por metade, já que a outra metade pertence ao credor hipotecário, e apesar de o Recorrente ocupar plena e exclusivamente a fração que só por metade lhe pertence, é questão que deverá resolver junto do novo comproprietário, não contendendo com o objeto do processo de insolvência ou respetivos incidentes.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: (…)

Recorridos / Réus: Massa Insolvente de (…)
(…) Banco, SA

Trata-se de uma ação declarativa de condenação instaurada por apenso ao processo de insolvência através da qual o A, invocando a sua qualidade de comproprietário de fração autónoma identificada nos autos, peticiona que os RR sejam citados nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CIRE, lavrando-se no processo de insolvência o termo versado no n.º 3 da citada disposição legal, e que seja declarada a nulidade da venda de direito a ½ sobre essa mesma fração, direito esse de que era titular (…), declarada insolvente.
Quer a Massa Insolvente quer o (…) Banco contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência.


II – O Objeto do Recurso

Foi proferido saneador sentença julgando a ação totalmente improcedente.

Inconformado, o A apresentou-se a recorrer. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«O recorrente discorda da decisão
O recorrente não se revê na decisão
Pois está a recorrente a pagar a totalidade do imóvel quando metade não lhe pertence
O recorrente não foi notificado desta venda
O recorrente devia o ter sido para exercer direito de preferência
O recorrente não percebe a razão de não ter sido julgado julgamento
Ou, a recorrente ter sido condenada pois não contestou nem a massa»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se existe fundamento para alterar a decisão recorrida.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1 – (…) foi declarada insolvente através de sentença proferida a 29/3/2016.
2 - Na assembleia de credores realizada a 24/5/2016 foi concluído que o património de (…) seria liquidado.
3 - Foi apreendido ½ indiviso respeitante à fração autónoma identificada com a letra “M” descrita na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º …/Odivelas (cfr. auto de apreensão que integra o apenso C – apreensão de bens).
4 - O referido imóvel fora comprado pela ora insolvente e o autor, cujo registo de aquisição configura a apresentação n.º … de 15/5/2007.
5 - De tal apreensão foi dado imediato conhecimento ao ora autor (cfr. documentação anexo ao próprio auto de apreensão que integra o apenso C – apreensão de bens).
6 - O autor manifestou interesse na aquisição do referido ½ indiviso da fração autónoma, conforme resulta, nomeadamente, do requerimento do Sr. AI autuado a 15/12/2016 no âmbito do apenso B – Liquidação.
7 - O autor não concretizou a aludida aquisição.
8 - O (…) Banco, SA concretizou proposta de aquisição do aludido ½ indiviso da fração autónoma.
9- A 25/7/2018, foi outorgada escritura pública de venda do referido ½ indiviso da fração autónoma ao credor hipotecário (…) Banco, SA (cfr. requerimento autuado a 27/7/2018 pelo Sr. AI no apenso B – liquidação).

B – O Direito
O recorrente não se conforma com a venda ao (…) Banco, credor hipotecário, do direito a ½ sobre a fração autónoma, direito esse de que era proprietária a insolvente. Até por que vem cumprindo o pagamento pontual das prestações devidas em face do contrato de mútuo constituído com hipoteca.
Ora, o Recorrente apresentou-se a juízo identificando a ação proposta como aquela a que se refere o art. 146.º do CIRE, sinalizando que pretendia obter a separação de bens em virtude de ter sido apreendido o direito sobre a fração autónoma e sobre esta a insolvente não ter a plena e exclusiva propriedade – cfr. art. 141.º, n.º 1, al. c), do CIRE.
Mais peticionou que fosse declarada a nulidade da venda operada em sede de liquidação do ativo.
Nas alegações apresentadas no presente recurso, o recorrente faz apelo ao seguinte:
- inexiste incumprimento do dever de pagamento das prestações;
- não lhe foi dado conhecimento da apreensão da metade da insolvente sobre a fração;
- só tomou conhecimento da venda mediante comunicação pelo administrador do condomínio;
- a presente ação não visa só a separação de bens, mas pretendia-se que lhe fosse dada a possibilidade de aquisição do bem na sua totalidade, o que não veio a acontecer;
- trata-se da casa de morada de família, que se vê esbulhada de metade, continuando a pagar a totalidade da mensalidade;
- a recorrida não respondeu e devia ter sido condenada;
- não devia ter sido proferida sentença.
Os autos de liquidação, porém, demonstram que foi dado conhecimento ao Recorrente da apreensão do direito da insolvente na fração autónoma de que ele é comproprietário. E mais demonstram que, não obstante se terem reportado várias diligências no sentido de o Recorrente adquirir esse direito, dando-se conta de sucessivas iniciativas para obter crédito bancário que lhe permitisse concretizar tal aquisição, veio a gorar-se a celebração de tal negócio jurídico pelo Recorrente. Então, o AI aceitou a proposta de aquisição avançada pelo credor hipotecário, na sequência do que foi outorgada a escritura pública.
O recorrente sustenta que não lhe foi dado conhecimento dessa proposta, não lhe tendo sido concedido o direito de preferir nesse negócio. Ainda que assim seja, certo é que daí não decorre que a venda enferme de nulidade.
Nos termos do disposto no art. 165.º do CIRE, aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo. E do regime conjugado dos arts. 811.º, n.º 2 e 819.º, n.ºs 1 e 2, do CPC resulta que os titulares de direito de preferência devem ser notificados dos elementos do negócio da venda particular para poderem exercer o seu direito, sendo que a falta dessa notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular.
Decorre do citado regime legal que a falta de notificação do preferente não gera nulidade processual, tendo apenas como consequência a possibilidade de o preferente exercer o seu direito em ação de preferência, a propor nos termos gerais.[1] Devendo entender-se a expressão venda particular como referida a um normal contrato do compra e venda celebrado entre particulares, ou seja, sem qualquer intervenção do tribunal, a consequência é a de poder o preferente intentar, no prazo e nas condições previstas na lei substantiva (ver art. 1410.º do CC), a competente ação de preferência.[2]
Compulsada a petição inicial, e contrariamente ao ora propugnado pelo Recorrente, constata-se que a presente ação não configura uma ação de preferência, a ação através da qual se reivindica o direito de haver para si o direito alienado, nos exatos termos em que teve lugar a alienação, depositando-se o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação – cfr. art. 1410.º, n.º 1, do CC. O que nesta ação foi peticionado foi que se operasse o regime inserto no art. 146.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE e que se declarasse nula ou seja, sem efeito, a venda realizada em favor do (…) Banco. O que, como se deixou exposto, é destituído de fundamento.
O alegado integral pagamento da prestação mensal decorrente do contrato de mútuo, não obstante a fração apenas lhe pertença por metade, já que a outra metade pertence ao credor hipotecário, e apesar de o Recorrente ocupar plena e exclusivamente a fração que só por metade lhe pertence, é questão que deverá resolver junto do novo comproprietário, não contendendo com o objeto do processo de insolvência ou respetivos incidentes.
Ambos os réus contestaram a ação; a insolvente não é parte na ação. Note-se, no entanto, que do disposto no art. 567.º, n.ºs 1 e 2, do CPC resulta que, ainda que houvesse pela parte dos réus, a confissão dos factos articulados pelo autor por falta de contestação, impunha-se a decisão da causa conforme o direito, e não a procedência, sem mais, da pretensão deduzida pelo autor.
Assim se constata o acerto da decisão recorrida, sendo certo que o processo dispunha já de todos os elementos para a sua prolação.

As custas recaem sobre o Recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC), sendo certo que não está demonstrado ter-lhe sido concedido o apoio judiciário requerido.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 19 de dezembro de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos
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[1] Cfr. Acs. STJ de 09/05/2002 (Salvador da Costa), TRP de 23/11/2006 (Pinto de Almeida), TRL de 04/12/2007 (Rui Vouga).
[2] Ac. TRE de 13/12/2011 (João Gonçalves Marques).